Discurso durante a 28ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Posicionamento sobre o papel da Comissão da Verdade.

Autor
Jarbas Vasconcelos (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PE)
Nome completo: Jarbas de Andrade Vasconcelos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. JUDICIARIO.:
  • Posicionamento sobre o papel da Comissão da Verdade.
Aparteantes
Pedro Taques.
Publicação
Publicação no DSF de 15/03/2012 - Página 6412
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. JUDICIARIO.
Indexação
  • COMENTARIO, APOIO, ORADOR, REFERENCIA, COMISSÃO, APURAÇÃO, CRIME, TEMPO, DITADURA, MILITAR, REGISTRO, CONGRATULAÇÕES, SENADOR, RELAÇÃO, PROGRAMA, TELEVISÃO, PROBLEMA.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, PUBLICAÇÃO, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), REFERENCIA, ABERTURA, MINISTERIO PUBLICO, FEDERAÇÃO, AÇÃO PENAL, RELAÇÃO, SEBASTIÃO CURIO, EX SENADOR, MOTIVO, CRIME, SEQUESTRO, TEMPO, DITADURA, MILITAR.

            O SR. JARBAS VASCONCELOS (Bloco/PMDB - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, as últimas semanas foram marcadas por um intenso debate político por meio da imprensa sobre o real papel que caberá à Comissão da Verdade, se o Brasil, finalmente, passará a limpo os crimes cometidos contra os direitos humanos durante a ditadura militar pós-1964. No dia de hoje, o assunto ocupa a primeira página de dois dos principais jornais brasileiros, “O Globo”  e “O Estado de S.Paulo”.

            Minha posição sobre o assunto já é conhecida de todos. Estive aqui, nesta mesma tribuna, no dia 24 de outubro do ano passado, para defender a Comissão da Verdade e pedir atenção para a apuração do assassinato do dirigente do Partido Comunista Brasileiro Davi Capistrano, que foi sequestrado, torturado e esquartejado nos porões da ditadura.

            O surgimento de fatos novos, a meu ver, vai ajudar a sociedade brasileira a jogar luz sobre esse período ainda obscuro da nossa história recente. Do primeiro deles tomei conhecimento no final da semana passada, por meio do ex-Deputado Federal por Pernambuco Maurílio Ferreira Lima, que me chamou atenção para o posicionamento do Promotor Otávio Bravo, da Justiça Militar do Rio de Janeiro, que tem jurisdição também no Espírito Santo.

            Otávio Bravo foi um dos principais personagens da irrepreensível reportagem especial realizada pelos jornalistas Miriam Leitão e Cláudio Renato, que foi ao ar, Sr. Presidente, pelo canal Globo News, na noite do último dia 1º de março, intitulada Uma história inacabada. A partir do caso do desaparecimento do ex-Deputado Rubens Paiva, em janeiro de 1971, a reportagem aborda os desafios que o Brasil tem, a partir de agora, com o trabalho a ser feito pela Comissão da Verdade. Senhoras e senhores, eu gostaria de sugerir àqueles que não tiveram oportunidade de ver essa excelente reportagem fazê-lo o quanto antes. É uma obrigação para todos aqueles que se consideram democratas e que defendem os princípios universais de respeito aos Direitos Humanos.

             Quero aqui fazer o meu elogio público - e que fique registrado nos Anais do Senado Federal - ao trabalho realizado pela equipe da Globo News, em especial à jornalista Miriam Leitão. São emocionantes os depoimentos da esposa de Rubens Paiva, Dona Eunice, e dos filhos Marcelo, Vera e Eliana. É um relato sério, corajoso, que deve ser visto principalmente pelas novas gerações, pois abusos contra os Direitos Humanos não podem nem devem ser tolerados, e muito menos esquecidos.

            Pois bem, Sr. Presidente a Procuradoria da Justiça Militar do Rio de Janeiro reabriu os casos de 39 desaparecidos políticos.De acordo com o Promotor Otávio Bravo, casos como o de Rubens Paiva não foram encerrados, pois os crimes de seqüestro, desaparecimento forçado, são permanentes, não prescrevem, enquanto não for descoberto se a pessoa foi libertada ou morta. Como Rubens Paiva nunca foi encontrado, a presunção é a de que o sequestro continua em curso.

            Na opinião do Promotor, o fato de esses seqüestros terem ocorrido dentro de unidade das Forças Armadas, comandada por pessoas que estariam agindo em nome do Estado, só torna esses crimes ainda mais sérios e mais graves.

            A alegação recorrente daqueles que se opõem à apuração dos fatos, de que o Promotor Otávio Bravo estaria agindo por revanchismo, não se sustenta, pois o Promotor atua na Justiça Militar e, aos 43 anos, não presenciou o período da ditadura, em que Rubens Paiva foi comprovadamente sequestrado, ao ser retirado de dentro da própria casa por agentes do Estado.

            Na mesma linha do Promotor, a Subprocuradora-Geral da República Raquel Dogde ajuíza hoje, dia 14 de março, ação contra o Coronel Sebastião Curió, pelo sequestro de cinco integrantes da Guerrilha do Araguaia (1972-1975).

            Chamo a atenção do Plenário: é a primeira denúncia relacionada a crimes nesse período. A ação é assinada por procuradores de várias regiões do Brasil e sustentará o entendimento de que crimes de desaparecimento forçado e ocultação de cadáver são crimes continuados, que não foram apagados pela Lei da Anistia. A apresentação dessa denúncia é, sem dúvida, um marco histórico. É fundamental à atuação do Ministério Público, que deve trabalhar de forma paralela e independente da Comissão da Verdade.

            Não foi à toa que essa iniciativa, essa brava iniciativa do Ministério Público Federal mereceu destaque, hoje, da imprensa brasileira.

            O Jornal O Globo publicou na sua primeira página:

O Ministério Público Federal denunciará à Justiça o coronel Sebastião Curió por cinco sequestros na Guerrilha do Araguaia, alegando que não houve prescrição. Será a primeira ação penal contra crimes ocorridos na ditadura.

            Ainda hoje O Estado de S. Paulo trás na primeira página:

O Ministério Público vai denunciar na Justiça Federal, em Marabá, Pará, o coronel Sebastião Curió pelo crime de sequestro qualificado de cinco pessoas na Guerrilha do Araguaia em 1974.

            Também foi destaque no renomado Blog de Josias de Souza, hoje, 14 de março, quando abre uma manchete: “Ministério Público Federal abre primeira ação penal por crimes da ditadura”.

            Ouço V. Exª com muita honra, nobre Senador e promotor público Pedro Taques.

            O Sr. Pedro Taques (Bloco/PDT - MT) - Obrigado, Senador Jarbas Vasconcelos. Quero associar-me a V. Exª nesse debate. Alguns dizem que a Lei de Anistia apagou o passado. A Lei de Anistia nos trouxe paz, mas não existe paz sem justiça, não existe paz sem responsabilização daqueles que cometeram crimes contra a humanidade. Esses crimes denunciados pelo Ministério Público Federal na data de hoje, conforme bem anunciado por V. Exª, tratam de sequestros que poderiam ser equiparados a desaparecimentos forçados. Sobre isso existe um projeto de autoria do Senador Vital do Rêgo, do qual sou Relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Esses crimes são permanentes. O que isso significa? Significa dizer que eles não acabaram. Os crimes ainda estão se prolongando no tempo. As famílias ainda estão chorando. Os parentes ainda estão desesperados com o desaparecimento dos seus entes queridos. E não há de se falar que a Lei da Anistia já foi tida pelo Supremo Tribunal Federal como constitucional, porque essa ação do Ministério Público Federal se fundamenta em decisões de corte internacional que dizem respeito aos direitos fundamentais, em tratados internacionais. O Supremo Tribunal Federal fez o que se denomina de controle de constitucionalidade da lei, mas não fez o controle de convencionalidade da lei. Parabéns pelo seu pronunciamento! Nenhum Estado que se diz democrático de direito pode evoluir sem que possamos saber a verdade, sem que tenhamos conhecimento da verdade histórica. Concordo inteiramente com o seu pronunciamento e quero parabenizá-lo por isso.

            O SR. JARBAS VASCONCELOS (Bloco/PMDB - PE) - Agradeço a V. Exª, Senador Pedro Taques, pela coragem, pela desenvoltura, mas, sobretudo, pela sua coerência, já que, como promotor público, aqui tem se firmado com uma exemplar atuação no plenário e nas comissões, e não poderia deixar de trazer, como trouxe, fatos elucidativos para o meu pronunciamento.

            Sr. Presidente, gostaria de contar com um pouco mais da sua tolerância, porque estou tratando de um assunto da maior relevância para o País e para o seu povo.

            Na sua coluna, publicada em O Globo, no último dia seis, intitulada Justiça de Transição, a jornalista Miriam Leitão aborda essas e outras questões e assinala - abre aspas - : “ o debate será intenso e interessante” - fecha aspas -, especialmente diante da reação de militares da reserva, que são contra o trabalho da Comissão da Verdade. Peço, inclusive, Sr. Presidente, a V. Exª que determine a transcrição nos Anais do Senado desse texto da colunista Miriam Leitão, que vou fazer anexar à minha fala.

            Tenho profundo respeito, Srªs e Srs. Senadores, às Forças Armadas brasileiras, pelas imensas contribuições que estas instituições deram ao País. Por isso, não há motivos para que integrantes do Exército, da Marinha, ou da Aeronáutica, que não tiveram participação direta nos fatos, se coloquem contra a punição dos agentes públicos, que, em nome do Governo, cometeram esses crimes contra a vida.

            Concordo com a avaliação do historiador Carlos Fico que, mesmo defendendo a abertura dos arquivos da ditadura militar, em entrevista ao “O Globo”, no último dia 6 de março, afirmou que é preciso serenidade da parte dos militares e também do Governo. Esse acirramento de ânimos em nada beneficia as Forças Armadas que hoje se encontram integradas à vida democrática.

            A Comissão da Verdade, Srªs e Srs. Senadores, não é do Governo Dilma Roussef. Como bem lembrou a Ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, a criação desse grupo é consequência de iniciativas tomadas desde os anos 1990, nos Governos de Fernando Henrique Cardoso e de Luis Inácio Lula da Silva. O trabalho que ela desenvolverá representa o anseio da sociedade brasileira.

            Encontramo-nos na constrangedora posição de único País da América do Sul que sofreu as conseqüências de uma ditadura militar e ainda não iniciou a apuração dos crimes cometidos. No Chile e na Argentina, os processos foram iniciados e estão em pleno curso. Estamos, dessa maneira, descumprindo determinação da Comissão Interamericana da OEA, que determinou a necessidade de o Brasil investigar os crimes cometidos.

            Uma Nação que se pretende democrática, moderna e libertária, jamais pode conviver passivamente com a prática de sevícias, de torturas, de desrespeito aos Direitos Humanos, principalmente quando são perpetrados por servidor público, seja civil seja militar.

            O caso do ex-Deputado Rubens Paiva e os demais - levantados pelo Ministério Público, considerados como crimes que continuam em curso e não podem ser atingidos pela Lei de Anistia - devem ser rigorosamente apurados não só pela Comissão da Verdade, mas também pela Justiça brasileira. Devemos dar total e irrestrito apoio a iniciativas como as do Promotor Otávio Bravo e da Subprocuradora da República Raquel Dodge, que, com os seus zelos pela justiça, honram toda uma geração.

            Srªs Senadoras, Srs. Senadores, defendo a punição dos envolvidos, tanto dos agentes públicos que não souberam representar o Estado Brasileiro quanto dos integrantes dos grupos armados que cometeram crimes contra a vida em nome do combate à ditadura.

            Encerro, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, com uma das frases finais do discurso do saudoso, honrado e bravo Dr. Ulysses Guimarães ao promulgar a Constituição de 1988 - abre aspas -: “A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram” - fecha aspas. Atualizo o pensamento desse grande líder para dizer que a sociedade é Rubens Paiva e tantas outras vítimas desse período nefasto da vida brasileira.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.

 

************************************************************************************************

DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR JARBAS VASCONCELOS EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

************************************************************************************************

Matéria referida:

- “Justiça de Transição”, de Miriam Leitão - matéria publicada no jornal O Globo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/03/2012 - Página 6412