Discurso durante a 143ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca da Marcha das Margaridas, realizada no dia 17 último, em Brasília.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Considerações acerca da Marcha das Margaridas, realizada no dia 17 último, em Brasília.
Publicação
Publicação no DSF de 24/08/2011 - Página 34235
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, MARCHA, TRABALHADOR RURAL, MULHER, CAPITAL FEDERAL, IMPORTANCIA, REIVINDICAÇÃO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, ZONA RURAL.

            O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco/PT - PE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, no dia 17 de agosto Brasília assistiu à maior mobilização de mulheres trabalhadoras rurais do campo e da floresta do nosso Brasil. Os gramados do Congresso Nacional foram ocupados por aproximadamente 50 mil mulheres.

            Eu e vários outros parlamentares, Senadores e Deputados, que estivemos na manifestação de apoio à marcha, encontramos mulheres de todos os Estados do Brasil, que chegaram a Brasília em mais de 1.500 ônibus. As nordestinas se fizeram representar. Do Ceará, vieram aproximadamente três mil mulheres. Sergipe enviou 900 representantes. Do meu Pernambuco, estiveram presentes mais de 2.600 trabalhadoras rurais de todas as regiões, da zona da Mata, do Sertão, do litoral e da região metropolitana do Recife.

            E Brasília ecoou as vozes dessas mulheres. Mulheres decididas, como a canção lema da marcha deste ano definiu: "Olha, Brasília está florida, estão chegando as decididas. Olha, Brasília está florida, é o querer, é o querer das Margaridas".

            E o que as Margaridas querem, Senhoras e Senhores Senadores, tão decididamente? Ser ouvidas. Mostrar que existem, que falam de um lugar preciso e que a sua voz exprime, de uma perspectiva feminina, a dor e a luta pela sobrevivência diária no trabalho árduo da lida no campo e nas florestas. E os seus gestos, as suas roupas, as suas expressões e o arsenal de imagens e textos que tomam as grandes passeatas populares ocasiões tão especiais o revelaram claramente.

            Todas de lilás, de chapéu de palha, com os adornos obrigatórios das margaridas, evidenciaram, na diferença sutil dos adereços, o esforço comunitário e a solidariedade de gênero. E imaginamos o sacrifício que fizeram para chegar a Brasília. Organizaram rifas e bingos, fizeram almoços comunitários para arrecadar fundos, programaram e debateram os pontos de n reivindicação do movimento, mobilizaram a comunidade em trabalho que se estendeu por mais de um ano.

            É um movimento organizado por coletivos femininos. Coordenada pelo Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais composto pela Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura (Contag), por 27 Federações (Fetag) e mais de 4 mil sindicatos, a realização da Marcha contou com ampla parceria: Central Única dos Trabalhadores (CUT), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTRINE), Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia (MAMA), Marcha Mundial das Mulheres (MMM), Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), União Brasileira de Mulheres (UBM), Rede de Mulheres Rurais da América Latina e Caribe (REDE LAC) e Confederação de Organizações de Produtores Familiares do Mercosul Ampliado (COPROFAM).

            A Marcha das Margaridas é uma manifestação plenamente pacífica, acolhida por todos de forma positiva. O discurso feminino tem a propriedade de articular com mais força e legitimidade as agruras e sofrimentos dos nossos lares rurais. Mais próximas do núcleo familiar, muitas vezes à custa de jornadas duplas de trabalho, as mulheres são mais sensíveis à dura experiência da luta pela sobrevivência da prole. Neste sentido, a voz dos excluídos se faz ouvir mais limpidamente e legitimamente quando assume o timbre feminino. Nas Margaridas, reconhecemos a mãe coletiva do nosso País. As suas demandas de justiça social e igualdade de gênero passam a ser questão de interesse nacional.

            A primeira edição da Marcha das Margaridas, ainda durante o Governo FHC, tinha caráter quase exclusivo de protesto. Na administração do Presidente Lula e na atual, da Presidente Dilma, que se abriram à participação dos movimentos sociais, a Marcha transformou-se em importante instrumento de formulação, execução e avaliação das políticas públicas, conferindo qualidade e viabilidade a um projeto de desenvolvimento de longo prazo.

            É precisamente esta relação de diálogo permanente e de respeito à autonomia dos movimentos sociais que permitiu às administrações de Lula e Dilma incorporar as reivindicações populares como Políticas de Governo. Assim, muitas das atuais Políticas Públicas afirmativas voltadas para a igualdade de gênero nos meios rurais também têm sido vistas como conquistas do movimento organizado em tomo da Marcha das Margaridas.

            Dilma revelou profunda identidade com a defesa das causas da Marcha, no encerramento do evento. Entregou documento com respostas às reivindicações e comprometeu-se a dar continuidade a este "diálogo respeitoso e companheiro" e a fiscalizar o atendimento das demandas apresentadas. Em declaração que deixou entrever o seu passado de militante política, reconheceu o papel heróico das Margaridas: "Ser mulher brasileira, moradora do campo e militante popular exige coragem, altivez e um coração generoso. Exige grandeza de alma para enxergar longe e buscar realizar, aqui e agora, as transformações que o mundo rural e o Brasil tanto necessitam.

            Vocês são exemplo de garra, tenacidade e coragem. O Brasil, por isso, depende muito desse exemplo para alargar, ainda mais, os espaços de justiça social para nossos filhos e netos".

            Ontem, vários Senadores homenagearem da Tribuna a Marcha das Margaridas. A Senadora Angela Portela (PT - RR) destacou as conquistas das trabalhadoras rurais ao longo dos quatro anos de mobilização. Entre elas, o acesso à terra, o apoio a mulheres assentadas, as políticas públicas de apoio à produção da agricultura familiar, o Programa Nacional de Documentação da Mulher Trabalhadora Rural (PNDTR), a titulação conjunta obrigatória e a revisão dos critérios de seleção das famílias cadastradas nos programas de reforma agrária.

            Chamo atenção para o impacto de algumas destas iniciativas. Em 2010, o PNDTR, que assegura o acesso gratuito à documentação civil e trabalhista para as mulheres rurais, acampadas e assentadas da reforma agrária, ribeirinhas, extrativistas, indígenas e quilombolas, dentre outras, realizou 826 mutirões itinerantes em 780 Municípios, que emitiram 372.619 documentos para quase 180 mil mulheres. Também atuou em Estados que foram atingidos por situação de emergência, como Alagoas e Pernambuco, garantindo documentação aos atingidos pelas enchentes.

            As medidas que favoreceram o acesso das mulheres à reforma agrária produziram resultados consideráveis. De 2001 a 2007, o percentual de mulheres beneficiárias da reforma agrária elevou-se de 13% para 55%. Entre as mulheres chefes de família, o percentual passou de 13%, em 2003, para 26%, em 2007.

            No evento de ontem, a Presidente Dilma anunciou outro conjunto de medidas, fruto desta interlocução com a Marcha das Margaridas. Contemplou as áreas de saúde, crédito rural e produção agrícola, por meio de vários programas e ações do Governo Federal: favorecimento na liberação de recursos do Programa de Aquisição de Alimentos e diversificação das instituições financeiras que o atendem; extensão do crédito rural para as mulheres; construção de 16 unidades básicas de atendimento à saúde das populações ribeirinhas; combate à violência contra a mulher no campo, com criação de 10 unidades móveis de polícia distribuídas pelo País; estabelecimento da rede cegonha para reduzir a mortalidade materna das populações do campo e da floresta e aprimorar o atendimento ao recém-nascido; e uma campanha nacional de prevenção ao câncer de colo de útero e mama nas áreas rurais.

            Encerro este pronunciamento com uma homenagem a Maria do Espírito Santo, morta a tiros, em 24 de maio deste ano, em uma emboscada ao lado do marido, José Cláudio Ribeiro da Costa. Filhos de extrativistas e líderes do assentamento Praialta-Piranheira, em Nova Ipixuna, a 80 quilômetros de Marabá, no Pará, pagaram com a vida por enfrentar madeireiros e grandes pecuaristas em defesa da floresta. Pouco antes de ser assassinada, ao comentar com a irmã as dificuldades que enfrentava, Maria declarou: "enquanto tiver uma castanheira, mesmo que seja só uma castanheira, ainda assim eu derramo meu sangue por ela".

            Nesta trágica experiência, muito parecida com a de Margarida Maria Alves, que inspirou o nome da Marcha, reconhecemos aqui o grito das Margaridas. E esse grito não se calará, como muitas trabalhadoras rurais declararam, ontem, aqui, defronte do Congresso Nacional. Enquanto houver alguma mulher privada de liberdade no Brasil, as Margaridas seguirão marchando. E podem ter certeza de contar com o nosso apoio.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/08/2011 - Página 34235