Discurso durante a 189ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a mobilidade urbana; e outro assunto.

Autor
Ana Amélia (PP - Progressistas/RS)
Nome completo: Ana Amélia de Lemos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PROGRAMA DE GOVERNO. ESPORTE.:
  • Considerações sobre a mobilidade urbana; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 19/10/2011 - Página 42628
Assunto
Outros > PROGRAMA DE GOVERNO. ESPORTE.
Indexação
  • COMENTARIO, CRIAÇÃO, MINISTERIO DAS CIDADES, PROGRAMA DE GOVERNO, REFERENCIA, FINANCIAMENTO, OBRAS, SETOR PUBLICO, SETOR PRIVADO, UTILIZAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS), OBJETIVO, IMPLANTAÇÃO, SISTEMA, INFRAESTRUTURA, TRANSPORTE COLETIVO, BENEFICIO, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco/PP - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Que responsabilidade, Presidente Paulo Paim, depois desta oração! Mais do que um discurso do nosso Senador Walter Pinheiro e também depois do que disse há pouco o Senador Suplicy, fazendo referência à solidariedade e à repartição justa dos pães e dos peixes, uma referência apropriada, quando discutimos nesta Casa um tema tão relevante para os interesses não apenas dos entes federativos, mas especialmente dos cidadãos, dos brasileiros e brasileiras que estão aguardando de nós, Senadores, um ato de responsabilidade, de serenidade, de tranquilidade diante de um desafio tão grande quanto este.

            Fico muito feliz com as palavras do Senador Walter Pinheiro, porque um tema dessa profundidade merece de nós todos um trato que pode ter, sim, uma boa dose de paixão, mas essa paixão não pode cegar nem atrapalhar a nossa racionalidade e a nossa compreensão em torno do que temos de fazer aqui para aprovar uma matéria que diz respeito ao interesse do País, ao sistema federativo. E isso faremos contando com a serenidade, a responsabilidade e o compromisso, Senador Delcídio Amaral, de todos nós aqui. A contaminação não transformará esta Casa naquilo que o Senador Walter Pinheiro tão bem traduziu como um palco de um picadeiro ou de um teatro, com todo respeito aos artistas que trabalham nesta arte tão importante.

            Mas vim aqui hoje - e amanhã estou inscrita para falar também sobre a questão da votação dos royalties do pré-sal, no encaminhamento da votação do projeto do Senador Vital do Rêgo - para tratar de uma questão que diz respeito ao cotidiano de milhares de brasileiros, Senador Delcídio, Senador Walter Pinheiro: a mobilidade urbana.

            Na hora em que as nossas cidades estão atulhadas de automóveis, o cidadão está perplexo e os Municípios, que têm a responsabilidade da gestão, de oferecer ao cidadão um transporte de qualidade, estão diante de alguns dilemas.

            O Governo, através do Ministério das Cidades, lançou o programa Pró-Transporte, por meio da Secretaria Nacional do Transporte e Mobilidade Urbana, inserido no âmbito da política nacional de desenvolvimento urbano, com a finalidade de propiciar o aumento da mobilidade nos Municípios brasileiros.

            Nós todos sabemos que essa mobilidade produz melhorias inclusive na qualidade de vida e na inclusão social para as populações dos Municípios.

            O programa Pró-Transporte é voltado para o financiamento de obras dos setores público e privado, que utilizam recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço para a implantação de sistemas de infraestruturas de transporte coletivo que atendam, prioritariamente, as áreas de baixa renda. Portanto, também de alguma forma, justiça social.

            Podem pleitear os financiamentos, no âmbito do setor público, Estados, Municípios e Distrito Federal, e, no âmbito do setor privado, empresas detentoras de concessões ou permissão para explorar linhas de transporte coletivo de qualquer modal, ou seja, o financiamento está aberto para a construção de infraestrutura logística para linhas de trem, metrô, melhorias das vias de ônibus e até mesmo para o transporte hidroviário.

            Neste exercício, ou neste ano de 2011, o Ministério das Cidades já divulgou a relação de 44 propostas que foram selecionadas, totalizando quase R$1 bilhão em financiamentos. Dentre essas propostas, foram contemplados 14 Municípios gaúchos, entre os quais vou citar apenas Passo Fundo, Soledade, Pelotas e Bagé, sendo que um através de sua própria empresa de transportes coletivos.

            Neste momento, a exortação que faço, o pedido que faço, Senador Delcídio, Presidente Walter Pinheiro, é para esses Municípios selecionados, que estão aguardando a excepcionalização dos recursos por parte do Conselho Monetário Nacional, para que, posteriormente, possam dar o encaminhamento dos trâmites legais e contratar as referidas obras, atendendo necessidades das suas respectivas comunidades.

            A excepcionalização é necessária porque, inicialmente, esses recursos eram destinados somente à área privada de transportes.

            No entanto, no decorrer do projeto, percebeu-se que, em muitos casos, eram necessários investimentos públicos em infraestrutura, como asfaltamento de vias, para depois se realizarem os investimentos na ampliação de frotas, por exemplo.

            Por isso - renovo - é urgente que o Conselho Monetário Nacional coloque o assunto da excepcionalização desses recursos em pauta, dadas as restrições do calendário eleitoral, que não permitem que os prefeitos que disputam a reeleição contratem obras após o dia 5 de abril!

            Falta muito pouco tempo. A burocracia não pode penalizar a população que precisa do transporte urbano.

            Mesmo para os Municípios em que não haverá a disputa de reeleição, sabemos que a contratação de obras se torna mais difícil em período eleitoral, e, se o Conselho Monetário Nacional não der prioridade a esse assunto, muitas obras correm o risco de não se realizarem, a despeito de já terem sido submetidas a uma primeira apreciação.

            Gostaria de destacar a iniciativa do Governo Federal e do Ministério das Cidades de viabilizar recursos para o Programa Pró-Transporte. É importante que esse programa tenha continuidade, pois ainda há muitos Municípios e empresas que foram pré-classificados, mas que ainda aguardam ser selecionados para receber os recursos do financiamento.

            Também há muitos Municípios que aguardam com expectativa pela segunda fase de seleção de projetos para apresentar as suas propostas.

            Em todos os casos, esses Municípios cobram muito de seus representantes no Congresso Nacional para que o Governo proceda à nova etapa. Isso acontece porque os prefeitos, que dispõem de recursos escassos para atender às suas comunidades, são cobrados diariamente pelos cidadãos dos seus Municípios.

            A vida do cidadão, como se sabe, acontece no Município. Quando algo não vai bem, a comunidade procura a prefeitura, e não o Estado ou a União.

            Com ações como essa, os prefeitos podem amenizar um dos principais problemas do cotidiano dos habitantes das cidades: o deslocamento para o trabalho, para a escola, para a faculdade, e por que não, para atividades de lazer.

            Mas, Sr. Presidente, Srs. Senadores, nossos telespectadores da TV Senado, eu queria também abordar um outro tema, que se tornou ainda mais momentoso diante do que aconteceu hoje. A Senadora Vanessa Grazziotin há pouco ocupou esta tribuna para falar sobre o depoimento do Ministro Orlando Silva que veio a esta Casa.

            Estamos prestes a realizar os dois maiores eventos esportivos do mundo, a Copa da Fifa, ou a Copa de Futebol em 2014, e as Olimpíadas em 2016. Em que pese o Brasil seja o país do futebol, por isso mesmo não deveria ter nenhuma dificuldade em realizar o primeiro desafio de uma copa do mundo. Nossa capacidade de ganhar títulos nada tem a ver com a nossa pouca experiência na realização de grandes eventos esportivos.

            Essa falta de experiência, aliada ao histórico descaso com que nosso País trata dos recursos públicos, preocupa-me de maneira muito especial. Quando percebo a maneira com que os acontecimentos relativos à Copa do Mundo vão se sucedendo, minhas preocupações vão se confirmando.

            O Brasil não pode realizar a Copa em meio a um ambiente de completa insegurança jurídica. Mas, infelizmente, é isso que estamos promovendo, em nome da realização dos jogos. Primeiro, o Congresso Nacional aprovou a criação do Regime Diferenciado de Contratações (RDC), desrespeitando a Lei nº 8.666, a lei de licitações. Eu votei contra essa matéria. Depois, nos vimos pressionados a aceitar as imposições da Fifa para a realização da Copa. A Fifa exige que o Brasil rasgue a legislação vigente para impedir a cobrança de meia-entrada para jovens e idosos e permitir a venda de bebidas alcoólicas em estádios localizados em Estados onde a lei não permite esse consumo.

            Agora, a Lei Geral da Copa prevê modificações na lei civil e na lei penal brasileira, com o objetivo de proteger marcas e símbolos relacionados ao evento. Para isso, cogita-se até a criação de um tribunal específico para julgar casos ligados à Copa do Mundo, como ocorreu na África do Sul, em 2010.

            O Poder Judiciário já se insurgiu contra essa alteração, que fere o princípio jurídico do Estado de direito em nosso País, e eu diria até a própria soberania nacional.

            E, como se não bastasse aos brasileiros todo esse risco de insegurança jurídica, o nosso Ministro dos Esportes, principal órgão governamental responsável pela realização dos dois eventos, está tendo que explicar denúncias graves de desvio de recursos por meio de ONGs, que lhe foram feitas por um ex-militante do seu partido.

            A criação do Regime Diferenciado de Contratação é um retrocesso na busca pelos princípios da lisura, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, que norteiam e devem nortear sempre a administração pública.

            O Regime Diferenciado de Contratações foi aprovado nesta Casa sob o argumento de que é preciso conceder agilidade para a contratação das obras da Copa do Mundo. Abrir precedentes para o descumprimento da Lei nº 8.666 é abrir uma brecha para a má utilização do dinheiro público. Atualmente, quase a totalidade das demandas judiciais nas licitações acontece quando estas são desenhadas de modo a privilegiar alguma empresa.

            Se quisermos que as obras da Copa e das Olimpíadas sejam realizadas com rapidez, a preços justos e com qualidade, basta que as licitações sejam elaboradas com respeito à Lei nº 8.666 e que as empresas participantes cumpram os requisitos estabelecidos nessa lei.

            Após colocarmos em risco a Lei de Licitações, a Fifa passou a impor ao Brasil condições para a realização dos jogos que ferem a legislação brasileira, nos âmbitos federal, estadual e municipal.

            A Fifa cobra do Brasil mudanças na legislação para impedir a venda de ingressos com meia-entrada para os torcedores estudantes ou idosos, e para permitir a venda de bebidas nos estádios. A Fifa argumenta que, mesmo que dois terços dos ingressos sejam vendidos fora do País, haveria um prejuízo de US$100 milhões ao evento e que a venda de bebidas alcoólicas é necessária para o cumprimento de contratos de publicidade firmados com uma marca de cerveja.

            Além disso, a Fifa teme, com a meia-entrada, abrir precedentes para a realização de outras Copas do Mundo em outros países.

            Questões como essas, Sr. Presidente, deveriam ser tratadas com maior transparência pelo Governo e pela própria Fifa quando acertaram a vinda da Copa ao Brasil! Já possuímos o Estatuto do Torcedor, o Estatuto do Idoso, Código de Defesa do consumidor e legislações locais que foram construídas com muito debate, ao longo dos anos para e por todos os brasileiros!

            Retroceder na atual legislação iria trazer ainda mais insegurança jurídica ao Brasil. A Fifa precisa respeitar o nosso ordenamento jurídico! E precisa também ser mais diplomática em suas relações com o nosso País. As constantes ameaças de transferência da Copa do Mundo para outro país são um desrespeito à capacidade brasileira de realização deste grande evento.

            Por isso, a decisão mais importante do Seminário de Avaliação Legislativa da Copa do Mundo, que aconteceu na Comissão de Educação, Cultura e Esporte desta Casa, por minha iniciativa, foi a de realizar uma convocação conjunta com as demais Comissões do Senado para que o Presidente da Fifa ou o seu representante venha prestar as devidas explicações sobre as exigências impostas pela Fifa para realização dos jogos em nosso País..

            Será um bom momento para discutirmos também a Lei Geral da Copa, que está tramitando na Câmara Federal e que também é motivo para que a Fifa faça ao Brasil novas chantagens de transferência do evento.

            Entre os pontos contemplados no Projeto de Lei Geral da Copa estão a proteção de marcas relacionadas, a garantia de exclusividade na exploração comercial dos espaços do evento, a simplificação de procedimento para concessão de vistos e as isenções judiciais nos órgãos da Justiça mantidos pela União.

            O problema é que o projeto enviado pelo Governo fere, mais uma vez, a legislação vigente. Dessa vez, são prejudicados o Código Penal e o Código Civil.

            O texto prevê a criação de tipos penais para condutas referentes a práticas que atentem contra a proteção das marcas e símbolos relacionados aos eventos, e estabelece sanções civis para outras práticas atentatórias à proteção de marcas e símbolos relacionados aos eventos.

            Srªs e Srs. Senadores, o Brasil já possui uma legislação de proteção de marcas e patentes, com sanções penais e civis aos infratores. Mesmo que não seja a legislação ideal, foi a melhor que conseguimos conceber, adequada às peculiaridades do nosso País. Se a Fifa quer, realmente, realizar a Copa do Mundo no nosso País, deve adequar-se à legislação brasileira. Essa é, acima de tudo, uma questão de soberania!

            Mas, Srªs e Srs. Senadores, no momento em que nossos governantes precisam ter pulso muito firme nas tratativas com a Fifa, fomos surpreendidos com a triste notícia de que podem estar acontecendo desvios de recursos no Ministério do Esporte, por meio de uma organização não governamental, que dispunha de dinheiro público para desenvolver suas atividades.

            Tenho a certeza de que a Presidenta Dilma Rousseff terá a sabedoria necessária para conduzir esse assunto, não preocupada apenas com a realização da Copa ou das Olimpíadas, mas especialmente com a conduta ética de seus auxiliares diretos.

            Desde o início do seu mandato, no comando da Presidência da República, ela tem demonstrado habilidade, seriedade e responsabilidade na condução de situações em que membros do seu Governo estão envolvidos em denúncias graves de corrupção. A Presidenta já apoiou investigações em diversos Ministérios e tem afastado os envolvidos, independentemente do partido ou de cargo.

            Essa postura rígida de combate ao erro tem sido acertada, de acordo com as pesquisas de opinião pública, que demonstram que a população brasileira, especialmente do Sul do País, está aprovando as ações enérgicas e oportunas da Presidenta Dilma Rousseff.

            Portanto, é preciso que o Ministro do Esporte, Orlando Silva, tenha a oportunidade - e já o fez hoje à tarde, na Câmara Federal, como há pouco relatou a Senadora Vanessa Grazziotin - de dar a sua versão dos fatos e possa esclarecer as denúncias que foram feitas contra ele.

            Foi por isso que protocolei, na Comissão de Educação, Cultura e Esporte, requerimento para que sejam convidados o Sr. Orlando Silva, Ministro do Estado do Esporte, e o policial militar João Dias Ferreira, para que, em audiência pública, separadamente, prestem esclarecimentos sobre as denúncias que faz a revista Veja, na edição nº 2.239, sobre o suposto desvio de recursos públicos do programa Segundo Tempo. Aliás, um bom programa, que precisa ser preservado, mas sem nenhuma irregularidade. Nessa reportagem, o Ministro é acusado de receber propina nas dependências do Ministério do Esporte. Também o Fantástico de domingo apresentou outras sérias irregularidades em convênios com programas do Ministério do Esporte em São Paulo.

            Penso que a audiência pública no âmbito da Comissão seja a melhor maneira de esclarecer essa denúncia. O próprio Ministro me inspirou a tomar essa iniciativa ao declarar, no domingo, que estava disposto a esclarecer todas as denúncias e prestar às autoridades e à Polícia Federal todos os esclarecimentos necessários.

            Aliás, informo que essa audiência pública vai acontecer amanhã, às 14 horas, em uma reunião conjunta da Comissão de Educação, por meio de um requerimento firmado por mim, pelo Senador Alvaro Dias e pelo Senador Inácio Arruda, e também na Comissão de Meio Ambiente, em requerimento da Senadora Vanessa Grazziotin.

            Srªs e Srs. Senadores, a Copa do Mundo e as Olimpíadas são oportunidades de desenvolvimento econômico e social, têm um legado muito importante, e também de integração cultural. Precisamos sair desses eventos como uma nação melhor e mais desenvolvida, mais inserida no cenário mundial, e mais conhecida e respeitada por outros países.

            Não podemos deixar que esses megaeventos esportivos sejam o ensejo para o mau uso do dinheiro público e para a geração de mais insegurança jurídica.

            Mas confio plenamente na capacidade da Presidenta Dilma Rousseff em conduzir bem esse processo, da mesma forma que espero que ela, ao retornar da sua viagem à África ou de onde ela estiver, consiga orientar as suas lideranças para que as decisões que vamos tomar em relação aos royalties do pré-sal sejam equilibradas, responsáveis e atendam aos interesses nacionais.

            Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/10/2011 - Página 42628