Discurso durante a 29ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do descaso do Governo Federal com a questão da demarcação de terras indígenas no Brasil.

Autor
Jayme Campos (DEM - Democratas/MT)
Nome completo: Jayme Veríssimo de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Registro do descaso do Governo Federal com a questão da demarcação de terras indígenas no Brasil.
Aparteantes
Ana Amélia, Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 16/03/2012 - Página 6682
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • CRITICA, AUSENCIA, INTERESSE, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), GOVERNO FEDERAL, RELAÇÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, MOTIVO, ACORDO, INDIO, EMPRESA ESTRANGEIRA, REFERENCIA, UTILIZAÇÃO, RESERVA INDIGENA.
  • DEFESA, AUSENCIA, NECESSIDADE, DOAÇÃO, TERRAS, GOVERNO FEDERAL, DESTINAÇÃO, INDIO, MOTIVO, ERRO, UTILIZAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, PROPOSIÇÃO, ORADOR, SOLUÇÃO, PROBLEMA, RESERVA INDIGENA, AUMENTO, INCENTIVO, PROGRAMA ASSISTENCIAL, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA.

            O SR. JAYME CAMPOS (Bloco/DEM - MT) - Meu caro Presidente, Senador Casildo Maldaner; prezados Senadores e Senadoras, aos quais cumprimento na pessoa da Senadora Ana Amélia; senhores telespectadores e ouvintes da TV Senado, venho hoje a esta tribuna, Sr. Presidente Casildo Maldaner, que me dá a honra de ser meu Vice-Presidente na Comissão de Assuntos Sociais, para tratar de um assunto muito importante para o Mato Grosso, mas, certamente, para todo o País, diante dos acontecimentos que nós tínhamos acompanhado pela imprensa e que, particularmente, tenho acompanhado, bem de perto, no meu querido Mato Grosso.

            Na semana passada, Sr. Presidente, a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária desta Casa realizou audiência pública destinada a analisar e a discutir a situação das demarcações das reservas indígenas do Brasil. O assunto, Senadora Ana Amélia, que é extremamente delicado, envolve questões sensíveis do ponto de vista político, legal, da mais alta gravidade.

            Trata-se de conjugar uma difícil equação, cujas variáveis envolvem direitos humanos, segurança jurídica, ordenamento federativo, soberania e segurança nacional. A conciliação de fatores de tamanha importância não pode depender apenas do alvitre do Poder Executivo, como hoje acontece, o que tem gerado enormes conflitos e disputas judiciais, além de, raras vezes, atropelar o direito de propriedade e a ocupação legítima de populações inteiras, inviabilizando, riscando do mapa Municípios tradicionalmente instalados.

            Por isso, somos de todo favoráveis a que se atribua ao Congresso Nacional, representante maior do povo e dos interesses da Nação, a competente tarefa de discutir democraticamente, Sr. Presidente, com transparência e amplo debate entre índios e não índios, os processos de demarcação dessas terras, de modo a compatibilizar, de forma aberta e insuspeita, perante todos os brasileiros, decisões que atendem à preservação dos valores culturais das etnias indígenas, mas que também atentem para a defesa da autonomia federativa e da integridade territorial do Brasil. Para tanto, precisamos aprovar a necessária alteração constitucional.

            Com esse intuito, tramitam no Parlamento brasileiro a PEC 215, de 2000, e a PEC 38, de 1999. A primeira, na Câmara dos Deputados, que se acha pronta para votação na Comissão de Constituição e Justiça daquela Casa. A segunda é de autoria do eminente Senador Mozarildo Cavalcanti e já se encontra totalmente instruída, aguardando, desde fevereiro do ano passado, sua inclusão na Ordem do Dia para apreciação deste Plenário.

            Todavia, minha cara Senadora Ana Amélia, enquanto isso não ocorre, é imperioso que observemos as diretrizes impostas pelo Supremo Tribunal Federal em seu julgado referente à Petição nº 3.338/RR, a partir do voto do Ministro Menezes Direito, que ampliou as salvaguardas institucionais a serem obedecidas em demarcações de terras indígenas, especialmente no que tange à vedação de ampliação de terras já demarcadas.

            Aliás, Sr. Presidente e estimados colegas, esse é um ponto fundamental que eu gostaria de compartilhar desta tribuna. A despeito do cristalino mandamento da Suprema Corte, o Executivo continua insistindo em distorcer sua interpretação. Várias têm sido as situações em que proprietários produtores rurais e municipalidades vêm sendo obrigados a recorrer a ações judiciais para garantir o cumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal.

            Exemplos recentes, no meu Estado do Mato Grosso, são as tentativas de ampliação de reservas Kayabi e Karitiana, ambas as situações amparadas pela concessão de medidas liminares. No caso de Kayabi, meu caro Senador Casildo Maldaner, que preside esta sessão, o Ministério da Justiça ampliou a reserva, de 117 mil hectares para 1.053 milhão de hectares. Vale lembrar, meu caro Presidente, que a etnia Kayabi é composta por 69 índios e que a terra demarcada para ampliação possui, além de uma importante jazida de calcário, 200 famílias de produtores rurais que compraram as propriedades há mais de 40 anos.

            Ademais, Sr. Presidente, a área fica ao lado da reserva indígena Munduruku, que já possui três milhões de hectares.

            Por essas e outras razões, no final ano passado, obtivemos a garantia do Ministério da Justiça de que, com base num aviso da Advocacia-Geral da União, calcado num parecer do Consultor-Geral, um ato do ministro seria publicado, Senadora Ana Amélia, com vistas à adoção de um procedimento padrão para todas as demarcações, em obediência aos ditames do Supremo.

            Para surpresa nossa, o tal ato não foi até hoje publicado, e a AGU, embora convidada, não mandou seu representante à audiência pública da semana passada na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária - à qual me referi no início do meu pronunciamento -, o que alimenta a nossa preocupação e acentua a segurança jurídica dos proprietários e dos produtores daqueles Municípios e de toda a população envolvida.

            Em meio a tudo isso, surge o estapafúrdio episódio da venda de direitos, por trinta anos, sobre terras indígenas da Amazônia a estrangeiros, por US$120 milhões, em dezesseis áreas com o dobro do tamanho de Portugal.

            Nesse caso, Senador Ana Amélia, obviamente ao arrepio do art. 231 da nossa Carta Magna, e do que preceitua o art. 7º, do Estatuto do Índio, a ocorrência desse tipo de disparate, bem demonstra o quanto vulneráveis estamos ante os interesses nada patrióticos que incidem sobre raríssimas e abundantes terras teoricamente destinadas aos nossos índios.

            Está mais que patente o fato de que os nossos irmãos brasileiros das etnias indígenas não precisam de mais terras. Eles precisam, sim, é de melhores condições de vida, de recursos tecnológicos que ajudem a melhorar e a explorar suas riquezas em proveito deles próprios.

            Concedo um aparte à Senadora Ana Amélia, com muita honra e muito prazer.

            A Srª Ana Amélia (Bloco/PP - RS) - Caro Senador Jayme Campos, esse tema eu trouxe à tribuna nesta semana e tive o prazer de receber um aparte de V. Exª. Não é só em seu Estado, Mato Grosso, que esse problema aflora a cada demarcação ou tentativa de demarcação de terras indígenas pela Funai. Nenhum de nós, nem V. Exª, nem eu, nenhum Senador contesta o direito dos indígenas às demarcações absolutamente. Esse é um dispositivo constitucional contra o qual não há nenhum reparo a fazer. O que temos de debater nesta Casa é a forma como essas demarcações estão sendo feitas, sem respeitar o contraditório, até porque, nesse caso, há um visível ferimento ao Direito Administrativo, por não dar espaço ao Estado, que é o ente que terá o compromisso, como a legislação do meu Estado, o Rio Grande do Sul. Na demarcação da Reserva do Mato Preto, que envolve os Municípios de Getúlio Vargas, Erexim e Erebango, só do Município de Getúlio Vargas, 16% do território ficaram na Reserva de Mato Preto. Ali, a área, que deveria ser de pouco mais de 200 hectares, para abrigar 63 indígenas, foi, de uma hora para outra, ampliada para quatro mil hectares, onde habitam pequenos agricultores familiares, que estão com titulação regular há mais de 50, 60, 70 e até 100 anos, Senador Jayme Campos. Não há um órgão moderador ou mediador para fazer a interface entre as áreas em disputa ou em conflito. Então, os coitados dos agricultores, já na última hora, recebem... A forma, também, como é feita a vistoria na propriedade é, eu diria, agressiva, com uma violência desnecessária, porque a Polícia Federal chega com armamento pesado para executar uma determinação constitucional, mas de uma forma que, para quem enxerga... Entrando na frente de uma propriedade rural, o que se vai pensar, com a polícia entrando com armas, a respeito daquele modesto agricultor familiar que está ali? Além do mais, na demarcação, a Funai apenas indeniza as benfeitorias, não a terra nua. Então, é preciso que esta Casa corresponda à necessidade de se fazer...

(Interrupção do som.)

            A Srª Ana Amélia (Bloco/PP - RS) - ... uma indenização também da terra nua, não só das benfeitorias, e que o Ministério da Justiça, que está acima da Funai, seja o poder moderador ou a interface para operar nesses casos, que são extremamente... Nós, daqui a pouco, poderemos ter uma vítima e, aí, vamos lamentar profundamente que o conflito tenha chegado a esse impasse. Cumprimento o Senador Jayme Campos pela abordagem desse tema, porque, agora, correm o risco dois Municípios - Sananduva e Mato Castelhano -, o que levamos ao conhecimento do Ministério da Justiça, para a Justiça já suspender essa demarcação.

            O SR. JAYME CAMPOS (Bloco/DEM - MT) - Agradeço a V. Exª pelo seu aparte.

            Sem sombra de dúvida, o que está acontecendo em Mato Grosso também está acontecendo em seu Estado, o Rio Grande do Sul, e nos demais Estados.

            Concedo um aparte ao ilustre e valoroso, meu irmão, Senador Mozarildo Cavalcanti.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Jayme Campos, V. Exª disse que está acontecendo no Mato Grosso, está acontecendo no Rio Grande do Sul e já aconteceu em Roraima. Eu tive a oportunidade de presidir duas comissões temporárias externas que estudaram não só o problema de Roraima, mas também o de Mato Grosso, o de Santa Catarina e o de Rondônia. Ficou flagrante, no trabalho feito pelos técnicos do Senado, que é uma farra essa questão de demarcação, para não dizer outra coisa, porque são muito suspeitas essas demarcações. Para isso, eu acho que temos um remédio, que está aqui e cuja apreciação está sendo trancada, que é a minha Proposta de Emenda Constitucional nº 38, de 1999, que tem um substitutivo do Senador Valter Pereira e que, inclusive, contempla a questão da indenização, também, da terra. E eu quero aqui fazer um apelo ao Presidente do Senado e aos meus Pares para que possamos votá-la. Por que o que essa PEC quer, Senador Jayme Campos? Uma vez que a Funai tenha feito os procedimentos de identificação, de delimitação etc., antes da homologação pelo Presidente da República, o Senado aprecie. Afinal, as terras passam a ser federais saindo dos Estados. E como é que a Casa que representa a Federação, que representa os Estados não se pronuncia a respeito? Por isso, quero dizer a V. Exª que é muito esquisito o que vem acontecendo nessa questão indígena. É de admirar que até hoje não exista um índio presidindo a Funai. E temos centenas de índios com curso superior neste Brasil, inclusive antropólogos, mas sempre quem comanda a Funai são esquemas camuflados de ONGs, inclusive transnacionais. Portanto, parabéns pela oportunidade do pronunciamento.

            O SR. JAYME CAMPOS (Bloco/DEM - MT) - Agradeço a V. Exª, Senador Mozarildo Cavalcanti, inclusive, aqui, eu já havia me referido à PEC de V. Exª, a de nº 38, de 1999, que, lamentavelmente, está adormecida há algum tempo aqui e não é votada.

            De maneira que agradeço o seu aparte. Todos nós temos a consciência da importância da Funai, mas, sobretudo, como o senhor bem disse, a Funai, parece-me, hoje, ser um órgão travado e comandado pelos interesses pessoais ou econômicos daquele órgão.

            Nesse diapasão, Sr. Presidente, rendo aqui minhas homenagens à iniciativa do Ministério do Desenvolvimento Agrário quanto à realização do evento, que teve início na terça-feira e que se encerra hoje, o primeiro seminário da Assistência Técnica e Extensão Rural Indígena, no qual a Embrapa propicia às comunidades indígenas o “acesso à boa assistência técnica para o desenvolvimento de suas atividades”.

            É com ações como essa que vamos devolver ao índio a dignidade e o respeito que merecem. É com boas escolas, atenção à saúde, com recursos técnicos e financeiros para assegurar a manutenção de suas culturas, de sua tradição e de seu desenvolvimento econômico que estaremos, de fato, promovendo o progresso e o bem-estar deles.

            Fora disso, continuaremos a serviço dos interesses internacionais, da maldade e da conveniência de grupos que fomentam a intriga, Sr. Presidente, e a luta contra irmãos brancos, tudo em nome da ambiciosa exploração de inescrupulosos grupos que nada têm a ver com o nosso País, com o nosso Brasil.

            De maneira que, meu caro Senador, Governador e ex-Ministro, por quem eu tenho o maior respeito e admiração, Cristovam Buarque, nós precisamos de fato dar segurança jurídica, porque o índio, a bem da verdade, quer respeito e dignidade. Lamentavelmente, a Funai não tem propiciado isso aos índios brasileiros.

            Neste caso, particularmente, lá em Mato Grosso, eu tenho andado, percorrendo aquele imenso Estado; conheço as dificuldades dos povos indígenas. Como Governador, eu tive a primazia de criar a Coordenadoria Indígena, vinculada ao gabinete do Governador, para que nós tivéssemos a melhor convivência possível; para que tivéssemos uma tratativa que nos permitisse levar realmente uma melhor condição de vida a esse povo.

            Hoje, lamentavelmente, o que se percebe é o descompromisso do Governo Federal, através da Funai, na medida em que, na semana passada, li uma matéria nos jornais de circulação nacional que dizia simplesmente que o presidente da Funai há mais de noventa dias não aparecia no órgão, uma vez que já tinha solicitado sua exoneração à Presidente Dilma. O órgão estava acéfalo, numa gestão em que, certamente, precisamos todos os dias fazer um trabalho que permita que os índios sejam respeitados; mas, acima de tudo, para que aqueles que também produzem e que estão na terra há mais de quarenta, cinquenta, sessenta anos também tenham o seu direito assegurado.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/03/2012 - Página 6682