Discurso durante a 62ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Alerta sobre a possibilidade de adoção, no Brasil, do sistema de partido único, com o fortalecimento da situação e o enfraquecimento da oposição.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NACIONAL.:
  • Alerta sobre a possibilidade de adoção, no Brasil, do sistema de partido único, com o fortalecimento da situação e o enfraquecimento da oposição.
Publicação
Publicação no DSF de 03/05/2011 - Página 13550
Assunto
Outros > POLITICA NACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, APREENSÃO, ATUAÇÃO, PARTIDO POLITICO, BRASIL, FALTA, OPOSIÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PREJUIZO, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA, FATO, AUMENTO, INFLAÇÃO, PAIS.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, alguns meses atrás, insisti - e continuo insistindo -, dizendo que existem apoiadores que apenas fazem elogios e apoiadores, Senador Paim, que fazem alertas. Quero ser um apoiador do alerta, não apenas do elogio.

            Por isso, fiz aqui, por mais de uma vez, alertas sérios, cuidadosos, sobre o risco da inflação, que poucos, Senador Jarbas, levaram em conta. Hoje, felizmente, começa-se a descobrir que o Brasil vive o risco de algo extremamente grave que já passamos por 30 ou 40 anos e a que não podíamos voltar, que é a inflação.

            E quero fazer hoje outro alerta, um alerta no âmbito da política. Quando a gente lê os jornais, observa as coisas, aqui nesta Casa a sensação que a gente tem, Senador Jarbas, é a de que estamos caminhando para um regime de partido único no Brasil - partido único com tendências diferentes, como, aliás, todos os partidos únicos do mundo têm tendências conflitantes internas. O Partido Comunista cubano é cheio de tendências.

            Estamos caminhando para um partido único porque, de um lado, o Governo está conseguindo juntar tantas forças, e, do outro lado, a oposição está se diluindo, não só do ponto de vista de suas contradições internas e até mesmo do desfazimento de partidos, mas também porque perdeu o vigor de propostas alternativas. Têm se limitado esses partidos que seriam oposição a ser apenas denunciadores. Nem críticos eles conseguem ser mais: são denunciadores de coisas erradas do Governo.

            Ao longo dos últimos anos, Senador Eurípedes, o que a gente viu foi a imensa capacidade, no Governo Lula, de juntar todo mundo como sua base de apoio. É claro que isso facilita governar, mas isso não necessariamente facilita o funcionamento da democracia. Ao juntar todo mundo, você perde a perspectiva crítica como governante e corre o risco de cometer erros por falta de alertas. E, mais grave, ao desfazer os outros partidos, os descontentamentos não têm para onde caminhar.

            Não esqueçam que, no Egito, havia um imenso partido, que era quase único, mas o ditador dava o direito de surgirem outros pequenos partidos, desmoralizados. E o que aconteceu é que os descontentes não tiveram partidos alternativos para onde ir. E foram para onde? Foram para a praça e levaram a única alternativa que tinham por falta de partidos alternativos. A única alternativa foi derrubar na rua o governo.

            O Brasil precisa ter democracia para onde caminhem os descontentes, buscando partidos organizados, consolidados com programas. E a gente não está vendo esses partidos hoje, para evitar que o povo, por falta de partido, tenha que ir para a rua quando precisar manifestar seu descontentamento.

            A imensa capacidade do Presidente Lula era juntar partidos diferentes, e não em torno de programas nem de ideologias, mas em torno de cargos e acordos específicos. Além disso, ele conseguiu juntar as forças não partidárias. As organizações não governamentais viraram associadas; os sindicatos ficaram amarrados; os estudantes, passivos; os intelectuais, calados. Isso é uma tragédia se continuar assim por muito tempo. Precisamos de intelectuais que falem, que gritem, de estudantes que caminhem nas ruas, de sindicatos que reivindiquem! E a gente precisa, sim, de ONGs que fiscalizem. Isso é positivo, isso é bom!

            É ruim para a democracia essa sociedade estreita entre o Governo e um número tão grande de partidos sem um programa que os unifique. Mesmo que existisse um programa como tinha a União Soviética, um grande e único partido, com suas tendências internas, tanto é que lá se matava até. Então, não eram unidos, era um partido único, mas sem unidade. Temos aqui a mesma situação. Só que o partido único está tendo tendências com nomes diferentes.

            O Governo Fernando Henrique Cardoso teve a sorte - eu considero sorte - de ter tido o PT na oposição, o PCdoB na oposição, de ter tido o PSB na oposição, o PDT na oposição. Hoje, Senador Paim, eu não acho que seja uma sorte, do ponto de vista histórico - embora seja uma facilitadora do ponto de vista administrativo -, essa unidade partidária tão grande. Não é bom no longo prazo, ainda que facilite no curto prazo.

            Falo isso como um alerta para que o Governo não aja nessa tendência de querer ampliar de maneira total, açambarcando todas as forças políticas.

            Além disso, faço aqui um apelo, não um alerta, às forças de oposição, para que busquem propostas em comum, que tragam programas aqui, para dentro, que critiquem, apresentando alternativas. A gente não está vendo isso, e não está vendo em parte, porque o Governo Lula teve a capacidade de trazer para dentro do seu governo as propostas que eram da oposição - a que faltava era a privatização e chegou agora, no caso dos aeroportos. Aí, o que vai dizer a oposição? Mais nada. Não estão tendo imaginação, por um lado; por outro lado, como aquilo que seria oposição tende a ser conservador, neste momento, eles não radicalizam. Podiam radicalizar, dizendo que este País tem de ter hospital igual para todo mundo, que é indecente uma pessoa viver ou morrer, porque tem ou não tem dinheiro. Mas a oposição não tem coragem de radicalizar nisso. Tem é que ter coragem de dizer que é imoral existir escola boa e escola ruim. Escola é escola ou não é escola; não existe boa ou ruim. É como oxigênio. Eu nunca vi dizerem no hospital: “Aqui, tem oxigênio bom; ali, tem oxigênio ruim”. A escola é o oxigênio da cabeça. Os que são da oposição não conseguem radicalizar, pelo conservadorismo. Ao conservarem-se nas suas posições - que eu não chamo de direita, porque essas palavras perderam o sentido -, ao serem conservadores, não radicalizam. Ao não radicalizarem, o Governo, absorvendo as idéias moderadas que eles têm, fica igual.

            Estamos num momento em que as forças políticas estão todas iguais. Eu nem falo dessa igualdade trágica da tolerância com a imoralidade. Nem falo disso, que é um outro fato também grave. A perda do espírito de alguns partidos de dizerem que são bandeiras da moralidade. Nenhum partido hoje tem condições de dizer isso - talvez o PSOL ainda resista com essa bandeira, mas, nos outros, em todos eles, existem pessoas honestas e não honestas. Mas nenhum deles, como entidade partidária, tem a bandeira da moralidade. Não temos essa bandeira. E as outras? Quais são as que temos? Perdemos as bandeiras.

            Trago isso como um alerta para o risco que corre a democracia brasileira, não daqui a um mês, ou a dois meses, ou a cinco meses, ou a cem meses, mas ao longo de alguns anos ou talvez ao longo de algumas décadas, se for o caso. Não resiste um processo democrático em que construímos alianças tão grandes que o que sobra do outro lado são concessões para que continue funcionando, sobretudo quando essas concessionárias partidárias não têm propostas, não têm programas, não têm idéias claras.

            A Tunísia, em que o povo teve de ir para a rua também, tinha partidos. A constituição dizia que 20% do Congresso tinham de ser de oposição. Na Tunísia, 20% tinham de ser oposição. Ou seja, o partido era tão hegemônico que se deu ao luxo de dizer: “Nós queremos uma oposiçãozinha que fale algumas coisinhas, dizendo que são contra algumas coisas”. Mas não havia alternativa, o povo teve de ir à rua. Quando o povo tem de ir à rua é porque a democracia não está funcionando bem. Quando a democracia está funcionando bem, o povo vai para a rua para comemorar vitória no futebol; para comemorar a morte de um grande inimigo, como foi o caso dos Estados Unidos com Osama Bin Laden. Mas não precisa ir à rua reivindicar e lutar contra o governo. O governo vive discutindo com a oposição, organizada em partidos. Para isso, é preciso haver esses partidos. E, para isso, é preciso que nenhum governo seja capaz de açambarcar forças e mais forças, de tal maneira que tudo chegue aqui já aprovado ou não aprovado; de tal maneira que fica difícil, de vez em quando, fazer uma luta por uma proposta alternativa.

            É esse o alerta, Senador Paim, Senador Jarbas, Senador Mozarildo, que eu queria deixar aqui, ao lado do alerta que eu fiz da inflação, com o melhor desejo de colaborar com o Governo atual e com a realidade deste momento em que a gente vive: o de uma democracia que ainda é plena, até porque resta, felizmente para nos diferenciar de outros lugares, a imprensa. O que caracterizou os governos autoritários foi um partido imenso, que era único praticamente, a cooptação dos movimentos sociais e a dominação da mídia. E olhe que, em alguns Estados - não vou falar em nível nacional -, a mídia nem é tão livre assim, porque ela é financiada com propaganda que os governos fazem - coisa que se a reforma política não tocar, proibindo o governo de fazer propaganda dele mesmo, como forma primeira de manipular a opinião pública e, além disso, de dominar a imprensa... Se a reforma política não tocar nisso, Senador Jarbas, nós não estaremos fazendo a reforma política completa. O governo tem o direito de fazer campanhas de interesse público, mas não de dizer que está construindo mais ou construindo menos. Isso o povo vê na rua ou não vê, até porque essa propaganda é um instrumento de dominação da mídia, sem precisar de censura, apenas a cooptando com o financiamento de seu funcionamento.

            Nos governos estatais, comunistas ou socialistas, quem financia a imprensa é o governo. No Brasil, quem está financiando parte da imprensa são os governos. Não é a máquina do Estado, no sentido amplo, mas são os governos com suas propagandas. Tudo isso gera uma situação de uma democracia parcial; e uma democracia parcial não dura muito. Democracia só dura quando ela é plena.

            Por isso, Senador Eurípedes, fica aqui mais um alerta que faço a nós todos Senadores, ao Brasil, ao Governo e à Presidenta Dilma, vamos fazer alguns gestos que, de fato, retome o espírito democrático pleno que o Brasil precisa.

            Era isso, Sr. Presidente, que tinha a dizer, agradecendo o tempo que o senhor me permitiu.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/05/2011 - Página 13550