Discurso durante a 49ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações acerca do pensamento de esquerda no Brasil; e outros assuntos.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA SOCIO ECONOMICA. PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • Considerações acerca do pensamento de esquerda no Brasil; e outros assuntos.
Publicação
Publicação no DSF de 31/03/2012 - Página 10317
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA SOCIO ECONOMICA. PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ARTISTA, ESTADO DO CEARA (CE), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, POLITICA NACIONAL, ANALISE, CRISE, IDEOLOGIA, POLITICA PARTIDARIA, CRITICA, ERRO, DEFINIÇÃO, PROGRESSO, RELAÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), NECESSIDADE, TRANSFORMAÇÃO, CONCEITO, OBJETIVO, VALORIZAÇÃO, MELHORIA, CULTURA, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, INOVAÇÃO, DEFESA, IGUALDADE, ACESSO, EDUCAÇÃO, SAUDE, JUSTIÇA.
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, DEFICIT, PREVIDENCIA SOCIAL, CRITICA, CRIAÇÃO, FUNDO DE PREVIDENCIA, PREVIDENCIA COMPLEMENTAR, SERVIDOR PUBLICO CIVIL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 30/03/2012


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Wellington, Senador Requião, vinha falar, mas vou desviar, embora não muito, porque, depois do discurso do Senador Requião, creio que não podemos perder o momento de fazer reflexões sobre o que ele falou, mas eu vinha - e tem a ver com isso, mas de uma maneira menos interessante que a dele - falar da morte de dois gênios deste País em poucas horas: Millôr Fernandes e Chico Anysio. Mas não para ficar, mais uma vez, louvando esses dois gênios, como alguns já fizeram, mas para mostrar como se precisa ainda de esquerda, Senador Requião.

            De acordo com a maneira que nós pensamos hoje, neste mundo, não só no Brasil, a morte de dois gênios não se refletirá, no final do ano, quando a Presidenta, quando o Ministro da Fazenda for à televisão dizer que o Produto Interno Bruto cresceu 3%, 4%, 5%. O debate que será feito é se foi muito ou pouco, porque a civilização que nós temos, que exige mudanças, por isso precisa de uma esquerda, mede o seu bem-estar, mede o seu desempenho pelo PIB, e não pelas obras da cultura.

            Quanto o Brasil vai perder, de agora até o final do ano, porque não vai ter Chico Anysio e não vai ter Millôr Fernandes refletindo, divertindo-nos e fazendo este País ser mais feliz? Quanto vamos perder? Isso não entra na contabilidade, como não entra a destruição de florestas que ocorrerá daqui até o final do ano; como não entra a quantidade de pessoas que morrerão em filas de hospital; como não entra a quantidade de crianças sem escola; como não entra a quantidade de pessoas que perderão parte de sua vida num engarrafamento de trânsito. Nada disso aparece na hora de medir o desempenho da sociedade brasileira.

            Nós temos de nos rebelar contra essa maneira de pensar. Nós temos de nos rebelar propondo formas alternativas de sociedade. E isso é ser esquerda. Mas, lamentavelmente, é verdade o que disse há pouco o Senador Requião ao citar cada um dos partidos que deveria ser de esquerda e que não está propondo nenhuma mudança neste País. Às vezes propõe algumas assistências sociais positivas, e ninguém é contra assistir a quem está precisando, mas assistência não é transformação. Assistência, as forças conservadoras fazem quando têm sentimento de compaixão e de solidariedade, mas não basta. Nós queremos a transformação do próprio conceito de progresso, de avanço, de desenvolvimento, como o Brasil já fez.

            Até os anos 30, progresso era exportar mais café. A partir de 30, progresso passou a significar também a produção industrial, que não era levada em conta. Hoje, nós precisamos formular um conceito novo de progresso, e quem vai formular isso, não importa de que partido ou sigla seja, vai ser de esquerda, porque vai trazer o novo. Nós precisamos formular um processo ou um sistema de medir o progresso, de considerar o progresso mesmo sem medi-lo, em que a nossa indústria continue viva, e não morrendo como está. Mas, para estarmos sintonizados com o futuro, essa indústria não pode ser baseada apenas na produção metal-mecânica, mas na indústria do conhecimento, na qual o Brasil tem sido zero, porque nós não temos sido capazes de inovar.

            Inovação é uma palavra, hoje, que deve pertencer às forças progressistas, de esquerda. Inovação deve significar não apenas formas novas de produzir, mas também a invenção de produtos novos.

            Nós precisamos definir progresso baseado na proteção das florestas. E, hoje, progresso é baseado na destruição de florestas, para, no lugar delas, colocarmos produtos que sejam monetarizados e vendidos. Floresta em pé não é considerada como progresso.

            Nós passamos, aqui, um tempo discutindo o Código Florestal, discutindo se ia até quinze, vinte, trinta, cinquenta metros da margem do rio a proteção das florestas, mas baseado na racionalidade econômica de hoje e do futuro, porque, se destruir muito as florestas vai haver problemas de rentabilidade da terra no futuro. Nós não discutimos aqui a biodiversidade como patrimônio do progresso. Nós não discutimos isso. Não discutimos o valor de uma floresta em pé. Só discutimos quanto devemos permitir derrubar ou não de acordo com o futuro da economia, e não da biodiversidade em si.

            Ser de esquerda hoje é incorporar a proteção ao meio ambiente, a biodiversidade como parte do progresso.

            Ser de esquerda é não ficar apenas na assistência social do Bolsa Família e dizer: este País não terá mais exclusão social. Todos estarão incorporados, no mínimo necessário, a uma vida digna, a uma vida eficiente.

            Ser de esquerda é propor formas de fazer isso. E a gente sabe que uma das formas é três coisas serem iguais para todos os brasileiros.

            Ser de esquerda, houve um tempo, era exigir a igualdade da roupa, a igualdade de transporte, igualdade de tudo. Era um deseconomicista da esquerda. Eu não me preocupo hoje se alguns têm roupas bonitas e outros não têm roupas bonitas. Eu nem me preocupo tanto se alguns vão de carro e outros vão de ônibus. Eu me preocupo é com a qualidade do transporte público.

            Agora, há três coisas que não podem ser diferente, e isso faz sabendo que é do lá de cá e quem é do lado de lá da política, quem é de esquerda, quem é de direita, ou o nome que quiser. Três coisas não podem ser desiguais: o acesso à educação, o acesso à saúde, o acesso à Justiça. Enquanto essas três coisas forem compráveis - eu não falo compráveis do ponto de vista da corrupção. Falo compráveis do ponto de vista do uso do sistema que está aí -, nós não somos um país descente. Não é possível que continuemos tolerando que os cérebros sejam queimados por falta de escola, porque o pai não tem dinheiro ou porque a cidade em que nasceu e vive não tem escolas boas.

            Ser de esquerda é dizer: educação é igual. O filho do trabalhador vai estudar na escola do filho do patrão. Não na mesma escola do ponto de vista físico - até porque o patrão mora longe do trabalhador e a escola tem que ser perto da criança -, mas na escola em seu sentido macro, geral, amplo; não a unidade escolar. A qualidade da educação tem que ser igual para todos. Isso além de ser igualdade, no sentido de ser esquerda, é inteligente, porque cada cérebro perdido é algo perdido. Imagine se Chico Anysio e Millôr Fernandes não tivessem estudado! Não teriam chegado ao desenvolvimento pleno a que chegaram.

            Saúde. Não é decente um país em que a pessoa vive mais ou vive menos conforme o dinheiro que tem no bolso! Não é decente! Mas, no Brasil, vive-se mais ou vive-se menos conforme o dinheiro que se tem para pagar um bom sistema de saúde ou não se tem para pagá-lo. Nem é decente um país onde uma pessoa é tratada de um jeito pela Justiça ou de outro jeito, conforme o dinheiro para pagar o advogado. Não é decente! Justiça ou é igual para todos, de verdade - não aquela ilusão mitológica de fechar os olhos para dizer que ela é cega, mas tem o olho grande, como se sabe, que é o olho dos advogados -, ou ela é igual para todos, ou nós não temos um país decente. Decência social é o que caracteriza quem quer transformar a sociedade, e a isso chamemos de esquerda por convenção, mesmo que o nome possa ser outro.

            Nós precisamos, para sermos um país que vá para o outro lado da história, que o Brasil atravesse a ponte de transição, que, no Brasil, está demorando demais. Desde 1979, estamos numa transição que considera apenas a democracia como fundamental. E aí a gente fica fazendo arranjos, arranjos, e jeitos, e jeitos, em vez de dizer: vamos caminhar para o outro lado da margem histórica, como fizemos na Abolição da Escravatura, na República, na Revolução de 30. E retomo o Senador Requião: revolução não no sentido do meio usado, violento, mas no sentido de aonde chegar. A gente precisa fazer essa revolução. A gente precisa redefinir progresso. E a gente não tem discutido isso aqui.

            Não discutimos aqui o que significa ser um país rico. A Presidente Dilma deu uma grande contribuição no quinto dia do seu Governo, mas ficou no slogan: “País rico é um país sem pobreza”. Mas ficou no slogan. A gente não vê as medidas concretas para que este País se transforme em um país em pobreza, porque eu acho que só há um caminho - e aqui deveríamos debater se estou certo ou errado -: garantir educação igual para todos no acesso, garantir saúde igual para todos, garantir Justiça igual para todos. Isso é ser de esquerda.

            Eu fico satisfeito pelo senhor ter trazido esse debate. Agora, ser esquerda, na prática, exige rebeldia: rebeldia com o estabelecimento que está aí, rebeldia com o conceito de progresso que está aí, o descontentamento. Ser rebelde é ter coragem de debater se o futuro do País deve exigir crescimento econômico ou decrescimento econômico para aumentar o bem-estar. Quem sabe, se diminuirmos o crescimento da economia, pode aumentar o bem-estar, aumentando os bens de consumo dos pobres e reduzindo o consumo supérfluo que este País tem tão alto. Dessa rebeldia a gente precisa. E eu quero ser rebelde, sim, senão não vale a pena nem mesmo estar vivo, quanto mais na política. E eu sou rebelde com causa, como o Senador Requião também o é. Mas, se eu ficar sem causa, a minha causa será a rebeldia. É preciso ser rebelde até como se dançasse pelo prazer da rebeldia quando não houver mais causa, mas este mundo está cheio de causas boas. Nunca houve tantas causas para a gente lutar como hoje. Tem gente que diz que as causas morreram. Nunca teve tanta causa para a gente lutar como existe hoje. Pena que a maioria de nós não está entendendo a riqueza do processo social hoje no mundo e no Brasil para nos trazer causas e exigir de nós a rebeldia necessária para desmontar uma estrutura perversa, burra, que a gente chama de desenvolvimento da maneira que é hoje e formular um novo conceito de desenvolvimento, de progresso, de bem-estar, de felicidade inclusive.

            Tudo isso seria bom que a gente dissesse com esta Casa cheia, mas essa Casa cheia debatendo, e não esta Casa cheia e cada um conversando para o seu lado ao telefone, e eu não ponho a culpa nos outros, como eu faço também aqui.

            Senador Requião, eu quero agradecer o seu discurso de hoje, que me provoca e que me dá um certo encanto de estar nesta Casa.

            O SR. PRESIDENTE (Roberto Requião. Bloco/PMDB - PR) - Eu sempre procuro trazer aos assuntos para uma situação concreta para que a gente possa entende-los de uma forma melhor. Eu queria comentar com V. Exª essa questão da Previdência Social. A Previdência brasileira não dá prejuízo. A Previdência urbana, do funcionalismo público, não tem prejuízo algum; ela é superavitária. A nossa Previdência é deficitária porque no passado construímos a Belém-Brasília, as usinas nucleares de Angra, com o dinheiro da Previdência. E, acertadamente, os governos e o Congresso Nacional criaram políticas compensatórias sociais. O trabalhador rural que não contribuiu porque nem a Previdência chegava no interior tem direito a uma aposentadoria. Há coisa de 15 dias, votamos a aposentadoria integral para os aposentados por incapacidade permanente. Mas tudo isso foi jogado em cima da Previdência quando devia ser jogado em cima do Erário. Então, o tal déficit da Previdência não é da Previdência, mas existe o custo das políticas sociais do Governo, que têm que ser resolvidos. E me perguntava o Senador Garibaldi: “Mas, então, Requião, qual é a solução?” E eu me lembrei de uma passagem que cito de vez em quando do Lewis Carroll, em Alice no País das Maravilhas. Em determinado momento, a Alice pergunta para o gato, o gato que ria, onde fica a saída. E o gato lhe responde: “Depende”. E Alice: “Depende do quê?” E o gato, de uma forma terminante: “Depende de para aonde você quer ir”. Qual é a solução da Previdência? Depende de para aonde nós queremos ir. A solução dada para a Previdência é uma solução dada para o mercado financeiro; é uma esperança para o mercado financeiro faturar em cima de uma poupança compulsória do funcionalismo. O funcionalismo vai investir os seus recursos num programa de risco. E, cá entre nós, não é nem de risco. É de quase certeza de perda, para dar um fôlego ao capital financeiro. Então, são esses erros, essa falta de perspectiva: para onde o Brasil quer ir? Nós discutimos o Código Florestal. É para quê? Para aumentar desesperadamente a produção de grandes propriedades num determinado momento? Será que nós não pensamos na preservação da natureza, da biodiversidade, na necessidade absoluta da industrialização do Brasil, da criação de empregos industriais? Não, é uma medida imediata, feita de forma irrefletida pelo Congresso Nacional. Onde fica a saída? Depende, depende de para onde nós queremos ir. Agora, quando o Governo não quer ir a lugar algum, está administrando espasmos e problemas, resta a esperança da declaração da nossa Presidenta na Índia. Que ela venha com a vontade de mudar o Brasil, que iluminou a rebeldia, a sua revolta e a ação da sua juventude. E daí nós vamos aplaudi-la com entusiasmo aqui no Congresso Nacional.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Senador, eu agradeço.

            Mudando, portanto, da nossa visão geral para o caso específico, e o pior é que esse tipo de financiamento da Previdência já deu errado em países vizinhos, como o Chile a Argentina. E os banqueiros que receberam a poupança dos trabalhadores e a usaram da maneira que queriam, sobretudo na especulação....

            O SR. PRESIDENTE (Roberto Requião. Bloco/PMDB - PR) - São hoje investidores inclusive no Brasil.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Claro!

            O SR. PRESIDENTE (Roberto Requião. Bloco/PMDB - PR) - O trabalhador lá recebe 30% do seu salário quando aposentado, mas os banqueiros montaram capitais e estão investindo até no País, no nosso País.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Quando os fundos quebraram, eles não ficaram pobres. Mas os inválidos, os doentes, os velhos sem aposentadoria ficaram na miséria, até que o Estado fez um rombo para poder substituir o dinheiro perdido. É inacreditável que a gente continue errando.

            Nem vou discutir o lado que diz se tem ou não déficit, embora a verdade é que o dinheiro da Previdência foi utilizado para financiar projetos que não tinham a ver com a assistência previdenciária...

            O SR. PRESIDENTE (Roberto Requião. Bloco/PMDB - PR) - E as políticas compensatórias de aposentadoria são legítimas, mas não são da previdência.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Isso é verdade e está sendo usado de maneira... Preocupa-me muito - e tenho falado aqui - o uso do dinheiro nos fundos previdenciários do Banco do Brasil, da Petrobras, das estatais. Esse dinheiro está sendo usado hoje para investimentos que o Governo determina e por razões políticas, ameaçando a rentabilidade desses fundos, com conseqüências muito perigosas para os aposentados futuros Está também sendo partidarizada a administração, e esse fundo também vai partidarizar, em vez de fazer uma administração com base na eficiência do fundo, para garantir aposentadoria futura. Tudo isso, voltando ao tema nosso, é porque, como o senhor disse, o Governo se limita a ficar no conjuntural, na ponte, sem querer levar o Brasil para um novo tempo, para um novo momento.

            Isto é que triste no mundo de hoje: a ideia de que a história acabou e aso que está aí é definitivo, que a gente só precisa ficar ajustando um errinho aqui e ali, às vezes cometendo erros maiores. Não é verdade que a história acabou. Nunca foi tão necessária uma revolução. Estou de com o senhor de que não precisamos de armas, precisamos de lápis para fazer essa revolução. Nunca foi tão necessária uma revolução. Em vez disso, estamos querendo continuar apenas ajustando as coisas, como se tudo estivesse bem.

            Muito obrigado, Senador Requião, por ter oferecido a chance deste debate nesta manhã de sexta-feira.


             V:\SLEG\SSTAQ\SF\NOTAS\2012\20120330ND.doc 4:51



Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/03/2012 - Página 10317