Discurso durante a 13ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem à memória do filho do Presidente da Embratur, Sr. Flávio Dino.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. SAUDE.:
  • Homenagem à memória do filho do Presidente da Embratur, Sr. Flávio Dino.
Aparteantes
Ana Amélia, Pedro Taques, Rodrigo Rollemberg.
Publicação
Publicação no DSF de 24/02/2012 - Página 3720
Assunto
Outros > HOMENAGEM. SAUDE.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, MORTE, FILHO, PRESIDENTE, INSTITUTO BRASILEIRO DO TURISMO (EMBRATUR).
  • COMENTARIO, REPUDIO, PRECARIEDADE, SAUDE PUBLICA, BRASIL, MOTIVO, CORTE, ORÇAMENTO, CORRUPÇÃO, APLICAÇÃO, RECURSOS, SAUDE.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Parlamentares, eu não pretendo, neste meu pronunciamento, fazer uma nota fúnebre. Afinal, todos os jornais do nosso País já estamparam a dor do nosso colega Flávio Dino pela perda de Marcelo, seu filho amado, carinhosamente chamado pelos seus amigos da escola de “Peixinho”, no ardor dos seus treze anos. Talvez eu pudesse, embora repetitivo, dizer que conheço na carne, no mais fundo da minha alma, o sofrimento de um pai que se debruça sobre o corpo inerte de um filho em despedida. A mais profunda das dores no lado esquerdo do peito. Um verdadeiro infarto existencial.

            Nessa hora difícil, os amigos são as nossas “safenas”. Voltam a irrigar o vácuo da perda do”sangue do nosso sangue”.

            O meu abraço hoje ao Flávio, atual presidente da Embratur, junta dois corações machucados. As dores, a dele, a minha, embora distantes no tempo, são atuais porque a dor pela partida de um filho é constante, é imorredoura, e seguirá conosco até o dia em que, aí sim, se concluirá a ordem natural da nossa vida.

            Eu só quero dizer ao Flávio que do mais profundo sentimento desse mesmo coração partido surgem forças que parecem vir da parte mais íntima de um ser, da nossa essência, do nosso íntimo. Do que os melhores dicionários definem como "âmago". Do que os ensinamentos bíblicos definem como "alma". Se a existência de Deus se prova pela existência da alma, ela se lembra, ela se demonstra pela dor da perda de um filho. E esse mesmo Criador, que no caso se prova na dor, é o mesmo que lhe dará forças para continuar, agora com maior destemor, a lutar pela vida dos demais filhos de Deus.

            O meu Mateus e o seu Marcelo foram notícias de primeira página. Somos homens públicos, e as nossas vidas são livros que se escancaram no exato momento que optamos pela vida pública. Daí a comoção compartilhada. Mas tanto o Flávio como eu sabemos dos milhões cujas vidas são, apenas, livros de cabeceira individual, muitas vezes mal escritos, outras vezes em branco, sem capas e de dorso esquálido, embora a dor igual, porque a alma é, também, tal e qual. Se não há comoção, não significa que possa continuar ausente a indignação.

            É inconcebível que, em pleno séc. XXI, aquelas doenças dos casos contados pelos nossos avós ainda ceifem vidas, mesmo que no hospital mais equipado de uma grande cidade, no caso a Capital da República.

            Não são "aquelas" doenças, portanto: elas continuam "estas" doenças. É inconcebível, igualmente, que, neste mesmo século da recriação científica do início de tudo, ainda se morra por nada, de doenças que se imaginava terem sido erradicadas nos mesmos tempos dos casos que ouvimos, ainda quando éramos meninos, como o Mateus e o Marcelo.

            Longe de mim qualquer julgamento precipitado sobre as causas reais da morte do menino de Dino. Se por um desígnio da Providência ou pelo maligno da negligência. Muito menos sobre a atitude do pai, ao recorrer à investigação policial, para determinar se a lei dos homens foi ferida de morte. Faria eu talvez o mesmo. Para que o mesmo não se faça com outros meninos. Ou com outro ser humano, não importa a idade, gênero, cor, religião, classe social.

            O que me assusta é que, no caso do Marcelo e de tantos outros que não viraram notícia, a saúde no Brasil está se transformando, cada vez mais, em caso de polícia. Há um verdadeiro desdém com o que temos de mais precioso: a vida.

            São cada vez mais comuns páginas de jornais com a estampa da negação de atendimento médico e hospitalar, se não houver o contraponto da carteirinha, do cheque, do dinheiro, do cartão, da caução. São notícias que migraram para os cadernos específicos de “Polícia”.

            O que me espanta é que, independentemente do atendimento ser em instituição pública ou privada, a saúde, a vida tem se transformado em mera mercadoria, tal e qual as que se expõem sob o domínio e os interesses da lei de mercado, em prateleiras ou em gôndolas. Que a vida é cada vez mais disputada por cartéis ou “coronéis”. No tempo dos nossos avós, dizia-se que “a vida não tem preço”.

            Agora tem, e é cara! Muito cara!

            O que me assombra é que, independentemente do preço, como uma verdadeira mercadoria, contraditoriamente, a vida, na sua essência, perdeu valor. E isso tem a correspondência na falta de solidariedade, de compaixão e de humanidade.

            Eu não vejo, por exemplo, diferença entre o bandido que mata e o profissional que deixa de atender premeditadamente um ser humano que agoniza. Eu vejo crime na omissão de socorro, não só do médico, mas de qualquer outra pessoa que desdenha a dor alheia, qualquer dor, a do corpo e a da alma.

            E o que me entristece é saber que, não raras vezes, uma porta e uma decisão inferior é o divisor entre a vida e a morte, na escolha de quem pode e de quem não pode ultrapassar a entrada do hospital público, por falta de profissionais e de material mínimo para qualquer atendimento, por mais simples que ele seja. Tudo isso, embora os preceitos constitucionais de direito à vida, na sua plenitude.

            O que me aterroriza é ver, cada vez mais, o dinheiro que salva vidas ser desviado pelas mãos sujas da corrupção, que rouba o dinheiro do remédio, que saqueia a merenda escolar, que surrupia a comida, que se apropria da doação benevolente endereçada exatamente para quem só tem um fiapo de vida, que fere de morte essa mesma vida.

            O corrupto não tem pudor. O seu crime é premeditado, doloso, hediondo.

            Pois não, Senador.

            O Sr. Rodrigo Rollemberg (Bloco/PSB - DF) - Senador Pedro Simon, quero cumprimentar V. Exª por trazer esse tema. Acabei de me referir à importância de a Igreja Católica adotar o tema da saúde como tema da Campanha da Fraternidade. Eu acompanhei o sofrimento do pai, amigo Flávio Dino. É absolutamente triste e terrível que, em pleno séc. XXI, na Capital da República, uma criança, o Peixinho, como era conhecido por seus amigos, possa falecer de asma dentro de um hospital. Essa questão da saúde pública precisa efetivamente ser enfrentada de várias formas. Aqui nós tivemos Brasília, mais uma vez, constando de forma muito negativa no noticiário nacional recentemente quando um secretário do Governo Federal faleceu, tudo indica, por falta de atendimento, por não ter, naquele momento, a possibilidade de dar um cheque caução. Ou seja, é a mercantilização, da pior forma...

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS) - Ele foi morrer na entrada do terceiro hospital. Ele foi a anteriores, era um nome conhecido, um importante cargo, mas não tinha um cheque na hora, não tinha um documento na hora, morreu, porque não atenderam.

            O Sr. Rodrigo Rollemberg (Bloco/PSB - DF) - E esses são os casos conhecidos, Senador Pedro Simon. Em Brasília, que é uma cidade que dispõe de condições melhores do que a maior parte das cidades brasileiras, a questão da saúde pública continua - infelizmente, temos de reconhecer isso - caótica. É absolutamente humilhante para quem pede e para quem recebe o pedido ter que... Qualquer pessoa, qualquer cidadão hoje passa semanas, passa meses para fazer um exame na rede pública de saúde, para fazer uma cirurgia na rede pública de saúde. Muitas vezes... Vivemos o caso de uma pessoa conhecida aqui, recentemente: mesmo com intervenção, a pessoa fez jejum durante várias vezes; quando se internava para ser operada, a operação era suspensa, ou por falta de anestesista ou por falta de medicamento ou por falta de um insumo básico. Essa é a realidade. Como V. Exª diz, não é apenas a falta de recurso. Acho que essa questão... É preciso aprofundar a discussão do financiamento da saúde no Brasil, mas é uma questão de gestão, é uma questão de corrupção, é uma questão de malversação de recursos públicos, que vem de vários governos e que desmontaram o sistema público de saúde do Brasil, embora tenhamos tido uma grande conquista, como me referi há pouco, que foi a implementação do Sistema Único de Saúde.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS) - Muito obrigado a V. Exª.

            Sr. Presidente, se o senhor me permitir terminar meu pronunciamento, eu gostaria de dar o aparte aos dois oradores.

            O SR. PRESIDENTE (Waldemir Moka. Bloco/PMDB - MS) - V. Exª pode conceder o aparte que a Presidência vai fazer com que o tempo de V. Exª seja recomeçado.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS) - Muito obrigado.

            Pois não, Senador.

            O Sr. Pedro Taques (Bloco/PDT - MT) - Apenas para expressar também esse sentimento de V. Exª em razão da morte desse menino de 13 anos, o Marcelo, filho do Flávio Dino, sobrinho do Nicolao Dino, grandes amigos, homens de bem. Agora, esse menino poderia ser filho do José, lá de Cabixi, Rondônia; poderia ser filho do Sr. João, um simples trabalhador de Dourados, Mato Grosso do Sul; poderia ser filho do Sr. Mário, um trabalhador rural do Estado de Mato Grosso. Nós todos temos que lamentar a morte desse menino, porque a morte desse menino revela a incompetência do Estado nacional, regional, do Estado local de resolver a questão da saúde. Aqui nós precisamos de recursos, sim, mas nós precisamos muito mais do que recursos: precisamos de uma boa qualidade na gestão desses recursos, uma boa qualidade dos gastos. Bem sabe V. Exª - e V. Exª fez a relação com a corrupção: o Tribunal de Contas dá a notícia a todos nós, não alvissareira essa notícia, mas um presságio de mau agouro, de que um terço dos recursos da saúde são roubados em razão da corrupção. E V. Exª disse que isso é hediondo. Hediondo significa nojento, o que dá vontade de vomitar; é isso que é hediondo. E nós temos um Projeto de Lei, o 204, de 2011, que transforma a corrupção em crime hediondo. Está sendo relatado pelo Senador Alvaro Dias e será colocado em votação na próxima quarta-feira, na Comissão de Constituição e Justiça. Eu encerro este aparte e agradeço por ele, dizendo que não interessa o nome, mas nós todos temos que lamentar essa situação a menos de um quilômetro do Palácio do Planalto, a menos de um quilômetro aqui do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, onde nós todos temos saúde de qualidade. Todos aqui no Senado temos uma saúde que é vitalícia, um convênio que é vitalício. A questão é: nós debatermos a saúde. Concordo inteiramente com o Senador Rodrigo Rollemberg: precisamos falar de gestão, precisamos falar de corrupção. Parabéns por essa fala, e agora eu encerro expressando ao Flávio Dino que, aqui nesta situação do Peixinho, fugiu-se a natureza das coisas: um filho enterra um pai, e não um pai enterra um filho.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS) - Repare V. Exª: hoje, morrer de asma sem nenhum agravante, em uma UTI, não dá para entender! Sinceramente, não dá para entender!

            Pois não!

            A Srª Ana Amélia (Bloco/PP - RS) - Senador Pedro Simon, esses episódios todos têm alguma relação comigo, na referência que o colega Rodrigo Rollemberg fez da paciente pobre sobre cujo caso recorri a ele, e ele foi muito eficiente, e tudo o que ele relatou é o legítimo quadro da verdade. E eu também lamento, como cidadã que mora aqui há 34 anos, essa situação eu diria de caos ou descalabro na saúde pública na Capital do País, que gasta muito com um estádio magnífico - e devemos fazer -, mas não pode tirar a prioridade para a saúde.

            E V. Exª se lembra muito bem de que o dinheiro desviado pela corrupção - e nós tivemos aqui o caso das ambulâncias, das sanguessugas e tantos outros -, está bem associado à questão da gestão. Numa recente entrevista às páginas amarelas da revista Veja, o Ministro Alexandre Padilha declarou que, num simples ato de gestão, na compra de medicamentos, economizou R$1 milhão. Esse dinheiro faz muita falta àqueles pobres brasileiros que precisam entrar em um hospital. E, para encerrar, Senador Pedro Simon, lembro o caso do Peixinho, que lembra também o filho do nosso Flávio Dino, Presidente da Embratur, ex-Deputado Federal, e também o da família do Duvanier Paiva Ferreira, Secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento. Eu, Senador Pedro Simon, no dia 26 de fevereiro de 2011, enfrentei o mesmo, levando o meu marido a um hospital de Brasília, com uma grave enfermidade, que acabou morrendo na madrugada do dia 27. No hospital, ele teria que ir imediatamente à UTI, para se submeter a um marca-passo de emergência. Quando eu disse que não tinha plano de saúde, o hospital disse que não havia vaga na UTI. Eu disse que iria pagar, e eles disseram que não havia e que eu teria que procurar outro hospital. Mesmo numa situação dramática, só não morreu na porta do hospital, porque um médico, amigo meu, disse que eles se recusavam quando o pagamento era à vista, ou que duvidavam que a pessoa fosse pagar. Aí esse amigo disse ao diretor clínico, cardiologista, que eu era Senadora e que meu marido havia sido Senador. Ainda assim, demoraram alguns minutos para checarem se eu era efetivamente Senadora. O meu marido foi enterrado no dia 27 de fevereiro; no dia 28, eu estava na porta do hospital, pagando tudo o que havia sido gasto. Então, são essas coisas, desumanas às vezes, que uma instituição que deveria cuidar da saúde espiritual e física das pessoas se esquece de fazer. Parabéns pelo seu pronunciamento.

            O SR. PRESIDENTE (Waldemir Moka. Bloco/PMDB - MS) - A Presidência concede a V. Exª mais seis minutos.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS) - Muito obrigado.

            Senador Pedro Taques, no caso do Peixinho, posso dizer porque eu era colega de colégio do Senador Octávio Cardoso, esposo da Senadora. V. Exª tem razão: qualquer caso é qualquer caso, mas a gente tem que salientar a importância do que está dizendo a Senadora para imaginar o que acontece pelo Brasil afora nos outros casos. Se neste caso, na veracidade, numa questão como essa, ainda foram verificar se a Senadora era de fato senadora - e o Brasil conhece a Senadora -, foram ver se ela era Senadora, se o marido dela fora Senador, se tinha plano ou se não tinha plano, e o cidadão faleceu por uma enfermidade do coração ali logo depois.

            Mas é mais. Não sei; é uma falta de sensibilidade, é uma falta de sentimento que não dá para entender. Infelizmente, muitas vezes, a saúde é um negócio e se busca lucro, tudo bem, mas há casos que, por amor de Deus! A gente vê, várias vezes, casos belíssimos de pessoas, de bombeiros, de motoristas de táxi que ajudam mulheres a ter um filho, de uma hora para outra, ali. A gente vê casos extraordinários de dedicação e de carinho no sentido de se fazer, de ajudar a salvar uma vida, independente de conhecer ou de não conhecer, de ter responsabilidade ou não ter responsabilidade.

            No caso do cidadão aqui de Brasília, ele foi a três hospitais; morreu na porta do terceiro. E gente importante! Não que eu esteja salientando porque é caso importante. Imagina se não fosse. Ocupava cargo importante aqui, mas não tinha cheque, não tinha documento com ele.

            E agora vem a Senadora... Minha querida, desculpe-me, mas eu não sabia desse detalhe. Está me chocando muito, porque eu não sabia desse detalhe. Acompanhei todo o drama de V. Exª, o nosso drama, com a morte do querido Octávio, mas esse detalhe eu não sabia.

            Eu não sei, mas há certos hospitais aqui, que, em poucos dias, é a quarta vez que se fala de um assunto igual a esse. Eu não sei, mas é mais do que problema de dinheiro, mais do que o problema de técnica, de competência. Falta o mínimo de humanidade com relação ao ser humano. E o médico não teve nem isto.

            Nesta semana, o Governo anunciou cortes no Orçamento para juntar mais dinheiro para o pagamento dos juros da dívida pública. Dos R$ 55 bilhões entregues à guilhotina, R$ 5,5 bilhões serão cortados da saúde. Isso, depois do Governo anunciar que saúde, junto com educação, eram "vitais.

            Recorro, novamente, ao nosso mais famoso dicionário: "Vital: respeitante à vida, próprio para a preservação da vida; fortificante, de importância capital; essencial".

            Repito a primeira definiçao: ”respeitante à vida". Enfatizo: "vida"!

            Se a saúde brasileira já está na UTI, imagino, agora, com esse corte de oxigénio. De início, os cortes anunciados seriam menores. Dizem os jornais que não se trata de prescrição dos "médicos intensivistas", mas de uma decisão do "dono do hospital", no caso o Banco Central, acatada pela Presidência da República.

            Faço uma sugestão: se os cortes também forem, realmente, "vitais", que eles sejam feitos na corrupção; ela que se constitui numa verdadeira "infecção hospitalar", segundo as notícias que teimam circular pelos corredores da mídia.

            O Governo tem todas as condições de saber quem são os que roubam o sagrado dinheiro da saúde, da educação, do esporte, da cidades e de qualquer outro Ministério correspondente, alguns deles, inclusive, cujos titulares foram também guilhotinados por atitudes suspeitas.

            No lugar da "guilhotina", que se monte uma "turbina" na Controladoria-Geral da União. Eu tenho reiterado a minha confiança no Ministro Jorge Hage, principalmente na sua luta para que a "ficha limpa" seja estendida e praticada de fato também na contratação e na nomeação de qualquer funcionário do Executivo. Também reitero a minha afirmação de que função pública rima com "sacerdócio", não com "negócio".

            A propósito, eu apresentei, em outubro de 1993, portanto há quase duas décadas, um projeto de lei complementar no sentido de que os Deputados Federais, os Senadores, os Ministros de Estado, o Presidente e o Vice-Presidente da República, os dirigentes partidários e os presidentes e diretores de entidades da Administração direta e indireta tivessem os seus sigilos bancários abertos no ato da posse no cargo ou no mandato. Traduzindo: pelo meu projeto, a vida financeira de quem manipula recursos públicos teria que ser, verdadeiramente, um "livro aberto".

            Pois bem, depois de todas as idas e vindas regimentais, o meu projeto não recebeu os votos necessários à aprovação em plenário e foi arquivado.

            Obviamente, não contente com o resultado, voltei a apresentar projeto com o mesmo conteúdo em 1995.

            Nesta "estação" da minha "via-sacra", ele foi aprovado aqui no Senado Federal. Mandado para a Câmara, foi lançado à vala comum dos projetos que tramitam em conjunto, no caso com o estranho objetivo de reestruturar legalmente o sistema financeiro nacional. Nem seria preciso dizer que ele morreu por inanição.

            Como num teste de paciência, voltei à carga em 2005. Só mudei a data e mantive o conteúdo do meu projeto de transparência das contas bancárias de quem faz a opção pelo serviço público e que tem decisão sobre alocação de recursos orçamentários. Qual o quê! Ele foi arquivado, porque o regimento do Senado determina a gaveta para as propostas não votadas durante a Legislatura.

            Como eu permaneci no Senado pela decisão do povo do Rio Grande do Sul, em 2006, o mesmo Regimento também determinou a continuação da tramitação da minha proposta. Renovaram-se as esperanças. Mais uma vez, "qual o quê"! Em 2010, finda outra Legislatura, ela novamente foi arquivada, sem ser votada. Agora, de forma definitiva. Não cabe mais desarquivamento!

            Mas, a minha via-sacra ultrapassará a décima quarta estação da correspondente bíblica. A minha proposta não permanecerá sepultada nas gavetas do Congresso! Vou procurar, também, ressuscitá-la. Quem sabe os novos ventos contra a corrupção movam, agora, corações e mentes dos legítimos representantes do povo!

            Eu não imagino, porém, que qualquer proposta, por mais bem intencionada que ela seja, possa alterar esta realidade dura e cruel da banalização da vida, sem antes o resgate dos nossos melhores valores de humanidade. Resgatar a essência do ser, enquanto substantivo e verbo, e não do ter, principalmente na primeira tradução daquele nosso dicionário: "alcançar a posse de".

            Ora, ninguém pode se apossar da vida de alguém, daquele que é, também por definição, seu "semelhante".

            Eu acho que não só o Brasil, mas todos os seres chamados humanos do Planeta estão necessitando, agora mais que nunca, de uma ampla reflexão sobre o que eu chamo de "sentido da vida". Uma reflexão individual, de cada um de nós, enquanto ser à imagem e à semelhança do Criador. Uma reflexão coletiva para o resgate de sentimentos que parecem fora de ordem, como a solidariedade e a compaixão. Mas, principalmente, uma profunda reflexão dos que têm papel fundamental nos destinos da humanidade - em qualquer nível.

             As guerras, o meio ambiente, a geração de empregos, a distribuição da renda, as prioridades governamentais, a produção e a distribuição de alimentos, as decisões de investimento, tudo isso tem a ver com a nossa própria essência: a vida.

            Uma possível falta de ética médica de um profissional de saúde de um hospital, público ou privado tem que ser investigada e, se comprovada a culpa, que haja a devida punição. Mas esse mesmo profissional e o hospital, são parte da questão. Há algo maior a ser discutido e modificado, sob pena de outros casos continuarem a povoar o noticiário. Outros meninos, outros pais, outras dores. Pior: permanecerem, em escala potencial, anónimos onde nem a comoção, nem mesmo a indignação alcançam. A preservação da vida não pode permanecer sujeita a regras impostas pela falta de pudor do lucro, muito menos de desvios de conduta, seja pela omissão, seja pela corrupção.

            No dia em que voltarmos a valorizar a vida na sua plenitude, não haverá mais casos como o do Marcelo e de tantos anónimos daqui ou de outro lugar do Planeta. A verdade é uma só: nós estamos perdendo, cada vez mais, o nosso melhor conceito de humanidade. E é preciso resgatá-lo, imediatamente, sob pena da nossa extinção enquanto espécie verdadeiramente humana. Quem sabe esteja aí o fundamento das teses de quem prega a nossa caminhada célere rumo ao final dos tempos: não a hecatombe de terremotos, maremotos ou tsunamis, mas a nossa mutação para outra espécie, sem qualquer sentimento mais profundo de humanidade.

            Difícil dizer algo a quem, como o Flávio Dino, perdeu um filho ainda tão menino. Eu sei, porque para mim foi também difícil até mesmo ouvir. Mas, se há um consolo, tenho fé nas mensagens que dão conta da missão cumprida. Todos nós temos a nossa, independente da idade. Quem sabe a morte tão prematura do Marcelo e de tantos outros meninos não tenha sido em vão. Que ela, como a de todos, seja o estopim de uma nova postura de todos nós frente à vida. Que possamos refletir sobre o melhor e mais profundo sentido da vida, para que possamos recuperar o sentido de humanidade.

            Quem sabe, também, nesta minha reflexão ao mundo e a minha mensagem a um pai, eu possa transmitir ao Flávio Dino a minha solidariedade e, sobretudo, a minha fraternidade.

            E que nós dois, na companhia de tantos outros que sofrem da mesma dor, principalmente se causada pela negligência e pela falta de compaixão, possamos levar ao mundo a mensagens que nossos filhos nos deixaram.

            Um mundo que não tenha constrangimento de manter, não importa a idade, a inocência, a sinceridade, a honestidade, a solidariedade, a fraternidade e a humanidade das crianças.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/02/2012 - Página 3720