Discurso durante a 42ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem pelo transcurso, em 21 do corrente, dos 80 anos da criação da Carteira de Trabalho e Previdência Social.

Autor
Fernando Collor (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM, PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • Homenagem pelo transcurso, em 21 do corrente, dos 80 anos da criação da Carteira de Trabalho e Previdência Social.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 22/03/2012 - Página 7756
Assunto
Outros > HOMENAGEM, PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, CRIAÇÃO, CARTEIRA DE TRABALHO E PREVIDENCIA SOCIAL, FATO, DEMONSTRAÇÃO, CONQUISTA (MG), DIREITOS, TRABALHADOR, PAIS.
  • HOMENAGEM, ORADOR, DESTINAÇÃO, EX MINISTRO DE ESTADO, AUTOR, CRIAÇÃO, CARTEIRA DE TRABALHO E PREVIDENCIA SOCIAL, OBJETIVO, DEMONSTRAÇÃO, RECONHECIMENTO, AMPLIAÇÃO, PROTEÇÃO, INTERESSE, EMPREGADO.

            O SR. FERNANDO COLLOR (PTB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Presidente.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há exatamente 80 anos, no dia 21 de março de 1932, os trabalhadores brasileiros conquistavam o mais importante instrumento de defesa e de luta de seus direitos: a Carteira de Trabalho e Previdência Social, criada e implantada por meio do Decreto n° 21.175, de 21 de março daquele ano. A partir desse marco regulatório, a Carteira de Trabalho tornou-se documento obrigatório para qualquer cidadão prestador de serviços na indústria e no comércio. Posteriormente, a obrigatoriedade estendeu-se para os segmentos da agricultura e pecuária e, mais recentemente, para o âmbito das relações do trabalho doméstico, abarcando, assim, todos os setores da economia.

            Depois de oito décadas em pleno vigor e já devidamente incorporada, aperfeiçoada e, mais do que isso, plenamente consolidada em nosso arcabouço legal, a Carteira de Trabalho foi concebida e concretizada pelo primeiro Ministro do Trabalho, Lindolfo Collor. Além do orgulho e honra pela condição de seu neto, encontro-me hoje, como Senador eleito para representar o Estado de Alagoas, pertencendo aos quadros do Partido Trabalhista Brasileiro, o PTB. Trata-se da mais representativa e identificável agremiação política com as causas e o reconhecimento das lutas trabalhistas no Brasil ao longo do séc. XX, espelhada, sobretudo, na figura do Presidente Getúlio Vargas.

            A instituição da Carteira de Trabalho, Sr. Presidente, foi uma das grandes iniciativas de Lindolfo Collor à frente do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Durante o período como titular daquela pasta, com sua reconhecida tenacidade para o trabalho aliada ao amplo entendimento e à ambição de justiça social, Lindolfo Collor nos legou as bases da organização sindical - por meio do Decreto n° 19.770, de 19 de março de 1931 -, bem como o reconhecimento dos direitos trabalhistas que, mais tarde, viriam a se transformar na CLT, a Consolidação das Leis do Trabalho.

            Além disso, em sua gestão foi possível estender a diversas categorias profissionais as Caixas de Aposentadoria e Pensões, que antes eram restritas aos trabalhadores marítimos, portuários e ferroviários. Do mesmo modo, coube a ele a criação das comissões de conciliação entre empregados e empregadores, que, na prática, seriam o embrião da futura Justiça do Trabalho. Tomou, ainda, uma série de medidas legislativas no sentido de regulamentar a jornada do trabalho na indústria e no comércio, assim como do trabalho das mulheres e dos menores de idade. Não por outro motivo, ele mesmo nominou sua pasta como o "Ministério da Revolução", pois ali começaria a se concretizar a necessária intervenção estatal nos conflitos entre o capital e o trabalho. Tratava-se de uma lacuna há muito reivindicada pela sociedade brasileira, após um longo período de descaso do governo nas questões trabalhistas, até então carentes de uma base normativa capaz de atender aos anseios laborais e, ao mesmo tempo, patronais. Por isso, foi exaustiva sua tarefa ao traçar os lineamentos de um direito social capaz de posicionar o Brasil num plano equivalente ao das nações mais avançadas nesse ramo jurídico.

            A partir de então, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o País começava a superar as mais marcantes características de sua estrutura política e socioeconômica: os fragmentos de uma ordem escravocrata, monocultora e patriarcal que remontava ao Brasil colônia, assim como a natureza de uma sociedade predominantemente agrária com uma matriz primária de exportação na seara econômica. Mais do que isso, sobrepujou-se um modelo institucional em que as questões sociais eram genericamente tratadas na seara penal. Por essas razões, o jurista Evaristo de Morais Filho, ao discorrer sobre aquela gestão no Ministério do Trabalho, assinalou que Lindolfo Collor “levava para o governo o firme propósito de incorporação do proletariado na sociedade moderna".

            E sobre as pressões patronais recebidas no ministério, assim se manifestou sobre a independência de espírito do Ministro Lindolfo Collor. Dizia ele, o jurista Evaristo de Moraes Filho:

[Ele], Lindolfo Collor, resistiu às incursões atrevidas de certas empresas que pretenderam influir na atividade legislativa do Ministério, moldando-a pelos interesses capitalísticos.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, foi com base na legislação francesa e sob a nítida inspiração positivista de Auguste Comte, que Lindolfo Collor se baseou para justificar a necessidade de um arcabouço jurídico avançado. Na própria exposição de motivos do decreto que regulamentou o sindicalismo, frisou ele:

Guiados por essa doutrina, nós saímos fatalmente do empirismo individualista, desordenado e estéril, que começou a bater em retirada há quase meio século, para ingressarmos no mundo da cooperação social, em que as classes interdependem umas das outras e em que a ideia do progresso está subordinada à noção fundamental da ordem.

            O decreto de criação da Carteira de Trabalho já trazia, em vários de seus dispositivos, a nítida preocupação de proteção dos direitos do trabalhador quanto àquele novo instrumento.

            Os arts. 8o e 9o, por exemplo, prescreviam que as anotações sobre a admissão, natureza do trabalho, salário e retirada do portador da carteira, relativamente a cada estabelecimento, seriam feitas pelos empregadores ou seus prepostos autorizados, não podendo ser negadas sob pena de multa. Previam também a vedação de se fazerem anotações além daquelas especificadas, assim como do motivo da retirada do empregado, facultada, porém, a de atos meritórios praticados em serviço.

            Os arts. 10 e 11 previam que, para fins de direito, a carteira de trabalho equivaleria à carteira de identidade e que, em caso de conflito com o empregador, por motivo de salários ou tempo de serviço, a carteira constituiria documento comprobatório.

            Já o art. 12 garantia que as indenizações devidas aos trabalhadores por motivo de acidentes de trabalho ou moléstias profissionais nunca poderiam ter por base salário inferior ao mencionado na carteira profissional.

            Outro ponto referia-se ao art. 16, prevendo que aos portadores da carteira ficava assegurado o direito de apresentá-la às autoridades policiais para fins de anotações sobre o portador, vedada a negação e sem cobrança de qualquer emolumento.

            Isto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há 80 anos.

            Enfim, o decreto veio, de fato, para revolucionar as relações e os direitos trabalhistas, constituindo seus 56 dispositivos um avanço legal sem precedentes para a época. Até hoje, 80 anos depois, aqueles dispositivos ainda lastreiam as normas de registro das relações de trabalho. E, mais do que isso, o resultado é que hoje contamos com vários dispositivos referentes à garantia de direitos trabalhistas em nossa Constituição Federal, notadamente no art. 7o, cuja origem de seus princípios e fundamentos remonta àquelas primeiras regulamentações do início da década de 30.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um importante depoimento merece especial atenção, e aqui faço questão de registrar. Trata-se das palavras do acadêmico colombiano, hoje radicado no Brasil, Prof. Ricardo Vélez Rodríguez, doutor em Filosofia e autor do minucioso trabalho sobre Lindolfo Collor intitulado O Homem e sua Obra. A respeito do vácuo deixado pelo ministro ao pedir sua saída da pasta do Trabalho, diz o professor:

Getúlio Vargas continuou a ampla tarefa legislativa nesse terreno [no caso, dos direitos trabalhistas]. Mas, certamente, algo se perdeu com a saída de Lindolfo Collor: a dimensão democrática que ele soube imprimir ao processo da legislação trabalhista, que sob a inspiração de Getúlio viu-se contaminada com o vezo estatizante e corporativista que passou a animar, posteriormente, a Consolidação das Leis do Trabalho.

            Por fim, Sr. Presidente, ao escrever o Manifesto da Aliança Liberal de 1929 - movimento esse que mudou os rumos da política brasileira ao superar as barreiras provincianas do clientelismo oligárquico da República Velha -, Lindolfo Collor assim se referiu à questão trabalhista:

A liberdade sindical para todas as indústrias e profissões e para os proletários em geral é, hoje, princípio vitorioso no mundo. A proteção aos interesses dos operários deve ser completa. A conquista das oito horas de trabalho, o aperfeiçoamento e a ampliação das leis de férias, dos salários mínimos, a proteção das mulheres e dos menores, todo esse novo mundo moral que se levanta nos nossos dias, em amparo ao proletariado, deve ser contemplado pela nossa legislação, para que não se continue a ofender os brios morais dos nossos trabalhadores com a alegação de que problema social no Brasil é um caso de polícia.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte, Senador Fernando Collor?

            O SR. FERNANDO COLLOR (PTB - AL) - Pois não. Ouço, com muita satisfação, o Senador Eduardo Suplicy.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Cumprimento V. Exª por trazer hoje a lembrança da criação da Carteira de Trabalho durante o governo do Presidente Getúlio Vargas. Com uma justa homenagem, V. Exª lembra o então Ministro Lindolfo Collor, seu avô, que foi um dos responsáveis por essa iniciativa tão relevante. Certamente, desde então, conforme V. Exª aqui registra, os direitos trabalhistas ficaram mais e mais consolidados. E é importante que tenhamos observado, ao longo desses últimos nove anos, um aumento considerável do número de trabalhadores que estão no mercado formal com as suas carteiras devidamente registradas, o que significa a garantia dos direitos sociais previstos na CLT. Então, é importante que nós continuemos a avançar na direção de provermos dignidade e respeito a todos os seres humanos em nosso País. Certamente, a Carteira de Trabalho foi uma iniciativa importante nos passos que a nossa História registra.

            O SR. FERNANDO COLLOR (PTB - AL) - Muito obrigado a V. Exª, Senador Eduardo Suplicy. Incorporo, com muita satisfação, as suas palavras que corroboro inteiramente.

            Finalizando, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, das promessas e dos compromissos daquele vitorioso movimento que assumiu o poder em 1930, Lindolfo Collor soube cumpri-los, um a um, naquilo que dizia respeito à sua pasta. Esta idealização implantada, a Carteira de Trabalho e Previdência Social, está aí, vigorando plena e eficazmente com o nítido contorno de justiça social e direito consolidado.

            Muito obrigado a V. Exª, Sr. Presidente, pelo concessão de um tempo extra para concluir o meu pronunciamento.

            Agradeço também às Srªs e aos Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/03/2012 - Página 7756