Discurso durante a 31ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do lançamento, pela CNBB, da Campanha da Fraternidade 2012, com o tema “Fraternidade e Saúde Pública”.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Outros:
  • Comemoração do lançamento, pela CNBB, da Campanha da Fraternidade 2012, com o tema “Fraternidade e Saúde Pública”.
Publicação
Publicação no DSF de 20/03/2012 - Página 7052
Assunto
Outros
Indexação
  • HOMENAGEM, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), REGISTRO, ANO, DEFESA, SAUDE PUBLICA, IMPORTANCIA, BUSCA, ENTENDIMENTO, PROBLEMA, FATO GERADOR, MELHORAMENTO, SOCIEDADE.

            O SR. ALVARO DIAS (Bloco/PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Senador Presidente Ricardo Ferraço; minha saudação ao Secretário Executivo da Campanha da Fraternidade de 2012, Revmº Sr. Padre Luiz Carlos Dias, representando o Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, o Eminentíssimo Sr. Cardeal Dom Raymundo Damasceno Assis; minha saudação ao Vice-Reitor Acadêmico da Universidade do Legislativo, Sr. Carlos Mathias, senhoras e senhores convidados, Srªs e Srs. Senadores, oportuno homenagear aqui, enaltecer e proclamar a importância do tema escolhido pela CNBB neste ano, Fraternidade e Saúde Pública, e o lema Que a saúde se difunda sobre a Terra, tirado do Livro do Eclesiástico.

            E esta sessão coincide com uma matéria bombástica que provocou grande indignação entre as pessoas lúcidas deste País, veiculada ontem pela Rede Globo de Televisão no programa Fantástico.

            Aquilo que se viu certamente não é novidade, mas as provas, com imagens e palavras, consagram a imoralidade pública existente neste País, sobretudo num setor que é de fundamental importância, porque a saúde do povo deveria ser a suprema lei: a banalização da corrupção fruto da impunidade que grassa no País, a complacência das autoridades, a conivência, a cumplicidade e a leniência transformando o Brasil numa fábrica de grandes escândalos.

            É preciso ressuscitar a capacidade de indignação do povo brasileiro. Talvez este pudesse ser também um tema de campanha da fraternidade liderado pela CNBB: ressuscitar a capacidade de indignação do povo brasileiro.

            Há pouco tempo, o Banco Mundial realizou um estudo no Brasil e constatou que o grande problema da saúde pública brasileira não é falta de recursos e, sim, falta de competência, de planejamento, de organização e de honestidade, e mostrou desvios de recursos públicos que nos assustam.

            Recentemente, no ano passado, o Tribunal de Contas da União apresentou números estarrecedores. Em dois anos, auditando apenas 2,5% dos repasses da União a Estados e Municípios, constatou o desvio de mais R$600 milhões, fato que nos motivou a colher assinaturas para instalação de uma comissão parlamentar mista de inquérito no Congresso Nacional.

            Eu ouvi o Senador Pedro Simon afirmando acreditar na Presidente da República. Eu aproveito a oportunidade para fazer um apelo a ela: autorize a base aliada do Governo a assinar uma comissão parlamentar mista de inquérito no Congresso Nacional, para que possamos contribuir apresentando um diagnóstico completo sobre a realidade da saúde pública, que é um caos no nosso País; um diagnóstico que aponte os desvios e que responsabilize aqueles que eventualmente praticaram ilícitos, desviando recursos públicos, para que se possam apresentar alternativas de propostas de solução, quem sabe conferindo ao País um modelo de saúde compatível com as necessidades e aspirações do povo brasileiro.

            Ora, o que se viu ontem foi o deboche escancarado dos corruptos rindo daqueles que pagam impostos, sobretudo daqueles que estão amontoados em hospitais públicos, em corredores de hospitais deste País, como se não fossem seres humanos, aguardando pela assistência que não chega, porque, antes dela, chega a morte. É preciso dizer, sim, com a contundência que se faz necessária: trata-se de crime hediondo, roubo acompanhado de assassinato, porque o dinheiro que roubam é causa para a morte de milhares de brasileiros desassistidos neste País!

            Enfim, o Congresso Nacional vai ficar em silêncio? Aliás, não me refiro a discurso; eu me refiro à ação. O Congresso Nacional vai ficar passivo diante dos fatos já conhecidos antes, mas mostrados ontem com contundência? Nós não podemos nos omitir.

            Senador Ferraço, V. Exª assinou o requerimento que propusemos, no ano passado, para a CPI da saúde. Certamente, o momento que estamos vivendo agora nos permitirá completar essas assinaturas para a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que não terá o objetivo de caça às bruxas, mas terá o objetivo de apresentar um diagnóstico real da situação brasileira.

            E não é um ato partidário, não é um ato de oposição; é um ato suprapartidário, porque a saúde pública é de responsabilidade de todos os governos e de muitos partidos: governo da União, governo dos Estados, governo dos Municípios, que são administrados por praticamente todos os partidos existentes no País. Então, não é uma ação dirigida com objetivo eleitoreiro. O objetivo é atender os apelos da CNBB e refletir sobre a realidade da saúde no Brasil em vista de uma vida saudável, suscitando o espírito fraterno e comunitário das pessoas na atenção aos enfermos, mobilizando por melhoria no sistema público de saúde.

            O texto-base da CNBB é um estudo denso e que merece análise exaustiva. A Igreja quer sensibilizar as pessoas sobre a "dura realidade de irmãos e irmãs que não têm acesso à assistência de saúde pública condizente com suas necessidades e dignidade".

            O texto-base com lucidez aborda que a saúde integral é o que mais se deseja. Há muito tempo, ela vem sendo considerada a principal preocupação e pauta reivindicatória da população brasileira no campo das políticas públicas.

            A vida saudável requer harmonia entre corpo e espírito, entre pessoa e ambiente, entre personalidade e responsabilidade. Nesse sentido, o Guia Pastoral, entendendo que a saúde é uma condição essencial para o desenvolvimento pessoal e comunitário, apresenta algumas exigências para sua melhoria: articular o tema saúde com a alimentação; a educação; o trabalho; a remuneração; a promoção da mulher, da criança, da ecologia, do meio ambiente; entre outras.

            Trata-se de uma concepção dinâmica e socioeconômica da saúde que, ao tomar o tema da saúde, não restringe a reflexão a causas físicas, mentais e espirituais, mas avança para as sociais. Com essa abordagem, a Igreja objetiva apresentar elementos para dialogar com a sociedade, a fim de melhorar a situação de saúde da população.

            O texto-base focaliza que garantir para a população os direitos e os recursos previstos na Constituição Federal sobre a Seguridade Social é um dos principais desafios sociais na atualidade. Na contramão do que prevê a Constituição, são as famílias que mais gastam com saúde. Dados do IBGE mostram que o gasto com a saúde representou 8,4% do Produto Interno Bruto do País, em 2007. Do total, 58,4% (ou R$129 bilhões) foram gastos pelas famílias, enquanto 41% (R$93 bilhões) ficaram a cargo do setor público. As instituições sem fins lucrativos gastaram R$2,3 bilhões.

            Nos países desenvolvidos, é o contrário: 70% dos gastos com saúde são cobertos pelo governo, e somente 30% pelas famílias, segundo o IBGE. Para especialistas na área de saúde, o gasto total com a saúde, em 2009, foi de R$270 bilhões (8,5% do PIB), sendo R$127 bilhões (47% dos recursos ou 4% do PIB) de recursos públicos e R$ 143 bilhões (53% dos recursos ou 4,5% do PIB) de recursos privados.

            Portanto, as pessoas estão pagando mais do que o Poder Público, que deveria encarar a saúde como a suprema lei.

            Apesar do avanço que significou a criação do SUS, o Brasil está longe de dedicar atenção à saúde pública semelhante à dos países que contam com um sistema público e universal, como Reino Unido, Suécia, Espanha, Itália, Alemanha, França, Canadá e Austrália. Para atestar esta afirmação, basta lembrar que, em 2008, enquanto o SUS gastou 3,24% do PIB, o gasto público nos países mencionados foi, em média, 6,7%. Portanto, estamos muito distantes.

            Sem dúvida, saúde pública deveria ser o debate da década. Saúde pública deveria ser o debate de todos os dias neste País. É só verificar a pesquisa de opinião pública publicada recentemente pela Confederação Nacional da Indústria, que mostra que 67% dos brasileiros consideram o seu maior problema o serviço de saúde pública, que não condiz com as a suas necessidades.

            O texto-base da CNBB elencou com propriedade alguns aspectos referentes a financiamento e a acesso à saúde que merecem ser reproduzidos: financiamento, a tabela de valores SUS está defasada e não condiz com a realidade nacional; carência de uma política direcionada e de incentivos a possíveis parcerias com a rede de entidades filantrópicas na saúde e com as santas casas de misericórdia - na próxima sexta-feira, as santas casas de misericórdia do Paraná se reunirão em Curitiba em mais um momento de debate sobre saúde no País; subfinanciamento, pois ocorre redução contínua do montante de recursos financeiros aplicados na saúde com o descumprimento da Emenda Constitucional nº 29; desvio e malversação de recursos na área da saúde, a que nos referimos no início deste pronunciamento.

            No tocante ao acesso: falta de reconhecimento e de valorização à atenção básica à saúde, desarticulação de seus programas entre si e com a sociedade; superlotação das unidades de urgência e emergência; acesso precário com longas filas para marcação de consultas, procedimentos (como cirurgias) e exames; falta de leitos hospitalares e desigualdade na distribuição pelas regiões do país, bem como insuficiência de leitos de UTI; insuficiente assistência farmacêutica à população; falta de humanização e de acolhimento adequados nas unidades de saúde; descaso com a saúde mental, mesmo diante do aumento indiscriminado de dependentes químicos no País, principalmente na camada mais jovem da população; tendência à judicialização na saúde, provocando demandas excessivas e corriqueiras ao Poder Judiciário e ao Ministério Público.

            Portanto, a CNBB apresenta um diagnóstico da realidade visível no País.

            O Orçamento da União para a saúde, em 2011, foi de R$68 bilhões. Do total, somente R$12 bilhões seriam investidos na saúde básica.

            O Brasil conta com mais de 192 milhões de habitantes e 5.565 Municípios. Entretanto, vários Municípios, principalmente das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, não dispõem de profissionais de saúde para os cuidados básicos, sendo que, em centenas deles, não há profissional médico para atendimento diário à população.

            Existem no Brasil, 52 mil unidades assistenciais públicas, sendo 95% administradas pelos Municípios, segundo dados do IBGE. Pesquisa referente revela que, dos quase 432 mil leitos de hospital no País, 152 mil, ou seja, 35,4% pertenciam a hospitais públicos e 279,1 mil (64,6%) a hospitais particulares e filantrópicos.

            O Governo não pode responder às denúncias com tanta simplicidade. O que ouvimos como resposta do Governo às denúncias de ontem, em nota oficial, é que ele pretende criar uma empresa para administrar os hospitais públicos, especialmente os hospitais universitários no País.

            Nós podemos, desde já, afirmar que se trata de mais um cabide de empregos. Responder a denúncias graves de corrupção com uma proposta tão singela como essa é muito pouco para um Governo que foi eleito por milhões de brasileiros, que carregaram para as urnas os seus sonhos e as suas esperanças.

            Os nossos aplausos à CNBB por essa memorável e histórica campanha.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/03/2012 - Página 7052