Discurso durante a 149ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Destaque ao papel da família na prevenção de graves problemas sociais, como o uso de drogas, a criminalidade e a violência; e outro assunto.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Destaque ao papel da família na prevenção de graves problemas sociais, como o uso de drogas, a criminalidade e a violência; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 31/08/2011 - Página 35626
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • APELAÇÃO, SOCIEDADE CIVIL, GOVERNO FEDERAL, BUSCA, POLITICAS PUBLICAS, PROTEÇÃO, FAMILIA, OBJETIVO, PREVENÇÃO, CRIME, PROSTITUIÇÃO, JUVENTUDE, DROGA, VIOLENCIA, MENORIDADE.

           O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, o tema do meu discurso, evidentemente, é outro, mas não posso fugir a dizer umas poucas palavras sobre o problema das ZPEs, aqui levantado pelo Senador Jorge Viana.

           Na realidade, quando fui Presidente da República, eu visitei a China e vi o modelo que eles tinham adotado, que era o das ZPEs. Eles começavam as ZPEs. Eu, então, estive nessa área, onde nascia uma nova China. Tive oportunidade, na entrevista com Deng Xiaoping, de ouvir quando ele me disse, sobre a China, que conviviam dois sistemas: um sistema socialista e um sistema de mercado. E quis implantar no Brasil o modelo das ZPEs. Infelizmente, a reação que tivemos de alguns setores econômicos do centro-sul, interessados em que o Brasil não se tornasse um grande país exportador, boicotou essa iniciativa.

           Depois de muitos anos hibernando, o Presidente Lula deu um sopro de vida a esse modelo e possibilitou que votássemos aqui uma nova lei de ZPEs, que agora já está em vigor. Esperamos que também os órgãos do Governo, principalmente o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, sejam mais ágeis em provar as ZPEs requeridas e que até hoje estão sem a devida atenção.

           Mas o que ia falar hoje, aqui, é sobre o aspecto humano, que muito me toca.

           Tenho assistido esses últimos tempos na televisão àquele problema dos meninos abandonados, jogados na droga e caminhando para a área do crime, e das meninas prostitutas. Pior do que isso, vi que eram as mães que muitas vezes estavam estimulando que esses meninos e essas meninas caminhassem por esse caminho de infelicidade.

           Pensei que estamos com um problema que passa subliminarmente, mas que é fundamental nesse processo, que é o problema da desestruturação da nossa família. Realmente, aí talvez possa residir a fonte desses problemas todos, pela falta que está existindo da coesão familiar e pela desintegração da família, que resulta nesses fatos tão dolorosos que presenciamos.

           Recordo que, há quase 40 anos, em outubro de 1972, expus nesta Casa a necessidade da criação de um ministério que se encarregasse de coordenar e sistematizar a ação governamental no setor do bem-estar social, que naquela época não existia, e da família. A visão que existia desses problemas era uma visão da caridade e não de uma obrigação do Estado.

           Eu fazia, naquela época, uma análise dos graves problemas de amparo à infância e à velhice e constatava que a sociedade industrial gerava grandes problemas sociais. O crescimento econômico atingia índices expressivos que não se refletiam absolutamente no crescimento social.

           Naquele tempo, a estrutura governamental agia com instrumentos incapazes de atingir os problemas em todo o seu alcance. Nós tínhamos numerosos órgãos que tratavam de assistência social, que se espalhavam por quatro Ministérios. Nós tínhamos um setor no Ministério do Planejamento, outro no Ministério da Justiça, outro no Ministério da Saúde e outro ainda no Ministério da Educação. Também se encarregavam do problema a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, a Legião Brasileira de Assistência e milhares de sociedades dispersas pelo Brasil, recebendo subvenções, pleiteando ajuda pública, sem que houvesse um órgão capaz de coordenar a ação de governo.

           Eu quero reivindicar que fui uma das vozes neste País pioneiras para que se colocasse o problema social na agenda das nossas preocupações. Naquele tempo, as nossas preocupações eram somente com a nossa agenda econômica, como responsabilidade do Estado. E foi com outra visão que, como Presidente da Republica, escolhi, como lema do governo, “Tudo pelo Social”.

           Então, eu me considero, com muitos outros, como tendo uma posição muito forte na direção de tratar o problema social como uma responsabilidade primordial do Estado.

           Naquele tempo, eu falava que o problema amadurecera. Já éramos um País que não podíamos lidar com questões sociais como se fossem só problemas de caridade pública. Racionalizava-se tudo no Brasil, modernizava-se o País em todos os setores, e essa sistematização tinha que vir por meio de um ministério que encarasse o problema da família, que fosse um órgão normativo, centralizador de toda ação pública e de todos os recursos destinados a esse setor.

           Passou o tempo. Não mudou a realidade.

           Os problemas continuam sendo de imensa gravidade, embora tratados sob um enfoque diferente, e, hoje, com uma grande prioridade nos programas governamentais.

           Quero dizer que, em boa hora, o Presidente Lula criou o Ministério que tinha como objetivo principal o problema da fome.

           Nas Nações Unidas, em 1985, eu falei sobre a fome, o que era a fome, a necessidade que o mundo tinha de encarar esse problema da fome. Hoje, nos balanços alimentares que se fazem do mundo, 17 países já não têm condições de sustentação alimentar. E, agora, nós estamos assistindo a esse drama, a essa tragédia da Somália, que realmente toca humanamente a todos nós e nos leva a adquirirmos uma responsabilidade muito maior em nível coletivo, mundial, quanto à solução desses problemas.

           Quero dizer que, também, com o programa da Bolsa-Família, a pobreza tem diminuído no Brasil. Há uma grande migração de classes menos favorecidas para a classe média. Não podemos ignorar, no entanto, que, em todo o mundo, aumenta a diferença entre pobres e ricos e que, no Brasil, essa relação entre a renda dos 10% mais ricos e dos 10% mais pobres é da ordem de 40 vezes e que a renda do 1% mais rico equivale à dos 50% mais pobres, em torno de 13% do nosso PIB.

           Estamos enfrentando grande parte dos geradores da marginalização, que afeta mais violentamente a infância, a começar pelo grande sucesso na oferta de emprego e na incorporação do trabalhador à economia formal, avançando no problema da habitação e na diminuição dos problemas das favelas e da segurança.

           Quando Presidente da República -- tenho sempre que fazer essas referências, porque, para mim, elas são referências nessa longa caminhada de coerência em favor desses problemas --, também dei atenção aos problemas sociais. Cheguei a criar o Ministério da Habitação e do Bem-Estar Social, que, naquela época, era um novo enfoque com que se procurava tratar esses problemas. Mais tarde, foi criado o Ministério da Ação Social, convertido em Ministério da Assistência Social; por sua vez, convertido no Ministério do Bem-Estar Social; e, finalmente, em Ministério do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome.

           Ao mesmo tempo, os problemas da infância e da velhice tiveram grande avanço na legislação, a começar pelas orientações da Constituição de 1988, que previu, no seu capítulo VII - Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso -- a responsabilidade conjunta da família, da sociedade e do Estado de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem um amplo elenco de direitos sociais (artigo 227), e de amparar as pessoas idosas (artigo 230). Foram criados dois grandes estatutos, o da Criança e do Adolescente -- ECA, e o do Idoso. A assistência social ganhou uma lei orgânica, a LOAS, e, há pouco, o Sistema Único de Assistência Social -- SUAS.

           É com certa tristeza que eu vejo, no espectro governamental, que todos os outros setores foram atendidos, mas ainda não temos inserido dentro desse espectro aquilo que a Constituição fala em primeiro lugar, que é a base da sociedade: a família.

           Mas demos grandes passos. No entanto, cenas como as que temos visto ultimamente, em que crianças são incentivadas à prática de crime por suas mães, em que crianças assaltam e, detidas, depredam as instituições encarregadas de lhes dar proteção, voltando em seguida para a vida das ruas, mostram que não atingimos ainda o cerne do problema. E esse, creio eu, é a família.

           A família precisa ser considerada não somente como uma entidade econômica, mas também como uma entidade social, como uma entidade fundamental. Por isso mesmo, deve ser objeto de um espaço especial e privilegiado em nossas políticas públicas. É preciso, creio eu, que encaremos o fortalecimento dos núcleos familiares, a relação entre pais e filhos, entre filhos e pais, entre todos e cada membro da família, como uma prioridade.

           É certo -- e, aqui, repito -- que o Bolsa Família encerra uma resposta para que os filhos possam escapar da armadilha do trabalho infantil e possam se integrar à escola. O que nos falta é implementar o vínculo de compreensão de que esse esforço deve ser encarado como a oportunidade dos pais de darem aos filhos o precioso bem que é a educação e não apenas como uma obrigação burocrática para usufruírem de um benefício financeiro. O que nos falta é fazer com que o amor -- unidade de medida familiar por excelência -- possa encontrar espaço nas dificuldades das relações familiares, restaurando um equilíbrio muitas vezes perdido.

           Estas carências que levam às crises das famílias não são exclusividade dos mais pobres. Por toda a sociedade se espalha uma crise de valores familiares. Nessa fragilidade se infiltra o problema das drogas - e todos acompanham com angústia os avanços do crack, do ox e como eles afetam, principalmente, aqueles que têm vínculos familiares mais frouxos. Nessa fragilidade se infiltra o drama da violência contra as mulheres, entre casais, entre pais e filhos, entre filhos e pais. Nessa fragilidade se infiltra o problema da falta de assistência ou mesmo dos maus-tratos aos idosos. Nessa fragilidade se infiltra o problema da violência sexual contra menores, muitas vezes iniciada dentro da própria casa, inclusive com o incesto.

           É esse panorama da sociedade, no conjunto, que nos leva a meditar sobre o aspecto humano, não sobre o aspecto político, como muitas vezes essa questão está sendo tratada, de que realmente é necessário que se procure restaurar os valores morais da família, como uma unidade destinada a melhorar esses problemas que nós vemos hoje, dramáticos e trágicos, dentro da sociedade.

           O fortalecimento, assim, dos laços familiares, é importante para a sociedade. E não é sem razão que a nossa Constituição declara a família a “base da sociedade”. E diz ela: “tem especial proteção do Estado”. É a família bem estruturada que pode cumprir sua parte das obrigações em relação à criança, ao adolescente, ao jovem e ao idoso. E temos políticas voltadas para a criança, o adolescente, o jovem e o idoso. Com mais razão, nós devemos priorizar as políticas do Estado em relação à família. Temos atuado e legislado sobre as partes, quando o trabalho essencial deve se dar sobre o todo. 

           Qual o caminho a adotarmos para resolver essa questão? A mim parece claro que essa é uma questão a ser tratada a nível ministerial -- talvez com uma reforma das competências do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, inserindo aí também o problema da família -- e, a partir daí, a gestão do problema ser equacionada com a visão de que é preciso estabelecer uma rede de capilaridades que chegue também aos Estados e aos Municípios. A família, por definição, se desenvolve localmente, e é preciso pensar como agir localmente. Mas os conceitos, a política da família precisa ser reformulada em termos nacionais.

           Convoco, por isso, na minha idade, as forças sociais e o Estado, representados pela sociedade civil organizada, pela academia e pelos vários níveis de governo, a somarem esforços na busca de uma resposta a esta questão premente: como dar à família a proteção que ela precisa para voltar a ser aquilo que diz a nossa Constituição, a base da sociedade -- mais uma vez repetindo essa expressão --, a unidade inicial que centraliza os esforços para atingirmos alguns dos mais importantes problemas do nosso País.

           É aí que nós vamos encontrar os problemas que hoje nós enfrentamos, que nós temos que enfrentar, da violência, do trabalho infantil, da prostituição infantil ou de adolescentes, das drogas, do álcool, em que a mocidade, sem encontrar mais caminhos de utopias, se dedica a um caminho niilista e, ao mesmo tempo, de dissolução da própria personalidade.

           Com uma família bem estruturada, com uma família coesa, teremos um avanço importante na educação, Senador Cristovam Buarque, diminuirá, sem dúvida, a criminalidade, a recuperação dos viciados em drogas se tornará possível, o problema da violência doméstica será marginalizado, e tantas outras políticas públicas se tornarão mais efetivas.

           Olhemos, assim, pela família, para que ela possa olhar por todos nós.

           Minha proposta é acrescentarmos, como eu já disse, ao Ministério do Desenvolvimento Social a atribuição de cuidar desse tema da família, transformando-se o Ministério do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome no Ministério do Desenvolvimento Social e da Família.

           Esta minha mensagem, que me dispus a trazer nesta tarde, é porque fiquei extremamente chocado, ultimamente, com coisas que, até então, na minha longa vida, não tinha visto: mães incentivando os filhos ao crime; mães explorando os seus filhos, jogando-os no terreno da criminalidade, incentivando-os a que passem a ser consumidores de droga, a que passem a ser vendedores de droga. Isso, sem dúvida, é um sinal de que algo há de muito errado debaixo do sol.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/08/2011 - Página 35626