Discurso durante a 212ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração do centenário de nascimento dos cantores e compositores Noel Rosa e Adoniran Barbosa.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do centenário de nascimento dos cantores e compositores Noel Rosa e Adoniran Barbosa.
Publicação
Publicação no DSF de 17/12/2010 - Página 59078
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, CANTOR, COMPOSITOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REGISTRO, TRECHO, OBRA MUSICAL, ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, MUSICA BRASILEIRA, VALORIZAÇÃO, VIDA, POVO.
  • REGISTRO, OCORRENCIA, CIDADE, BRASIL, ESPETACULO, COMEMORAÇÃO, CENTENARIO, MUSICO, ELOGIO, FILME DOCUMENTARIO, BIOGRAFIA.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Sem revisão do orador.) - Prezado Presidente Senador Mão Santa, querido Senador Inácio Arruda, co-autor de nosso requerimento, prezado Sr. David Medeiros Rosa de Melo, que é bisneto de Noel Rosa, querida maestrina Glicínia Mendes e todos os amigos do Coral do Senado, sinto-me muito honrado de algumas vezes poder compartilhar do canto, tão bom, em tantas oportunidades.

            Querido Senador Geraldo Mesquita, V. Exª deu aqui também o bom exemplo. Tendo em conta que os Senadores Mão Santa e Inácio Arruda já colocaram tão bem os pontos principais da vida desses grandes compositores, Noel Rosa e Adoniran Barbosa, eu poderei ser mais breve. Quero, aqui, sobretudo relembrar com alegria o noticiário desses últimos dias que tem sido transmitido a mim por pessoas de todo o Brasil, no último sábado, quando Noel Rosa teria completado 100 anos. Não foi apenas lá em Vila Isabel, Estácio, Lapa, Leblon, Copacabana ou em todos os lugares do Rio de Janeiro, mas ouvi professores dizendo: “Ah, eu estive ontem em Goiânia e ali todos os bares estavam cantando as músicas de Noel Rosa”. E, lá por São Paulo, ao longo das últimas semanas, todos os bares, do Brás, do Bixiga, de Jaçanã, onde Adoniran Barbosa morou por bom tempo, ali, todos os lugares da tarde, da noite estavam cantando as músicas de ambos os cantores e compositores maravilhosos Adoniran Barbosa e Noel Rosa.

            Adoniran, conforme o Senador Inácio Arruda colocou, assim como Noel Rosa compartilharam composições com alguns dos nossos mais brilhantes compositores e cantores. Entre outras canções maravilhosas que Adoniran compôs está aquela que fez com o poetinha Vinícius de Moraes, que certo dia encaminhou para Aracy de Almeida o poema “Bom Dia, Tristeza” e disse: “Faça o que você quiser”. Adoniran estava ao seu lado, então Aracy falou com ele, que se propôs a compor uma música tão bonita que, entre outras cantoras, foi cantada por Maysa Monjardim, que era Matarazzo, minha tia, e que fez coisas tão significativas também com essas músicas.

            Eu gostaria de aqui salientar dados relativos ao filme “Noel - Poeta da Vila”, que Ricardo Van Steen dirigiu recentemente com Paulo Cesar Pereio, Camila Pitanga, Rafael Raposo (Noel Rosa), Flávio Bauraqui, Rui Resende, Eduardo Gallotti, Fábio Lago, o meu filho Supla, que é Eduardo Suplicy, fez o papel de Mário Lago, Fábio Barreto, Roberta Rodrigues entre outros, um filme que eu recomendo a todos vocês que querem apreciar mais a vida de Noel Rosa e este grande compositor Adoniran Barbosa, ou João Rubinato, que transformou cada situação por ele vivida em um novo personagem, uma nova história, um novo samba, pois por suas músicas ele contou as passagens de sua vida.

            Tipicamente paulistano, filho de italianos, conseguiu colocar a linguagem, como Antonio Cândido mencionou e Inácio Arruda, de uma maneira tão especial, sintetizando tudo aquilo que é essa extraordinária metrópole onde eu nasci e vivo, além de trabalhar aqui em Brasília. Mas ali as pessoas fazem com que São Paulo corra, ranja, solte fumaça por suas ventas. Ele juntava o paradoxo do bom humor e da realidade para mostrar as passagens muitas vezes sofridas da vida das pessoas e justificava: “Pra que lamúrias?”

            Ele tirou do seu dia a dia a idéia e os personagens de suas músicas. Certo dia, por exemplo, ele leu no jornal a história de Iracema, que havia sido atropelada na Avenida São João, e logo criou:

...Iracema, eu sempre dizia

Cuidado ao atravessar essas rua...

Eu falava, mas você não escuitava não.

Iracema, você travessô contramão.

E hoje ela vive lá no céu,

E ela vive bem juntinho de nosso Senhô...

De lembrança, guardo somente suas meias e seus sapatos...

Iracema, eu perdi o seu retrato...

            Ora, Adoniran Barbosa nasceu e viveu pobre. Quase todo o dinheiro que ele ganhou gastou ajudando, comemorando com seus amigos. Seu combustível era a realidade. Então, por que viver fora dela? Era assim o seu lema. Foi um grande colecionador de amigos, com seu jeito simples, sua fala rouca, contador nato de histórias. Conquistava o pessoal do bairro, dos frequentadores dos botecos onde se sentava para compor, batucar o que os cariocas reverenciavam como o único, o verdadeiro samba de São Paulo. Mais do que sambista, Adoniran foi o cantor da integridade.

            Aproveitando-se da linguagem popular paulistana, de resto o próprio País, as músicas dele são o retrato exato dessa linguagem. E como a linguagem determina o próprio discurso, os tipos humanos que surgem desse discurso representam um dos painéis mais importantes da cidadania brasileira.

            Eis aqui tão belo este desenho dos dois, que nesta homenagem foi colocado.

            Os despejados das favelas, os engraxates, a mulher submissa que se revolta e abandona a casa, o homem solitário, social e existencialmente solitário, estão intactos nas criações de Adoniran, no humor com que descreve as cenas do cotidiano. A tragédia da exclusão social dos sambistas se revela como a tragicômica cena de um país que subtrai de seus cidadãos, muitas vezes, a sua própria dignidade.

            O sucesso, por exemplo, de Saudosa Maloca, o primeiro grande sucesso do compositor, já trouxe inscritas as suas marcas quando ele disse:

Se o senhor não tá lembrado

Dá licença de contá

Que aqui onde agora está

Esse edifício arto

Era uma casa veia

Um palacete assobradado.

Foi aqui seu moço

que eu Mato Grosso e o Joca

construímo nossa maloca

mas um dia, nóis nem pode se alembrá

veio os home co’as ferramenta

o dono mandô derrubá.

Peguemo todas nossas coisa

e fumos pro meio da rua

apreciá a demolição

que tristeza que nóis sentia

cada táuba que caía

duía no coração...

Mato Grosso quis gritá

mas em cima eu falei:

os home tá co‘a razão nóis arranja outro lugá.

Só se conformemo quando o Joca falô::

Deus dá o frio conforme o cubertô.

E hoje nóis pega a páia nas grama do jardim

E prá isquecê nóis cantemo assim:

Saudosa maloca, maloca querida,

Dim dim donde nóis passemo os dias feliz de nossas vida

Saudosa maloca,maloca querida,

Dim dim donde nóis passemo os dias feliz de nossas vidas.

            Há outra música tão linda e das mais apreciadas e cantadas pelo povo brasileiro que eu agora convido todos vocês para cantar juntos porque eu vou me juntar ao coral do Senado, sob a maestria Glicínia.

            Então, convidamos todos para cantar, vocês já sabem, o “Samba do Arnesto.”

 

            


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/12/2010 - Página 59078