Pronunciamento de Ana Rita em 28/04/2011
Discurso durante a 59ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Homenagem pelo transcurso, ontem, do Dia da Empregada Doméstica.
- Autor
- Ana Rita (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
- Nome completo: Ana Rita Esgario
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
HOMENAGEM.
FEMINISMO.:
- Homenagem pelo transcurso, ontem, do Dia da Empregada Doméstica.
- Publicação
- Publicação no DSF de 29/04/2011 - Página 12970
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM. FEMINISMO.
- Indexação
-
- SAUDAÇÃO, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, HOMENAGEM, DIA, EMPREGADO DOMESTICO, ANALISE, SITUAÇÃO, CATEGORIA, COMPOSIÇÃO, PREDOMINANCIA, MULHER, VITIMA, DISCRIMINAÇÃO SEXUAL, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, POBREZA, DEFESA, EQUIDADE, SEGURO SOCIAL, TRABALHADOR, DIREITOS, ACESSO, SERVIÇO, CRECHE.
SENADO FEDERAL SF -
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A SRª ANA RITA (Bloco/PT - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Sr. Presidente.
Eu quero aqui, inicialmente, saudar todas as Srªs e Srs. Senadores, também as cidadãs e os cidadãos que nos assistem pela TV Senado e nos ouvem pela Rádio Senado, e todas as pessoas que hoje estão aqui acompanhando a sessão.
Sr. Presidente, quero dedicar este discurso às nossas companheiras empregadas domésticas, na verdade, trabalhadoras domésticas. Ontem comemoramos o seu dia e tivemos a oportunidade de realizar, com muita alegria, uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado, onde foi feita uma bela homenagem à categoria das trabalhadoras domésticas. E essa homenagem foi da forma mais digna, Sr. Presidente, de uma forma que considero extremamente importante, porque a Comissão de Direitos Humanos deu voz a essa categoria - composta por mulheres em sua grande maioria -, deu voz a todas as trabalhadoras, permitindo que elas pudessem expor as suas reais demandas, seus anseios, seus problemas, enfim, expor a situação real pela qual passam.
Ontem pudemos refletir sobre a importância dessa categoria profissional para o Brasil, seja na dimensão econômica, social, seja na dimensão dos problemas e dos direitos da mulher.
Eu aqui falo da mulher, porque são elas a grande maioria dentro dessa categoria tão importante para os brasileiros: 96% dos postos de trabalho doméstico são ocupados por mulheres, aproximadamente sete milhões delas, em um universo de oito milhões de trabalhadores.
Então, por justiça, flexiono no feminino, apesar de reconhecer que há um milhão de homens atuando no trabalho doméstico, como piscineiros, jardineiros, motoristas, mordomos e muitos outros. No entanto, em meu discurso, vou dizer por que as mulheres têm desvantagens em relação aos homens nessa profissão.
As trabalhadoras domésticas, que não raramente são agredidas em pontos de ônibus no percurso para casa, são humilhadas nas residências em que trabalham e sofrem muitas outras formas de violência, ainda se deparam com uma legislação que as trata como trabalhadoras de segunda classe.
Não possuem os mesmos direitos que os demais trabalhadores de nosso País só porque trabalham no lar, nas casas de famílias, porém, de famílias que não são as delas, mas as nossas famílias: elas cuidam das nossas casas, dos nossos filhos, dos nossos parentes. Sinto que ser trabalhadora doméstica neste País ainda guarda um resquício da escravidão. Há aquela ideia de que já fazemos muito por elas, damos casa, comida. Para que direitos? Simplesmente acho tudo isso um grande absurdo. Infelizmente nós ouvimos, com muita frequência, e por parte de muitas pessoas que são empregadoras o seguinte: para que tantos direitos? Como se elas fossem obrigadas a trabalhar como escravas.
Defendo aqui nesta Tribuna, Sr. Presidente, que o trabalho doméstico é igual a todos os outros, é uma prestação de serviço em troca de uma remuneração estipulada. Logo, o trabalhador doméstico deve gozar dos mesmos direitos que gozam os demais.
Por considerar este assunto muito importante e por considerar que ele necessita de um debate ampliado - há questões um tanto complicadas, como a hora-extra, o adicional noturno, a jornada de trabalho de 44 horas semanais e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço obrigatório -, entendo que se faz necessário realizar audiências públicas como a que aconteceu ontem para tratar dessas questões. É preciso ouvir as trabalhadoras, é preciso ouvir os patrões, os sindicatos, as associações, é preciso também ouvir os parlamentares das várias regiões do País para chegarmos a um denominador comum e estabelecermos os direitos, os deveres e a justiça para essa classe trabalhadora.
A nomenclatura do dia 27 de abril, por si só, já é pejorativa: é o dia da “emprega doméstica”, o que já diz muito sobre o baixo valor social que é atribuído a essas trabalhadoras, a esses desconhecidos íntimos, que estruturam de forma tão fundamental a vida brasileira. Diz muito, também, sobre como o preconceito contra a mulher - no caso, a mulher pobre - pode forjar uma intrincada teia de desfavorecimento social, de precarização das relações de trabalho e de injustiça.
E não é nenhum exagero, Sr. Presidente, chamar de impressionantes os números e as estatísticas que cercam esse mundo à parte, o mundo das empregadas domésticas, que contava, ao final da década de 1990 com 6 milhões e 500 mil mulheres, representando 22% do total da população feminina economicamente ativa.
E essa proporção vem crescendo. Em dez anos, o aumento do número de mulheres envolvidas nessa atividade foi de 40%, o que a torna hoje a principal ocupação das trabalhadoras brasileiras.
E quem são estas trabalhadoras, Srªs e Srs. Senadores e Sr. Presidente?
São, hoje - ao contrário do que ocorria no passado -, principalmente mulheres de faixa etária mais elevada, de 40 a 54 anos, que, em face da crise das oportunidades do emprego masculino, tiveram, elas próprias, que buscar uma atividade remunerada, de forma a melhorar a condição financeira de suas famílias.
São mulheres que têm filhos e que carregam, portanto, os ônus adicionais advindos de uma dupla e, às vezes, tripla jornada de trabalho.
São também mulheres de baixo nível educacional, fato que as prejudica ainda mais, em termos de novas oportunidades de crescimento profissional e de remuneração. E foi exatamente isso que ouvimos ontem na Comissão de Direitos Humanos. Mulheres humildes, com pouca escolarização, pouca escolha profissional. Menos de 60% delas sequer completaram o ensino fundamental; metade trabalha mais de 45 horas semanais, 60% recebem até 2 salários mínimos; 80% não têm registro em carteira da trabalho, ficando, dessa forma, quase excluídas dos programas e das ações da rede de proteção social.
E tem dados ainda mais alarmantes, mais de 300 mil trabalhadores dessa categoria possuem - olha só, Sr. Presidente! - de 5 a 17 anos, ou seja, crianças, meninas, trabalhando cedo, em casa de família. Muitas delas sem remuneração, que trocam a força precoce de trabalho por um prato de comida e por um canto para dormir.
Outro dado que ficamos sabendo é que as empregadas domésticas negras e pardas ganham em média, por hora de trabalho, metade do que ganham as trabalhadoras brancas, melhor remuneradas em função de uma educação mais qualificada.
Ser empregado doméstico no Brasil tem cor, tem sexo, tem categoria social, Sr. Presidente. Ser trabalhador doméstico no Brasil é ser mulher, ser negra e ser pobre.
É irônico, mas trabalhar em casa de família pode ser considerado, também, como resultado da emancipação da mulher. Explico isso, Sr. Presidente. É que para que algumas mulheres possam sair de casa para trabalhar, há a necessidade de outras, as domésticas, serem pagas para as substituírem no lar.
O que mais se poderia dizer para reconhecer e para testemunhar a importância dessas companheiras, dessas valorosas cidadãs para o nosso País, para reverenciar essas lutadoras, de cujo esforço e trabalho, tão mal reconhecidos, depende o bem-estar de milhões de brasileiros.
Podemos utilizar o ensejo da data para refletir sobre os insuficientes avanços da legislação na garantia dos direitos das trabalhadoras domésticas.
Já se vão mais de trinta anos da promulgação da Lei nº 5.859/72, que consolidou os direitos da profissão. Posteriormente, significativos avanços foram conquistados no âmbito da Constituição de 1988, em especial no reconhecimento dos direitos previdenciários do trabalhador doméstico. Mas é muito significativo que exista, no texto da própria Carta Magna, no parágrafo único de seu art. 7º, uma expressa limitação quanto a outros direitos que são, de resto, garantidos...
(Interrupção do som.)
A SRª ANA RITA (Bloco/PT - ES) - ...garantidos aos demais trabalhadores urbanos e rurais.
Para finalizar, Sr. Presidente, é também importante registrar, no Estatuto da Criança e do Adolescente, o direito de acesso aos serviços de creche, fundamentais para que as mães trabalhadoras - a grande maioria, na verdade - possam exercer a profissão. Mais importante depois será garantir, com o apoio da sociedade e mediante o exercício da função de fiscalização do Parlamento, que esse direito, uma vez gravado na lei, venha constituir uma realidade tangível: que tais serviços existam, que estejam corretamente distribuídos pelo território e que sejam prestados em condições adequadas.
E, sobretudo, Sr. Presidente, devemos repensar a educação de adultos, para que se viabilizem melhores oportunidades profissionais para que esse contingente de cidadãs excluídas, para esta massa de quase 7 milhões de brasileiras: as trabalhadoras domésticas.
(Interrupção do som.)
A SRª ANA RITA (Bloco/PT - ES) - Quero, de fato, colocar o nosso mandato à disposição e a serviço da luta política das empregadas domésticas, dessas brasileiras. Que os seus problemas sejam nossos problemas; a sua causa, a nossa causa; a sua vida, a nossa vida.
Era isso, Sr. Presidente, que eu gostaria de dizer.
Muito obrigada pela paciência e pelo tempo que nos foi concedido.
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