Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro de audiência de S.Exa. com o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ministro Ricardo Lewandowski, para discutir o descumprimento das leis, o foro privilegiado e os prazos da Justiça Eleitoral.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO ELEITORAL.:
  • Registro de audiência de S.Exa. com o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ministro Ricardo Lewandowski, para discutir o descumprimento das leis, o foro privilegiado e os prazos da Justiça Eleitoral.
Aparteantes
Casildo Maldaner, João Ribeiro.
Publicação
Publicação no DSF de 16/02/2012 - Página 2748
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
Indexação
  • REGISTRO, RELAÇÃO, AUDIENCIA, PRESIDENTE, TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE), ASSUNTO, DEBATE, DESCUMPRIMENTO, LEIS, DISCORDANCIA, ORADOR, FORO ESPECIAL, EXCESSO, PRAZO LEGAL, LEGISLAÇÃO ELEITORAL.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta Vanessa Grazziotin, que representa o maior Estado da Amazônia nesta Casa; Srs. Senadores; Srªs Senadoras, farei uma prestação de contas de uma audiência que tive com o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em que falávamos sobre reforma política.

            Pedi uma audiência ao Presidente do TSE, Ministro Ricardo Lewandowski, para debater três temas que me parecem ser relevantes e fundamentais para a sociedade brasileira. Um deles é o descumprimento das leis. O nosso País resiste a cumprir aquilo que votamos e determinamos nesta Casa e na Câmara Federal. As leis são votadas, aprovadas e sancionadas, mas muitas delas não são cumpridas. Esse é um tema.

            O segundo tema que debati com o Ministro foi o foro privilegiado. Como é possível, no art. 5º da Constituição brasileira, dizer-se que todos são iguais perante a lei e, ao mesmo tempo, haver um foro privilegiado para julgar autoridades, muitas delas conduzidas por decisão popular? Quem julga Senadores, Deputados Federais, Governadores, Ministros do Judiciário ou do Executivo é o Supremo Tribunal Federal, é a última instância do Judiciário.

            E o último tema tratado foi a lei eleitoral. Como todo mundo sabe, na lei eleitoral, há prazo para tudo, menos para julgamento dos processos. E aí começa uma enorme complicação.

            Mas, antes de analisar esses tópicos, um por um, eu gostaria de refletir sobre a importância da política em nosso País. Os problemas brasileiros são de ordem política. A exclusão social no Brasil se dá em função da exclusão política, e disso não tenho a menor dúvida, a começar pela nossa história republicana.

            Em 1889, a República foi proclamada por Deodoro da Fonseca, que era um monarquista. Essa grande confusão política, o fato de que não se conseguem mais separar praticamente os partidos políticos no Brasil - quase todos pensam da mesma maneira - vem lá de traz. Deodoro da Fonseca, que era monarquista, movido por interesses de grupos, terminou proclamando a República. E, a partir daí, em 1891, foi votada a primeira Constituição republicana. Pasmem, mas, na primeira Constituição republicana, uma das primeiras medidas foi proibir o voto dos analfabetos. Se imaginarmos quantos eram os analfabetos no final do século XIX, podemos compreender que o Estado republicano brasileiro foi organizado por pouquíssima gente, talvez 2% ou 3% dos brasileiros que tinham direito ao voto a partir de então.

            Na primeira República, como todo mundo sabe, as eleições eram indiretas e eram totalmente fraudadas. Portanto, era reduzido o grupo de pessoas no Brasil que começou a organização do Estado brasileiro, e isso continuou até muito recentemente. Todas as vezes que a voz rouca do povo exigia mais participação democrática, havia retrocesso nas instituições, com o fechamento do Congresso, com a implantação de ditaduras, com o que conhecemos da história política do Brasil. Temos enorme dificuldade de promover mudanças, até porque essa herança conservadora e cautelosa de estabelecer mudanças políticas permanece até os nossos dias. Fala-se muito em reforma política, debate-se, discute-se, mas não se avança.

            Há um caso patético, que é o descumprimento das leis. Escolhi duas leis para mostrar como a sociedade brasileira resiste às decisões democráticas.

            Todos nós fomos escolhidos pela vontade livre e soberana do povo e aqui estamos para elaborar leis - é nossa função mais importante -, que valem para todo o País. Uma das leis que eu gostaria de analisar é a Lei Seca. Sabemos que, em alguns Estados, como o Rio de Janeiro, a Lei Seca pegou. Aliás, há um ditado popular que diz que há lei que pega e lei que não pega. No caso do Rio de Janeiro, a lei pegou, mas, em São Paulo, ninguém sabe o que é a Lei Seca.

            Aqui, em Brasília, ainda há pouco, vindo para o Senado, conversei com o motorista de táxi que me conduzia e lhe perguntei: “Aqui, a Lei Seca pegou?”. Ele me disse: “Está pegando, porque as blitze são feitas na porta das boates e dos bares, e isso tem feito com que muitos motoristas que saem à noite tenham cautela. Se saem três ou quatro pessoas, uma fica sem beber, para poder conduzir depois o pessoal para casa”. Mas é raro o Estado brasileiro em que a Lei Seca pegou.

            Outra lei também votada por este Plenário, por unanimidade, votada pela Câmara e sancionada pelo Presidente da República foi a Lei Complementar nº 131, de 2009, a Lei da Transparência. Essa lei pegou no Governo Federal. Hoje, a execução orçamentária do Governo Federal é absolutamente transparente. Posso saber, por computador, o que a Universidade de Santa Catarina - os três Senadores de Santa Catarina estão aqui - gasta com detalhes. É muito bem feito o Portal da Transparência do Governo Federal. Mas o Supremo Tribunal Federal, guardião das leis e da constituição destas, não as cumpre. E aí? A Procuradoria-Geral da República, se as cumpre, cumpre-as mais ou menos. E por aí vai. É uma lei fundamental para a cidadania, porque ela obriga a prestação de conta de todos os gastos e despesas públicas, inclusive os do Senado.

            Analisei a execução orçamentária do Senado de 2011 e tomei um susto. Havia R$23 milhões de empenhos para investimentos. No final do ano, gastaram-se R$8 milhões apenas. Os Srs. Senadores sabem que temos enormes dificuldades com o nosso sistema de informática; no meu gabinete, há uma enorme dificuldade.

            Então, no serviço público brasileiro, há o problema da falta de recurso ou de investimento. Em quase todos os Estados, o dinheiro mal dá para o custeio. Nós, que somos os elaboradores das leis, precisamos criar algum mecanismo para acompanhar a aplicação da lei, porque ficamos nos digladiando aqui e debatendo para aprovar as leis, mas, no final, vira a Lei Seca: pega no Rio de Janeiro, mas não pega em São Paulo, e por aí vai.

            Outro tema que discutimos com o Presidente do TSE foi o foro privilegiado. Essa é uma questão brasileira. Tenho a impressão de que foro privilegiado só existe no Brasil, como a prisão especial para quem tem curso superior. Acho que o foro privilegiado não é bom para as autoridades. O Supremo é a última instância, e não há razão para se suprimirem as demais instâncias.

            Eu queria apresentar uma situação que mostra claramente que, no Brasil, ainda há resíduos coloniais. Isso só pode ser herança colonial. Levantei aqui a situação do ex-Presidente da França Jacques Chirac, que, quando era Prefeito de Paris, juntamente com Alain Juppé, hoje Ministro de Relações de Exteriores, fez contratações irregulares de assessores e colocou-os a serviço do partido. Ora, houve denúncia. Na época, o Presidente tinha imunidade, mas o Vice-Prefeito Alain Juppé, que, mais tarde, foi Primeiro Ministro da França e virtual Presidente da República francesa, terminou sendo condenado a 18 meses de prisão. Lá eles condenam à prisão fechada. A pena foi reduzida para 14 meses de prisão. Sabe quem condenou o ex-Primeiro Ministro da França? Um juiz de primeira instância.

            Por que nós, Senadores, não podemos sentar com o juiz da nossa comunidade? É necessário que a gente elimine esse privilégio, que não é positivo, não é bom para quem eventualmente responde a algum processo.

            O último dos temas que debatemos foi a questão da lei eleitoral. Todos nós sabemos, Senador Casildo, que, na lei eleitoral, há prazo para tudo, menos para se julgar o processo, e aí é um problema danado!

            Olha essa situação, esse exemplo que levei para o Ministro: o atual Prefeito de Macapá, Roberto Góes, teve sete penas de cassação do seu mandato de prefeito pela primeira instância, em 2008. Até o final do ano, ele já tinha colecionado cinco ou seis cassações. E aí entrou com recursos, fez apelações. O processo vai pra o TRE, que o julga e o manda para o TSE. O problema é o TSE. Depois dos embargos, no dia 12/02/2010, o processo subiu e, no ano passado, foi para a pauta. Quase três anos depois, o processo foi para a pauta, no dia 08 de outubro. Eram vários os advogados. Uma advogada que estava gestante pediu para adiar, e, mais uma vez, adiou-se a apreciação do processo. O prefeito está terminado o mandato, e não se julga o caso dele.

            Agora, tenho de trazer meu caso aqui. O Brasil todo sabe que tive o mandato de Senador cassado numa velocidade fantástica! Fui eleito Senador em outubro de 2002 e, no dia 04 de abril de 2004, eu já estava cassado. Então, fui cassado com enorme velocidade, pouco mais de um ano depois de ser eleito. Isso precisa ser regulamentado.

            O Ministro vê com alguma dificuldade o estabelecimento de prazos para julgamento dos processos, porque cada processo é um processo. Mas o que não pode acontecer é o processo nunca ser julgado.

            Eu gostaria de conceder o aparte ao Senador Casildo.

            O Sr. Casildo Maldaner (Bloco/PMDB - SC) - Sei que o tempo de V. Exª está praticamente esgotado, mas não pude deixar de pegar carona, até pelos fatos históricos que V. Exª vem relatando, desde a época da República, da Velha República, do fim do Império, da Primeira República, da Segunda República. Fala dos costumes do Brasil, de alguns resquícios que se vêm mantendo nas legislações, nas praxes, e das mudanças, das coisas que pegam e não pegam. Inclusive, V. Exª falou sobre a Lei Seca, que funciona em alguns lugares, em alguns Estados, mas não funciona em outros. É importante falar dessa questão até por estarmos em véspera de festas. Se isso for levado a sério, evitaremos muitas mortes. Temos debatido sobre isso hoje à tarde, nesta Casa. Outra questão tratada por V. Exª é a transparência, a clareza, que, em alguns lugares, está muito nítida, mas que, em outros órgãos, não está sendo cumprida. Então, deve haver essa clareza. E há outras questões que V. Exª aborda: os privilégios ou não privilégios. Por que não discutimos isso? Fala também da reforma eleitoral. V. Exª foi feliz, hoje à tarde, ao trazer para nós essas questões, para tentarmos avançar. Meus cumprimentos, Senador Capiberibe!

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Muito obrigado, Senador. Eu lhe agradeço a intervenção e digo que realmente nós, nesta Casa, devemos reagir ao descumprimento das leis. Precisamos pensar numa maneira de fazer o acompanhamento da aplicação das leis. É inaceitável vivermos num País onde uma lei federal pega num Estado, mas não em outro Estado.

            Concedo o aparte ao Senador João Ribeiro.

            O Sr. João Ribeiro (PR - TO) - Senador Capiberibe, cumprimento V. Exª pelo pronunciamento. Acho que o caminho é esse mesmo. Existem muitos temas que precisam ser trazidos para esta Casa e para o Brasil para serem discutidos. V. Exª viveu um longo período negro, porque foi eleito pelo voto popular e, depois, teve o mandato cassado. Eu me lembro até hoje de que foi uma questão de R$26,00, parece-me. Alguém denunciava ter recebido esse valor de V. Exª. Depois, o povo lhe fez justiça novamente, elegendo-o, e quase novamente lhe tiram o mandato, não é verdade? Mas, para alegria do povo do seu Estado, do Amapá, que o conhece bem, conhece bem sua esposa, seu filho, sua família, V. Exª hoje permanece aqui, por questão de justiça, para exercer o mandato que o povo lhe concedeu. Meus parabéns a V. Exª e meus cumprimentos!

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Obrigado, Senador João Ribeiro.

            Srª Presidenta, para encerrar, eu gostaria de dizer que os problemas brasileiros, o problema da Justiça brasileira não é falta de leis. O problema está na aplicação da lei. Neste momento - isso foi colocado em evidência -, houve uma tentativa clara de esvaziamento do CNJ, que estava exatamente colocando o dedo na ferida com relação ao comportamento de alguns Tribunais. Ainda ontem, o CNJ tomou algumas decisões sobre aposentadoria. Essa é outra regra que precisa ser mudada. Como é que alguém é punido com a aposentadoria, com os seus soldos, com seus salários? Soldo é de militar, não é? A remuneração de juiz tem um nome especial, porque no Brasil as categorias se deram nomes especiais e denominações para poderem ampliar e melhorar seus salários, o que não é possível continuar. Qual é a punição? Imaginem um homem de 40 a 45 anos, saudável, ser punido com aposentadoria! Ninguém sabe o quanto ganha um desembargador. Falou-se, há alguns dias, que o valor pode chegar a R$150 mil por mês.

            Então, precisamos trabalhar a reforma do Judiciário. Mas precisamos trabalhar a reforma do Judiciário com absoluta independência, o que é fundamental para nós. Eu acho que o Judiciário é a última instância que temos para recorrer. Então, precisamos de um Judiciário absolutamente comprometido com as aspirações de justiça da sociedade brasileira.

            Srª Presidente, muitíssimo obrigado.

            Um bom carnaval para todos! Essa é uma manifestação cultural maravilhosa deste País! O Brasil é viável, porque é de grande diversidade cultural e também de grande diversidade ambiental.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/02/2012 - Página 2748