Discurso durante a 131ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas à prorrogação das concessões de energia elétrica pelo Governo Federal; e outros assuntos.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO, TRIBUTOS, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL). EDUCAÇÃO.:
  • Críticas à prorrogação das concessões de energia elétrica pelo Governo Federal; e outros assuntos.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 14/07/2012 - Página 37023
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO, TRIBUTOS, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL). EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, PRORROGAÇÃO, CONTRATO, CONCESSÃO, EMPRESA PRIVADA, REFERENCIA, ENERGIA ELETRICA.
  • COMENTARIO, CRITICA, UNIÃO FEDERAL, REFERENCIA, DESVINCULAÇÃO, RECEITA, ESTADOS, RELAÇÃO, IMPOSTOS, PETROLEO, MOTIVO, ILEGALIDADE, INCONSTITUCIONALIDADE.
  • COMENTARIO, CRITICA, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MANDATO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, LIBERAÇÃO, EXPORTAÇÃO, IMPORTAÇÃO, PRODUTO TRANSGENICO, SOJA, UTILIZAÇÃO, PORTO DE PARANAGUA, ESTADO DO PARANA (PR).
  • COMENTARIO, ELOGIO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ADMISSÃO, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, REFERENCIA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), OBJETIVO, PREVISÃO, AUMENTO, AQUISIÇÃO, PRODUTO, PAIS, RELAÇÃO, GOVERNO ESTRANGEIRO.
  • COMENTARIO, CRITICA, SENADO, DEMORA, VOTAÇÃO, PLENARIO, COTA, NEGRO, UNIVERSIDADE FEDERAL, OBJETIVO, NECESSIDADE, REPARAÇÃO, SOCIEDADE, PAIS, RELAÇÃO, HISTORIA, BRASIL, REFERENCIA, ESCRAVATURA, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Aproveitando esse espaço da sexta-feira, quero abordar, da tribuna, alguns assuntos e algumas questões que me preocupam sobremaneira.

            Quero iniciar pelo que tenho visto nos jornais, nas televisões e nas rádios sobre a prorrogação das concessões de energia elétrica por parte do Governo. É um escândalo anunciado.

            As concessões estão vencendo agora, e tudo indica que o Governo trabalha para prorrogá-las, sob o pretexto de diminuir o custo da energia para o País - V. Exa. abordou o custo altíssimo da energia no Brasil -, eliminando a cobrança de alguns impostos federais. É o absurdo dos absurdos. 

            Veja, Senadora Ana Amélia, que a intenção declarada é diminuir o custo da energia diminuindo impostos. Quando, na verdade, essas usinas geradoras hidrelétricas passam para o patrimônio da União pelo fim das suas concessões.

            Outro dia, conversando com um ex-diretor da Petrobras, meu velho amigo Ildo Sauer, ele me chamava a atenção para esse problema e me dizia: “Requião, o caminho correto para redução do custo da energia ou mesmo viabilização de recursos para investimentos seria a não prorrogação das concessões porque, mesmo empresas públicas como a do Paraná, têm o controle do Estado, mas as ações já foram privatizadas em governos anteriores”.

            A nossa Copel, que era praticamente pública, teve, durante o governo do meu antecessor Jaime Lerner, as suas ações vendidas a preço de fim de feira para o setor privado.

            Então, o que me sugere Ildo Sauer? O que sugere Ildo Sauer à Presidenta Dilma? Cria-se uma empresa pública que fica com o controle dessas concessões. Mais, diriam os liberais, mais uma empresa pública, mais milhares de empregos e de salários e de desordem administrativa? Não. A empresa pública pequena e enxuta, com meia dúzia de funcionários, teria titularidade das concessões, e a operação dessas empresas cuja concessão está vencendo seria viabilizada exatamente pelas empresas que já estão operando. Nós teríamos então o modelo de empresa pública com operação privada. E, segundo Ildo Sauer, isso daria para o Governo, de uma forma rasa e um cálculo simples, no mínimo, dez bilhões de reais por ano. Nós não estaríamos mantendo a privatização, não estaríamos viabilizando benesses para o setor privado que, na bacia das almas de governos anteriores, comprou as ações dessas empresas. E estaríamos viabilizando que o Governo da União aplicasse esses dez bilhões na redução do custo da energia elétrica sem a privataria ensaiada.

            Então, uso a tribuna esta manhã para chamar a atenção para esse escândalo anunciado.

            Por outro lado, Presidenta... Nossa Presidenta da Mesa... É o vezo agora, não é Senadora Ana Amélia? Temos “presidenta”, logo teremos “estudanta” e teremos os “massagistos”.

            Outro dia me dizia um funcionário do gabinete: “Senador Requião, eu vou me ausentar à tarde porque vou no “massagisto”.

            São os vezos da publicidade do Governo. Não acho que isso seja a real valorização das mulheres; é uma anarquia vernacular apenas.

            Temos notado, Senadora Ana Amélia, que a nossa Cide, esse imposto, essa taxa, essa contribuição sobre o petróleo, está sendo submetida à desvinculação de receita da União. Isso, Senadora, é rigorosamente ilegal e inconstitucional.

            É claro que a União pode estabelecer uma desvinculação de receita, mas ela não pode viabilizar essa desvinculação de receita antes de dar a Estados e Municípios a parte que lhes cabe, ou seja, os 29%.

            O que a União está fazendo em relação a isso?

            Primeiro, ela opera a desvinculação e depois a distribuição.

            Essas transferências não podem ser objeto de desvinculação de receita porque elas são constitucionais, portanto, não podem ser atingidas por esse processo, que, entre outras coisas, milita a favor da paralisação da economia, porque retira dinheiro de Estados e Municípios, que seria imediatamente investido na manutenção, por exemplo, de suas estradas.

            Nesse sentido, estou redigindo, com apoio da minha assessoria, uma proposta de emenda constitucional que altera o § 1º do art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para dar interpretação à DRU (Desvinculação de Receita da União), excluindo de sua base de cálculo a transferência da parcela da Cide destinada aos Estados.

            Quero, inclusive, solicitar desta tribuna o apoio e as assinaturas necessárias dos Srs. Senadores e das Sras. Senadoras para que a gente possa impedir definitivamente que a DRU recaia sobre um recurso que precisa ser investido e que constitucionalmente não pode ser objeto de desvinculação.

            Outra preocupação que quero abordar desta tribuna é a reação do establishment contra a moralização que fiz no Porto de Paranaguá. O Porto de Paranaguá, durante a minha administração e na gestão de Eduardo Requião, o meu irmão, acabou com as filas, através de um tratamento logístico adequado. Como é que essas filas se acumulavam no período anterior à minha administração? A falta de silos, no Brasil, levava a que, depois da colheita, a soja fosse colocada em caminhões e fosse para o mercado spot de Paranaguá. Ela não tinha data de embarque, ela não tinha comprador contratado, ela não tinha o navio agendado. E as estradas do Paraná, sem nenhuma condição para os caminhoneiros, se transformavam em silos, com estacionamento, às vezes, de centenas de quilômetros. Passamos a exigir que só fosse enviada para o Porto de Paranaguá a soja previamente comercializada e o Porto de Paranaguá passou a ter uma agilidade extremamente superior à do conjunto dos portos brasileiros.

            Em determinado momento, exigimos, no Porto de Paranaguá, a separação da soja transgênica e da soja convencional não contaminada pela transgenia. Isso foi objeto de gritos de partes do setor empresarial comprometidos com as tradings e, evidentemente, pelos interesses da Monsanto, monopolista da transgenia, que não queria deixar que o Brasil pudesse vender soja convencional, que tem, no mercado internacional, um preço significativamente maior do que o da soja transgênica. Até ações contra o superintendente do porto tramitam hoje na Justiça. Por iniciativa do Partido dos Trabalhadores, o Porto de Paranaguá viabilizou uma lei, que eu sancionei, votada pela Assembleia Legislativa, proibindo a exportação da transgenia. Queríamos o Paraná livre dos transgênicos, conseguindo um preço melhor e uma qualidade significativa de soja no mercado internacional.

            Numa reunião com o Presidente Lula, tive dele esta garantia: o Paraná será uma exceção. Àquela época, a transgenia não entrava no Paraná com a velocidade com que entrou no Rio Grande do Sul, por exemplo. O transgênico, no Rio Grande, teve uma proliferação extremamente rápida em função das más condições das lavouras gaúchas, dos insos. Reclamavam a utilização do glifosato para o plantio, e a única soja que resistia ao glifosato era a soja transgênica.

            Para minha surpresa, depois desse acordo que fiz com o Presidente da República e com o ex-Ministro José Dirceu, sai uma medida provisória exatamente em sentido contrário, liberando a transgenia, e, na Justiça, derrubam a lei que garantia ao Porto de Paranaguá a exclusividade da soja convencional.

            A partir de então, passamos a exigir, no Porto de Paranaguá, a separação. Tudo bem. O Porto exportaria soja transgênica também, mas não exportaria misturada com a soja convencional de melhor qualidade e melhor preço no mercado internacional.

            Até hoje somos - quando digo somos, refiro-me ao superintendente do Porto - objeto de ações do Ministério Público Federal para cobrar indenizações por ter atrapalhado os trabalhos da Monsanto no Brasil. Absolutamente terrível o comportamento do Ministério Público. Eu espero que isso seja rapidamente derrubado em juízo.

            Recentemente, o nosso Supremo Tribunal consolidou outra questão que também envolve o Porto de Paranaguá, que é a publicação do salário completo, da folha de pagamento dos funcionários públicos, dos funcionários das empresas públicas, como é o Porto de Paranaguá, que, embora seja uma empresa pública especial, conta com significativa receita da sua operação.

            Durante uma greve no Porto de Paranaguá, conhecido até então, como todos os portos do Brasil, pela comercialização das sentenças trabalhistas, das reivindicações trabalhistas que eram vendidas pelos trabalhadores a escritórios de advocacia, recebiam uma parcela miserável da sua reivindicação, e os escritórios ficavam com a titularidade das indenizações, uma verdadeira maracutaia na Justiça Trabalhista que atinge portos brasileiros.

            Durante uma greve, o superintendente do Porto publicou os salários dos grevistas que diziam que estavam morrendo de fome. Era uma fome sui generis, porque os salários do Porto eram os salários mais altos do Estado do Paraná. Em função dessa publicação, o superintendente do Porto passou a ser acionado judicialmente e condenado por danos morais relativos à publicação dos salários, da folha de pagamento.

            Pode recorrer sim, mas esse recurso só se dá com o depósito de uma quantia em juízo, isso no momento em que o Supremo Tribunal Federal diz que a Constituição garante a publicação das folhas de pagamento dos funcionários públicos das fundações, das autarquias, de tudo o que estiver vinculado ao interesse público e ao funcionalismo da administração direta ou indireta da União, dos Estados e dos Municípios.

            Nesse sentido, Senadora, eu tenho um projeto que está sendo relatado pelo Senador Luiz Henrique da Silveira na Comissão de Constituição e Justiça dirimindo definitivamente essa questão, baseado inclusive nas decisões do Supremo Tribunal Federal.

            De certa forma, estou mostrando que o privativismo tentava atingir a administração pública do Porto de Paranaguá. Tivemos contestada a compra de uma draga na China. Quarenta e dois milhões de reais custaria essa draga. Foram para a Justiça, criaram confusões incríveis e hoje essa draga que não foi comprada, Senadora... Foi alugada uma draga semelhante para uma operação de seis meses. A draga comprada pelo porto por R$42 milhões funcionaria por 30 a 40 anos, servindo ao Porto de Paranaguá e à dragagem dos portos do Sul do Brasil. Mas, por seis meses, o atual Governo, que não se interessa pela compra da draga, e as medidas judiciais que impediram que a compra e a venda fossem realizadas originaram um aluguel por R$36 milhões por seis meses.

            Então, estou tentando demonstrar nesta tribuna que há uma verdadeira guerra de privatização, a tentativa de desmoralizar a austeridade na administração dos portos públicos, que são a porta de entrada e de saída das economias e que, se ficarem nas mãos de grupos econômicos privados, servirão a esses grupos e não ao desenvolvimento harmônico de Estados e de regiões.

            Situação extraordinariamente constrangedora sofremos nós, no Paraná.

            Enquanto isso, Senadora, tenho a notícia de que o nosso ex-Presidente privatizante, Fernando Henrique, recebe, exatamente pelos favores que fez ao neoliberalismo e à privatização, um prêmio de US$1 milhão de uma biblioteca em Washington, prêmio que inclusive foi, conforme notícia que tivemos neste plenário, assistido pelo nosso Senador Aécio Neves

            Um milhão de dólares como prêmio à política entreguista, no momento em que nós estamos precisando fortificar o bloco do Mercosul, para sobreviver ao assédio dos convênios e dos contratos bilaterais que nos transformarão, definitivamente, em uma fazenda, primarizando a economia, impedindo o desenvolvimento. E tudo isso em torno da entrada ou não da Venezuela, que seria um oxigênio interessantíssimo para o Brasil e para a Argentina, com os seus US$366 bilhões de Produto Interno Bruto.

            A entrada da Venezuela é indispensável para a resistência do Mercosul, dos países do Conesul latino-americano, na luta pela sobrevivência, em relação ao debacle da economia norte-americana, que contamina o Planeta.

            No Paraná, Senadora - vejo aqui no Jornal Agrosoft -, o preço do frete ferroviário é 70% maior do que o custo estimado por um simulador montado a partir de São Paulo - 70% mais caro. E quem controlava isso, Senadora, era o famoso Bernardo Figueiredo, que derrubamos aqui no Senado, para não ser o novo Presidente da ANTT. Há uma ou duas semanas, praticamente todos os dirigentes da Valec foram presos por desvios monumentais de recursos públicos.

            Durante o período em que o famoso Dr. Juquinha foi presidente da Valec, se não me engano, o diretor financeiro da Valec era o Sr. Bernardo Figueiredo, que nós impedimos de ser presidente da ANTT e que agora é indicado, pela nossa Presidente Dilma, para a presidência da companhia do inútil, inadequado, inoportuno trem-bala, que o Governo Federal pretende fazer. Ou ele é um altista e não percebeu o que ocorria na Valec, ou não sei o que ele é, se não é altista e se percebeu, realmente, o que ocorria. Eu fico imaginando por que não fez parte dessa ação do Ministério Público Federal e da Polícia Federal neste momento.

            Tudo isso me preocupa sobremaneira, mas quero abordar agora o assunto que realmente me trouxe a esta tribuna.

            Há algumas sessões, uma vez que já está sobre a mesa do Senado, deveríamos ter votando aqui no plenário as cotas das universidades.

            Mas não sei por que, por falta de acordo de lideranças, isso não foi posto em votação até agora. Pronunciei um discurso a respeito disso outro dia e o Senador Paulo Paim me solicitava que repetisse os argumentos. É o que vou fazer, neste momento, Senadora que preside a nossa sessão de hoje, Ana Amélia.

            O que discutimos no caso das cotas é um dos raros gestos de reparação da sociedade brasileira, a mais ignominiosa passagem de nossa história: a escravidão dos negros. Ao mesmo tempo, um passo a mais no combate ao preconceito. E eu vejo uma grande resistência à votação dessa Lei de Cotas, que já foi aprovada na Comissão de Direitos Humanos.

            O preconceito, Senadora, é uma praga, é uma doença, é uma dessas urticárias difíceis de se livrar. O preconceito está tão enraizado na nossa cultura que até mesmo Joaquim Nabuco, o mais lúcido e ardente dos abolicionistas, não escapou de se resvalar nele. Seu liberalismo, o do Joaquim, sua dedicação à causa da extinção da escravatura, todavia, não o impede de fazer uma dura reprimenda a José Veríssimo, quando este, em artigo publicado logo depois da morte de Machado de Assis, refere-se ao nosso maior escritor como mulato, como mestiço. Nabuco enfurece-se.

            Diz ele em carta a Veríssimo (abre aspas):

“(...) Eu não teria chamado o Machado mulato e penso que nada lhe doeria mais que essa síntese. (...) Machado [continua Joaquim Nabuco na sua carta] para mim era um branco, e creio que por tal se tomava; quando houvesse sangue estranho, isso em nada afetava a sua perfeita caracterização caucásica. Eu, pelo menos, só vi nele o grego. O nosso pobre amigo, tão sensível, preferiria o esquecimento à glória com a devassa sobre suas origens.”(Fecha aspas.)

            E olha que Veríssimo diz que Machado de Assis foi um gênio, apesar de mulato. Mas nem isso Nabuco aceita. Ele exige a exclusão de qualquer referência às origens raciais do fundador da Academia Brasileira de Letras.

            Ainda há quem se escandalize quando a Caixa Econômica Federal põe no ar uma propaganda com Machado de Assis retinindo de branco.

            Nada é gratuito, nada é ao acaso. Estamos fortemente atados a nossa formação, a nossa história, às jaboticabas dos nossos quintais. O que são as nossas instituições e as nossas comunicações senão a mais acabada, a mais miserável, a mais vexatória expressão do conservadorismo, do racismo e do preconceito. Não é à toa que fomos o último país a liberar os negros da escravidão. Não é à toa que a abolição da escravatura tenha se arrastado no Congresso Imperial por tanto tempo e que ela tenha vindo aos soluços, aos trancos e barrancos, a cada etapa fazendo supostas concessões, verdadeiras fraudes ao objetivo final.

            Eu lembro aqui essa história recorrente do antissemita, que declara: “Não, mas eu tenho um amigo judeu.” Ele tem um e detesta a origem de todos os outros. Essa diferenciação do racista é clássica na sociologia brasileira. Nunca é demais lembrar que até mesmo alguns dos defensores do fim da escravatura, que se diziam doutrinariamente liberais, queriam que os proprietários de negros fossem indenizados a pretexto de que os contratos deveriam ser honrados, pacta sunt servanda, que os proprietários de negros não poderiam ser privados assim sem mais ou menos de suas posses. Consideravam os negros posses, propriedade dos escravocratas.

            Estão aí os avós de nossos liberais de hoje, que também desfraldam o princípio do pacta sunt servanda, ainda que os contratos sejam nocivos aos interesses nacionais.

            Ó Deus, ó Deus! À medida que a escravidão não foi combatida na imprensa, nos púlpitos, na Academia, não tivemos no País uma cultura antiescravagista. Não se disseminou no País um sentimento de solidariedade aos negros, um sentimento de horror, de repulsa à barbárie escravocrata. Pelo contrário, havia uma convivência com aquela bestialidade, com aquela ignomínia, como se tratasse da coisa mais normal sobre a face da Terra.

            A omissão da Igreja neste Brasil, à época, 100% católico, foi fundamental para que não houvesse entre nós esta cultura antiescravagista, que resultasse, na sequência, em uma cultura antirracista, uma cultura humanista que inculcasse em nossas elites sentimentos civilizados. Débeis que fossem esses sentimentos, já seria, Senadora, alguma coisa.

            Sobre o papel da Igreja na luta contra a escravatura dos negros, diz Joaquim Nabuco, em "O Abolicionismo":

            - “Em outros países, a propaganda da emancipação foi um movimento religioso, pregado do púlpito, sustentando com fervor pelas diferentes igrejas e comunhões religiosas. Entre nós, o movimento abolicionista nada deve, infelizmente, à Igreja do Estado; pelo contrário, a posse de homens e mulheres pelos conventos e por todo o clero secular desmoralizou inteiramente o sentimento religioso de senhores e escravos. No sacerdote, estes não viam senão um homem que os podia comprar, e aqueles a última pessoa que se lembraria de acusá-los. A deserção, pelo nosso clero, do posto que o Evangelho lhe marcou, foi a mais vergonhosa possível: ninguém o viu tomar a parte dos escravos, fazer uso da religião para suavizar-lhes o cativeiro, e para dizer a verdade moral aos senhores. Nenhum padre tentou, nunca, impedir um leilão de escravos, nem condenou o regime religioso das senzalas”.

            Conclui Nabuco: "A Igreja Católica, apesar do seu imenso poderio em um país ainda em grande parte fanatizado por ela, nunca elevou no Brasil a voz em favor da emancipação"

            Já é tarde, mas ainda é tempo de termos o apoio das igrejas, de todas elas, a política de cotas que uma parte lúcida e civillizada do Congresso Nacional pretente implantar.

            Com essa omissão da Igreja, Nabuco antevê uma dificílima tarefa pós libertação dos escravos. Dizia ele: "Essa obra - de reparação, vergonha ou arrependimento, como a queiram chamar - da emancipação dos atuais escravos e seus filhos é apenas a tarefa imediata do abolicionismo. Além dessa, há outra maior, a do futuro: a de apagar todos os efeitos de um regime que, há três séculos, é uma escola de desmoralização e inércia, de servilismo e irresponsabilidade para a casta dos senhores (...)".

            E completa:

            - Depois que os últimos escravos houverem sido arrancados ao poder sinistro que representa para a raça negra a maldição da cor, será ainda preciso desbastar, por meio de uma educação viril e séria, a lenta estratificação de trezentos anos de cativeiro, isto é, de despotismo, superstição e ignorância".

            Desgraçadamente isso não aconteceu, e o próprio Nabuco, como vimos, resvala no preconceito, é traído pela formação da elite liberal brasileira. Quer dizer, quando os nossos liberais abraçam uma causa humanitária, civilizadora fazem questão de distanciar-se da cozinha. Daí a resistência no Congresso Nacional à política de cotas.

            Se acaso, na juventude, estudantes tenham agitado a academia, depois de formados, os doutorzinhos incorporam rapidamente os senhorzinhos.

            E a mídia? Como se comportavam os nossos peculiaríssimos liberais, que eram donos de meios de comunicação, historicamente?

            Tirante os jornais que se dedicavam à propaganda contra a escravidão, cuja razão de ser era essa, os demais veículos defendiam o ponto de vista dos escravocratas e também queriam ver os donos de negros indenizados pela perda da propriedade.

            Quando os movimentos liberais radicalizam-se, como os casos da Revolução Pernambucana, 1817; Confederação do Equador, 1824; Balaiada, 1838-1841; Sabinada, 1837-1838; Cabanagem, 1835-1840; Farroupilha, 1835-1845, os nossos liberais de fancaria horrorizam-se, porque todos esses movimentos tinham em comum a participação popular, a luta contra a escravatura, a criação de uma República como a nascida da Revolução Francesa.

            Enfim, a modernização das instituições e das relações econômicas e sociais.

            Por isso, Sras. e Srs. Senadores, a política de cotas é uma pequena, modesta ainda, insignificante reparação à barbárie da escravidão dos negros, condenados ao opróbrio por causa da cor da pele.

            Existe ignomínia maior do que essa?

            É evidente que o projeto relatado pelo Senador Paim pode e seguramente não é perfeito, mas a contraposição ao seu avanço e à sua evolução é produto da educação pseudoliberal, esse liberalismo que, como as jabuticabas, praticamente só existe no Brasil; como disse no discurso que fiz outro dia sobre o mesmo tema e do qual este é praticamente a transcrição e a repetição, uma jabuticaba que só existe no Brasil, como o diploma dos jornalistas que pretende transformar numa atividade corporativa o exercício da divulgação de opiniões e da inteligência.

            É, portanto, o imperativo do avanço civilizatório do brasileiro que a Mesa coloque rapidamente em votação o projeto das cotas e que este Senado se manifeste sem receio, com coragem, no sentido da evolução civilizatória do País.

            Com a palavra o Senador Mozarildo Cavalcanti.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - Senador Requião, quero cumprimentá-lo pela análise que faz da questão da escravidão, da emancipação dos escravos ou abolição da escravatura, como queira chamá-la, porque realmente este é um tema, como disse bem V. Exa., aquele gesto foi, na verdade, precedido de um gradualismo, como a Lei do Ventre Livre e a Lei do Sexagenário, até chegar à abolição com essas restrições que V. Exa. colocou, fatos históricos, como é histórico também que, como disse V. Exa., a Igreja não se envolveu em nenhum desses movimentos, ao contrário da maçonaria que se envolveu em todos eles, foram ações ilustres no Senado, no Parlamento brasileiro, que trabalharam por isso. E mais: a maçonaria passou a adotar o seguinte lema, no momento que abraçou a causa: se nós dizemos que somos homens livres e de bons costumes, nenhum maçom poderia ter escravo, portanto os maçons começaram imediatamente a dar a alforria a seus escravos sem indenização, e, a partir daí também, a maçonaria só aceitava nos seus quadros quem não tivesse escravos ou quem os emancipasse. Mas disse V. Exa. muito bem: só o fato de abolir a escravatura, que foi importante, realmente não resgata a dignidade desses cidadãos e cidadãs. Essas cotas, para mim, inclusive como está o projeto agora, ficam redondas, porque não são só os negros; negros, índios e...

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - E os mais pobres, oriundos das escolas públicas.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - Exatamente. Então, dessa forma, acho que é uma proposta muito realista, porque - vamos dizer -, no meu Estado, por exemplo, 30% de índios - não sei quanto temos de negros, assim, de cabeça, mas alguma coisa equivalente -, então por que não atender a essa população? E por que não atender também aos brancos pobres que vêm de escola pública? Eu concordo com V. Exa. e de acordo, justamente, com o meu pensamento, eu vou votar a favor desse projeto, porque acho que ele é um projeto justo. Não é, como dizem, eu já li isso na imprensa, um projeto que tira a meritocracia. Não é verdade. Eu acho que a meritocracia vai se fazer. E já temos exemplos de alunos que entraram em algumas faculdades que aceitam as cotas, que entraram pela cota, e são brilhantes estudantes dentro das universidades. Não é o vestibular que iguala todo mundo, que vai dizer que o estudante vai ser bom depois. Então, eu quero, portanto, cumprimentar V. Exa. e dizer que esse projeto está justo, redondo, e deve ser realmente colocado em votação o mais rápido possível.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Eu só faria, Senador Mozarildo, um reparo ao projeto: ele quantifica o número de cotistas em função de sua presença estatística nos Estados. O mais se resolve pelo princípio do mérito ou da nota. Eu acho que esse impasse, esse problema, pode levar a que as regiões mais pobres, por exemplo, do meu Estado, o litoral, onde existem os descendentes de índios e de negros em grande quantidade e não há escolas com qualidade da capital, por exemplo, sejam prejudicados.

            Mas não seria isso que me faria votar contra o projeto, porque esse problema pode ser facilmente corrigido pelo Ministério da Educação na regulamentação da matéria. Então, nós temos é que votar rapidamente isso, o País precisa avançar. Nesta questão, nós não podemos ter a lentidão do governo. E já que fiz aqui e assisti também com interesse e entusiasmo ao discurso da Senadora Ana Amélia, ontem ao discurso do Senador Ferraço, sobre a lentidão com que o Governo Federal está tomando providências contra a crise, eu quero dizer que a minha postura não é a postura de crítica ou de oposição ao governo, é a crítica para construir. Há 11 meses o Ministério dos Transportes não consegue realizar uma licitação. A Presidenta insiste em colocar na aventura do trem-bala um sujeito rejeitado pelo Plenário do Senado. Portanto, a sua idoneidade foi questionada aqui, ela não é indiscutível. Nós estamos com a ANTT com diretores nomeados, sem que o Senado tenha analisado e aprovado as suas indicações.

            É um artifício que subtrai do Congresso, e principalmente do Senado da República, as suas prerrogativas de julgamento, de confirmação das escolhas da Presidente. Ou seja, nós estamos com problemas sérios de gestão, estamos caminhando no caminho terrível da anarquia ou, como diria Stanislaw Ponte Preta, da chalaça. Nós estamos sendo colocados num plano de desconsideração absoluta.

            Não é possível que o Congresso não tenha nenhuma opinião, que os discursos não tenham nenhum eco na política econômica do Brasil. Nós não vamos bem, nós estamos com problema de gestão.

            A nossa Presidente Dilma foi eleita, entre outras coisas, pela qualidade de gestão demonstrada no governo do Presidente Lula. Mas hoje ela acaba tendo o papel do Presidente Lula: da participação na política internacional, da presença em encontros dos países.

            E nós estamos, no Brasil, rigorosamente sem gestão. É preciso que a Presidente corrija esse problema, porque chamar a “presidente” de “presidenta” ou o “massagista” de “massagisto” não vai resolver os problemas do Brasil. Isso tudo é folclore, e como folclore passará para a história.

            Gestão, Presidente Dilma! Gestão é do que o Brasil precisa.

            A SRA. PRESIDENTE (Ana Amélia. Bloco/PP - RS) - Obrigada, Senador Requião.

            Praticamente concluímos o nosso pronunciamento hoje da mesma maneira. Eu pedi a ela: “Mãos à obra, Presidente Dilma Rousseff!” E também à equipe, porque é inacreditável esse dado a que V. Exa. se refere: 11 meses sem uma licitação feita numa área em que nós precisamos correr contra o tempo.

            Vamos ter uma Copa do Mundo em 2014, muitas das questões não foram ainda resolvidas, e só 20% das obras que estão no PAC ou nos outros programas que o governo lançou foram realizadas, segundo a auditoria do Tribunal de Contas da União, Senador Requião.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Senadora Ana Amélia, V. Exa. me enseja uma observação.

            Todos nós temos observado os ataques que o Ministro Mantega está sofrendo da mídia. Há toda uma pressão para a volta do liberalismo econômico no Brasil, o prêmio do Fernando Henrique nos Estados Unidos, por ser privatista, por defender a integração da Alca, ao invés do Mercosul. Tudo isso é cantado em prosa e verso.

            O Ministro Mantega está correto. Ele é um homem correto, ele é um homem sério. Só que as medidas econômicas que não estão agradando os bancos e os neoliberais não estão sendo tomadas com a profundidade e a energia necessárias.

            Mas a critica que se faz ao Mantega, anunciando previamente a possibilidade da sua substituição, é a crítica do liberalismo econômico, é a crítica dos defensores da Alca, é a crítica daqueles que querem perenizar o Brasil como um produtor de commodities. Querem para o Brasil aquilo que a Inglaterra queria para os Estados Unidos na época da Independência, quando George Washington vira a política, cria a nova política americana; Alexander Hamilton, Ministro da Fazenda - não sei exatamente à época da Independência qual seria o nome do seu Ministério - o Henry Charles Carey, Henry Clay, Henry Frederick Lippitt, os autores da nova economia americana valorizando não os Estados Unidos como produtor de matéria-prima, de mão-de-obra barata, mas como inovador de tecnologia, produtor, transformador e transformando os Estados Unidos no que ele se transformou até cair na armadilha da financeirização que colocou, a ele e ao mundo inteiro, nessa sinecura que estamos hoje. Mas temos que entender com cuidado as manobras da grande imprensa.

            Eu assumo aqui com toda clareza e entusiasmo a defesa do Ministro Mantega. Ele está certo. Agora, ele precisava da mão forte da Presidenta autorizando medidas mais duras. Quem não gosta do Ministro Mantega é banqueiro, não é o povo brasileiro.

 

DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ROBERTO REQUIÃO EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

Matéria referida:

            - Agrosoft (No Paraná, frete ferroviário é 70% maior do que custo estimado por simulador.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/07/2012 - Página 37023