Discurso durante a 38ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao ex-Vice-Presidente da República, José Alencar.

Autor
Inácio Arruda (PC DO B - Partido Comunista do Brasil/CE)
Nome completo: Inácio Francisco de Assis Nunes Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao ex-Vice-Presidente da República, José Alencar.
Publicação
Publicação no DSF de 30/03/2011 - Página 8749
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JOSE DE ALENCAR, EX VICE PRESIDENTE DA REPUBLICA, ELOGIO, ATUAÇÃO, POLITICA NACIONAL, RELEVANCIA, CONTRIBUIÇÃO, GOVERNO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • HOMENAGEM, DECENIO, ANIVERSARIO DE MORTE, MARIO COVAS, EX GOVERNADOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ELOGIO, VIDA PUBLICA, DIGNIDADE, ATUAÇÃO, LUTA, REDEMOCRATIZAÇÃO, BRASIL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é um dia que podemos dizer “daqueles”.

            Primeiro, o Senado marcou homenagem a um dos mais íntegros homens da vida política brasileira, independente de suas posições em cada momento da vida: Deputado Federal, Senador, Prefeito, Governador. Em todos os momentos, Mário Covas foi um homem íntegro, de opinião, de posição e de coragem de enfrentamento.

            Nesse sentido, peço que a Mesa acolha o pronunciamento que faria em sua homenagem, mas que foi tolhida pela realidade da vida nossa, porque José Alencar exatamente afirmava isso: “Não se preocupem, nenhum de vocês se preocupe! Eu vou morrer. Aliás, eu vou morrer e você vai morrer. Todos vamos morrer. Por isso, vamos viver todos os instantes intensamente”. E isto ele fez, viveu todos os instantes de forma intensa.

            E que vida, Sr. Presidente! E que encontro fantástico do torneiro mecânico Luiz Inácio Lula da Silva com José Gomes Alencar da Silva! Os dois Silvas, de origem absolutamente idênticas, um, retirante, e o outro, homem simples do interior de Minas Gerais, que dá um “duro para burro” para vencer na vida, por outros meios, em um paralelo com Lula. Dizem que os paralelos nunca se encontram, mas esses dois encontraram-se, para o bem do nosso País, para o bem do Brasil, esses dois homens simples do povo; os dois sem formação acadêmica - nenhum dos dois tinha o título de doutor, e se tivessem ainda seriam maiores, evidente! Mas não tinham e cumpriram um papel extraordinário no nosso País.

            O Lula, às vezes, na sua simplicidade, naquela vivacidade, parece que quando olhou para José Alencar, disse: “Puxa vida! Encontrei o meu candidato a Vice, se ele topar”. E o José Alencar, olhando para ele, disse: “Puxa! Parece que encontrei o meu candidato a Presidente. Se ele topar, eu sou o Vice”. Assim, casaram os dois e viveram felizes durante esses oito anos de Governo.

            Quero falar, Sr. Presidente, da relação que o José Alencar estabeleceu com o seu País. E, ao estabelecer a relação com o seu País, olhando a política, o José Alencar disse: “Para construir a Nação, para soerguê-la, para fazê-la caminhar de pé, olhando de frente para todos no mundo inteiro, o meu papel é de uma relação íntima com todos”. Assim fez. José Alencar percorreu as federações de indústrias, mas ia às universidades, aos sindicatos de operários, de trabalhadores; se precisasse, ia à porta da fábrica, dialogava na rua, dialogava com os intelectuais, dialogava com o mercado.

            Ele cumpria um papel extraordinário, porque - aqui estão o Presidente Sarney e o Presidente Itamar, dois Presidentes nesta Casa - muita coisa que os senhores, como Presidente da República, não poderiam jamais dizer, ele podia dizer como Vice-Presidente da República. E disse sempre! Ele denunciou o escândalo criminoso das taxas de juros para a economia nacional. Lula não podia; ele podia. Ele podia fazer isso. Ele podia dizer e disse, com força, com energia, com garra e com disposição.

            Ele se relacionou com os partidos. Ele abraçou os partidos do campo popular. Ele dialogou com a esquerda, sentou com os comunistas.

            Na cidade de Belo Horizonte, capital do seu Estado, na última batalha municipal, ele decidiu apoiar a candidata do Partido Comunista. Ele disse: “Não, eu vou apoiar o PCdoB”. E olhem que foi uma batalha, porque todos queriam o seu apoio, indistintamente todos queriam o seu apoio, mas José Alencar decidiu pelo PCdoB: “Pois eu vou apoiar o Partido Comunista”. Vejam que personalidade extraordinária!

            Sr. Presidente, queremos registrar este momento que é de pesar, mas que é também do diálogo da estima que temos pela história deste homem que viveu entre nós, ajudando a construir este momento inigualável da história brasileira.

            Que a sua família receba o nosso carinhoso abraço. Que os mineiros que aqui estão e que estão em Minas Gerais recebam o nosso abraço pelo filho que vocês entregaram ao Brasil e que, para sempre, será lembrado. Um abraço, mineiros daqui e de lá.

            É o PCdoB homenageando esse velho guerreiro do povo brasileiro, José Alencar. Um abraço! (Fora do microfone.)

 

***************************************************************

SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR INÁCIO ARRUDA.

***************************************************************

            O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é com emoção e respeito que hoje homenageamos um dos mais combativos parlamentares que já ingressou no Congresso, que teve atuação destacada, avançada, tanto na Câmara Federal quanto no Senado e na Constituinte 1988. Falar de Mario Covas Filho, que também passou pelo Executivo, tendo sido secretário de Transportes do Estado de São Paulo, prefeito da Capital paulista e por duas vezes governador daquele Estado, é falar de alguém que honrou a atividade política e partidária.

            Nascido em Santos - chegou a disputar, sem êxito, a prefeitura da cidade -, Covas confessava seu reconhecimento ao ensino público: “Devo a São Paulo minha formação escolar e acadêmica, aluno que fui de escolas públicas”, afirmou. Como muitos dos que hoje estão nesta Casa, iniciou-se na política através do movimento estudantil, sendo vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), nos anos 1950, em São Paulo. Formado engenheiro civil pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, prestou concurso público na Prefeitura de Santos, onde trabalhou como engenheiro até 1962. Nesse mesmo ano, elegeu-se, pela primeira vez, deputado federal, pelo Partido Social Trabalhista (PST), que seria extinto pela ditadura militar instalada em 1964.

            Diante do golpe militar, o jovem deputado imediatamente colocou o mandato a serviço da oposição. Foi um dos fundadores, em 1965, do Movimento Democrático Brasileiro - o MDB. Esta era a única organização política oposicionista de existência legal possível naqueles anos de chumbo e por ela Covas foi reeleito deputado federal. Seu descortino político o fez se guindado à liderança do partido, tendo entre seus liderados personalidades experimentadas como Ulysses Guimarães, Franco Montoro e Tancredo Neves, aos 35 anos idade. Da Tribuna, prestou seu apoio e solidariedade às manifestações estudantis de 1968.

            Mas, na noite de 12 de dezembro de 1968, o honrado parlamentar, em sessão histórica da Câmara dos Deputados, reivindicou um “privilégio singular: o de despir-me da roupagem vistosa da liderança transitória, com que companheiros de partido me honraram, para falar na condição de membro desta Casa, sem outra representação senão a outorga oferecida por aqueles que para cá me enviaram. Será, talvez, um desvio regimental concedido, entretanto, plenamente compreensível, já que a causa que somos obrigados a aprecia sobrepaira, superpõe-se às próprias agremiações partidárias”.

            Tratava-se, Senhor Presidente, Senhoras Senadoras, Senhores Senadores, da defesa da inviolabilidade parlamentar. A pretexto de um discurso do deputado Márcio  
Moreira Alves sugerindo o boicote
às festividades do Sete de Setembro convocadas pelos ditadores, o governo militar queria processar o deputado e pediu à Câmara licença para levar o parlamentar aos tribunais. Mário Covas fez um discurso que enche de honra a Câmara e de orgulho os políticos efetivamente democratas. Disse ele, dentre outras coisas:

            “O coletivo domina o individual, o institucional supera o humano, a impessoalidade há de ser o traço marcante”. Após considerar a inviolabilidade “uma das nossas mais caras prerrogativas”, diz ser ela “uma prerrogativa da qual não temos o direito de abdicar, porque, vinculada à tradição, à vida e ao funcionamento do Parlamento, a ela pertence, e não aos parlamentares. ... Um Poder soberano não delega, não transferem, é ele próprio juiz de seus atos. Há de ter a independência e a grandeza de manter essa condição inalienável. E o Poder Legislativo, exatamente para reservar-se essa condição, sabiamente estabeleceu limitações regimentais para a inviolabilidade, fixando o Poder de Polícia pelo próprio órgão diretor da Casa”. Para o deputado, ao conceder a licença para o processo, “o Poder Legislativo estará se autocondenando pelo crime de omissão”.

            E, contra os que servilmente defendiam as pretensões dos ditadores, Covas alertou: “Para que tenha significação e validade a manifestação de apreço desta Casa ou de qualquer dos seus membros a qualquer instituição, necessário se faz que ela se autorrespeite. O elogio, sob o império da subserviência, transforma-se em bajulação”. E ele faz então a sua profissão de fé, à qual foi fiel até o fim da vida. Disse o digníssimo deputado Márcio Covas naquele dezembro de 1968:

            “Eu, Sr. Presidente, por formação e por índole, sou um homem que fundamentalmente crê. Desejo morrer réu do crime da boa fé, antes que portador do pecado da desconfiança. Creio na Justiça, cujo sentimento, na excelsa lição de Afonso Arinos, é a noção de limitação de Poder. (...) Creio no povo, anônimo e coletivo, com todos os seus contrastes, desde a febre criadora à mansidão paciente. Creio ser desse amálgama, dessa fusão de lamas e emoções, que emana não apenas do Poder, mas a própria sabedoria. E nele crendo, não posso desacreditar de seus delegados. Creio na palavra ainda quando viril ou injusta, porque acredito na força das idéias e no diálogo que é seu livre embate. Creio no regime democrático, que não se confunde com a anarquia, mas que em instante algum possa rotular ou mascarar a tirania. Creio no Parlamento, ainda que com suas demasias e fraquezas, que só desaparecerão se o sustentarmos livre, soberano e independente. Creio na liberdade, este vínculo entre o homem e a eternidade, essa condição indispensável para situar o ser à imagem e semelhança de seu Criador. Creio, Sr. Presidente, e esta crença mais se consolidou pelas últimas lições que recebi, pois nunca é tarde para aprender, na honra, esse atributo indelegável, intransferível por ser propriedade divina”.

            E o Parlamento, então Senhor Presidente, Senhoras Senadoras, Senhores Senadores, honrou estas palavras e estas crenças. É verdade que 12 deputados votaram em branco e 141 votaram a favor da licença para processar Márcio Moreira Alves, mas a maioria - 216 - votou contra a intenção pérfida da ditadura. Porém, o regime de força é pela força - e não pelo respeito às normas democráticas e aos direitos do povo - que se impõe. No dia seguinte, 13 de dezembro de 1965, o general Arthur da Costa e Silva impôs ao Brasil o Ato Institucional nº 5, o golpe dentro do golpe, como já foi classificado. O general-presidente, independentemente de qualquer apreciação judicial, decretou o recesso do Congresso Nacional e de outros órgãos legislativos, arrogou a si o direito a intervir nos Estados e municípios sem as limitações previstas na Constituição, cassou mandatos eletivos e direitos políticos, suspendeu a garantia do habeas-corpus. O recesso do Congresso Nacional se prolongou até outubro de 1969. As perseguições políticas escancaradas foram intensificadas. Em 16 de janeiro de 1969 Mário Covas teve seu mandato cassado e os direitos políticos suspensos por dez anos. Os inimigos da democracia não podiam permitir que a voz desse democrata continuasse sendo ouvida - como já tinham feito com os comunistas e outros adversários do golpe de 1964.

            Sem mandato e com sua atuação restrita pela força dos golpistas, Mário Covas foi um dos principais defensores da anistia, do retorno às liberdades democráticas, do restabelecimento da liberdade sindical, da convocação da Assembléia Nacional Constituinte e da campanha das diretas. Somente em 1979 ele recuperou seus direitos políticos, e nesse mesmo ano foi eleito presidente do MDB de São Paulo. Com a extinção do MDB, articulou a fundação do PMDB, que presidiu em seu Estado por três mandatos. Em 1982, mais uma vez voltou à Câmara Federal pelo voto popular, que ele considerava “a única fonte legítima de Poder”. E, numa época em que os prefeitos das capitais e demais cidades consideradas “de segurança nacional” eram, por imposição da ditadura, nomeados, e não eleitos, Covas aceitou ser nomeado prefeito da cidade de São Paulo, mas numa situação especial: era governador o também oposicionista Franco Montoro, que derrotou o candidato da ditadura nas eleições estaduais. Seus 33 meses de gestão na Prefeitura paulistana foram marcados pelos mutirões para construção de guias e posterior pavimentação de ruas, com intensa participação popular; pela intervenção nas empresas privadas de ônibus, que ameaçavam locaute; e pela instituição do passe gratuito no transporte coletivo para idosos, iniciativa pioneira no país. Assim, Covas preparou a mais populosa capital do país para, finalmente, através da eleição direta, escolher o seu sucessor na Prefeitura.

            Mário Covas foi eleito senador, em 1986, com a maior votação da história do Brasil até então: 7,7 milhões de votos. E liderou o PMDB na Assembléia Nacional Constituinte. Também aqui teve atuação destacada, articulando as comissões temáticas que garantiram a participação democrática de todos os segmentos organizados da sociedade na elaboração da Carta Magna. Liderou o chamado bloco progressista, formado por uma aliança de centro-esquerda com a esquerda. Em reação às teses democráticas e sociais assumidas por este bloco, formou-se o Centrão, grupo parlamentar que aglutinava os segmentos conservadores da Constituinte.

            Em junho de 1988, Mário Covas foi um dos fundadores do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) e, meses depois, seu presidente nacional. Pelo PSDB disputou a Presidência da República em 1989, e obteve o quarto lugar. Prestes a encerrar seu mandato de senador, foi eleito governador de São Paulo em 1994 com 8,6 milhões de votos e reeleito em 1998 com 9,8 milhões. Como governador, não esqueceu os companheiros de batalha pela democracia durante os anos de chumbo e viabilizou uma lei de indenização aos presos políticos que foram torturados no Estado e a reabertura dos exames das ossadas encontradas nas valas clandestinas do Cemitério de Perus, descobertas pela prefeita Luiza Erundina, para identificar restos de possíveis presos políticos.

            Mário Covas foi um exemplo de que a política pode ser feita com dignidade, com idéias e com ativa participação partidária. Meu Partido, o PCdoB, teve divergências - e as manifestou - com esse grande político. E ele sempre nos tratou, aos que dele eventualmente divergíamos, coerente com este seu princípio de ter a “humanidade de saber que existem outras verdades e que ecas são tão sustentáveis quanto às minhas e que a única razão pela qual um homem, um democrata passa a ter o direito de defender a sua verdade é exatamente o respeito que ele manifesta pela alheia”.

            Quero terminar esta homenagem, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com estas palavras desse grande político, que faço minhas e, creio, todos aqui fazemos nossas. Disse Mário Covas quando anunciou, nesta Casa, sua candidatura à Presidência da República:

Repleto deste antigo e tão eterno sentimento de patriotismo, levanto meu olhar para além do horizonte do cotidiano conturbado e reafirmo a mais profunda crença no Brasil e nos brasileiros. Vamos, juntos, fazer do Brasil a terra da esperança renovada! E que a sociedade brasileira possa frutificar no caminho da dignidade, do desenvolvimento e da democracia.

            Obrigado.


Modelo1 4/26/248:16



Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/03/2011 - Página 8749