Discurso durante a 61ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Repulsa às críticas ao bicameralismo no Brasil e defesa do papel do Senado Federal.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO, SISTEMA DE GOVERNO.:
  • Repulsa às críticas ao bicameralismo no Brasil e defesa do papel do Senado Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 18/04/2012 - Página 13138
Assunto
Outros > SENADO, SISTEMA DE GOVERNO.
Indexação
  • DEFESA, MANUTENÇÃO, EXISTENCIA, SENADO, MOTIVO, AUMENTO, REPRESENTAÇÃO, MINORIA, POPULAÇÃO, ESTADOS, EXCESSO, COMPLEXIDADE, PAIS.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, NOTA, INFORMAÇÃO, AUTORIA, CONSULTOR, SENADO, ASSUNTO, SISTEMA DE GOVERNO, FUNCIONAMENTO, LEGISLATIVO.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como Constituinte, um dos temas que foram muito debatidos durante o período, me lembro muito bem, foi a questão do modelo parlamentarista, presidencialista, unicameral, bicameral. E os Constituintes, portanto, a nossa Constituição de 1988 consagrou, aliás, o que já vinha sendo feito desde o tempo do império, a existência do Congresso composto por duas casas: o Senado da República e a Câmara dos Deputados. 

            Mas nós temos visto aqui e acolá comentários, notícias sempre de alguma forma buscando passar para a opinião pública a desnecessidade da existência do Senado Federal. E eu pedi, até para não me envolver emocionalmente na questão, à própria Consultoria Legislativa do Senado, que me fizesse uma nota informativa, um levantamento sobre como é no mundo todo a questão dos regimes de governo e, de acordo com o regime, seja presidencialista, parlamentarista ou monarquia, como é composto o parlamento de cada um dos países.

            E como eu disse, de tempos em tempos, vem à tona o debate em torno da necessidade ou não de o Poder Legislativo contar com duas Casas. Em outras palavras, o que se coloca em jogo é a existência ou a extinção do Senado Federal. Vimos que o presidente Chávez, logo ao assumir a presidência na Venezuela extinguiu o Senado e ficou somente com a Assembleia Legislativa ou a Câmara dos Deputados.

            Trata-se, a meu ver, de um debate até certo ponto nocivo ao País, rigorosamente improdutivo e que não leva a nada. Em primeiro lugar, porque a premissa de que fazem uso os defensores do unicameralismo - isto é, a existência de uma só Câmara, no caso a dos Deptutados - no Brasil é equivocada, sem falar que denuncia monumental ignorância histórica. Ela se esquece que o Brasil é um país continental, em que as partes que compõem o todo se distinguem uma das outras de maneira muito forte. É desse autêntico mosaico, é desse mágico caleidoscópio que emerge o verdadeiro retrato do Brasil. Unidade na diversidade é, certamente, o conceito que melhor sintetiza o que somos como Nação.

            Por isso mesmo é que afirmo: quem defende a adoção de um Legislativo unicameral entre nós simplesmente desconhece a diversidade e a complexidade da sociedade brasileira. E mais: expressa um tipo de pensamento que se ancora numa concepção restrita e arcaica de democracia, segundo a qual o que importa é submeter-se às demandas de uma maioria resultante do processo da representação política.

            Nada mais insubsistente nos dias de hoje. Tal como a concebemos na atualidade, Sr. Presidente, a democracia vai muito além do atendimento dos interesses da maioria, ainda que legitimamente constituída. Antes, quanto mais diversificada, quanto mais complexa for a sociedade, como é o nosso caso, maior a necessidade de se contar com um mecanismo de aposição de veto por parte das minorias. É justamente isso o que faz um Legislativo bicameral.

            O moderno conceito de democracia pressupõe, entre muitos outros elementos, a necessidade real de divisão de poderes, que haverão de se controlar reciprocamente. Além disso, ele exige que todas as unidades da Federação estejam adequadamente representadas, independentemente da dimensão territorial, do tamanho da população ou do papel exercido no conjunto da economia nacional. Por fim, mas não menos importante, dificilmente um Estado nacional pode prescindir, na época presente, da função revisora de uma segunda Câmara, em face das crescentes complexidades técnicas que envolvem a produção legislativa.

            Há, ainda, outra especialíssima razão que justifica a permanência de uma segunda Câmara em sociedades como a brasileira que, como a brasileira, especialmente a partir do fim do regime militar, estão organizadas sob os preceitos da democracia. Refiro-me ao fato de que a experiência histórica tem demonstrado, em especial nos dois últimos séculos, sobretudo na Civilização Ocidental, que a formação e a implementação da vontade das maiorias, malgrado indispensável, não são suficientes para o bom funcionamento da democracia.

            Com efeito, tão importante quanto o respeito à vontade das maiorias é a manifestação política das diferenças, caminho natural para a proteção dos direitos das minorias. Justamente por assim ser é que as segundas Câmaras, como é o caso do nosso Senado, passaram a expressar diferenças territoriais e administrativas e, por seu intermédio, as mais diversas diferenças regionais e os distintos estágios de desenvolvimento social e económico.

            Não por outra razão, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, basta um rápido olhar sobre como estão organizados os sistemas de representação política pelo mundo afora para se comprovar que o unicameralismo está fortemente vinculado a três variáveis, a saber: pequena área territorial, populações homogêneas e democracias menos consolidadas. O Brasil, por evidente, não se enquadra em nenhuma delas.

            O inverso também se faz verdadeiro. O bicameralismo é bem mais frequente em países detentores de grande território, com populações heterogêneas e portadores de maior tradição democrática. Entre nós, o bicameralismo se faz presente desde o alvorecer do Estado Nacional, com a Independência em 1822. A Constituição imperial de 1824, embora consagrando o unitarismo, fez questão de estabelecer as duas Casas do Poder Legislativo, certamente por reconhecer nas características do País a imperiosa necessidade de se optar pelo bicameralismo.

            Foi essa a opção da qual o Brasil jamais se afastou. Mesmo com o fim do regime monárquico, a Constituição de 1891, a primeira da longa sequência de Cartas republicanas, inspirada no vitorioso modelo norte-americano, instituiu o federalismo e preservou o bicameralismo. Aliás, foi além: facultou às unidades da Federação - antigas províncias, agora transformadas em Estados - a criação de Senados estaduais, como, aliás, existe nos Estados Unidos -, uma segunda Câmara, portanto, que coexistia com as assembleias legislativas. Mesmo sob regimes politicamente autoritários, como o instaurado em 1964, o Congresso Nacional preservou suas duas Casas.

            O Senado Federal, hoje como ontem, ao longo da trajetória republicana mais que centenária, sempre cumpriu à risca sua missão precípua, qual seja, a de promover e assegurar a representação isonômica dos Estados brasileiros. Fazendo jus ao nome, ele se constitui na autêntica Casa da Federação.

            Com múltiplas competências, umas exercidas em comum com a Câmara dos Deputados, outras privativas, o Senado desempenha fundamental papel para o fortalecimento das instituições políticas em nosso País. Ressalto, a propósito, que a ele compete privativamente a aprovação da escolha de autoridades, o processo e o julgamento de altas autoridades, além do controle da dívida pública.

            O Senado assume essas e outras responsabilidades, e o faz, sempre e sempre, como representante máximo da Federação. Tendo por princípio o ideal de isonomia, a começar pelo mesmo número de Senadores por Estado e pelo Distrito Federal, a Casa vela pela harmonia entre os integrantes desta grande e diversificada Pátria chamada Brasil. Nesse sentido, creio que uma simples palavra de nosso idioma confere a exata dimensão do Senado, de seu papel em relação às unidades que compõem o todo. Essa palavra, Sr. Presidente, é equilíbrio. Equilíbrio federativo.

            Por tudo isso, analisando, Sr. Presidente, se fôssemos comparar na Câmara dos Deputados, o Estado de São Paulo tem 70 Deputados Federais, mais do que toda a região Norte junta, todos os sete Estados da região Norte. Se somarmos São Paulo, Rio e Minas é mais da metade da Câmara dos Deputados. Então, Estados pequenos como o meu; o Amapá; o seu, o Tocantins; e outros como Acre e Rondônia, estaríamos sempre a reboque politicamente desses grandes Estados. E o que é pior: já que estamos a reboque economicamente falando.

            Aqui é onde se dá o equilibrio. Se mazelas existem, por uns e outros praticadas, não se pode contaminar a instituição. Uma coisa é existirem maus parlamentares; outra coisa é dizer que é ruim porque existem elementos ruins dentro dela.

            Então, quero, como representantes do menor Estado em termos de populaçao da Federação, fazer essa defesa do Senado Federal.

            Pergunto a V. Exª e tive a experiência no meu mandato de Deputado Federal quando apresentei um projeto de lei para criar a Universidade Federal de Roraima, então território federal, e também a escola técnica, hoje o Instituto Federal de Educação. Nós não tinhamos Senadores e tive que andar aqui, de um por um, para conseguir quem, digamos assim, encampasse a ideia da criaçao de uma universidade em um território federal, que hoje é Estado por obra da Constituinte de 1988.

            É preciso, sim, que os Estados mais fracos economicamente, menos populosos, tenham aqui no Senado, como têm, o equilíbrio de ter Roraima, Acre, Amapá, Tocantins, três Senadores igualmente têm São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, que são Estados mais populosos.

            Quero encerrar, Sr. Presidente, pedindo a V. Exª a transcrição nos Anais do Senado da nota informativa produzida pela Consultoria Legislativa que disseca de maneira muito pedagógica essa questão, bem como do quadro de países que têm o sistema de governo e que adotam o unicameralismo ou bicameralismo, isto é, que tem Senado ou que não tem Senado. Então, considero que esse estudo feito pela Consultoria Legislativa do Senado possa servir, inclusive, de pesquisa para os estudiosos, para aqueles que realmente se preocupam em pensar um País não por hoje, mas um País que sirva, por exemplo, para todo o século XXI, pelo menos.

            Muito obrigado e reitero o pedido da transcrição das matérias.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º do Regimento Interno)

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Matéria referida:

Nota Informativa nº 659,d e 2012


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/04/2012 - Página 13138