Discurso durante a Sessão Solene, no Congresso Nacional

Reverência à memória do Senador Eliseu Resende, falecido no dia 2 de janeiro do corrente.

Autor
Itamar Franco (PPS - CIDADANIA/MG)
Nome completo: Itamar Augusto Cautiero Franco
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Reverência à memória do Senador Eliseu Resende, falecido no dia 2 de janeiro do corrente.
Publicação
Publicação no DCN de 10/02/2011 - Página 518
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, AUTORIDADE, PRESENÇA, SESSÃO SOLENE, HOMENAGEM POSTUMA, ELISEU RESENDE, EX SENADOR, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), COMENTARIO, ELOGIO, VIDA PUBLICA, EX-CONGRESSISTA.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, CARTA, AUTORIA, ELISEU RESENDE, EX SENADOR, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), DESTINAÇÃO, ITAMAR FRANCO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, RELAÇÃO, PEDIDO, DEMISSÃO, CARGO PUBLICO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF).

           O SR. ITAMAR FRANCO (PPS - MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente do Congresso Nacional, Senador José Sarney; meu caro Deputado, ex-Governador Eduardo Azeredo; meu caro Governador Francelino Pereira; meu caro Melles, que representa S. Exª o Governador Anastasia; Sr. Embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima; meu caro Presidente da Assembléia Legislativa, Deputado Estadual Dinis Pinheiro; Sr. Deputado Estadual Alencar da Silveira Júnior; Sr. Secretário de Transportes, Sr. Carlos do Carmo Andrade Melles, já dito representante do Governador de Minas; Sr. Nestor de Oliveira; Srª Dinah Nogueira de Resende; Sr. José Alexandre Nogueira de Resende; Srª Maria Raquel Nogueira de Resende; Srs. Deputados Federais e Estaduais, particularmente os de Minas Gerais; Srªs e Srs. Senadores.

           Sr. Presidente, havia eu preparado o trabalho sobre a vida do meu querido amigo e inesquecível Eliseu Resende. Os oradores que me antecederam traçaram-lhe não somente a vida de profissional da engenharia, mas, sobretudo, parte da sua vida política.

           Com a sua visão de futuro, sempre soube que o desenvolvimento do País está ligado a fatores preponderantes, como energia, estrada e comunicação. Formou-se na Universidade Federal de Minas Gerais e, à época da sua formatura, foi agraciado com a medalha de ouro. A vida de Eliseu, então - digo eu, repetindo os oradores que me antecederam -, seguiu o seu curso normal como engenheiro, como professor, como primeiro PhD da história de Minas Gerais.

           Destacou-se aqui, por meio do Líder Agripino, a chamada Conta de Resultados a Compensar, que depois se tornou a Lei Eliseu Resende. Essas contas examinadas durante o meu Governo na Presidência da República permitiram exatamente o que o Líder Agripino citou: o ajustamento para que o setor energético brasileiro não fosse à falência.

           Eu queria, Srªs e Srs. Senadores, deixar de lado tudo aquilo que preparei em relação à vida profissional do nosso querido Eliseu Resende. Também como o Líder Agripino, eu tive contato com Eliseu Resende quando era diretor-geral do DNER, no Rio de Janeiro e eu, Prefeito da cidade de Juiz de Fora.

           Éramos de partidos diferentes, mas, sempre com aquela sua fidalguia, aquela sua gentileza, aquele seu caráter, acima dos problemas partidários, ele atendia a um prefeito do MDB com a mesma gentileza com que recebia outras figuras do seu partido.

           Eu quero, Sr. Presidente José Sarney, Srs. ex-Governadores de Minas que aqui estão, Srs. Deputados, Sr. Presidente da Assembléia, Srs. Senadores, trazer, pela primeira vez, para registrar nos Anais do Senado - e o faço com muita emoção -, uma carta que o então Ministro Eliseu Resende enviou para mim, ainda na Presidência da República; carta essa de que tinha conhecimento o Dr. José de Castro, que Deus já levou também. Eu creio, Sr. Presidente José Sarney, que é uma revelação sumamente importante, porque vai mostrar um pouco daquilo que nós, homens públicos, sofremos ao longo das nossas vidas. Eu tive a oportunidade de, outro dia, saudando V. Exª, dizer das injustiças que são cometidas contra nós políticos.

           Recordo-me, antes de ler essa carta, que, num domingo, convidei o Ministro Eliseu Resende para ser o meu Ministro da Fazenda. O Ministro Paulo Hadad e o Ministro Klaus, a meu pedido, já davam seguimento para que nós combatêssemos a inflação.

           Conversei com o Ministro Eliseu Resende num domingo no Palácio da Alvorada, pedindo-lhe que naquele momento difícil para o Governo ele aceitasse ser Ministro da Fazenda. E ele aceitou. Aceitou, mas depois, numa madrugada, às 2h30 da manhã, Sr. Presidente - eu não digo que tenha me arrependido, mas olhei a emoção de Eliseu Resende, os seus olhos lacrimejantes, e os meus também - S. Exª foi me dizer que não podia continuar como Ministro da Fazenda.

           É esta carta, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, colegas de Minas Gerais, que quero registrar nos Anais do Senado, uma carta que guardei como Presidente da República.

           Acho que é hora de fazer com que ela conste nos Anais do Senado e da Câmara dos Deputados. Foi escrita com sua letra, uma letra muito bonita - diga-se de passagem.

           Vou lê-la:

Brasília 16 de maio de 1993.

Exmº Sr. Presidente Itamar Franco,

Ninguém melhor do que V. Exª sabe que somente uma antiga amizade e uma enorme vontade de servir o Brasil puderam romper minha relutância em aceitar sua convocação para assumir as funções de Ministro da Fazenda.

Em 52 dias de trabalho, preparei, por sua recomendação, um plano de recuperação econômica do País que V. Exª houve por bem adotar como programa do seu governo.

As manifestações de aplauso e apoio, provindas dos diferentes setores e regiões, evidenciaram a aceitação pelo povo brasileiro do plano democrático, caracterizado pelo respaldo às forças de mercado, à livre competição e aos direitos dos cidadãos, trabalhadores e empresários.

Por diversas vezes ponderei que se tratava de um plano simples em sua formulação, mas que teria de contar, para ser sucesso, com os requisitos fundamentais da credibilidade, do gerenciamento firme e competente, e, principalmente de uma forte vontade política em torno da sua consecução.

Poucos dias após o seu anúncio, surgiu noticiário com desdobramentos diários crescentes, envolvendo a pessoa do Ministro da Fazenda e prejudicando, propositadamente ou não, a credibilidade do gerente, com reflexo na credibilidade do próprio programa.

Por certo, as críticas, totalmente improcedentes, foram refutadas, de forma categórica, na exposição que me prontifiquei fazer perante o plenário do Senado Federal.

Entretanto, Sr. Presidente, é triste, é triste constatar que, depois de 50 anos de trabalho árduo, sofrido, iniciado na qualidade de contínuo de banco, tivesse eu de situar-me na humilhante cena de, publicamente, comprovar pagamento de diárias de hotel, e refutar acusações de decisão que não havia tomado sobre assunto que ainda não havia chegado ao meu conhecimento.

O proclamado êxito do meu desempenho perante o Senado Federal foi seguido, ao recolher-me em minha residência, de profunda depressão moral, persistente no convívio familiar neste fim de semana.

Abalaram-se as forças espirituais e afetou-se a motivação do gerente do programa de recuperação econômica.

Deste modo, com o inarredável propósito de colaborar com V. Exª, de contribuir para que o seu governo reúna condições para execução do programa, e, ainda, como melhor forma de colocar os interesses do País, a que V. Exª me concedeu a honra de mais uma vez servir, acima de qualquer veleidade ou projeto político pessoal, venho solicitar sua compreensão para que me seja concedida, imediata e irrevogavelmente, demissão do cargo de Ministro de Estado da Fazenda.

Afasto-me dessas honrosas funções com a mesma proclamação que a vida me concedeu o privilégio de poder fazer perante o Senado Federal: “poucos brasileiros tiveram como eu, no exercício do serviço público, a responsabilidade de assinar contratos envolvendo valores tão vultuosos, e, no entanto, indiferente a isso, sempre precisei de emprego para a sustentação financeira da minha família”.

Minhas declarações de imposto de renda, tornadas públicas atestam que não tenho escritório particular, não possuo qualquer participação societária em empresa, não sou proprietário de um só metro quadrado de terra, uma cabeça de boi ou um pé de café.

Como patrimônio pessoal, conto tão-somente com a consciência tranquila e transparente e uma confortadora segurança quanto a meu desempenho profissional.

Renovo a Vossa Excelência protestos de minha profunda estima.

Eliseu Resende.

           Era este documento, Srªs e Srs. Senadores, meus queridos amigos de Minas Gerais, que eu queria registrar no Senado da República, para que os mais jovens, aqueles que estão praticamente iniciando na vida pública verifiquem, ao longo dessa caminhada, que muitas e muitas vezes nós sofremos injustiças.

           É por isso que me reportei, Sr. Presidente José Sarney, àquela madrugada, quando, às duas e trinta, Eliseu Resende foi me falar do seu desejo de deixar o cargo de Ministro da Fazenda, porque ele entendia, Sr. Presidente, como eu também entendia, que, quando um Ministro da Fazenda, injustamente, tem que vir ao Senado da República para prestar contas de uma diária de hotel, ele, na sua dignidade construída ao longo da vida, não poderia aceitar e nem poderia continuar como Ministro da Fazenda.

           É assim que nos desviamos daquilo que havíamos preparado. Vendo o nosso querido Padre Aleixo ali, eu também, Sr. Presidente, recordo ao Senado da República, meus caros Governadores do Estado de Minas Gerais, meu caro Presidente da Assembléia Legislativa, meus caros Senadores e Senadoras, uma lembrança já apagada, Sr. Presidente José Sarney, no tempo e no espaço, já não conhecida mais, possivelmente, pelas novas gerações que aí estão. E eu tive a oportunidade de sentir isto durante a campanha quando falei em algumas universidades. Mas eu trago aqui para deixar para V. Exªs, Sr. Presidente, a última nota rodada pela Casa da Moeda. Os mais jovens, portanto, vão até estranhar o valor: quinhentos mil cruzeiros! Meu Deus do céu! Quinhentos mil cruzeiros! Aí eu vejo, às vezes, as minhas empregadas me dizendo “mas que beleza! Eu agora tenho R$200 mil!” ou “tenho R$300 mil!”, esquecendo-se, e todos nós esquecemos. Não culpo ninguém ao dizer estas palavras. Longe de mim evocar o passado. Quero olhar para a frente, tenho olhado para a frente. Mas é importante que se mostrem essas coisas porque a gente tem ouvido e com tristeza... E numa hora de uma sessão desta, tão triste e melancólica, saudosa e necessária, ao recordar a figura de Eliseu Resende, é triste dizer que ouvimos, como ouvi, durante muito tempo, que “nunca, antes, neste País...” É verdade: nunca, antes, neste País, tivemos uma inflação de 4% ao dia. Hoje temos uma inflação de 5% a 6% ao ano.

           Portanto, Sr. Presidente, Srs. Senadores, trago a recordação dessa nota, a última rodada, que tem a assinatura exatamente do nosso querido Ministro da Fazenda Eliseu Resende. Acho que é um documento importante para que V. Exª guarde nos arquivos não só do Senado, mas do Congresso Nacional, que mostra aquela luta que Eliseu Resende teria que enfrentar, iniciada por Paulo Haddad e por Clésio.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com os Senadores Aécio Neves e Clésio Andrade, temos a tarefa de representar o Estado de Minas Gerais com a responsabilidade à altura dos grandes serviços prestados pelo amigo Eliseu Resende, um exemplo de mineiro e brasileiro humanista empreendedor e, como dito aqui também, um homem com visão acima do seu tempo.

           Muito obrigado, senhoras e senhores.

           (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DCN de 10/02/2011 - Página 518