Discurso durante a 65ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre os reflexos da burocracia nacional.

Autor
Valdir Raupp (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Valdir Raupp de Matos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL.:
  • Comentários sobre os reflexos da burocracia nacional.
Publicação
Publicação no DSF de 24/04/2012 - Página 14033
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, EXCESSO, BUROCRACIA, PAIS, FATO, AUMENTO, CRIAÇÃO, EDIÇÃO, NORMAS, DIFICULDADE, ABERTURA, EMPRESA, CRESCIMENTO, GASTOS PUBLICOS, RESULTADO, REDUÇÃO, INVESTIMENTO, INFRAESTRUTURA, BRASIL, AUSENCIA, AGILIZAÇÃO, CONSTRUÇÃO, OBRA PUBLICA.

            O SR. VALDIR RAUPP (Bloco/PMDB - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador João Ribeiro, do querido Estado do Tocantins; Srªs Senadoras; Srs. Senadores; senhoras e senhores ouvintes da Rádio Senado e telespectadores da TV Senado, existem certas palavras que, em função do uso a que se prestam, vão adotando sentidos que não tinham na origem. É o caso, por exemplo, da palavra “retórica”. Hoje em dia, quando dizemos que o discurso de alguém é “pura retórica”, normalmente estamos censurando aquele tipo de discurso, acusando-o de ser apenas forma, sem conteúdo. Em outras palavras, “retórica” passou a significar “retórica ruim”, na maioria das vezes em que aplicamos o termo.

            O mesmo aconteceu, ao longo do século passado, com o termo “burocracia”. Um sistema burocrático é um sistema lento, ineficiente, improdutivo, redundante, ineficaz. E isso é interessante, pois, como no caso da palavra “retórica”, o termo “burocracia”, originalmente, não tinha uma conotação negativa. A retórica era, simplesmente, a arte de persuadir, de influenciar outras pessoas pelo uso da palavra. A burocracia, por sua vez, era nada mais, nada menos do que uma estrutura organizacional baseada em procedimentos regulares e rotineiros, voltados para a eficiência dos sistemas aos quais os processos burocráticos eram aplicados.

            É curioso, Sr. Presidente, que, hoje, pensemos na burocracia como sinônimo de ineficiência, de lentidão, de improdutividade. Hoje, o termo foi praticamente dominado por sua acepção mais negativa, e burocracia passou a ser sinônimo de má burocracia, de excesso de burocracia.

            Arrisco-me a identificar duas causas para a inversão desse conceito. Em primeiro lugar, a burocracia, em estado puro, é inflexível. Um sistema perfeitamente burocrático não admite exceções, não admite “jeitinhos”. O problema é que um sistema rígido demais não dá conta de todos os imprevistos que são inerentes às atividades humanas. Em segundo lugar, burocracia gera burocracia. Uma norma é alterada por outra norma, que, por sua vez, é revogada por uma terceira, e assim por diante, até que o conjunto de procedimentos se transforma num nó górdio que nem mesmo Alexandre, o Grande, seria capaz de desatar.

            Essas reflexões iniciais, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, levam-me ao tema deste meu pronunciamento, que é a burocracia - no mau sentido -brasileira. É triste constatar, mas nos tornamos um dos países mais burocráticos do mundo - justo nós, que gostamos de nos gabar de nossa adaptabilidade, de nossa criatividade, de nosso “jogo de cintura”.

            Essa é a avaliação, por exemplo, do Primeiro-Ministro chinês, Wen Jiabao, que disse recentemente que, entre todos os países com os quais a China negocia - e não são poucos -, o Brasil é o mais complexo, o mais burocrático, o que mais impõe barreiras ao bom andamento dos negócios, tanto nas importações, quanto nas exportações.

            Essa é a avaliação, Sr. Presidente, dos próprios brasileiros, como muito bem demonstrou a excelente série de reportagens publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo entre os dias 9 e 15 de abril. A cada dia, o jornal explorava os entraves causados pelo excesso de burocracia a uma área ou atividade econômica específica.

            Na área de serviços, por exemplo, os Serviços de Atendimento ao Consumidor (SACs) são campeões de queixas, segundo dados do Ministério da Justiça. Mesmo com a entrada em vigor da Lei do SAC, em 2009, a demora no atendimento e o “jogo do empurra” ainda são estratégias comuns utilizadas pelas empresas que usam o SAC como uma barreira entre elas e o consumidor, e não, como deveria ser, como um canal de comunicação com seus clientes.

            A série prossegue com outros temas. Para abrir uma empresa no País, por exemplo, são necessárias 13 etapas, que envolvem providências nas esferas municipal, estadual e federal e que levam um tempo médio de 119 dias para serem concluídas. Esse mesmo tempo, na Nova Zelândia, é de um dia; na Austrália, de dois dias; em Cingapura e em Ruanda, de três dias; nos Estados Unidos, de seis dias, e assim por diante, o que coloca o Brasil em centésimo vigésimo lugar entre 183 países nesse quesito, segundo avaliação feita neste ano pelo Banco Mundial.

            A última reportagem é a mais interessante e trata da cultura da burocracia que se instalou no País, da quantidade absurda de normas que se editam por aqui e dos custos que essa cultura acarreta ao Brasil. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, desde o dia 5 de outubro de 1988, quando a Constituição Federal foi promulgada, surgiram 4,4 milhões de normas no País. O desperdício de esforços se revela no fato de que apenas 13% dessas normas estão em vigor. O texto conjunto desses mais de 4 milhões de emendas, leis, decretos, portarias, entre outros tipos de peças normativas, teria por volta de 13 bilhões de palavras. A taxa em que novas normas são produzidas no País é alucinante, Sr. Presidente: juntos, União, Estados e Municípios produzem, em média, 776 normas a cada dia útil, ou 32 normas por hora, ou uma nova norma a cada dois minutos.

            A Justiça está emperrada, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, pelos quase 87 milhões de processos pendentes de julgamento que atolam as cortes brasileiras.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, assisti à transmissão de cargos no Supremo Tribunal Federal na semana passada. Senador Mozarildo Cavalcanti, um dos trechos do brilhante pronunciamento do Ministro Ayres de Britto, que assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal, foi uma obra de arte. Foi brilhante o pronunciamento! O Ministro disse que o juiz, o ministro, quando chega a casa, cansado, altas horas da noite, antes de deitar, fala: “Senhor, livrai-nos de tanta ação”. Em vez de “tentação”, o juiz diz “tanta ação”, porque a quantidade de ações que abarrotam os tribunais, os juizados, os tribunais federais é uma coisa assustadora! Da mesma forma é a nossa burocracia brasileira, e ninguém aguenta mais.

            O prejuízo que essa cultura burocrática causa ao País, segundo a Fiesp, chega a R$46 bilhões por ano. Isso corresponde, Sr. Presidente, a cerca de US$25 bilhões anuais. É o PIB da Letônia, uma das cem maiores economias mundiais. Esse é o montante que jogamos fora a cada ano por conta da nossa cultura burocrática.

            A correção dessas distorções é um trabalho para gerações, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, especialmente porque a burocracia permeia a vida do brasileiro em todas as suas esferas, desde a perspectiva do cidadão individual até a perspectiva das grandes questões de Estado.

            Já mencionei alguns exemplos dessa versatilidade da burocracia e, agora, quero citar um caso mais próximo da realidade do meu Estado de Rondônia. O povo rondoniense, Sr. Presidente, vem sofrendo enormemente com o estado precário em que se encontra o trecho da rodovia BR-364 que passa pelo nosso Estado.

            Cito aqui o caso da BR-364 e de outras obras do meu Estado, mas isso tem acontecido em todo o Brasil. Este já é o terceiro ou o quarto pronunciamento que faço este ano anunciando que parte da infraestrutura do nosso País está emperrada. E tem de se tomar providência o mais rápido possível, sob pena de esses gargalos influenciarem enormemente a economia brasileira, o PIB brasileiro.

            A BR-364 é uma rodovia absolutamente vital para Rondônia. Antes da sua construção, só se chegava a Porto Velho por meio de barcos ou de avião. Uma rodovia dessa importância para o oeste brasileiro e, especificamente, para o Estado de Rondônia não poderia estar no estado em que está. O trecho entre Cacoal e Presidente Médici está praticamente intransitável, e já perdemos a conta dos acidentes naquele pedaço da estrada. A cratera que se abriu há mais de um mês perto de Porto Velho está parcial e precariamente coberta por uma ponte metálica construída pelo Exército. O Exército constrói pontes metálicas, que ajudam muito a desobstruir o trânsito, mas pelas quais não passam cargas de grande peso. Logo, tem de se fazer desvio dentro da cidade, dentro de bairros, atormentando a vida da população e destruindo completamente a malha viária por onde passam. O trânsito naquele trecho é lento, o que compromete o transporte das toneladas de grãos que são escoadas pelos portos de Rondônia. Lá há o porto da Maggi, o porto da Cargill, o porto da Bunge, sem falar do porto de outros tipos de carga. Então, são quatro ou cinco milhões de toneladas que, todos os anos, passam por aquela rodovia.

            Das crianças rondonienses que precisam ir diariamente à escola aos grandes produtores rurais de Rondônia e do Centro-Oeste, todos estão enfrentando grandes transtornos com a lentidão das obras de reconstrução daquele trecho da estrada. E as obras não andam, principalmente, por entraves burocráticos envolvendo o Dnit, a Polícia Rodoviária Federal, o Governo do Estado e a Prefeitura de Porto Velho.

            Enquanto não se cumprem os labirínticos ritos para que as obras saiam do papel, a população sofre, a safra de grãos não é escoada, os prejuízos se acumulam, os riscos de novos acidentes não diminuem. Nem no caso de uma emergência dessa ordem, nós conseguimos escapar dos tentáculos da burocracia.

            Eu poderia citar aqui, Sr. Presidente João Ribeiro, a ponte de Guajará-Mirim, que o Presidente Lula prometeu ao Presidente da Bolívia, Evo Morales, e ainda nem o projeto saiu. A Presidente Dilma falou a mim e ao Governador Confúcio Moura que quer a ponte, porque foi um compromisso do Presidente Lula, mas, agora, ainda querem seis meses e dez dias para terminar o projeto, que já iniciou há mais de dois anos.

            Há mais de dez anos, cobra-se a ponte de Abunã. O Acre precisa dessa ponte, a rodovia do Pacífico precisa dessa ponte, e essa ponte não sai. O projeto ainda não está pronto. E muitas outras obras importantes de Rondônia e do País não saem por falta de projeto.

            Hoje, no Brasil, um dos grandes problemas dos Estados e dos Municípios é a falta de projetos, a falta de técnicos para fazer projetos. Então, o Dnit, como outros órgãos do País, precisa realizar concursos, o mais rápido possível, para contratar engenheiros e técnicos para fazer bons projetos, porque, por meio de bons projetos, poderão sair boas obras. E muitos projetos, depois de licitados e contratados, têm de ser interrompidos no meio do caminho porque estão malfeitos. Então, esse é um problema muito sério. Isso precisa mudar. É um trabalho de gerações, Sr. Presidente. Isso, porém, não nos exime de agir imediatamente, o quanto antes.

            Nesse sentido, foi com muita satisfação que acompanhei os trabalhos do 1º Fórum Nacional da Desburocratização, que ocorreu na Câmara dos Deputados no início deste mês de abril. A Frente Parlamentar da Desburocratização tem sido um agente importante na discussão de medidas para minimizar os entraves burocráticos que infernizam a vida de todos os brasileiros, seja o cidadão comum, seja o agente do Poder Público.

            Vejo com muito otimismo a atuação futura da Frente Parlamentar e faço votos de que consigamos superar esse tremendo obstáculo ao nosso crescimento, que é o excesso de burocracia.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/04/2012 - Página 14033