Discurso durante a 104ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Necessidade de o poder público oferecer, aos brasileiros, condições para uma velhice mais digna e menos desamparada.

Autor
Paulo Davim (PV - Partido Verde/RN)
Nome completo: Paulo Roberto Davim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Necessidade de o poder público oferecer, aos brasileiros, condições para uma velhice mais digna e menos desamparada.
Publicação
Publicação no DSF de 21/06/2011 - Página 24772
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, PODER PUBLICO, GESTÃO, COORDENAÇÃO, POLITICAS PUBLICAS, BENEFICIO, AUXILIO, IDOSO, DEFESA, DIREITOS HUMANOS.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PAULO DAVIM (Bloco/PV - RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, deve ser deprimente chegar ao ocaso da existência e constatar que estão terminando os dias entre estranhos, em local onde não se encontra o afeto dos familiares.

            E é grande meu desconforto, por saber que o poder público não tem mostrado preocupação em oferecer condições para uma velhice mais digna e menos desamparada. Por exemplo, em 2008, estavam previstos R$20 milhões para utilização em atendimento de saúde para os idosos, mas foram aplicados apenas 6 milhões.

            O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicado (Ipea), órgão do Governo, divulgou recentemente, em 24 de maio, dados sobre a situação dos idosos no Brasil, que deveriam acender uma luz amarela nos setores responsáveis. De acordo com o último censo, realizado em 2010, o número de idosos no País já ultrapassou 20 milhões.

            O site do Ministério da Saúde também apresenta números que dão o que pensar. Em 1980, para cada 100 jovens, existiam apenas 10 idosos. Com o aumento da expectativa de vida e com a diminuição da natalidade, as últimas previsões apontam que, em 2050, serão 172 idosos para cada 100 jovens. O total de idosos chegará a 63 milhões, mais do que o triplo da população hoje existente nessa faixa etária.

            O que fazer para garantir uma existência digna para tantos idosos? Quais as políticas mais adequadas? E como faremos a transição para prevenir as consequências do envelhecimento da população?

            Sr. Presidente, o jornal O Estado de S. Paulo, em sua edição de 25 de maio, repercutiu os dados resultantes do estudo do Ipea, ressaltando no título da matéria: “Apenas 6,6% dos asilos do País são públicos”. De um total de 3.548 asilos, apenas 218 são públicos, somadas aí as entidades federais, estaduais e municipais. O Governo Federal mantém apenas uma instituição para idosos, o Abrigo Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, que atende a 298 pessoas.

            A matéria do Estadão salienta também o fato de que mais de dois terços dos Municípios brasileiros não têm um abrigo sequer para os idosos. O estudo ressaltou também que 65,2% das instituições são filantrópicas.

            As instituições para idosos são geralmente conhecidas como asilos, uma palavra de origem grega - asylon -, que significa o lugar em que as pessoas podem sentir-se abrigadas e protegidas contra danos das mais diversas ordens. Nos meios especializados, essas instituições são conhecidas pela sigla ILPI - Instituições de Longa Permanência para Idosos.

            Em artigo para o Boletim do Instituto de Saúde, denominado “Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI)”, a enfermeira Helena Akemi Watanabe, Doutora em Saúde Pública e Professora da Universidade de São Paulo, e Vera Maria di Giovanni, Secretária de Estado da Saúde de São Paulo traçam o seguinte retrospecto para os asilos no Brasil:

As instituições de longa permanência para idosos (ILPI) historicamente têm o seu surgimento fundamentado na caridade e num atendimento básico às necessidades de vida, como ter onde se alimentar, se banhar e dormir; destinadas ao amparo aos sem família, pobres e mentalmente enfermos. A identidade que se manifestou em seu período inicial estava relacionada à caridade, numa perspectiva assistencialista que determinava a homogeneização dos velhos, a percepção da velhice como degeneração e decadência e a infantilização do idoso.

            Esse trecho já é suficiente para nos situar em relação à atual situação do amparo à velhice em nosso País.

            A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) define assim as ILPIs:

[...] instituições governamentais ou não governamentais, de caráter residencial, destinadas a domicílio coletivo de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, com ou sem suporte familiar, em condição de liberdade, dignidade e cidadania.

            Cerca de 83 mil idosos vivem em asilos no Brasil, o que, se levarmos em conta a população nessa faixa etária, equivale a menos de 0,5% do total.

            A demógrafa Ana Amélia Camarano, coordenadora da pesquisa realizada pelo Ipea, fez a seguinte observação sobre esse fato: “É má notícia. Põe sobre a família a responsabilidade de cuidar do seu idoso dependente, sem levar em conta se isso é possível.”

            Ainda de acordo com a pesquisadora, é preciso levar em conta as mudanças ocorridas na organização familiar. Atualmente, a mulher, a principal cuidadora, participa ativamente do mercado de trabalho. Não bastasse isso, a pluralidade de casamentos de muitos indivíduos acaba por enfraquecer os laços familiares, o que leva ao seguinte comentário por parte da demógrafa: “Quem tem muita sogra não cuida de nenhuma”. 

            A rigor, pode-se dizer que as instituições para idosos são mantidas principalmente pelos particulares, já que o Poder Público contribui com apenas 22% dos recursos necessários.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, devido ao crescimento da população com idade superior a 60 anos, com um aumento significativo comparado ao restante da população, foi necessário elaborar uma norma abrangente, o Estatuto do Idoso, para assegurar direitos essenciais a uma vida saudável e digna, em respeito às deficiências que vão aumentando no decorrer da vida.

            Dessa forma, o que estabelece o art. 3º da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, o Estatuto do Idoso, é o seguinte:

É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

            Para que possamos ver concretizada essa recomendação do Estatuto do Idoso, além da participação da sociedade e da família, é preciso que o Governo invista nessa área, na construção e na manutenção de asilos, mas também em cuidado domiciliar formal, em benefícios monetários para o cuidador familiar, em inclusão de cuidador familiar no sistema de seguridade social, em centros-dia, em hospitais-dia, ou seja, numa política coordenada e voltada para garantir o bem-estar de todos os brasileiros em idade avançada.

            Por sua vez, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) elaborou o Programa de Atenção à Pessoa Idosa. Esse programa preconiza o atendimento em instituições do tipo asilar, para o oferecimento de serviços na área social, psicológica, médica, de fisioterapia, de terapia ocupacional e de outras atividades específicas para esse segmento social. Vamos esperar que a implementação do programa traga resultados satisfatórios.

            Sr. Presidente, o jornal Correio Braziliense, no início deste mês, abordou os problemas dos idosos, criticando o despreparo e a situação de abandono das políticas de amparo aos idosos. A preocupação da matéria é demonstrada com a previsão de que o Brasil envelhecerá, em 34 anos, o que países europeus demoraram um século. Na França, por exemplo, a população de idosos demorou 100 anos para passar de 7% para 14%.

            Nos poucos asilos de que dispomos, principalmente os públicos, há insuficiência de profissionais especializados, reduzida capacitação na rede básica do Sistema Único de Saúde, e falta conexão entre hospitais, postos de saúde e centros de atendimento especializado. Aqui não existem instituições de longa permanência para quem precisa de ajuda para as atividades prosaicas, como tomar banho e vestir-se. Na Finlândia, Dinamarca e Noruega, além de suprirem essas necessidades, os asilos são considerados instituições de saúde. No Brasil, por adotarem mais um caráter assistencial, abrigando quem não tem moradia nem renda ou só quem recebe o Benefício de Prestação Continuada - previsto na Lei Orgânica da Assistência Social -, grande parte dos asilos se assemelham mais a depósitos de velhos.

            Na Suécia, por exemplo, 9% dos idosos moram em instituições criadas para abrigá-los. É quase 20 vezes o número de brasileiros abrigados.

            Sr. Presidente, talvez possamos espelhar-nos no caso da França para aprimorar o atendimento aos idosos no Brasil. O site www.ideal3idade.com.br traz informações interessantes de como esse país trata este assunto. Aliás, é bom lembrar que o envelhecimento da população não é exclusividade do Brasil.

            Entre 1950 e 2000, a população da Fraca cresceu de 41,6 milhões para 58,7 milhões de habitantes, um aumento de 41%. No mesmo período, o número de pessoas acima de 60 anos quase dobrou: de 6,7 milhões para 12,1 milhões.

            O instituto de pesquisa INSEE informa que muitos idosos entre 60 e 75 anos na França moram em suas residências. Todavia, a partir dos 85 anos, a maioria passa a viver nas chamadas Maison de Retraite, ou casa de repouso, o nosso conhecido asilo.

            Mas, totalmente diferente do que conhecemos no Brasil, nas Maison de Retraite, os idosos recebem tratamento e atenção permanente de profissionais, médicos, enfermeiros, auxiliares, com atendimento médico e atividades adaptadas a cada idoso, independente de ser por um longo período ou uma estadia temporária.

            Os asilos podem estar vinculados ao setor público ou ao setor privado. Se públicos, vinculam-se aos Centros de Ação Social, Assistência Pública e Centros Hospitalares. Se privados, são vinculados às associações sem fins lucrativos. As regras para manter condições de segurança, higiene e conforto para os idosos são rígidas e controladas e o cumprimento é fiscalizado regularmente pela Direção Departamental de Negócios Sanitários e Sociais (DDASS). Só na região parisiense, existem atualmente mais de 1.100 asilos. Diversos órgãos governamentais auxiliam nos custos de manutenção.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE) distingue dois grupos de instituições no Brasil:

- Abrigos de Idosos, que compreende os asilos, casas para velhice com alojamento, ILPI - Instituto de Longa Permanência de Idosos, e residências protegidas destinadas à assistência social a idosos, em regime de internato, quando o tratamento médico não constitui elemento central do atendimento.

- Clínicas e residências geriátricas, que compreendem as casas de repouso para pacientes em regime de internato com a idade a partir de 60 anos, sob responsabilidade médica, destinada à prestação de serviços médicos, de enfermagem e demais serviços de apoio terapêutico.

            Estudos do próprio Governo já apontavam, em 2005, que o número de idosos institucionalizados aumentou entre as idades mais avançadas, com predominância do sexo feminino. Também foi apurado que o número de idosos que apresentam algum tipo de deficiência física ou mental é muito mais alto entre os institucionalizados do que para os demais idosos, o que expõe a necessidade de maior cuidado com a saúde dos que se encontram nos asilos.

            Já o estudo sobre as ILPIs, mencionado anteriormente, observa que muitos idosos vivem nessas instituições por longos períodos. Em pesquisa sobre o perfil de residentes nas ILPIs, foram encontrados idosos que residiam há mais de 25 anos numa mesma instituição. Dessa forma, ILPI deve ser considerada lugar de viver. Os idosos experimentam novas formas de interação e tentam resgatar a sociabilidade nas atividades a eles oferecidas.

            Sr. Presidente, entre setembro e outubro de 2007, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Conselho Federal de Psicologia (CFP) realizaram uma inspeção conjunta em várias instituições nas mais diferentes partes do País, e o diagnóstico traz algumas observações inquestionáveis e preocupantes.

            O Poder Público tem, em relação às ILPIs, uma postura ambígua. A maioria dos políticos manifesta adesão à defesa dos Direitos Humanos, mas, em grande parte, não se traduz por ações concretas.

            Constatou-se, também, como já era de se esperar, que o Brasil não possui infraestrutura mínima de abrigamento ou internação para sua população idosa, uma carência que vem de muitas décadas. Com o aumento da expectativa de vida da população, a situação pode vir a mostrar-se dramática.

            Concluiu-se, ainda, que o abandono, independente de classe social, assim como o sofrimento e a falta de perspectivas para os idosos. Impera a sensação, ao observar o semblante dos homens e mulheres nas instituições visitadas, de que é apenas o lugar onde devem esperar pela morte.

            Este assunto certamente não é agradável, mas precisa ser tratado com o maior carinho e atenção. Quanto ao dispêndio de recursos para melhorar as condições de vida dessas pessoas que já contribuíram para engrandecer o País, entendo que o Poder Público deve assumir seu papel de coordenador das políticas voltadas especialmente para dar suporte ao trabalho desenvolvido pelos Institutos de Longa Permanência dos Ìdosos. Porém, não deve ser descartada a política de atenção aos idosos que vivem em suas casas, estimulando-os e facilitando-lhes a execução de atividades apropriadas às suas condições.

            Um povo e um país que não respeitam seus velhos, os anciãos, de onde emana toda a experiência, não merecem um lugar de destaque no concerto das nações.

            Era isso que eu tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/06/2011 - Página 24772