Discurso durante a 35ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca da decisão do Supremo Tribunal Federal que decidiu pela inaplicabilidade da "Lei da Ficha Limpa" nas eleições realizadas em outubro de 2010.

Autor
Marinor Brito (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: Marinor Jorge Brito
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO ELEITORAL.:
  • Considerações acerca da decisão do Supremo Tribunal Federal que decidiu pela inaplicabilidade da "Lei da Ficha Limpa" nas eleições realizadas em outubro de 2010.
Aparteantes
Pedro Taques.
Publicação
Publicação no DSF de 25/03/2011 - Página 8259
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
Indexação
  • CRITICA, GILMAR MENDES, PRESIDENTE, LUIZ FUX, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DECISÃO, VOTAÇÃO, INAPLICABILIDADE, LEGISLAÇÃO, INELEGIBILIDADE, REU, CORRUPÇÃO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª MARINOR BRITO (PSOL - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, a aprovação, pelo Congresso Nacional, da Lei nº 135, de 2010, conhecida como a Lei da Ficha Limpa, atendeu ao clamor de 1,6 milhão brasileiros e brasileiras, mas também representou uma importante iniciativa de limpar a imagem combalida desta Casa, depois de tantos e tão frequentes escândalos envolvendo Parlamentares.

            Os últimos anos foram marcados por mensalões, quadrilhas assaltando recursos da saúde, apenas para citar alguns casos.

            Em relação aos posicionamentos dos Ministros do Supremo na votação de ontem, entendi que merecemos fazer uma análise e dar uma resposta desta Casa a alguns aspectos relevantes, como, por exemplo, o voto do Ministro Gilmar Mendes.

            O Ministro afirmou que cabe àquela Corte “defender o cidadão contra a sua própria sanha”, num total desrespeito à vontade do povo brasileiro. Disse, ainda, que “é preciso ter cuidado com esse tipo de interesse, o sentimento popular.” Em determinado momento, ao criticar o período de inelegibilidade estabelecido na lei, o Ministro afirmou que talvez esta Casa devesse ter uma consulta num psiquiatra. Vou repetir: que talvez esta Casa devesse ter uma consulta num psiquiatra. Disse que o “tema não é jurídico, é para a psiquiatria jurídica”.

            O que o Ministro não disse é se ele estava indicando aos Senadores da República, aos Congressistas brasileiros, um tratamento antimanicomial - humanizado, portanto -, ou se indicava camisa de força aos congressistas.

            A postura do Ministro sintetiza uma postura que vem se consolidando no STF, colocando um órgão que deveria garantir o cumprimento da Constituição como um órgão que legisla por cima de quem foi indicado para tal tarefa, no caso, o Congresso Nacional. São uma afronta, perante o Poder Legislativo, as palavras ofensivas do Ministro Gilmar Mendes.

            Mas, certamente, ninguém, nem mesmo o Ministro Gilmar Mendes, conseguiu surpreender mais que o novo Ministro Fux.

            Tive oportunidade, como vários de V. Exªs tiveram, de participar de sua arguição neste Casa. Relendo cuidadosamente as notas taquigráficas dessa reunião, pude e quero relembrar o que disse o Ministro Fux quando veio pedir a nossa aprovação.

            Destaquei alguns trechos de seu pronunciamento. Sobre a Justiça, ele disse:

(...) e justiça é algo que não se aprende, justiça é algo que se sente; os juízes sentem o que é justo. Assim o era no Direito Romano.

            O que será que o Ministro Fux e os demais Ministros do STF sentiram ao colocar, Senador Paulo Paim, na lata do lixo uma lei de iniciativa popular, aprovada pelo consenso das duas Casas legislativas e que contava com ampla aprovação para que a mesma tivesse validade para o pleito de 2010?

            Sobre a sua ida para o STF, ele afirmou:

O senhor quer ir para o Supremo Tribunal Federal?’ Eu disse: eu quero. Eu sonho com isso, porque eu acho que o soldado que não quer ir ao generalato tem que ir embora do Exército.

            E conseguiu. O Ministro Fux chegou ao generalato, ao cargo mais alto que um juiz pode cobiçar. E qual foi a sua postura na primeira votação de que participou? A de virar as costas para o povo que, por meio de seus representantes, lhe conferiu tão alta honra.

            Em determinado momento, ele afirmou que “é absolutamente inconcebível a politização do Judiciário”. E foi exatamente o contrário que presenciamos na votação de ontem no Supremo, uma afronta à decisão política do povo brasileiro, tomada, legitimamente, pelo Congresso Nacional. Mais uma vez, o STF decidiu extrapolar suas competências, politizou-se e afrontou a vontade do povo brasileiro.

            Na arguição, o Sr. Fux foi enfático na defesa da soberania popular. Ele disse:

No que toca à soberania popular, eu diria a V. Exª, com a exegese elástica, com a interpretação elástica que esse dispositivo oriundo da revolução americana ostenta, que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes.

            Mas, na primeira oportunidade, o Ministro Fux decidiu escolher o lado daqueles que, por meio da politização do Judiciário, enterraram a divisão e a harmonia entre os Poderes da República.

            E finalizo as citações com o seu posicionamento, mesmo que escorregadio, sobre a Lei do Ficha Limpa, disse o Ministro, na oportunidade:

(...) em relação à questão do Ficha Limpa, por exemplo, que efetivamente está sub judice, há dois critérios em contraposição: o critério da irretroatividade e o critério da possibilidade de um juiz poder individualizar, especificar a pena de cada caso concreto - isso não interferiria no processo eleitoral.

            Foram estas as suas palavras textuais.

            Bem, fiz questão de ouvir atentamente o seu voto durante a sessão de ontem. E é claro que há uma enorme distância entre os dois Fux. Ontem, ele disse ter-se convencido de que a anterioridade eleitoral é uma garantia para as minorias, que não se verão surpreendidas no ano de eleição com mudanças eminentes, realizadas pela maioria, “muitas vezes impopulares”. De que maioria e minoria o nobre Ministro estava falando? A maioria do povo brasileiro se manifestou pela vigência da Lei Complementar, em 2010, seja por meio de seus representantes no Congresso Nacional que, por decisão unânime, aprovaram a Lei da Ficha Limpa, seja pela consulta dos institutos de pesquisa sobre a questão. As maiorias que foram barradas pela Lei do Ficha Limpa, estas, sim, Senador Paim, viram-se representadas no voto do Sr. Fux.

            Pois não, Senador. Concedo o aparte a V. Exª.

            O Sr. Pedro Taques (Bloco/PDT - MT) - Senadora Marinor, vejo que essa decisão do Supremo Tribunal Federal de ontem é lamentável do ponto de vista constitucional. Alguns dizem que decisão judicial não se debate, não se discute. E eu não me coloco nesse grupo. Decisão judicial se cumpre. Não estamos aqui defendendo o não-cumprimento de decisão judicial. Agora, decisão judicial, no estado democrático de Direito, se debate e se discute, notadamente por Parlamentares que têm o direito constitucional à opinião, conforme o art. 53, da Lei Fundamental. Os argumentos daqueles que entendem que a Lei da Ficha Limpa não possa ser aplicada na eleição de 2010, com todo o respeito devido, são argumentos falhos do ponto de vista constitucional. Respeito a decisão dos Ministros do Supremo, mas com ela não concordo. E, se V. Exª me permitir, gostaria de manifestar minha opinião. Primeiro ponto: o argumento de que a Lei fere o art. 16 da Constituição Federal. O art. 16 da Constituição Federal fala em processo eleitoral. E processo eleitoral é norma adjetiva. O processo eleitoral se inicia, de acordo com o Código Eleitoral desde 1965, e também o de 1932, com o registro das candidaturas após as convenções, com a votação, com a apuração, proclamação dos resultados e termina com a diplomação. Isso é processo eleitoral, de acordo com a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que assim decidiu, em 2007, ao entender que a Lei Complementar nº 64, de 1990, é constitucional. Muito bem. Não ofende o art. 16 da Constituição, porque, no art. 16, a vontade do legislador constituinte, historicamente, foi de evitar mudanças casuísticas que pudessem beneficiar ou prejudicar determinado grupo vulnerável. Não é o caso da Lei da Ficha Limpa. Portanto, o art. 16 da Constituição Federal em nenhum momento restou ferido pela Lei da Ficha Limpa. O segundo argumento: de que seria uma norma que prejudicaria o que estava no passado, ou seja, proibição de uma norma de natureza penal ou indiretamente penal que pudesse retroagir. Argumento falho do ponto de vista constitucional, porque, quando o legislador constituinte - e isso vem de Constituições antigas e da Carta do João Sem Terra, de 1215 -, quando a Constituição, no seu art. 5º, inciso LVI, fala que a norma penal não pode retroagir salvo para beneficiar, está tratando de pena que possa infringir um cidadão. Pena. Já vou terminar o meu aparte, Srª Senadora. Causa de inelegibilidade não é pena. Causa de inelegibilidade não é pena no sentido técnico jurídico. É pena no sentido popular para aqueles que corrompem o que se denomina de República. Para esses, no sentido popular, é pena. Muito bem. O art. 5º, inciso LVI, da mesma forma, não restou ferido em nenhum momento, a não ser que cheguemos à conclusão de que causa de inelegibilidade seja pena, e pena é algo que ofende direito individual,; a não ser que possamos entender que agentes políticos estejam fazendo dos Poderes Executivo e do Legislativo algo de negócio. Aí seria pena, porque as causas de inelegibilidade visam a proteger direitos políticos daqueles que têm participação política na defesa do que é coletivo. Coletivo, não para proteção deste tipo de direito individual. Portanto, associo-me a V. Exª nesta discussão. A decisão foi lamentável do ponto de vista de um Estado que quer firmar os princípios do republicanismo, de onde decorre a chamada honestidade cívica que esta Lei visa a proteger. Parabenizo V. Exª pela sua fala.

            A SRª MARINOR BRITO (PSOL - PA) - Agradeço o aparte de V. Exª. Também digo aqui que muitos juristas neste Brasil, o próprio Tribunal Superior Eleitoral, o próprio Ministério Público Federal, a Procuradoria Geral da República têm se movimentado nesse sentido, defendendo e comprovando nos processos de discussão da Ficha Limpa o quanto está correta a tese que V. Exª defende.

            Digo ainda que, no mesmo voto, o Ministro Fux fez coro com o conhecido Ministro Gilmar Mendes, ao dizer que a Lei aprovada por esta Casa

feriu também de morte a garantia da segurança jurídica, inerente à necessária estabilidade do regime democrático e que se vê surpreendida [esta é a palavra] com a criação, no meio do jogo democrático, de novas inelegibilidades que, para além de desigualar os concorrentes, surpreende a todos.

            O que está ferindo de morte a estabilidade do regime democrático é a persistência da corrupção em nosso País. O que tem levado a descrença em nossas instituições é a permanência no poder de políticos que compram voto, fraudam licitações, enriquecem a olhos vistos e são perdoados pela Justiça, tudo em nome da garantia da segurança jurídica, como os fichas sujas foram perdoados, agora, pelo Supremo Tribunal Federal. Esses senhores sentem-se plenamente, Senador Paim, representados e seguros com essa decisão. Porém, nós, Senadores, nossos colegas Deputados Federais, todos nós fomos eleitos pelo voto do povo brasileiro para, de maneira indireta, representar os seus interesses, os interesses da maioria do povo.

            O Supremo Tribunal Federal deve proteger o povo da sanha das minorias, mas isso não foi feito no dia de ontem. Pelo contrário. O Ministro Fux, na sessão de arguição, no Senado, havia defendido que se colocasse um “fim no mito da neutralidade do juiz”. Mesmo que por vias transversas, tenho que admitir que ele conseguiu ser coerente com essa idéia. Somente escolheu o lado errado.

            Pergunto, de maneira direta e indignada: quanto custou essa decisão para a democracia brasileira? Quanto custou essa decisão para a crença do povo brasileiro de que as instituições existem para proteger os interesses da maioria?

            Cabe a esta Casa não se deixar desmoralizar pela politização do Judiciário. Cabe a esta Casa honrar seu compromisso com a defesa das maiorias.

            Cada segundo, cada minuto, cada hora, cada dia em que eu estiver nesta Casa, Senador Paim, serão utilizados para protestar contra decisões que favoreçam minorias corruptas e enfraquecem a crença do nosso povo em seus representes nas instituições da República.

            A indignação que sinto não é pessoal - repito o que disse ontem - é coletiva e manifesta o sentimento da maioria do povo brasileiro durante o golpe sentido depois da decisão do Supremo Tribunal Federal. Não deixarei de travar todas as batalhas contra a possibilidade de que um dos mais notáveis fichas sujas retorne a esta Casa. Estarei aqui lutando para que esta Casa não aceite subserviência nem do Executivo nem do Judiciário em relação a suas competências e decisões.

            Esse texto em frente à Bandeira Nacional sintetizou o sentimento do povo brasileiro, sujou ainda mais a política brasileira, enlameou o Congresso Nacional e as Assembleias Legislativas deste País a volta dos fichas sujas.

            Não nos renderemos a essa lógica da parcialidade em favor das minorias, em favor dos interesses que historicamente têm prevalecido no Estado Brasileiro, nas instituições brasileiras.

            O Judiciário não pode mais uma vez virar as costas para uma iniciativa de interesse popular, para uma decisão unânime que o Congresso Nacional aprovou, de validar para 2010, de varrer da vida política do País, da ocupação dos espaços públicos, políticos corruptos, como é o caso do Sr. Jader Barbalho.

            Muito obrigada.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/03/2011 - Página 8259