Discurso durante a 12ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa.

Autor
Pedro Taques (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MT)
Nome completo: José Pedro Gonçalves Taques
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO ELEITORAL.:
  • Reflexões sobre a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa.
Publicação
Publicação no DSF de 23/02/2012 - Página 3508
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
Indexação
  • ANALISE, CONSTITUCIONALIDADE, LEGISLAÇÃO, FICHA LIMPA, COMENTARIO, NECESSIDADE, VALORIZAÇÃO, PAPEL, PARTIDO POLITICO, CONSCIENTIZAÇÃO, ELEITOR, MELHORIA, ESCOLHA, CANDIDATO, OBJETIVO, FORTIFICAÇÃO, DEMOCRACIA, DEFESA, EXTENSÃO, NORMAS, AMBITO, CARGO PUBLICO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, meu sonho era ser Deputado, mas consegui ser Senador antes.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores...

            O SR. PRESIDENTE (Valdir Raupp. Bloco/PMDB - RO) - Eu falei Deputado?

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT) - Mas essa não é uma ofensa.

            O SR. PRESIDENTE (Valdir Raupp. Bloco/PMDB - RO) - É o Senador Pedro Taques, Senador que tem engrandecido este Parlamento!

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT) - Muito obrigado.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de iniciar meu discurso especificamente sobre o que aqui vim falar hoje, quero cumprimentar a Larissa, do Estado do Acre, pela vitória nessa Olimpíada. Infelizmente, no Brasil, temos o vezo - somos useiros e vezeiros - de laurear personagens que, infelizmente, não mostram a dignidade do que fizeram. Quero dizer, com isso, que a Larissa precisa ser laureada, precisa ser lembrada, precisa ser honrada, porque, em uma escola pública, ela conseguiu uma vitória como essa, um sucesso como esse, o que mostra que essa brasileira do Estado do Acre merece o apoio e o prestígio de todos nós. Parabéns ao Acre! Parabéns, sobretudo, à Larissa e à sua família!

            Sr. Presidente, nesta tarde, quero falar um pouco sobre a chamada Lei da Ficha Limpa. Nós todos temos de elogiar a decisão do Supremo Tribunal Federal, que, nos últimos vinte dias, Senador Pedro Simon, deu exemplos de República, deu exemplos de honestidade cívica, deu exemplos de republicanismo. Em primeiro lugar, veio a decisão que firma a competência concorrente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e, não mais que dez dias depois, veio a decisão que firma a constitucionalidade da chamada Lei da Ficha Limpa.

            O que separa, o que divisa, o que diferencia a República da Monarquia, como todos sabemos, Sr. Presidente, é que, na República, todos aqueles que exercem parcela da soberania do Estado devem responsabilidade. Todos aqueles que exercem parcela da soberania do Estado devem responsabilidade, diferentemente do que ocorre na Monarquia. Na Monarquia, o exercício de poder é irresponsável, quem o faz exerce em seu próprio nome, não em nome do povo, não em nome do cidadão. Hoje, existe uma ligação entre República e democracia, que é a dominação do povo.

            Na República, não interessa se o ser é Presidente da República ou se é o José da Silva, aquele barnabé mais simples do menor Município da República Federativa do Brasil. Todos eles exercem parcela da soberania do Estado e devem responsabilidade pelos seus atos na medida do cargo ocupado. O Presidente exerce um cargo no qual a parcela da soberania do Estado é maior, e, portanto, sua responsabilidade é bem maior do que a responsabilidade do barnabé, aquele José da Silva, que exerce um cargo bem simples, um cargo público, em um Município bem simples do Brasil. Esse traço é importante para firmarmos a República.

            A Lei da Ficha Limpa é importante? É muito importante. O reconhecimento de sua constitucionalidade é significativo? É muito significativo. Mas eu queria fazer uma indagação, um questionamento: um país sério precisaria de uma lei como essa, um país decente precisaria de uma lei como essa? Essa é a pergunta, essa é a indagação. Penso que não, Senador Pedro Simon, penso que não. O melhor seria que o cidadão, no momento da escolha de um candidato que exerceria parcela da soberania do Estado, já fizesse sua escolha, tendo em conta os princípios republicanos. Essa seria a primeira peneira, essa seria a primeira defesa, a primeira salvaguarda, para que houvesse uma República no sentido não só formal, mas também material.

            E o cidadão? Alguns dizem que o cidadão ainda, infelizmente, não tem consciência da sua importância no processo democrático. Nós precisamos caminhar ainda mais, para que o cidadão possa ter a consciência de sua importância no processo democrático. Alguns dizem que é preciso um processo educacional que traga essa consciência ao cidadão da sua importância nesse processo, a educação que liberta, a educação que transforma, a educação que transforma o indivíduo em cidadão. A primeira peneira é o cidadão.

            A segunda salvaguarda, Senador Pedro Simon, seriam os partidos políticos. Os partidos políticos deveriam fazer a escolha por candidatos que não ofendessem os princípios da República. Os partidos políticos deveriam fazer essa escolha, tendo em conta os princípios republicanos, os princípios gravados nos arts. 1º e 37 da Constituição da República.

            A primeira defesa se dá em torno do cidadão, e a segunda defesa, em torno dos partidos políticos, mas não é assim que ocorre na República Federativa do Brasil. Para isso, é preciso que haja maior valorização dos partidos políticos, o que a Constituição determinou há 23 anos, mas, infelizmente, nós ainda não tiramos isso do papel. Os partidos políticos são valorizados apenas formalmente na Constituição, mas ainda não materialmente.

            O cidadão tem de fazer esta defesa: a defesa dos princípios republicanos. Os partidos políticos devem fazer esta defesa: a defesa dos princípios republicanos.

            Seria preciso uma lei como a chamada Lei da Ficha Limpa? Penso que não. A Constituição da República, nos seus artigos - cito apenas um deles, o art. 37 -, estabelece os princípios para que haja uma sociedade livre de candidatos ficha suja. Nós não precisaríamos de uma lei, porque a Constituição possui força normativa própria. A Constituição não é uma folha de papel. A Constituição é uma norma jurídica superimperativa, com imperatividade reforçada. O que quer dizer isso sem o “juridiquês”? A Constituição manda, determina, ordena que os candidatos sejam cândidos, sejam limpos, sejam alvos. O art. 14, § 9º, da Constituição já deixa bem expresso que temos de analisar como causa de inelegibilidade a vida pretérita, a vida passada daquele que se dispõe a exercer cargos eletivos, a qual deve ser sem mancha, sem nódoa.

            Há algum tempo, há mais ou menos oito anos, o Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Rio de Janeiro julgou inelegível um famoso Deputado Federal de lá, Eurico Miranda, presidente de um clube de futebol, e disse que a Constituição já dava essa força normativa. A Constituição já veda que candidatos com passado não recomendável possam exercer a eletividade. E o Tribunal Superior Eleitoral, infelizmente, disse que não havia a regulamentação do art. 14, § 9º, da Constituição. Daí, veio ao mundo jurídico a Lei da Ficha Limpa.

            Portanto, há três defesas dos princípios republicanos. A primeira defesa, Sr. Presidente, é o cidadão, no momento da escolha daquele que exercerá parcela da soberania do Estado; em um segundo momento, os partidos políticos; em um terceiro momento, a própria Constituição.

            Há a Lei da Ficha Limpa, e iniciei minha fala parabenizando o Supremo Tribunal Federal. Nós todos temos de fazê-lo. Na quinta-feira passada, o Supremo deu mostra de que deseja, de que almeja, de que tem como objetivo fazer com que os princípios constitucionais possam ser respeitados e, sobretudo, vividos por todos nós, ao reconhecer a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa.

            Resolvemos os cargos eletivos. Pergunto aos Srs. Senadores, pergunto ao cidadão simples do meu Estado, do Estado de Mato Grosso: isso resolve?

            O SR. PRESIDENTE (Pedro Simon. Bloco/PMDB - RS) - Vou cometer um equívoco muito grande. V. Exª está absolutamente correto, mas o problema na Lei da Ficha Limpa é que, no Brasil, o cidadão só podia ser considerado culpado com o trânsito passado em julgado. Em seis, sete, oito ou nove anos, havia prescrição, e nada acontecia. Aí é que entra a lei, determinando que o condenado em segunda instância por um colegiado não pode ser candidato. Esse é um fato.

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT) - O que V. Exª está a dizer é que o Supremo Tribunal Federal decidiu, na quinta-feira, que a chamada Lei da Ficha Limpa não ofende o princípio da presunção de inocência, mas o que estou a dizer é que essa posição do Supremo Tribunal Federal não é nova. Já existem decisões do próprio Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral que afirmam que causas de inelegibilidade não ofendem o princípio de presunção de inocência. No entanto, o Supremo Tribunal Federal, na quinta-feira, houve por bem firmar mais ainda essa sua posição. Parabenizo o Supremo Tribunal Federal por isso.

            O cidadão simples está a pensar: aquele que é sujo - porque esse é o nome -, aquele que tem uma vida cheia de nódoas, cheia de manchas, não poderá mais ser candidato em razão da Lei da Ficha Limpa. Esse cidadão não poderá mais ser candidato, porque essa Lei, segundo o Supremo Tribunal Federal - e é bom que assim seja -, não ofende o princípio da presunção de inocência, como V. Exª bem disse.

            Esse cidadão vai deixar de ser candidato, mas vai poder exercer a diretoria, por exemplo, da Petrobras, uma diretoria que fure poço.

Eu não sei por que tanto interesse em uma diretoria que fure poço! Agora, nós... Poderia ser, por exemplo, presidente do Banco do Brasil. Ele não pode mais ser candidato porque ele tem contra si uma causa de inelegibilidade, que é um obstáculo para que ele possa ser candidato. Muito bem. Ele poderá ser presidente da Casa da Moeda ou do Fundo de Pensão da Petrobras. Ele poderá exercer esses cargos, Senador Raupp, Senador Anibal, poderá exercer esses cargos. A Constituição veda tal prática no art. 37, caput, quando fala em Princípio da Moralidade. No entanto, em razão do chamado presidencialismo de coalizão, nós afastamos os princípios previstos no art. 37 da Constituição.

            O Supremo Tribunal Federal deu o seu recado. O Supremo Tribunal Federal, na decisão de quinta-feira, sinalizou que nós precisamos cumprir os princípios da República. Muito bem. E o que o Poder Legislativo está a fazer para se encontrar com o Supremo nessa quadra histórica que nós vivemos? Absolutamente nada, Sr. Presidente do Senado da República, Senador Pedro Simon.

            Nós temos projetos de lei nesta Casa, inclusive projetos de V. Exª, projetos de emenda à Constituição, por exemplo, que acabam com a imunidade parlamentar. Outro instrumento violador dos princípios republicanos. Nós temos propostas de emenda à Constituição nesta Casa, Senador Anibal, maravilhosas. Agora, falta vontade política para que essas propostas mereçam aprovação.

            Assim, o Supremo Tribunal Federal está a cumprir o seu papel constitucional. Eu citei duas decisões: a que reconhece a competência concorrente do Conselho Nacional de Justiça e a que reconhece a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. E é bom que assim seja. Uma terceira decisão se avizinha, ao que consta no mês de maio, no julgamento do famoso caso do mensalão. O Supremo Tribunal Federal, ali, vai mostrar a existência ou não de uma quadrilha que tomou conta do Legislativo com interlocução como o Poder Legislativo, desculpe-me, Legislativo com interlocução com o Poder Executivo. Não vamos nos antecipar aos fatos. Agora, quem leu as alegações finais do Procurador-Geral da República já pode antever algumas decisões.

            Muito bem. E o que faz o Legislativo? Nós, aqui no Senado da República, Senador Pedro Simon, precisamos aprovar algumas propostas de emenda à Constituição para que possamos entender o momento histórico em que vive a República. O STF (Supremo Tribunal Federal) já entendeu. Nós aqui precisamos entendê-lo.

            Cito uma proposta de emenda à Constituição - a partir de amanhã, passo a colher as assinaturas - que faz com que as causas de inelegibilidade que são obstáculos para que o cidadão possa exercer cargos eletivos também sejam exigidas daquele cidadão que vai exercer cargos na Administração Pública que não sejam cargos eletivos, por exemplo, cargos comissionados, concursos públicos. Nada mais do que a aplicação da Lei da Ficha Limpa a outras formas de assunção a cargos públicos.

            Eu ouvi a fala de V. Exª. Aliás, Senador Pedro Simon, nós dois estivemos lá com o Ministro Hage debatendo um decreto que a Presidente da República poderia apresentar exigindo daqueles que exerçam cargos comissionados na Administração Pública Federal que sejam também ficha limpa, ou, ao contrário, que vede a assunção a cargos públicos daqueles que têm uma vida não recomendável.

            Agora, esse decreto é muito importante, mas nós discutiríamos a constitucionalidade desse decreto. Esse decreto não produziria efeitos na Administração Pública estadual. Seria possível um projeto de lei para vedar que candidatos com um passado não recomendável pudessem ser proibidos de exercer cargos comissionados em toda a Administração Pública, seja da União, seja dos Estados, seja dos Municípios? Isso seria, a meu juízo, inconstitucional por ofender o chamado pacto federativo. O ideal seria uma proposta de emenda à Constituição.

            Por isso, a partir de amanhã, eu passo a colher essas assinaturas, Senador Anibal, para que o Congresso Nacional e, aqui, o Senado da República possa dar a sua contribuição no respeito aos princípios do chamado republicanismo.

            Volto a dizer: a decisão do Supremo Tribunal Federal é muito importante, nós todos temos que festejá-la. A decisão do Supremo Tribunal Federal inaugura uma nova quadra - ao menos assim eu penso - na história da República. Agora, nós precisamos fazer com que essa decisão seja efetivamente concretizada. O ideal seria que o cidadão fizesse a sua defesa. O ideal seria que os partidos políticos...

            O SR. PRESIDENTE (Pedro Simon. Bloco/PMDB - RS) - Decisão do Congresso que começou com uma lei que nós aprovamos. Nós aprovamos e o Supremo...

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT) - Sim. Uma lei de iniciativa popular, como V. Exª bem sabe, apresentada por mais de um milhão de brasileiros, capitaneada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, pela ANPR, pela Ajufe, pela OAB. Muito bem.

            O cidadão precisa fazer a sua defesa. Os partidos políticos precisam exercer essa defesa. A Constituição tem essa força normativa própria. Ela não precisa de regulamentação nesse particular, mas foi entendida de forma adversa. Portanto, nós temos a Lei da Ficha Limpa, a necessidade da lei, reconhecida constitucionalmente pelo Supremo. Agora, nós precisamos avançar. Não adianta o cidadão ser proibido de disputar cargos eletivos, mas ter o direito de exercer, na Administração Pública, cargos comissionados. O ideal seria que essas causas de inelegibilidade também fossem aplicáveis àqueles que exercem cargos comissionados, porque, Senador Raupp, aquele que exerce o serviço público precisa ter a excelência - não a excelência no nome, não a excelência apenas como pronome de tratamento, mas ele precisa ser excelente no sentido de bem preservar os princípios da República.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/02/2012 - Página 3508