Discurso durante a 54ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Lembrança da Batalha do Monte dos Guararapes, ocorrida no dia 19 de abril de 1648, data que marcou o início da expulsão dos holandeses do território brasileiro.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Lembrança da Batalha do Monte dos Guararapes, ocorrida no dia 19 de abril de 1648, data que marcou o início da expulsão dos holandeses do território brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 21/04/2011 - Página 12106
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • COMENTARIO, ANALISE, HISTORIA, CONFLITO, MUNICIPIO, JABOATÃO DOS GUARARAPES (PE), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE).

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco/PT - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo a tribuna, na tarde de hoje, para lembrar um fato histórico extremamente importante para o nosso País, fato muitas vezes caracterizado como o marco de início da nossa nacionalidade, que foi a ocorrência, no dia 19 de abril de 1648, portanto aniversário transcorrido na data de ontem, da Batalha do Monte dos Guararapes, que marcou também o início da expulsão dos holandeses do território brasileiro.

            Essa batalha acontecida no hoje Município de Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco, é identificada como a pedra angular da nossa nacionalidade, pela união que se produziu entre índios, negros, “mazombos” e reinóis que aqui se instalaram em torno de um objetivo comum. Um índio, Felipe Camarão, um negro, Henrique Dias, os lusitanos André Vidal de Negreiros, Antonio Dias Cardoso e João Fernandes Vieira, este último, madeirense, para não falar do criollo Barreto de Menezes, peruano de nascimento, simbolizam essa articulação em torno do sentimento nativista.

            Sempre houve e haverá quem se pergunte se, de fato, estaria ali o alicerce de nosso sentir como nação. Os livros mencionam outros feitos heroicos anteriores a Guararapes, mas nem por isso menores ou irrelevantes para efeito da construção da ideia-força que nos cimenta como uma comunidade política. Ilustro a questão com uma passagem muito significativa. Na expedição liderada por Alexandre Moura, em 1615, que tinha por objetivo expulsar os franceses da Baía de São Marcos, seria decisivo o comando de uma esquadrilha de navios por um mestiço brasileiro, Jerônimo de Albuquerque, para que fosse posta por terra a empreitada da França Equinocial.

            É sabido que a tarefa de resguardar os domínios portugueses em Ultramar não constituía política prioritária da dinastia filipina durante a União Ibérica. Daí as oportunidades encontradas por franceses ou holandeses para incursões no Brasil. Tanto em São Luís como no Recife, a resistência ao elemento invasor partiu de quem, pouco importando a origem, demonstrou devotar a vida a este País.

            Não obstante a presença de lusitanos na resistência aos holandeses, é importante frisar que a vitória em Guararapes não pode ser atribuída a Portugal. Desde 1641, o Duque de Bragança, que fora proclamado Rei de Portugal em 1º de dezembro de 1640 com o título de Dom João IV, dedicava-se a outra luta: a afirmação da soberania portuguesa na Europa, lutando contra os espanhóis. Essa guerra só viria a terminar em 1668. O curioso é que, para derrotar os espanhóis, Dom João IV procurou o auxílio dos próprios holandeses. O exército português, segundo Oliveira Martins, “compunha-se de um agregado de mercenários bisonhos, sem disciplina, nem comando”. Dentre esses mercenários, muitos advinham das províncias dos Países Baixos, que também lutavam para se verem livres do jugo espanhol depois que Felipe II suprimiu as franquias administrativas, religiosas e mercantis que lhe foram reconhecidas por seu pai, Carlos V.

            Ademais, Dom João IV valeu-se de empréstimos obtidos junto à praça bancária de Amsterdam para financiar o esforço de guerra contra Madrid. Dependia, portanto, militar e economicamente dos holandeses para desvencilhar-se dos espanhóis. Com efeito, em 21 de junho de 1641, Dom João IV firmara um tratado com as Províncias Unidas dos Países Baixos, pelo qual reconhecia como legítima a posse holandesa de territórios que compunham o Império Ultramarino português, em troca da ajuda financeira e militar de que precisava.

            Dessa maneira, é inequívoca a constatação de que a defesa do Brasil, abandonado à própria sorte, cedido aos holandeses por deliberada atitude dos dinastas da Restauração, não foi obra da Metrópole, mas de homens que, corajosamente, se articularam em torno do Movimento da Liberdade Divina. O Brasil, ali, defendeu-se a si próprio.

            Mas como explicar que, entrementes, no Brasil, pessoas de origens as mais diversas chegassem a tal coesão, em torno do objetivo comum, ou seja, a expulsão do elemento invasor? Essa é uma questão em aberto, para a qual os estudiosos ainda não chegaram a uma resposta adequada.

            Como contributo a essa pesquisa, creio que deveríamos considerar a análise feita por Habermas a respeito da fenomenal obra de Hannah Arendt acerca da Revolução Americana.

            Diz Habermas:

Para Hannah Arendt, o poder político não é um potencial para imposição de interesses próprios ou a realização de fins coletivos, nem um poder administrativo, capaz de tomar decisões obrigatórias coletivamente; ele é, ao invés disso, uma força autorizadora que se manifesta na criação do direito legítimo e na fundação de instituições. Ele manifesta-se em ordens que protegem a liberdade política, na oposição às repressões que ameaçam a liberdade política a partir de dentro ou de fora, principalmente nos atos instauradores de liberdade ‘que dão vida a novas instituições e leis’. E ele surge do modo mais puro, nos instantes em que revolucionários assumem o poder que está na rua; quando as pessoas decididas à resistência passiva opõem-se aos tanques estrangeiros, tendo como armas apenas as mãos; quando minorias convencidas não aceitam a legitimidade das leis existentes e se decidem à desobediência civil; quando, em meio aos movimentos de protesto, irrompe o ‘puro prazer de agir’. Tomando como modelo a força constituinte da Revolução Americana, Hannah Arendt revolve os diferentes eventos históricos a fim de farejar sempre o mesmo fenômeno da relação íntima entre o poder comunicativo e a produção do direito legítimo.

            Se compararmos, veremos que é a mesma oposição às repressões, expressa no libelo de Thomas Jefferson contra o Rei George III, que motivou os revoltosos de 1648 contra a Companhia das Índias Ocidentais. O que levou à desobediência civil dos brasileiros foi a saturação da tolerância frente aos expedientes de confisco tributário impostos pelos holandeses, para manutenção de suas pesadas estruturas administrativas e militares às restrições ao culto católico, as migrações forçadas e os juros extorsivos exigidos pelos agentes creditícios do Recife dos produtores de cana-de-açúcar.

            Assim, podemos afirmar que o Brasil, como Nação, nasce naqueles atos de protesto que eram, por excelência, atos instauradores de liberdade que dão vida a novas instituições e leis. Ocorre que a força constituinte da Revolução Americana de 1776 encontrou maduras as condições necessárias para a instauração da forma republicana de governo como padrão de uma nova institucionalidade e legalidade. Isso, para os insurretos de 1648, seria simplesmente impensável. Embora se compreendessem unos e coesos pelas experiências de companheirismo e dignidade, acumuladas nos embates, não se viam ainda como visionários de uma nova ordem anticolonialista e republicana. Não nos esqueçamos de que na Península Ibérica, ainda referência para a Colônia, travava-se, tão somente, a disputa pela primazia monárquica entre a Casa de Bragança e os Habsburgos.

            Evaldo Cabral de Mello nos mostra, ademais, que a elite açucareira, em sua pretensão de dominação política, apropriava-se da iconografia das batalhas, estimulando uma ideologia nativista de colaboração entre a nobreza da terra e o povo, mas, ao mesmo tempo, buscava, com afinco, apartar-se do restante da sociedade, enfatizando sua pureza racial e seu papel dirigente nas conquistas, para ver-se reconhecida entre os fidalgos lusitanos. Aí se vê uma tensão entre a apropriação da mitologia nativista para garantir a ordem da sociedade e a busca de status junto à Coroa, o que, obviamente, interditava o debate das ideias separatistas e antimonárquicas.

            Numa sociedade escravocrata, na qual a aristocracia na Colônia buscava sua integração à nobiliarquia metropolitana, as condições para instauração de uma nova institucionalidade demorariam ainda a amadurecer.

            Não estavam maduras na Guerra dos Mascates, em 1710; nem na Revolução Pernambucana de 1817; tampouco na...

(Interrupção do som.)

            O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco/PT - PE) - Peço a V. Exª três minutos, por obséquio. (Fora do microfone.)

             ... tampouco na Confederação do Equador, em 1824, e até mesmo, na Revolução Praieira, em 1848.

            Essas condições, entre nós, só se revelariam maturadas em 1889. Porém, é importante, Sr. Presidente, aqui dizer o papel fundamental que teve, sem dúvida, para a construção da nossa Nação, a luta desenvolvida pelo povo brasileiro, especialmente pelo povo pernambucano, por aqueles que, unindo diversas raças e etnias, conseguiram expulsar do Brasil, os holandeses, criar esse sentimento de Nação, ao mesmo tempo, criar as bases para construção do Exército nacional e deixar um exemplo importante para todos os brasileiros de que...

(Interrupção do som.)

            O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco/PT - PE) - Vou concluir, Sr. Presidente.

            ... de que os heróis de Guararapes nos ensinam que a verdadeira soberania nacional não se desvencilha nem pode se desvencilhar da observância do Estado democrático de direito.

            Muito obrigado pela tolerância, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/04/2011 - Página 12106