Discurso durante a 128ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise do Programa Brasil Maior e de proposta apresentada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia de criação de 75 mil bolsas no nível superior.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PROGRAMA DE GOVERNO, POLITICA INDUSTRIAL. PROGRAMA DE GOVERNO, POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Análise do Programa Brasil Maior e de proposta apresentada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia de criação de 75 mil bolsas no nível superior.
Publicação
Publicação no DSF de 06/08/2011 - Página 31613
Assunto
Outros > PROGRAMA DE GOVERNO, POLITICA INDUSTRIAL. PROGRAMA DE GOVERNO, POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • ANALISE, PLANO DE GOVERNO, DESENVOLVIMENTO, POLITICA INDUSTRIAL, PAIS, OBJETIVO, AUMENTO, CAPACIDADE, CONCORRENCIA, INDUSTRIA NACIONAL, MERCADO INTERNACIONAL, CRITICA, INSUFICIENCIA, PROGRAMA, NECESSIDADE, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, INVENÇÃO, PRODUTO INDUSTRIALIZADO, DEFESA, REDUÇÃO, JORNADA DE TRABALHO, TRABALHADOR.
  • ANALISE, PROGRAMA DE GOVERNO, CONCESSÃO, BOLSA DE ESTUDO, EXTERIOR, OBJETIVO, QUALIFICAÇÃO, MÃO DE OBRA ESPECIALIZADA, CIENTISTA, CRITICA, INSUFICIENCIA, PROGRAMA, NECESSIDADE, MELHORIA, EDUCAÇÃO BASICA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Bom-dia a cada um e a cada uma. Cumprimento os Senadores. Muito obrigado, Senador Anibal, por dar este apoio neste minuto. Vou-me limitar aos 10 minutos, ainda que na próxima segunda eu volte a este assunto - e na terça, na quarta e na quinta -, porque é um assunto que precisamos debater com cuidado.

            O assunto, Senador Anibal, é o que está acontecendo no mundo e no Brasil e o que aconteceu nesta última semana. Nós vimos os Estados Unidos saindo da ameaça de um calote. Nós vimos a Grécia saindo da ameaça de um calote. Nós vimos certa vontade da Europa de apoiar os outros países em dificuldades profundas. E no Brasil nós vimos também o lançamento de dois programas: um programa chamado Brasil Maior, que propõe uma mudança de política industrial, e o programa do Ministério de Ciência e Tecnologia, propondo a criação de 75 mil bolsas no nível superior.

            Quando a gente olha à primeira vista, é claro que o Brasil está melhor que os outros países. Os outros estão querendo sobreviver. A gente está querendo viver. A crise é a mesma, mas nós estamos em momentos diferentes.

            Mas, depois de observar essa diferença em que está melhor o Brasil, temos que trazer aqui uma grande preocupação. É que a crise que esses países todos estão vivendo não se limita a botar dinheiro nos bancos europeus e colocar certo número de jovens estudando no exterior ou fazendo a desoneração da folha de pagamento, para que as empresas brasileiras possam ter um custo menor e, com isso, uma competitividade maior com os outros países.

            Na verdade, tanto o Brasil, como a Europa, como o mundo, nós estamos querendo colocar gasolina em um carro sem gasolina, mas querendo continuar no mesmo caminho. E o nosso problema não está apenas no carro. Está no caminho que a gente segue. Podemos encher o tanque de gasolina com tanta gasolina que ele ande, mas, mais adiante, ele para de novo, porque há uma crise muito mais profunda, estrutural a enfrentar.

            E nós sofremos o que o financista George Soros tem chamado, no mundo inteiro, de aversão à realidade. Nós estamos com medo e com aversão de enfrentar a realidade. Então, nós ficamos fazendo pequenos ajustes para tentar superar o problema que aparece. Enquanto isso, o problema se agrava, se não hoje daqui a algumas semanas ou anos.

            O objetivo do programa do Ministério de Ciência e Tecnologia é ótimo mas insuficiente. Essa é a diferença no enfrentamento da nossa crise. Nós queremos fazer o que é necessário ou queremos apenas fazer o que parece ser necessário, mas não é suficiente?

            É claro que aumentar o número de bolsas - e me preparei até para apresentar todo o programa e mostrar sua qualidade, porque, sem dúvida alguma, tem qualidade, mas não dá tempo -, é claro que dar bolsas para jovens é positivo, mas dois problemas são estruturais: primeiro, os nossos jovens que vão receber essas bolsas não estão suficiente preparados para aprender tudo aquilo que é preciso no exterior, porque nossa educação de base é ruim, e a gente não vê ninguém falando na educação de base nem quando faz um programa de mais bolsas para graduação e pós-graduação e nem quando faz um programa de uma nova política industrial.

            Estamos trabalhando o problema por pequenos probleminhas. Não vamos resolver o problema. Na política lançada de uma nova política industrial é a mesma coisa. Não dá para dizer que estão erradas as propostas, mas dá para dizer que elas não são suficientes, como não dá para dizer que está errado colocar gasolina num tanque vazio de um carro, mas sabendo que aquele caminho não tem futuro. O carro vai sofrer novos problemas por causa dos buracos, por causa do asfalto ruim e até mesmo por causa de um abismo adiante.

            Nós não criamos uma política de formação, que é boa, não cuidamos da educação de base, não cuidamos da política salarial que essas pessoas ao regressarem vão ter, não construímos nem propomos grandes centros de ciência e tecnologia como ITA, como Embrapa, como Fundação Oswaldo Cruz - e é capaz de muitos voltarem qualificados e desempregados -, nós não completamos o que é preciso para transformar o Brasil numa economia do conhecimento. Apenas vamos tentar enfrentar o apagão imediato de mão de obra para qualificação - e isso é bom. Repito: é melhor esse programa do que nenhum, mas é preciso que o Ministério de Ciência e Tecnologia tenha os instrumentos tenha os instrumentos para ir além disso. E um dos instrumentos, volto a insistir, é a minha velha proposta de 15 anos: fazer com que o Ministério da Educação cuide da educação de base e a área de ensino superior passe para o Ministério de Ciência e Tecnologia. O Brasil ganharia com isso. Teria um ministério para cuidar da educação de base, que não poderia mostrar como grande coisa o que faz na área de ensino superior. E Ciência e Tecnologia ia poder contar com todas as instâncias que cuidam do sistema nacional de conhecimento superior. Poderíamos trabalhar o sistema de conhecimento básico de ensino superior. E, aí sim, o Brasil criaria o sistema nacional de conhecimento, porque o SNI nos infernizou durante 20 anos, mas a falta de um sistema nacional do conhecimento vai infernizar os próximos anos do Brasil. Uma boa política, mas insuficiente.

            O mesmo a gente pode dizer do programa Brasil Maior. Estamos colocando gasolina no carro sem perceber que o caminho está errado. Estamos colocando dinheiro nas empresas, que necessitam, sem saber que o tipo de capacidade que elas têm no Brasil não lhes permite concorrer internacionalmente durante muito tempo.

            Fala-se que estamos perdendo competitividade porque nossos preços são altos, mas não é só isso. É porque nossos produtos são velhos ou porque os novos nós apenas montamos. Nós não inventamos produtos novos. Procurem ver qual produto novo foi inventado no Brasil. Vocês vão ver que nós aqui copiamos os produtos inventados lá fora. Aí não temos competitividade, porque vamos montar um que é inventado lá fora. Quando a gente começa a fabricar aqui, eles inventam um novo. A gente tem que recomeçar tudo outra vez.

            Nós não estamos no caminho certo, embora estejamos menos parados, menos assustados do que a Europa e os Estados Unidos, porque lá é um problema de falta de dinheiro na praça, o nosso, um problema de inovação. Neste momento, a gente não está precisando de moratória. Ninguém nem fala nisso no Brasil. É na Europa que está se falando, é nos Estados Unidos que está se falando. Aqui não estamos nessa urgência, mas estamos amarrados nas nossas limitações estruturais.

            O programa lançado não é ruim. Analisei-o com cuidado - gostaria de citar cada um dos itens, que até trouxe, não temos tempo -, mas é insuficiente. Não é ambicioso na construção de um novo Brasil, tanto que o título é Brasil Maior, não é Brasil novo. O Brasil maior do mesmo, não tem futuro. Precisamos inventar outra coisa melhor.

            Sr. Presidente, aqui dentro alguns itens nos amarram conjunturalmente: o círculo vicioso do câmbio, que impede expansão, da taxa de juros, que é necessária para receber mais dinheiro, que gera um câmbio alto; dos gastos públicos, que provocam o aumento de juros, mas se a gente diminuir os gastos públicos gera-se uma crise na produção - temos essa amarra. Mas, temos quatro amarras maiores que essa, Sr. Presidente, as quais ninguém está querendo enfrentar no mundo inteiro. É um círculo vicioso que faz com que, crescendo a economia, piore o meio ambiente. Se a gente controla a indústria, para que não haja um problema de meio ambiente, cria problemas sociais. Se a gente resolver os sociais, gera um problema no sistema financeiro. É essa amarra dos quatro que está impedindo a saída, é essa amarra dos quatro que vai fazer com que daqui a seis meses, um ano, os Estados Unidos voltem a passar pelo mesmo drama que passaram na última semana. É essa amarra que temos de romper. E essa amarra só rompe se, em vez de seguir com esses quatro no mesmo caminho, inventarmos, se criarmos...

(Interrupção do som.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Prometo que não passarei dos dois minutos, Senador, porque sei da sua urgência e porque na segunda-feira poderemos retomar.

            Se não resolvermos como pôr esses quatro problemas juntos, encontrando uma solução, daqui a algumas semanas, daqui a alguns meses, daqui a alguns anos, volta toda a crise. E esse novo momento, essa nova ideia, é sair da amarra, da busca insana da taxa de crescimento alto a qualquer custo. Essa taxa de crescimento como sinônimo de bem-estar força a crise financeira porque, sem bancos irresponsáveis, não se financia demanda suficiente para vender tantos automóveis e tantos produtos.

            Mas, vendendo tantos automóveis, tantos produtos, não controlamos a crise ecológica; e, controlando os bancos, a gente cria uma crise social. Só tem um jeito, que é dizer: a economia tem de estar subordinada a um projeto maior de construir não um Brasil maior, mas um Brasil melhor. Melhor no sentido de bem-estar, no sentido de não ter fila nos hospitais, de ter toda a criança em boas escolas; melhor no sentido de fazer com que nossa economia não apenas cresça no valor do produto, mas crie novos produtos; melhor no sentido de que, ao invés de ficar trabalhando, como tantos trabalham muito e outros estão desempregados, reduzamos a jornada de trabalho. A redução da jornada de trabalho, a criação de tempo livre, esse que é um objetivo sério da economia. Mas quando a gente reduz o tempo de trabalho não aumenta o PIB; pode até diminuir. “Então, é ruim para todo mundo”.

(Interrupção do som.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Fora do microfone.) - Como é ruim reduzir a jornada?

            Senador, eu só passei um pouco porque eu achava que ia mudar a Presidência, mas se não vai mudar, eu termino aqui. Termino.

            O SR. PRESIDENTE (Anibal Diniz. Bloco/PT - AC) - Na realidade, o Senador Acir pode assumir a Presidência; logo em seguida, haveria uma inversão, porque, na realidade, eu iria convidá-lo para presidir para que...

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Então, eu vou concluir e passo a presidir para garantir a fala do Senador Acir.

            O SR. PRESIDENTE (Anibal Diniz. Bloco/PT - AC) - Perfeitamente.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Nós temos que inventar novos propósitos, compatíveis com o meio ambiente, com uma economia que funcione, com um sistema financeiro equilibrado e com o social atendido. E aí a velha taxa de crescimento a qualquer custo - destruir natureza, quebrar os bancos - não vai funcionar. Por que não reduzimos a jornada de trabalho? É uma forma de criar um valor fundamental chamado tempo livre das pessoas, embora o PIB não aumente.

            Nós não vamos conseguir fazer funcionar a jornada de trabalho sem resolver o problema da educação. Se nós não tivermos uma boa educação, criando operários que substituam outros, operadores que substituam outros, nós vamos ter a jornada de trabalho transformada em horas extras, em que os mesmos trabalhadores trabalharão mais 4 horas com um salário maior.

            Nós temos, Senador - e aí eu concluo -, nós temos que ir além desses programas que o Governo brasileiro lançou. Não é pará-los, não é ficar contra, não é deixar de aprová-los aqui, porque eu aprovo, mas é dizer: “É pouco”. Falta ambição, falta profundidade e falta olhar o sistema brasileiro no seu conjunto. Não estava, por exemplo, na mesa em que foi lançado o Programa Brasil Maior, não estava na mesa o Ministro da Educação. Não é um detalhe. Não estava o Ministro do Trabalho. Não é um detalhe - trabalho é emprego. Não é um programa amplo, tanto que quem apresenta é o Ministro da Fazenda. O Ministro da Fazenda é para cuidar das finanças, quanto entra e quanto sai, não é formulador de um novo projeto de um Brasil melhor. Esse tem que ser a própria Presidente com o seu carisma, com a sua ambição de deixar uma marca, um legado no Brasil. Esses dois programas são bons, mas não serão marcas, não serão um legado da Presidenta Dilma, porque eles são bons, mas não são suficientes para enfrentar a realidade que nós temos adiante.

            É isso, Sr. Presidente, com os meus agradecimentos pelo tempo que concedeu.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/08/2011 - Página 31613