Discurso durante a 78ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários acerca do projeto de lei apresentado por S.Exa. que limita o segredo de justiça; e outros assuntos.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA. SEGURANÇA PUBLICA. FORÇAS ARMADAS.:
  • Comentários acerca do projeto de lei apresentado por S.Exa. que limita o segredo de justiça; e outros assuntos.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti, Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 12/05/2012 - Página 17899
Assunto
Outros > IMPRENSA. SEGURANÇA PUBLICA. FORÇAS ARMADAS.
Indexação
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, APLICAÇÃO, LEI FEDERAL, ACESSO, INFORMAÇÃO, REFERENCIA, DISPONIBILIDADE, POPULAÇÃO, INFORMAÇÕES, DOCUMENTO, PODER PUBLICO.
  • APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, SENADO, AUTORIA, ORADOR, OBJETIVO, EXTINÇÃO, SEGREDO, JUSTIÇA, RELAÇÃO, MEMBROS, PODER PUBLICO, EXERCICIO, FUNÇÃO.
  • REGISTRO, VISITA, ORADOR, BASE AEREA DE ANAPOLIS (BAAN), COMENTARIO, REFERENCIA, REIVINDICAÇÃO, COMANDANTE, BASE AEREA, RELAÇÃO, RENOVAÇÃO, EQUIPAMENTOS, NECESSIDADE, AUTO SUFICIENCIA, PRODUÇÃO, MATERIAL, DEFESA, PAIS.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente Senador Moka, Srªs e Srs. Senadores, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores da TV Senado, venho a esta tribuna para tratar de um assunto que nos preocupa. Trago a esta tribuna um questionamento sobre Segredo de Justiça.

            A relação entre os Poderes da República e a sociedade melhorou bastante, depois da entrada em vigor da Lei Complementar nº 131, Lei da Transparência que acabei de citar, da qual lancei mão. Eu estava pesquisando, ali no meu computador, para entrar nos gastos detalhados da Fundação Nacional de Saúde do meu estado e mostrei que a Fundação está comprando alimentos numa empresa de construção civil.

            É verdade que depois da entrada em vigor da Lei Complementar nº 131, de 2009, a sociedade melhorou, houve uma aproximação maior, uma confiança um pouco maior entre a sociedade e o Estado brasileiro. Mas, em breve, teremos outra grata surpresa: a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação, que obriga os órgãos públicos a abrir todos os seus dados ao cidadão. Essa lei, claro, vem com muito atraso, porque na Suécia essa lei é do Século XVIII. Temos um razoável atraso de quase 300 anos, mas precisamos comemorar a entrada em vigor - a sociedade brasileira, o cidadão e a cidadã brasileira - da Lei de Acesso à Informação, nos próximos dias.

            Isso significa que documentos de todos os níveis de governo e dos três Poderes da República deverão ser oferecidos ao cidadão em linguagem simples e sua pesquisa ser facilitada pelo uso de ferramentas tecnológicas de busca. A lei é muito clara, não cabem outras interpretações. A transparência dos Poderes Públicos é fundamental para o exercício da cidadania, o aprimoramento do serviço público e a prevenção do mal persistente da corrupção.

            Vale lembrar que a partir da entrada em vigor da lei de acesso à informação, nenhum servidor público poderá ser processado penal ou administrativamente por disponibilizar informações demandadas pelo cidadão, o que acontece hoje. Por isso, a partir da entrada em vigor da lei, os funcionários públicos estarão protegidos por lei para oferecer as informações solicitadas pelos brasileiros e brasileiras.

            Em contrapartida a esse avanço, o País continuará convivendo com o Segredo de Justiça, principalmente em processos contra agentes públicos, um dos muitos contrassensos que povoam a nossa República.

            A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, a CPMI do Cachoeira - é assim que está sendo denominada -, cuja documentação está sob forte esquema de vigilância, para que somente os membros da CPMI tenham acesso aos inquéritos das operações Las Vegas e Monte Carlo, é um exemplo desse contrassenso.

            O Congresso Nacional não pode caminhar na contramão dos avanços aprovados pelo próprio Parlamento. Por essa razão, tenho a honra de apresentar aos nobres colegas e aos cidadãos brasileiros e cidadãs um projeto de lei cujo objetivo é suprimir o Segredo de Justiça nos procedimentos investigatórios e processuais nos casos envolvendo - que fique muito claro - os agentes públicos que forem investigados ou acusados de improbidade, peculato ou qualquer delito, ou crime por ele praticado no exercício de suas funções.

            Os agentes públicos, quaisquer que sejam, não devem se beneficiar de privilégios como o Segredo de Justiça, que é uma proteção desnecessária e desmedida. Se os agentes públicos têm responsabilidade da coisa pública, da res publica, nada mais normal que prestem conta dos seus atos de maneira clara e transparente, diante da barra dos tribunais e diante da sociedade. Se o agente é público, a prestação de conta dos seus atos também deve ser pública.

            O Segredo de Justiça, particularmente no Brasil, tem servido para incentivar o vazamento seletivo de informações de parte de inquéritos e processos, segundo os interesses de grupos alinhados com os mais diversos partidos, grupos e sensibilidades políticas, sejam espúrios ou não, tendo pouco ou nada a ver com o objetivo de colocar a verdade em evidência.

            É preciso salientar que o Segredo de Justiça deve existir em certas circunstâncias quando os processos ainda estiverem em instrução, em fase de diligência. Esse projeto de lei também resguarda os procedimentos investigatórios e processuais referentes ao direito de família e ao direito das sucessões, pois dizem respeito à vida privada do cidadão - isso nós não podemos alterar.

            Não se pode defender o Segredo de Justiça quando envolvido em agente púbico no exercício de sua função. Se a lei de acesso à informação do Brasil caminha para ser transparente, porque a cultura no Brasil é a cultura do sigilo, do segredo, a dificuldade para se obter informação dos entes públicos é enorme. Não se consegue informação, na instância próxima do cidadão, a prefeitura; e quando se consegue se leva muito tempo.

            Diversos entes públicos resistem até mesmo a liberar informações que já deveriam estar disponibilizadas com base na Lei Complementar nº 131. A Prefeitura de minha cidade, Macapá, por exemplo, é completamente opaca, não tem nenhuma informação de sua execução orçamentária e financeira.

            Alguns entes públicos... Eu estive olhando no Brasil todo, verificando pessoalmente o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e não encontrei nenhuma informação, Senador Mozarildo, dos gastos daquele tribunal. Mas quando se pesquisa no CNJ, encontram-se as despesas, os gastos detalhados de tudo aquilo que o CNJ compra. Ora, se o CNJ - que é o Conselho Nacional de Justiça - cumpre a Lei da Transparência, é de se esperar que todos os tribunais do País também façam o mesmo.

            Espero que esta informação que estou dando aqui chegue aos ouvidos dessa brava mulher, que é Corregedora do CNJ, Drª Eliana Calmon. Tenho certeza de que, na hora em que ela tomar conhecimento de que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo descumpre uma lei fundamental, uma lei da cidadania, a Corregedora do CNJ vai tomar as providências.

            Se a Lei de Acesso à Informação caminha para ser transparente, comecemos essa jornada abrindo Segredo de Justiça quando o envolvido for agente público. Por que um representante do povo, um Deputado, um Senador, um Governador, um Presidente da República, processado... Acompanhei o processo do Presidente Jacques Chirac, na França, que respondia a um processo criminal de primeira instância desde o início da sua presidência. O juiz o convocou, ele compareceu, e nada disso atrapalhou o exercício da democracia e da presidência na França.

            Por falar na França, queria aqui prestar a minha homenagem a François Hollande, que acaba de ser eleito Presidente da França. Fico satisfeito que o Partido Socialista francês volte ao poder, porque com eles temos uma boa relação, principalmente nós, que moramos na maior fronteira da França com um país vizinho, que é a nossa fronteira da Guiana com o Amapá.

            Um agente público eleito não pode ser diferenciado de outro trabalhador, porque não se fala em Segredo de Justiça para o cidadão comum, para aqueles que respondem às infrações do Código Penal. Não. É tudo aberto. Portanto, essa observação, como disse o Senador Mozarildo, vale tanto para quem exerce o cargo de Presidente da República como para qualquer outro servidor público. Se na Constituição Federal todos são iguais perante a lei, na seara da transparência o agente público não pode ser diferente.

            Estou apresentando esse projeto de lei para acabarmos com o Segredo de Justiça. O Poder Público, a vida pública deste país não pode ser cercado de mistérios, de segredos, nós temos de militar a favor da transparência.

            E, por último, Sr. Presidente, faço um registro. Ontem, eu estive visitando a Base Aérea de Anápolis, convidado pela assessoria parlamentar do Ministério da Aeronáutica, do futuro Coronel Brigadeiro Mesquita. Fomos acompanhados do Major-Brigadeiro Bermudez e tivemos oportunidade de travar contato direto com os comandantes da Base de Anápolis.

            Debatendo com eles, senti naqueles homens que defendem este País uma grande ansiedade pela renovação dos seus equipamentos, pela renovação tecnológica e, mais do que isso, pela necessidade da autossuficiência na produção de material de defesa para o nosso País. Quanto a isso me somo totalmente a esse princípio que a Aeronáutica tem de construirmos os nossos equipamentos de defesa.

            Passo a palavra ao Senador. Concedo a palavra ao Senador Mozarildo para uma participação.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - Senador Capiberibe, quero cumprimentá-lo pela iniciativa desse projeto de realmente acabar com o Segredo de Justiça. Existem muitas coisas nessa nossa República, que ainda não é como a origem etimológica diz, ainda não é uma res publica, no sentido de que tudo tem que ser público, a coisa pública e não privada. Nós ainda temos uma herança das Sesmarias, mas, principalmente do reinado de D. João VI aqui, em que os funcionários da Corte pintavam, bordavam e tudo ficava por isso mesmo. É evidente que estamos evoluindo, as nossas instituições vêm passando, mas é de uma maneira muito lenta que... Veja que em 1914 Rui Barbosa já dizia que de tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver agigantar-se o poder nas mãos dos maus, de tanto ver prosperar a injustiça, o homem honesto chega até a desvanecer, desencantar-se ou até desistir de ser honesto. Mas, até pela formação de médico, confio na recuperação, no avanço e confio em que as coisas podem melhorar. Acho que o Brasil tem melhorado. Agora, não há dúvida, Senador Capiberibe, de que não mudaremos a realidade das nossas instituições enquanto não acabarmos com certos privilégios. Mas também não haverá mudanças enquanto a nossa sociedade, isto é, o nosso povo, não se conscientizar de que a grande mudança é feita pelo povo. O povo, seja por meio do voto principalmente, tem que saber. Não é ficar com esta desesperança de que não pode mudar: “Não. É isso mesmo. É corrupção para todo lado. Isso é assim mesmo. Não adianta brigar contra isso, porque a gente é perseguido e até morto por causa disso.” Eu estou ameaçado de morte desde a eleição passada no meu Estado porque, na verdade, faço oposição ao Governador de lá. Na verdade, é lamentável que essas coisas aconteçam e que a gente ainda esteja assistindo a isso. Portanto, com qualquer iniciativa, como essa de V. Exª, que busque de fato dar transparência, visibilidade a todos, a sociedade terá mais estímulo para participar. E eu espero que, já nas eleições municipais deste ano, em que todos os Municípios do Brasil vão eleger prefeito, vice-prefeito e vereador, a população tenha essa consciência. É o cidadão e a cidadã que podem mudar essa realidade, por intermédio do voto e da pressão popular. Parabéns!

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Senador Mozarildo, eu queria trazer uma lembrança. Nós, nesta semana mesmo, derrubamos um privilégio nosso, um privilégio do Senado, o que mostra que a mobilização da sociedade pode, sim, influenciar o nosso comportamento, as nossas posições.

            O ano tem doze meses e os brasileiros recebem doze salários e um décimo-terceiro salário. Nós tínhamos, além do décimo-terceiro, no passado, o décimo-quarto e o décimo-quinto. Se nós fomos capazes de derrubar esse privilégio, por que não somos capazes de derrubar o Segredo de Justiça?

            Vejam o que está acontecendo na CPI do Cachoeira. Vaza-se aquilo que interessa a determinados grupos. Ora, como vaza isso com tamanha facilidade? Os jornalistas sabem muito mais que os próprios investigadores da CPMI e, antes de iniciar a Comissão Parlamentar de Inquérito, os jornais e as revistas traziam diariamente notícias de dentro do processo. Ora, se o vazamento é geral e não tem conserto, por que insistir com o Segredo de Justiça?

            Ouço o Senador Paulo Paim.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Capiberibe, assistia aqui ao seu pronunciamento, na linha de terminarmos com o Segredo de Justiça. Quero dizer que sou totalmente favorável. Assinei outras iniciativas suas também. E V. Exª me explicava, aqui, a respeito por exemplo do foro privilegiado e outros. E quero dizer que eu concordo plenamente. Como V. Exª disse, antes mesmo da CPI, o próprio Cachoeira era a fonte de informação. Todo mundo sabe. Era a fonte de informação de dados e denúncias a que nós não tínhamos acesso e que estavam sob Segredo de Justiça. Está comprovado por tudo que vazou. Alguém me diz, aí: “Sim, mas o que vem do Supremo?” Não vem mais nada, porque já veio tudo. Eu acho que vem muito mais, ainda, mas se não fosse instalada a CPI, a imprensa estaria divulgado, a pinga-gotas. Então, não existe o chamado Segredo de Justiça. V. Exª também lembra esse outro tema do 13º, 14º e 15º, mas exatamente do 14º e 15º. A Casa decidiu corretamente, é um problema resolvido. Se nós tivemos coragem de fazer esses encaminhamentos, por que a gente não tem coragem, também - eu vou dar um passo à frente e concluo -, de acabar com o voto secreto? Por que tem de ter voto secreto? Eu não consigo entender. Sabe há quanto tempo eu defendo essa tese? Há 26 anos. Briguei na Constituinte e perdi; e o argumento que eu ouvia na Constituinte era o seguinte: “Mas, Senador, daí, o Executivo pressiona o parlamentar, que pode se esconder no voto secreto para derrubar o veto.” Só que eu estou aqui há 26 anos e nunca vi um veto ser derrubado contra a posição do Executivo, seja qual for o governo. A gente fala em tanta transparência e votamos no escuro. Qualquer veto que for feito pelo Executivo, não importa o governo, e que vier para cá não será derrubado; e são projetos aprovados por unanimidade. Eu conheço centenas - centenas - que foram aprovados nas duas Casas por unanimidade e, no voto secreto, na apreciação do veto, foram todos mantidos. Todos. Todos mantidos. Então, se é para ir para a transparência, a PEC 50 está aqui, está na pauta. Está aqui dentro. É de minha autoria a PEC 50. Aprovada, já, na CCJ, só que não vota. Não vota. Se querem ter algumas limitações, que tenham, então, algumas limitações. A minha não tem.

(Interrupção do som.)

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Não tem voto secreto para nenhuma situação. É como no próprio Judiciário. No Judiciário não tem voto secreto. Enquanto os juízes, lá, estão analisando um processo, seja de quem for - seja de Senador, de Presidente da República, de Deputado -, a televisão está transmitindo ao vivo. Por que nós, aqui, temos de manter o voto secreto? Então, quero me somar a V. Exª nessa linha da transparência. Muito obrigado.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Obrigado, Senador Paim.

            Eu quero dizer que sou totalmente de acordo com o fim do voto secreto, e acho que a sociedade, que pressionou para que mudássemos os nossos próprios privilégios, pode pressionar, porque o cidadão que votou em nós quer saber como nos comportamos aqui. Ele quer saber como votamos, qual a nossa decisão, porque a nossa decisão não pode ser individual. Eu aqui represento uma população, um povo que votou em mim. Eu tenho de dar satisfação a eles.

            Em situações de voto secreto aqui, eu já tive de abrir o voto, contrariando o Regimento Interno do Senado. Abri o voto, porque o meu eleitor não iria entender que eu ficasse calado diante de determinadas circunstâncias.

            Portanto, vamos, sim, vamos trabalhar pela transparência: fim do Segredo de Justiça, fim do voto secreto. E também há outras caixinhas de segredo que precisamos abrir para a sociedade brasileira.

            Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/05/2012 - Página 17899