Discurso durante a 16ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro do lançamento da Campanha da Fraternidade 2012, cujo tema é “Fraternidade e Saúde Pública”.

Autor
Cícero Lucena (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PB)
Nome completo: Cícero de Lucena Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE, IGREJA CATOLICA.:
  • Registro do lançamento da Campanha da Fraternidade 2012, cujo tema é “Fraternidade e Saúde Pública”.
Aparteantes
Vital do Rêgo, Waldemir Moka.
Publicação
Publicação no DSF de 28/02/2012 - Página 4043
Assunto
Outros > SAUDE, IGREJA CATOLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, LANÇAMENTO, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, REALIZAÇÃO, IGREJA CATOLICA, ASSUNTO, SAUDE PUBLICA, PAIS, OBJETIVO, RELAÇÃO, SITUAÇÃO, ATUALIDADE, SAUDE, AUSENCIA, AGILIZAÇÃO, ATENDIMENTO, PACIENTE.
  • LEITURA, ARTIGO, AUTORIA, AUTORIDADE RELIGIOSA, IGREJA CATOLICA, ASSUNTO, CONSCIENTIZAÇÃO, POPULAÇÃO, QUALIDADE DE VIDA, MEDICINA PREVENTIVA.

            O SR. CÍCERO LUCENA (Bloco/PSDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Moka, o assunto que trago a esta tribuna também já foi comentado, desde a semana passada, por vários Senadores, inclusive eu que estava na Paraíba e ouvi o Senador Rollemberg e tantos outros: trata-se da questão da Campanha da Fraternidade.

            Sr. Presidente, ocupo a tribuna desta Casa para registrar o lançamento da Campanha da Fraternidade 2012, cujo tema é "Fraternidade e Saúde Pública" e o lema "Que a saúde se difunda sobre a Terra".

            Na última sexta-feira (24), a Arquidiocese da Paraíba sediou a abertura oficial da Campanha da Fraternidade no Regional Nordeste 2, da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que compreende as Arquidioceses do Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas e Paraíba. Participaram da solenidade o Arcebispo da Paraíba, Dom Aldo Pagotto; o Arcebispo de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido; o bispo referência da Região Nordeste da Campanha da Fraternidade, Dom Francisco de Assis Dantas; e o presidente da Conferência Nacional de Bispos Regional Nordeste 2, Dom Genival Saraiva, além de outros bispos que participaram do evento.

            A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil promove a Campanha da Fraternidade, desde o ano de 1964, com itinerário evangelizador para viver intensamente o tempo da Quaresma.

            Este ano a Igreja deseja sensibilizar a todos sobre a dura realidade da população que não tem acesso à assistência de saúde pública.

            O tema da Campanha da Fraternidade nos remete à efetiva participação do Estado na garantia do seu papel constitucional, conforme o art. 196 que diz:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

            Esse é o art. 196 da nossa Constituição.

            No entanto, a Campanha da Fraternidade deste ano também nos convida a fazer uma reflexão pessoal sobre a nossa participação, diante da dura realidade do serviço público de saúde do Brasil.

            Essa reflexão sobre a nossa participação social pode ser traduzida no pensamento de Martin Niemöller, de 1933, símbolo da resistência aos nazistas:

Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram; já não havia mais ninguém para reclamar...

            É preciso refletir sobre os problemas e angústias vividas por quem precisa do Sistema Público de Saúde.

            Nós, que temos planos de saúde, o cidadão que tem condições e não é usuário do SUS, aumenta sim a sua responsabilidade nesse sentido. Não podemos, e nem devemos, ser apenas observadores, meros expectadores, desse cenário de guerra que se alastra de norte a sul do nosso País.

            Se nos colocássemos no lugar dessas pessoas que agora, neste momento, esperam na fila do hospital para receber e preencher a ficha de atendimento, na incerteza de serem ou não atendidas; de esperarem nos corredores dos hospitais, de aguardarem a ambulância para deixar o interior rumo ao grande centro sem saberem onde e quando serão atendidas... Infelizmente essa é a radiografia da saúde pública do Brasil.

            O despertar dessa consciência coletiva é importante, uma vez que o IBGE estima que apenas 26,5% da nossa população dispõem de plano de saúde, ainda mais concentrada em níveis de salários, muitas vezes por região. Desse total, mais de 75% estão entre as pessoas com renda família a partir de 20 salários mínimos. Ou seja, a maioria dos brasileiros depende diretamente do atendimento do serviço público de saúde.

            Se observada a situação dos pequenos e médios Municípios, vamos encontrar, entre outros problemas, a "ambulancioterapia". O nome do único serviço de que grande parte das prefeituras dos pequenos e médios Municípios dispõe para socorrer os seus munícipes.

            O deslocamento do interior para a capital é feito através de ambulância, para que os pacientes do interior possam receber a atenção médica de serviços, muitas vezes, básicos e principalmente especializados.

            Só um pequeno exemplo, puxando para o Estado da Paraíba. Na região do Cariri paraibano, os pacientes que precisam de internação em UTI - Unidade de Terapia Intensiva - precisam viajar cerca de 200 quilômetros até Campina Grande, pois nenhum hospital da região dispõe do serviço de UTI. Muitos, infelizmente, perdem a vida durante esse trajeto.

            Se falarmos sobre a marcação de exames, principalmente os de imagem, tomografia, ressonâncias, e muitas vezes até ultrassonografia, elas são marcadas num prazo tão distante da necessidade premente que perde o sentido fazê-las, muitas vezes, por já terem encontrado a infelicidade do óbito.

            A Campanha da Fraternidade desperta para a importância da gestão da saúde pública, para a boa aplicação dos recursos nessa área, para a efetiva responsabilização dos gestores que não cumpriram os percentuais mínimos determinados por lei para com a saúde pública. A Campanha da Fraternidade nos faz despertar para os recentes episódios em que o dinheiro público é desperdiçado com a compra, sem planejamento, de medicamentos que acabam perdendo o prazo de validade.

            Nos dias de hoje é inconcebível a existência de remédios vencidos na rede pública com tantas pessoas nas filas dos postos de saúde em busca de medicamentos.

            A falta de medicamento, que é, nas regiões mais carentes, uma rotina, sobrecarrega os orçamentos familiares, agravando, por exemplo, a renda dos aposentados que, muitas vezes, é quando aumenta a despesa pelo uso da quantidade de remédios, exatamente no momento em que o salário do aposentado vem sendo achatado nos últimos anos. Mas esse é um assunto que trataremos em outra oportunidade.

            A sociedade não admite esse tipo de postura. Para esses casos, existem experiências como a que implantei em João Pessoa, com a distribuição de remédios de uso continuado pelos Correios. Cerca de 20 mil pessoas recebiam os remédios em casa com todo controle e planejamento, evitando assim o desperdício. Bem como outras experiências exitosas em vários lugares e em várias administrações do nosso País.

            Aqui, no Senado Federal, porque no caso de João Pessoa foi suspenso esse projeto, eu apresentei um projeto de lei instituindo em todo o Brasil a entrega dos medicamentos de controle especial no domicílio. Foi aprovado em todas as comissões do Senado, aguarda para ser votado na Comissão de Seguridade Social e Família, da Câmara dos Deputados, sob a relatoria do Deputado Federal Walter Tosta.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, existem programas que são importantes já na saúde pública. Por exemplo, o Programa Saúde da Família, que precisa ser repensado. Estamos jogando fora um programa que tem uma importância fundamental, pois é a prática da saúde preventiva de que tanto falamos.

            Podendo também utilizar o Programa Saúde da Família como um avanço importantíssimo na humanização do tratamento da saúde.

            Para atingir os objetivos se faz necessário no Programa de Saúde da Família o processo de definição do piso salarial dos agentes de saúde, para dar estabilidade aos mesmos. E, infelizmente, por descompromisso de alguns gestores, ainda não fizeram, meramente por questões políticas.

            Ter uma participação maior do Governo Federal no sentido de garantir salários dignos para os profissionais das equipes. Muitas equipes, essa é a realidade do Brasil dos SPS, não têm médicos ou algumas não cumprem o compromisso de carga horária previsto no programa. É preciso que haja um aporte do Governo Federal para garantir salários, para que os médicos possam dar tempo integral nos PS, em todas as unidades de SPS.

            Além de outras ações modernas, gerenciais que possam aprimorar esse tão valoroso projeto.

            Aproveito, Sr. Presidente e Srs. Senadores, em particular o meu conterrâneo Senador Vital do Rêgo, que acompanhou todo o processo de lançamento da Campanha da Fraternidade, no nosso Estado, para transcrever nos Anais desta Casa uma carta aberta à população, um artigo, escrito por Dom Aldo Pagotto, Arcebispo da Paraíba, sobre a Campanha da Fraternidade, publicada ontem, dia 26, no Jornal Correio da Paraíba.

            Antes de transcrever, concedo o aparte ao Senador Vital do Rêgo.

            O Sr. Vital Do Rêgo (Bloco/PMDB - PB) - Eminente conterrâneo e amigo Senador Cícero Lucena, eu vim o mais depressa que podia do meu gabinete para ter o prazer de apartear V. Exª, dizendo-me feliz, porque V. Exª, como o Senador Ferraço, falou daquele que é um evento ecumênico, porque deixa de ser apenas católico pela sua grandiosidade, que é a Campanha da Fraternidade - poderei versar pouco mais sobre ele. Mas entendo que a CNBB escolheu, em extraordinária hora, o tema da saúde, por força da sua importância, para que se coloque a saúde como prioridade nacional. Aqui no Senado, fazemos o nosso esforço. O Governo tem efetivamente avançado em alguns pontos de alta complexidade - e falo para um médico que preside eventualmente a nossa sessão, o nosso segundo Vice-Presidente, Senador Moka -, e noutros não estamos ainda sentindo o tamanho da dimensão e da gravidade que é, em um país continental como o nosso, não tratar a saúde como prioridade nacional. Em nosso Estado, a Paraíba, nós temos problemas os mais diversos. Quando prefeito, o senhor, em boa hora, de forma inusitada e inédita no País inteiro, fez uma campanha de levar às pessoas carentes e que precisavam de medicação de uso contínuo os remédios necessários. Poderia ser um programa modelo nacional. Lamentavelmente, na sua sucessão, foi desmantelado o serviço de saúde e agora nós estamos privatizando o que é público na Paraíba com a privatização dos hospitais de trauma de João Pessoa e, sequenciadamente, de Campina Grande. É o mesmo Estado que é foco de dengue, que tem altíssima probabilidade de aumentar os casos de dengue neste ano. Mas trato desse assunto, com o dever de lhe parabenizar, porque merece de todos nós uma pauta, repito, prioritária. E V. Exª e outros oradores poderão fazer.

            O SR. CÍCERO LUCENA (Bloco/PSDB - PB) - Agradeço o aparte do Senador Vital, que também é médico, e, como homem público está interessado em dar a sua contribuição sempre competente, no sentido de que, nas suas funções e atribuições, possa colaborar para que tenhamos um país mais justo, mais humano e mais solidário.

            Continuo, Srª Presidente, dando início à leitura do artigo de Dom Aldo Pagotto:

A Campanha da Fraternidade de 2012 aborda a saúde pública. A temática é abrangente, priorizando a conscientização da população sobre a vida saudável. A CF 2012 ressalta a importância da medicina preventiva, além da curativa. As várias pastorais da Igreja vivem graças ao serviço voluntário assumido por pessoas generosas, devidamente capacitadas. O amor solidário e cristão revela a sua força de transformação.

Muitos voluntários colaboram nos conselhos municipais de saúde. Recursos da medicina popular são utilizados como auxiliares valiosos na prevenção e cura de doenças junto às pessoas em situações de carência e sofrimento. Doenças e enfermidades são evitadas graças aos agentes voluntários dispostos a esclarecer a população sobre questões básicas de higiene, nutrição, doenças transmissíveis (etc). Há várias experiências de prevenção, seguindo o sábio adágio [popular] "principiis obsta" (corta-se o mal no começo).

A nucleação e a capacitação de lideranças representativas é uma forma de colaboração efetiva na esfera da saúde pública, diante do fato de milhares de pessoas viverem em condições sub-humanas, em ambientes insalubres e precariedade de recursos. O Sistema Único de Saúde (SUS) corresponde a uma política exemplar de atenção à saúde pública, não obstante suas limitações e impasses a serem superados.

A Igreja incentiva a colaboração da população na otimização do Sistema Único de Saúde (SUS) reivindicando melhorias de atendimento, seja na atenção primária, seja em situações gravosas. É indispensável valorizar o corpo médico e [a equipe] hospitalar, devidamente financiados com recursos públicos, fruto de salgados impostos pagos pela população. Vê-se com esperança a aprovação da Emenda Constitucional 29 assegurando verbas para a saúde pública e evitando desvios de recursos prioritários para outros fins.

A CF 2012 pretende divulgar os meios para uma vida mais saudável; sensibilizar os familiares na atenção aos seus próprios parentes enfermos ou mal cuidados; criar ou revitalizar a "pastoral da saúde" nas comunidades onde mais se necessita; difundir práticas caseiras de prevenção e cura de enfermidades. A Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2003 redefiniu a saúde: "um estado de completo bem-estar físico, mental, espiritual e social, não apenas uma ausência de doenças". Cristo, médico do corpo e do espírito, veio para que nele todos tenham Vida (Cf. Jo. 10,10). Ele vincula a cura das doenças e enfermidades à libertação do pecado e todo o mal (cf. Mc. 2,1-12). Jesus confiou à Igreja a missão de integrar a dimensão espiritual ao serviço da caridade, o cuidado das pessoas carentes.

Essa característica do humanismo cristão junto aos empobrecidos torna-se uma incumbência que, entanto, pertence ao Estado. Através das várias pastorais assumidas pela Igreja, encontram-se a Pastoral da Criança (PC) e da Pessoa Idosa (PPI), fundadas pela nossa inestimável líder, Drª Zilda Arns Neumann. A prática da Pastoral da Criança contribuiu para reduzir a mortalidade infantil. De 1980 a 2010, os óbitos de crianças nascidas vivas decresceram 71,23%. A Pastoral da Criança oferece apoio integral às gestantes e mães acompanhando-as com supervisão nutricional, insistente incentivo ao aleitamento materno e à vacinação das crianças (e outras práticas caseiras).

Essa atenção à vida de todos visa à superação dos maus tratos; evita que milhares de gestantes e mães sejam induzidas à pratica do aborto provocado. A Igreja orienta os cristãos à colaboração parceira com todas as formas legítimas de defesa e promoção da vida humana.

Dom Aldo Pagotto, Arcebispo da Paraíba.”

            E antes de concluir, Presidente, peço permissão para ouvir o aparte do Senador Moka

            O Sr. Waldemir Moka (Bloco/PMDB - MS) - Senador Cícero Lucena, presidi a sessão a tarde inteira e V. Exª hoje é o quarto Senador... E me informa o Senador Vital que vai abordar o mesmo tema. Veja a importância que a Campanha da Fraternidade colocou! E eu acho fundamental. Lamentavelmente isso não aconteceu antes da votação da Emenda nº 29, porque a Emenda nº 29, votada aqui no Senado, cometeu um equívoco muito grande. Nós acabamos dando aos Municípios e aos Estados, regulamentando valores percentuais aos Municípios e aos Estados, e deixando de fora a União, que era o projeto que eu gostaria que tivesse sido votado, do Senador hoje Governador Tião Viana. Então, eu torço para que essa Campanha da Fraternidade mostre que a Emenda 29, do jeito que foi votada, não resolve o problema de financiamento. Concordo que precisa de gestão, que precisa de muita melhoria, mas é claro que nós precisamos aumentar o financiamento da saúde. Não poderia dizer, mas vai falar aqui o Presidente da Comissão Mista de Orçamento, o contingenciamento de R$5 bilhões na saúde é, sem dúvida nenhuma, alguma coisa que o Congresso Nacional não pode aceitar. Nós temos que, sim, no final da Campanha da Fraternidade, dar também a responsabilidade do Governo Federal, da União, de estabelecer um valor mínimo na base de 10% de tudo que arrecada, para que a gente possa financiar dignamente a saúde deste País. Muito obrigado pelo aparte.

            O SR. CÍCERO LUCENA (Bloco/PSDB - PB) - Eu é que agradeço o aparte de V. Exª. E, tendo a presença do Senador Vital do Rêgo, ele sabe que nós tínhamos um conterrâneo que, em determinado momento, na inauguração de um hospital em Campina Grande, disse que aquilo era uma casa que, infelizmente, se procurava e, felizmente, se encontrava - Alcides Carneiro, lembra-me o Senador Vital. E aí eu, plagiando-o, ou tendo o atrevimento de dizer, digo que, infelizmente, muitos brasileiros procuram o SUS e, felizmente, nós o encontramos, mas não podemos deixar de ter a consciência de que muito e muito precisa ser feito: o financiamento, o gerenciamento e, também, a humanização do atendimento.

            Meu muito obrigado e que Deus proteja a todos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/02/2012 - Página 4043