Discurso durante a 10ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Ponderações sobre o anunciado corte de recursos orçamentários de 2012.

Autor
Aloysio Nunes Ferreira (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: Aloysio Nunes Ferreira Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ORÇAMENTO.:
  • Ponderações sobre o anunciado corte de recursos orçamentários de 2012.
Publicação
Publicação no DSF de 17/02/2012 - Página 2958
Assunto
Outros > ORÇAMENTO.
Indexação
  • COMENTARIO, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, REFERENCIA, CORTE, ORÇAMENTO, UNIÃO FEDERAL, AREA, SAUDE, EDUCAÇÃO, SEGURANÇA PUBLICA, PREVIDENCIA SOCIAL, FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS), MOTIVO, AUSENCIA, PLANEJAMENTO ECONOMICO, ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.
  • COMENTARIO, SUGESTÃO, ORADOR, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, OBJETIVO, AUMENTO, RESPONSABILIDADE, RELAÇÃO, ORÇAMENTO, RESULTADO, APERFEIÇOAMENTO, REFERENCIA, PLANEJAMENTO ECONOMICO.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, meu pronunciamento nesta tarde, a rigor, seria desnecessário, uma vez que o tema já foi abordado. Antes que V. Exª, Sr. Presidente, com toda a gentileza, promovesse essa permuta comigo, esse tema já havia sido abordado ontem e, de alguma forma, hoje, com a competência de sempre, pelo nosso Líder Alvaro Dias. Esse tema também foi versado pela Senadora Vanessa Grazziotin. É o assunto que ocupa as primeiras páginas dos jornais e que, de alguma forma, provoca, no Congresso brasileiro, movimentos diversos: o anúncio de cortes no Orçamento de 2012.

            O Senado, seguramente, conhece a luta pelo reconhecimento da independência do Brasil por parte da Inglaterra. Foi o grande empenho, uma das grandes batalhas do Imperador Pedro I para consolidar a independência do nosso País. A Inglaterra era a grande potência militar, diplomática e econômica do momento. Era crucial o reconhecimento da Inglaterra. Nas negociações com aquele país, o Governo brasileiro concordou em promover uma lei que proibia a escravidão no Brasil, se não me engano em 1831. É claro que essa lei nunca foi cumprida. Continuamos com essa mancha na nossa história até a promulgação da Lei Áurea, em 1888. Aquela lei ficou conhecida como “lei para inglês ver”. Essa é a origem da expressão “para inglês ver”. É algo que se faz da boca para fora, mas que não vale.

            O Orçamento da República sob o atual Governo é uma “lei para inglês ver”, é uma lei que não vale. A expressão que se usa é “peça de ficção”. É um exercício de espírito ao qual o Congresso se dedica, convencido de que essa é - e é mesmo - a razão de ser da representação popular. Promovem-se amplas discussões. Há Senadores e Deputados que se dedicam - cito um deles apenas: o competente Senador pela Paraíba Vital do Rêgo - a encontrar um orçamento que reflita, na opinião do Congresso e da sociedade civil, amplamente ouvida nesse processo, as necessidades do País.

            Evidentemente, o Governo também participa dessa discussão mediante suas Lideranças, mediante a assessoria do Ministério do Planejamento e dos demais Ministérios. E, como resultado, há o Orçamento. Mas todo esse esforço, toda essa mobilização não vale, porque, passados dois meses da aprovação do Orçamento, o Governo resolve congelar, anular, cortar R$55 bilhões.

            O que o Governo está dizendo à sociedade com essa atitude? A Senadora Vanessa Grazziotin aventa a hipótese da necessidade - e é real - de se fazer superávit primário, gerando receitas livres, para que possa ser reduzido o montante da nossa dívida. É verdade. Mas há também razão políticas e uma razão mais comezinha. A razão política, quando se refere às emendas parlamentares - todos nós sabemos -, é a de manter os Deputados e Senadores na rédea curta, é a negociação no varejo: “Eu libero essa emenda para tal e tal Município, para tal e tal finalidade, conforme seus votos”. É a troca de voto por liberação de emenda. É o abastardamento da emenda parlamentar, que é uma forma de o parlamentar se legitimar perante o eleitorado, talvez a única forma que reste hoje, Sr. Presidente, uma vez que o poder propriamente legislativo e o poder de fiscalização do Congresso estão de tal maneira esvaziados pelo controle que o Executivo exerce sobre ele, pelas medidas provisórias, pelo abafamento das investigações, que só resta ao parlamentar, para se legitimar, atender aos reclamos das suas bases com recursos que atendam a finalidades locais. Pois é exatamente aí que o Governo, por razões políticas, segura as emendas parlamentares e as vai liberando a conta-gotas, segundo o critério da fidelidade às ordens do Governo.

            As prioridades estipuladas pelos parlamentares no Orçamento não têm nenhum valor para o Governo, diante do sistema de “decisionismo” autoritário que está instalado no Palácio do Planalto. Esse “decisionismo” iluminado, autoritário, transparece mesmo nos termos da nota do Ministério do Planejamento a respeito dos cortes, em que afirma: “O processo decisório da redução de despesas foi realizado em parceria com os Ministérios e orientado para a preservação dos investimentos prioritários”. Quer dizer, o Ministro da Fazenda corta em parceria com os Ministérios. Por que não o faz em parceria com o Congresso? Por que não participou lealmente das discussões em torno das prioridades do Governo enquanto o Congresso se dedicava à elaboração do Orçamento? Por que essa parceria, agora, depois de aprovado o Orçamento, é feita apenas entre o Ministro da Fazenda e os Ministérios? O Congresso não conta para nada! O que faziam aqui durante o processo longo, o processo laborioso de discussão na Comissão Mista de Orçamento? O que faziam aqui os Ministros? Por que não discutiram com esta Casa, com a representação popular?

            E se diz: “Mas os recursos destinados aos programas prioritários - prioritários na ótica do Governo, sem ouvir o Congresso, que é quem deve definir as prioridades orçamentárias -, como o PAC, o Minha Casa, Minha Vida, o Brasil Sem Miséria, estão integralmente preservados”. E estão preservados - diz o Ministério - os recursos destinados às áreas da saúde e da educação. No entanto, Sr. Presidente, uma análise ainda que sumária - não tivemos tempo para isso -, mas absolutamente inequívoca, de resultados absolutamente inequívocos, mostra que houve, sim, cortes na saúde, na educação e em outras ares essenciais, como Defesa, Justiça e cidades.

            Começo pela área da saúde, que foi objeto de batalha no plenário do Senado, quando parlamentares da oposição e alguns da base do Governo, como V. Exª, Senador Moka, defenderam que a União também tivesse uma responsabilidade definida de aporte de recursos no seu Orçamento para a saúde, 10% das receitas da União. Naquele momento, os porta-vozes do Governo diziam: “Não, não se preocupem, haverá outras formas, especialmente as emendas parlamentares, para suprir a carência já manifesta de recursos para área!”. Mas os cortes atingem brutalmente a saúde: R$ 5,5 bilhões foram cortados na Lei Orçamentária, aprovada pelo Congresso, no que diz respeito à saúde.

            Na educação, outra prioridade “para inglês ver” do Governo, o corte foi de R$2 bilhões. Vamos lembrar, Sr. Presidente, que a Presidente Dilma, quando candidata, prometeu construir seis mil creches no País durante seu mandato. Em 2011, a execução do Pró-Infância, programa responsável pela construção de creches, foi de apenas de 16%. Nenhuma obra foi concluída. Para atingir a meta prometida até 2014, a Presidente terá de construir pelo menos 178 creches por mês. Passado um ano, até agora, não construiu nenhuma. Agora, corta R$2 bilhões em educação. Mais problemático ainda se torna o alcance dessa meta e de outras destinadas ao Ministério da Educação.

            E o Ministério das Cidades, que cuida de saneamento, de habitação? O corte foi de R$3 bilhões. Onde vai incidir o corte? No esgoto, na água ou em estádios de futebol? Não se sabe, não se sabe! Isso vai ser decidido em parceria entre o Ministério do Planejamento e o Ministro da área. O Congresso não serve para nada nessa matéria. De nada valeu nossa discussão!

            E a segurança pública? Ainda hoje e ontem, em seus discursos, todos os Senadores, preocupados com a situação da segurança, dizem que é preciso que haja mais recursos financeiros para dar suporte e sustentação a uma política de segurança pública. Mas, ontem mesmo, o Ministério do Planejamento anunciou um corte de R$2,2 bilhões na Justiça e de R$3,3 bilhões na Defesa, outra área absolutamente sensível, especialmente se levarmos em conta a incumbência das Forças Armadas de atuarem na defesa das nossas fronteiras, que, como se sabe, são extremamente permeáveis ao tráfico de drogas e ao tráfico de armas.

            Um problema conceitual não está ausente nesses cortes, pois sabemos, pela legislação que rege a execução orçamentária, que há determinadas despesas que são consideradas obrigatórias, que precisam ser feitas, como, por exemplo, benefícios previdenciários e benefícios de prestação continuada, previstos na Lei Orgânica da Assistência Social. É dinheiro para pobre, para as camadas mais debilitadas e relegadas da população brasileira! Há também o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o complemento de FGTS. Essas obrigações do Governo que constituem despesas obrigatórias não são obrigatórias para o Governo. Se fossem obrigatórias, não teriam sofrido o corte de R$20 bilhões! Srs. Senadores, são R$20 bilhões de corte nas despesas chamadas obrigatórias!

            E o PAC e o Minha Casa, Minha Vida, que estariam preservados da sanha da tesoura do Ministro do Planejamento e da Presidente da República?

            Srs. Senadores, cortar esses programas, os recursos destinados a eles - é com tristeza que digo isso -, seria absolutamente inócuo, nada significaria. Sabem por quê? Porque há outra forma de o Governo fazer economia. Há outra explicação para economias do Governo: a incompetência, a incapacidade de gastar, a falta de planejamento, o que faz com que esses programas raramente atinjam mais de 10% do Orçamento anual. Todos eles são tocados com recursos dos orçamentos anteriores, os chamados Restos a Pagar. O Governo é incapaz de executar os orçamentos.

            Então, há outra razão. Além da razão econômica, que é essa do superávit primário para os cortes, e da razão política, que é a de manter o Congresso em rédea curta, liberando a conta-gotas as emendas parlamentares, há outro fator que leva os orçamentos a serem, como se diz correntemente, peça de ficção: a incompetência.

            Onde deveriam incidir os cortes, não incidem. O Senador Alvaro Dias já teve ocasião de falar desta tribuna, ainda hoje, da pletora absolutamente injustificável de cargos de confiança e de ministérios. O empresário Jorge Gerdau foi convidado, pela Presidente, para ser uma espécie de guru da eficiência da gestão administrativa. Ora, o Sr. Jorge Gerdau veio a público e disse assim: “É impossível governar o País com esse número de Ministérios. É impossível governar o País com esse número de cargos de confiança”. No entanto, na hora do corte, a saúde é cortada, a segurança pública é cortada, a educação é cortada, os recursos do Minha Casa, Minha Vida chegam aos pouquinhos, muito aquém daquilo que é contratado e programado. Mas o dinheiro para os Ministérios inúteis e para os funcionários contratados por apadrinhamento político é sagrado, é respeitado escrupulosamente por este Governo na hora de fazer economias!

            Srªs e Srs. Senadores, um projeto de lei que está em tramitação no Congresso Nacional, no meu entender, se aprovado, constituiria um grande e significativo aperfeiçoamento, no sentido de fazer com que os orçamentos públicos tivessem um mínimo de validade, um mínimo de consistência, um mínimo de correspondência com a ação do Governo. Que o trabalho do Parlamento e da sociedade, na hora de externar suas demandas e de elencar as suas prioridades, não seja relegado ao fundo de uma gaveta, como uma peça de ficção malfeita que nunca é encenada! É um projeto de lei de autoria do ex-Senador Tasso Jereissati, cujo Relator é o competente e operoso Senador Francisco Dornelles. Está mais do que na hora, Sr. Presidente, de nós desengavetarmos esse projeto.

            Tive a oportunidade e dialogar com o Senador Francisco Dornelles recentemente, e S. Exª me revelou que está disposto realmente a pôr as mãos à obra e a mobilizar todo o seu talento, o seu conhecimento do serviço público, a sua capacidade de articulação e o seu prestígio no Congresso e na sociedade, para que esse projeto possa se transformar efetivamente numa lei, a lei que foi chamada, na falta de outro nome, Lei de Responsabilidade Orçamentária. Falta responsabilidade orçamentária no Governo. Que o Congresso tenha a responsabilidade legislativa, para que os orçamentos públicos possam efetivamente refletir o desejo da sociedade, expresso pelos seus representantes!

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/02/2012 - Página 2958