Discurso durante a 71ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise do atual modelo de repartição federativa, com relato histórico sobre os 116 anos, no dia 15 próximo, do conflito da Vila do Espírito Santo do Amapá, que influenciou na formação da fronteira brasileira. (como Líder)

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.:
  • Análise do atual modelo de repartição federativa, com relato histórico sobre os 116 anos, no dia 15 próximo, do conflito da Vila do Espírito Santo do Amapá, que influenciou na formação da fronteira brasileira. (como Líder)
Aparteantes
Cristovam Buarque, Walter Pinheiro.
Publicação
Publicação no DSF de 13/05/2011 - Página 15919
Assunto
Outros > HOMENAGEM. ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.
Indexação
  • REGISTRO, PRESENÇA, PLENARIO, SENADO, AUTORIDADE MUNICIPAL, MUNICIPIO, AMAPA (AP), ESTADO DO AMAPA (AP).
  • HOMENAGEM, DIA, COMEMORAÇÃO, HISTORIA, CONFLITO, MUNICIPIO, AMAPA (AP), ESTADO DO AMAPA (AP), IMPORTANCIA, DEFINIÇÃO, FRONTEIRA, BRASIL.
  • COMENTARIO, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), INCONSTITUCIONALIDADE, PARTILHA, RECURSOS, FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL (FPE), CRITICA, ORADOR, SITUAÇÃO, INJUSTIÇA, PACTO, FEDERAÇÃO, DEFESA, NECESSIDADE, INICIATIVA, LEGISLATIVO, DISCUSSÃO, ALTERAÇÃO, DISPARIDADE, ESTADOS, MUNICIPIOS, PAIS.

                          SENADO FEDERAL SF -

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            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, quero mais uma vez registrar a presença, na tribuna de honra desta sessão, nesta tarde/noite, no Senado Federal, do Prefeito da cidade de Amapá, primeira capital do Estado do Amapá, e dos Vereadores, Presidente e Vice-Presidente da Câmara Municipal daquele Município.

            O próximo dia 15 de maio, domingo, é uma data relevante para o Amapá e, me permita dizer, para o Brasil porque nessa data, na cidade de Espírito Santo do Amapá, há exatos 116 anos, no ano de 1895, ocorreu um acontecimento histórico em que nós, amapaenses, deixamos bem claro o nosso desejo de dizer que somos Brasil.

            A história do nosso País, Presidente, e a nossa formação territorial foi feita concretamente do sangue de homens, de mulheres, de brasileiros que exigiram o direito de ser brasileiros. Nossa formação territorial brasileira não é somente obra, embora tenha sido uma contribuição, da força da espada portuguesa sobre nós. Essa foi importante. Lembremos que, antes da nossa independência, o Brasil era um conglomerado de regiões que falavam o português e que não se comunicavam entre si. Foi necessária a transferência para cá da Família Real, de Dom João, e aí a necessidade de consolidar aqui o estado imperial português, para que consolidássemos as fronteiras pós-independência que nós temos até hoje.

            Entretanto, temos regiões e cantos do Brasil que resolveram estar no Brasil por opção, não pela força da espada portuguesa, mas pelo desejo de brasileiros de ir a esse território, de conquistar esse território, de fazer esse território de fato brasileiro. E assim foi no Estado do Acre, com a independência, com a revolução acreana no final do século XIX e início do século XX. E, me permitam, assim foi também com o Amapá.

            Já havia sido percebido pela inteligência portuguesa, no século XV, século XVI, a necessidade de no Amapá se estabelecer e lá se instalar, lá se consolidar a ocupação portuguesa.

            É por isso que, no decorrer do século XVIII, na região da então Capitania do Cabo Norte, essa região é disputada por franceses, holandeses, ingleses e, posteriormente, tem a consolidação do jugo colonial português. Essa colonização se dá com a astúcia e a inteligência do exército português em construir, às margens do rio Amazonas, na desembocadura do rio Amazonas e protegendo a entrada do Amazonas, a entrada da região que Portugal reivindicava como sua. Para tanto, Portugal resolveu construir lá, no ano de 1758, a maior fortificação de todo o período colonial português em todo o mundo.

            Veja, então, a importância estratégica que os portugueses davam para consolidar a sua presença nesse canto do hoje território brasileiro. Pena que não foi assim que o Estado brasileiro, a partir da independência, pensou essa região.

            A partir da independência, em 1822, houve um completo e gradativo abandono da região da antiga capitania do Cabo Norte. Isso abriu espaço para que a região passasse a ser, durante todo o século XIX, uma área contestada pelo estado francês.

            Os franceses contestavam e reivindicavam o trecho do território do Amapá localizado entre os rios Araguari e Oiapoque. E o Brasil, então, já argumentava os termos do Tratado de Utrech, de 1700, definindo como a fronteira concreta do rio Oiapoque, situada mais acima, mais ao Norte e não a fronteira delimitada pelo rio Araguari, conforme os franceses naquele momento reivindicavam.

            Os franceses, para garantir a ocupação desse território, chegaram a apoiar a constituição de uma república na região Norte do Amapá, uma república que seria independente e que teria o objetivo de depois se unir à França, a República do Cunani.

            Pois bem. Em reação e com o desejo de se fazer Brasil, se estabeleceu acima do rio Araguari o triunvirato brasileiro, comandado pelo Sr. Francisco Xavier da Veiga Cabral. Este triunvirato, com sede na Vila do Espírito Santo do Amapá, estabelecia um ponto de território em que se exigia que aquele território pertencesse ao Brasil e não à França, como reivindicavam as autoridades do Contestado.

            No dia 15 de maio de 1895, o Capitão Lunier, liderando uma esquadra de corsários franceses, invadiu a Vila do Espírito Santo do Amapá. Obteve lá a resistência de Francisco Xavier da Veiga Cabral e a resistência, lá também, de um conjunto de soldados brasileiros à guarnição francesa. Não conformada, a guarnição francesa realizou um absurdo massacre: 98 homens, mulheres e crianças, na maioria idosos, na maioria crianças, foram chacinados pela guarnição francesa. Esse acontecimento de 15 de maio de 1895 é fundamental para pressionar a opinião pública internacional pela repercussão que teve na imprensa nacional e na imprensa internacional, contribuindo decisivamente para que o governo da República do Brasil e o governo francês se apressassem em buscar uma solução para a área do Contestado.

            Em virtude disso, o conflito do Contestado entre os rios Oiapoque e Araguari é levado para a Conferência de Haia, onde o Brasil é representado pela habilidade diplomática do Barão do Rio Branco. Na Conferência de Haia, mediada pela Confederação Suíça e pelo presidente da Confederação Suíça, o Sr. Walter Hauser, que é escolhido como árbitro entre as partes, a habilidade diplomática do Barão do Rio Branco a partir dos documentos anteriormente entregues por Joaquim Caetano confirmaram que o rio Oiapoque, definido como limite entre as terras então de Portugal e as terras da França, ficava mais ao norte, e não o rio que os franceses denominavam, que era de fato o rio Araguari.

            A Obra de Joaquim Caetano O Oiapoque e o Amazonas, definida inclusive no francês como L’Oyapoc et L’Amazone, foi fundamental para consagrar que a região ao norte do rio Araguari, a região entre os rios Araguari e rio Oiapoque, era de fato território definido pelos marcos do Tratado de Utrecht de 1700 e, portanto, esse território era de fato brasileiro.

            Mesmo ocorrendo isso, mesmo com a decisão da Confederação Suíça, mesmo com o laudo suíço de 1900, a região ao norte do rio Araguari e o conjunto da antiga Capitania do Cabo Norte ou da região do Amapá, como assim já era chamada no começo do século XX, padeceu do completo abandono dos primeiros anos do Governo Republicano. Abandono que só se resolve em 1943, com a criação do então Território Federal do Amapá e também do Território de Roraima, na época com a denominação de Território do Rio Branco e do Território do Guaporé, que posteriormente vem a ser o Estado de Rondônia.

            A partir daí é que as políticas do governo da União voltam-se novamente para a região do Amapá, com o objetivo - vejam, em 1943 - de consolidar essa parte do Brasil de fato como território brasileiro.

            Portanto, Sr, Presidente, faço esse relato histórico aqui sobre os 116 anos do conflito da Vila do Espírito Santo do Amapá, que resultou no assassinato, na chacina de mais de 98 crianças e mulheres amaparinos, que resultou num dos mais dramáticos acontecimentos que formaram a fronteira brasileira.

            Para reafirmar o que sempre digo: faço parte de uma região que é Brasil porque fez questão de ser Brasil.

            Foram brasileiros que se estabeleceram na Vila do Espírito Santo do Amapá, foram brasileiros que ocuparam a região da antiga Capitania do Cabo Norte, foram brasileiros que resistiram a ocupação e a proclamação do contestado francês, foram brasileiros que não se curvaram à estratégia francesa de criação da República de Cunani para consolidar uma alcunha francesa naquele território. Então, este canto do Brasil, Sr. Presidente, se tornou Brasil pelo desejo de ser Brasil. Poderia ter aberto mão desse direito. Poderia não ter resistido. Poderia ter apoiado a incorporação ao Departamento de Ultramar Francês da Guiana Francesa. Não o fez, resistiu; emprestou sangue e a memória de seus filhos para isso.

            Por isso que a data de 15 de maio é uma data de profundo significado para todos nós amapaenses, para a cidade, para a antiga Vila de Espírito Santo do Amapá, que depois veio a ser consagrada, em 1943, como a primeira capital do Estado do Amapá, a cidade do Amapá. E assim foi a primeira capital nos primeiros meses do então Território Federal do Amapá. E é uma cidade onde a história palpita no nosso tato, onde a história, em todos os cantos, está presente. Ou está presente por acontecimentos como esse, que aqui destaquei, ou está presente - veja, Sr. Presidente - pelo fato de ter sido na cidade de Amapá um dos poucos cantos escolhidos no século XX, durante a Segunda Guerra Mundial, pelos aliados, para construir uma base aérea de apoio à jornada pela libertação da Europa do jugo nazista.

            Nós tivemos duas bases aéreas construídas na América: uma em Natal e outra na cidade de Amapá. Essa base aérea ainda intacta, ainda existente, à espera, logicamente, dos apoios governamentais, para que possamos recuperar essa que não é somente patrimônio cultural dos amapaenses ou patrimônio cultural dos brasileiros; uma base aérea construída para apoiar os aliados na jornada pela libertação contra o jugo nazista há de ser um patrimônio de toda a humanidade.

            Essa condição nossa nos impõe uma proclamação. O fato de sermos Brasil pelo desejo de sermos Brasil nos impõe reclamar o atual modelo de repartição federativa, o atual modelo do pacto federativo que nós vivemos, hoje, no Brasil. Não é justo um modelo de pacto federativo em que o seu principal instrumento é o Fundo de Participação dos Estados e esse fundo de participação dos Estados é desigual, tal qual é desigual hoje. O FPE, Fundo de Participação dos Estados - mais adiante falarei sobre esse tema na tribuna do Senado -, foi criado em 1975, sob um princípio: ser o instrumento econômico do pacto federativo. Foi criado assim, com uma ideia: os Estados que têm arrecadação própria maior deveriam ter FPE menor; e os Estados que têm arrecadação própria menor deveriam ter um FPE maior.

            Não é assim na atualidade, Sr. Presidente. Tanto não é assim, que, em 2010, o Supremo Tribunal Federal proclamou uma súmula, proclamou uma decisão, determinando que a atual repartição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados é inconstitucional e deve ser revista e debatida por esta Casa, o Senado da República, e pela Câmara dos Deputados.

            É neste sentido que terei a honra de apresentar, junto com o Senador Romero Jucá, na próxima semana - depois reportarei a esta Casa -, um projeto de lei complementar em que pretendo apresentar uma proposta de rediscussão do atual pacto federativo.

            Por exemplo, Senador Cristovam, no cálculo da distribuição, da repartição do Fundo de Participação dos Estados têm que ser contadas algumas variáveis que hoje não são. Eu, por exemplo, faço parte de um Estado que tem 77% de seu território como unidade de conservação. Ora, nós estamos contribuindo para que o mundo não se deteriore antes do tempo. Nós estamos impedindo a emissão de hidróxido de carbono na atmosfera terrestre. Esse critério ambiental e o fato de termos 77% do território do nosso Estado como unidade de conservação deve ser, para nós, motivo de orgulho e deve ter um reconhecimento por parte do Governo da União e também por parte do conjunto da humanidade.

            Então, não é justo que, no mundo atual, no mundo dos fortes desequilíbrios ambientais, o pacto federativo ainda seja estabelecido sem que possamos contar com variáveis como, por exemplo, a variável ambiental.

            É por isso que precisamos ter uma rediscussão sobre o atual modelo de pacto federativo que temos hoje no Brasil e sobre o conjunto dos instrumentos do pacto federativo atual e o principal instrumento econômico do pacto federativo, que é o Fundo de Participação dos Estados.

            O Sr. Walter Pinheiro (Bloco/PT - BA) - V. Exª me concede um aparte?

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP) - Querido Senador Walter Pinheiro, eu o ouço com o maior prazer.

            O Sr. Walter Pinheiro (Bloco/PT - BA) - Senador Randolfe, V. Exª toca numa questão que esta semana deveria, inclusive, ser objeto também de debate por parte da imensa maioria de prefeitos, essa maioria que aqui esteve em Brasília. Alguém pode dizer “mas a decisão do STF tem muito a ver com o FPE”. Mas é importante que a gente tenha a base exatamente a partir do FPM, porque o processo de definição, por exemplo, de fronteiras, a relação às vezes de migração de moradores de uma área para outra - estamos vivendo esse drama na Bahia -, isso interfere numa realidade para base de calculo. E um dos temas que eu levantei, eu não sei se V. Exª estava aqui ou participou da audiência pública na Comissão de Educação, quando eu discuti isso com o Ministro Fernando Haddad. Eu disse a ele que um dos componentes utilizados para cálculo do atendimento ao transporte escolar não leva em consideração tamanho de Município, apesar de esse componente dizer que o tamanho é utilizado. Eu disse nem tanto, porque, para fazer a utilização da área de Município, é fundamental colocar todos os componentes, o per capita por aluno. Então, isso serve para ilustrar como a gente tem erros na definição da distribuição de Fundo de Participação para os Estados. Só para dar um exemplo para V. Exª, vou levar para o micro para a gente entender o que acontece no macro: eu citei para Fernando Haddad a experiência de dois Municípios baianos, um com quase 14 mil quilômetros quadrados e outro com 60 quilômetros quadrados. O Município de 60 quilômetros quadrados não tem nem zona rural e, obviamente, tem problemas muito menores no transporte de alunos. O Município de 14 mil quilômetros tem zona rural, tem distritos que se localizam a 200 quilômetros da sede, sem estradas. Então, esses componentes devem ser ponderados. E aí V. Exª, eu diria, coloca como elemento central a necessidade de áreas de preservação. Ora, se áreas de preservação são componentes decisivos nessa nossa batalha do crescimento sustentável, à preservação, inclusive, da vida, um Estado que tem grandes áreas de preservação teria que receber como parte da distribuição do Fundo de Participação dos Estados recursos para manter as reservas extrativistas, as Áreas de Preservação Ambiental, as nossas APAs. Portanto, isso deveria também fazer parte desse contexto. Aí nós vamos introduzindo outros elementos, que vão para além do IDH ou da quantidade de habitantes. A Bahia, neste ano, está concluindo a sua nova cartografia, fazendo exatamente o novo mapa cartográfico baiano, identificando como estão agora as fronteiras, de que forma as pessoas migraram ou não. Portanto, essas coisas devem impulsionar-nos a um debate nesta Casa, para que repensemos a forma de distribuição do bolo. Então, isso tanto vale para o FPE - o que V. Exª levanta muito bem -, como também para o FPM.

             

(Interrupção do som.)

            O Sr. Walter Pinheiro (Bloco/PT - BA) - Vou concluir, Sr. Presidente. Essa é uma questão que tenho levantado. Inclusive, já marcamos com o Presidente da CAE aqui e com o Presidente da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, para tentarmos discutir, por exemplo, como vamos fazer com os Municípios que perderam receitas a partir do censo. Às vezes, uma alteração mínima na população provoca mudanças absurdas na arrecadação de Municípios. Portanto, quanto a esse pacote de distribuição do bolo tributário nacional, dos recursos para os Estados e Municípios, é importante que o Senado adentre essa caixa fechada, essa seara difícil. Toda vez em que vamos discutir com os técnicos do Tesouro, é sempre um problema. O povo acha que qualquer mudança como essa altera a arrecadação. Então, quero não só parabenizar V. Exª, como também me inserir nesse contexto, para que possamos definir novos parâmetros...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Walter Pinheiro (Bloco/PT - BA) - ...e ajudar Estados e Municípios nessa questão da obtenção dos recursos, que são da União, e que devem ser aplicados na ponta. Muito obrigado.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP) - Agradeço, Senador Walter Pinheiro, e incorporo o aparte de V. Exª.

            Lembremos que aqui é a Casa da Federação e o espaço, o lócus privilegiado desse debate. V. Exª lembra muito bem: falemos também do FPM, porque a Constituição consagrou o Município como ente federativo. E assim o é o Município desde 1988, com a nossa atual Carta Magna.

            Temos de travar e enfrentar esse debate. O próprio Supremo, reitero, consagrou que a atual repartição dos recursos do FPE é inconstitucional. E temos de atualizar os vetores para os cálculos do FPE e - concordo com V. Exª - também do FPM.

            Nós somos uma Federação que precisa, a todo tempo, provar-se como tal, em função da nossa Constituição histórica atípica como Federação.

            Não fomos o resultado de uma associação de Estados independentes que abriram mão de sua soberania e mantiveram autonomia, como foi a forma de federação clássica nos Estados Unidos da América.

            Concluo, Sr. Presidente. Meu tempo já está encerrando, mas, se V. Exª me permitir, me conceder mais um minuto, abrilhantaria muito mais o meu pronunciamento, antes de concluí-lo, receber um aparte do Senador Cristovam Buarque.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Peço permissão, Sr. Presidente, Pedro Simon, porque é raro a gente ter a chance de ter um debate não só sobre história, mas sobre algo tão concreto quanto a ideia de pacto federativo. Ouvi o Walter falar e fiquei aqui me provocando. Há muito eu acho que a ideia do pacto federativo de que a gente fala foi uma invenção das elites de cada Estado ou da elite de cada Estado, negando o próprio conceito de nação e o longo prazo de todos nós. Se olharmos os gestos de pactos federativos, em geral, foi na luta para beneficiar uma federação, uma unidade, e não a soma das unidades. A gente tem que quebrar isso. Temos que quebrar o corporativismo da luta pelo interesse só do Estado. Sei que aqui a gente representa o Estado, mas sou Senador da República. Por isso, uma das propostas de reforma política que estou propondo é a reserva de 10 vagas na Câmara Federal para Deputados eleitos nacionalmente. Defendo que 40% seja dos Federais eleitos por distrito; 50%, pelo Estado...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - ...e 10% dos Deputados, eleitos nacionalmente, para chegarem ao Congresso com a visão de nação, e não a visão de defesa de interesse de uma unidade da federação. Outro lado é o caso dos royalties. Nos royalties, toda discussão foi em função de que Estado receberia mais e não de como ficaria melhor a Nação brasileira. Tenho impressão ainda que a melhor maneira seria a que propusemos em uma proposta: distribuímos para todos os Estados e cidades proporcionalmente ao número de crianças na escola, primeiro, porque transformaria o petróleo em um bem de todos. Apanhei muito de todos os cariocas, paulistas, capixabas, mas eles não perderiam. Sabem por quê? Porque eles têm um número de crianças na escola grande. Os dois grande beneficiados dessa minha proposta seria, por coincidência, não porque eu esteja querendo defendê-los, Rio e São Paulo. O Espírito Santo ficaria um pouquinho pior. Se a gente distribuísse os royalties proporcionalmente ao número de crianças nas escolas e com a obrigação desse dinheiro ir para as escolas, ai nós estaríamos usando num pacto nacional e não num pacto federativo, em defesa do conjunto da Nação e no seu longo prazo. Um dia a gente vai ter que discutir isso, do pacto federativo, analisando com mais rigor o que é que interessa não só a cada Estado, mas o que interessa a Nação inteira. A soma das partes não é igual ao todo. O todo, Brasil, é maior do que a soma das 27 Unidades da Federação. Mas nós nos acostumamos tanto com as sub-repúblicas deste País: república do sindicato A, república do sindicato B, república dos banqueiros, república dos exportadores e república de cada Estado, porque a gente perdeu a noção da república inteira que é a República brasileira. Por isso eu lhe parabenizo em trazer o assunto, embora na defesa do Amapá, que é a sua obrigação, como a minha também é do Distrito Federal. Mas vamos nos lembrar sempre que nós somos representantes, por exemplo, eu, do Distrito Federal, mas eu sou Senador da República brasileira. E eu tenho que ter sempre na cabeça o interesse do conjunto da República, porque, senão, nenhum dos nossos Estados tem futuro. Sobretudo o meu que é a capital de todos os brasileiros. Ou eu penso no Brasil inteiro, ou Brasília não justifica.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP) - Senador Cristovam, creio que nós concordamos mais do que divergimos.

            O grande problema do pacto federativo atual, concordo com V. Exª, é que ele foi pensado não debaixo para cima, ele foi pensado - como V. Exª disse - pelas elites. Nós não tivemos uma formação histórica de nossa construção enquanto Federação.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Me permite, Senador?

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP) - Pois não, Senador.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - O Senador Paim é mais liberal, e eu sei o que o Senador Randolfe não tem problema. É a mesma coisa. E aqui, o meu amigo Walter vai concordar, é a mesma coisa entre a internacionalização que vinha dos trabalhadores e a globalização que veio do capital financeiro e dos exportadores e índice da economia. Uma coisa seria construir a globalização debaixo para cima por meio da internacionalização que o socialismo defendia. A outra, é construir a globalização de cima para baixo, dividindo os países e os povos. Foi uma pena que o rumo de uma coisa tão boa, que é a unidade planetária, tenha vindo de cima para baixo. Só para concordar com V. Exª.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP) - E lembremos, Senador, que o próprio Marx - e estamos falando na referência da luta, no século XIX, contra o modelo de globalização - falava também da necessidade de outra globalização. O final do Manifesto, o que consigna? “Proletários de todos os países, uni-vos!”. Era um modelo de globalização distinto. Não era contra a globalização, mas era a necessidade de outra globalização possível.

            V. Exª está perfeito no que diz. Por isso, temos de repensar a Federação. Acredito que, para um País, um Estado como o nosso, com 8 milhões 511 mil quilômetros quadrados, a forma de Estado possível tem e deve ser a forma de Estado federal. Só que esse Estado federal, como a constituição dele foi assimétrica, sem a participação da sociedade, temos de repensá-lo. E repensá-lo diante da atualidade, diante de vetores como esses que V. Exª e eu estamos debatendo, como a questão ambiental. Isso tem de ser um vetor a ser incluso, por exemplo, nos cálculos matemáticos do FPE, do FPM, como o número de crianças na escola, como V. Exª disse. Isso deve ser um vetor para a distribuição, por exemplo, dos royalties do petróleo, que devem pertencer ao Brasil.

            Veja, Senador Cristovam, e aí compreendendo nossa dimensão, que me é peculiar: eu prefiro que sejamos denominados Senadores da República. Diante de cada uma das denominações que possam ser utilizadas, Senado Federal ou Senador da República, apraz-me bem mais a denominação Senador da República, que quer dizer Senador da res publica, da coisa pública, da coisa de todos. Essa é a denominação que prefiro.

            E, veja, eu comecei aqui falando do Amapá, de um fato histórico, de um acontecimento histórico que ocorreu naquele canto do Brasil, na vila de Espírito Santo do Amapá, no ano de 1895, pelo desejo de brasileiros de estarem no Brasil para, no conjunto dessa discussão, travarmos um debate necessário, que tem de ser - não podemos adiar - dessa Legislatura do Senado da República: o debate sobre o atual modelo federativo.

             Concluo, saudando e agradecendo as contribuições de Walter Pinheiro e de Cristovam para esse debate que temos de continuar aqui no Senado, e não deixando de saudar também o Brasil, o Estado do Amapá e a vila de Espírito Santo do Amapá, por ter sido palco de um dos acontecimentos mais importantes para forjar a nossa fronteira, para forjar o Brasil.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/05/2011 - Página 15919