Discurso durante a 148ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro da participação de S.Exa. na primeira audiência pública sobre a Proposta de Emenda à Constituição que institui o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Segurança Pública; e outro assunto.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. DIREITOS HUMANOS.:
  • Registro da participação de S.Exa. na primeira audiência pública sobre a Proposta de Emenda à Constituição que institui o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Segurança Pública; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 15/08/2012 - Página 41569
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, AUDIENCIA PUBLICA, RELAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, CRIAÇÃO, FUNDO NACIONAL, DESENVOLVIMENTO, SEGURANÇA PUBLICA, OBJETIVO, BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, SEGURANÇA, CIDADÃO.
  • REGISTRO, TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), JULGAMENTO, RECURSOS, CORONEL, APOSENTADO, EXERCITO, ACUSADO, TORTURA, DURAÇÃO, DITADURA.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sra. Presidente, Srs. Senadores, Sras. Senadoras, telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, na linha do discurso do Senador Jorge Viana, vou abordar aqui um evento de que participei ontem, cuja preocupação é a situação de guerra urbana que estamos vivendo. Aliás, não é só urbana; hoje os assassinatos acontecem nas grandes cidades, nas médias e também na área rural do nosso País.

            A reforma do Código Penal é fundamental. O Senador Jorge Viana fez uma explanação brilhante a respeito do debate da Comissão Especial que trata desse tema.

            Quero aqui fazer referência à presença do Estado brasileiro nas regiões mais isoladas e também nas periferias urbanas.

            O Estado brasileiro foi constituído por poucos; principalmente o Estado Republicano, no século XX, foi constituído por poucos e para poucos. E as nossas cidades têm um núcleo que interage - um núcleo que é dotado de todos os instrumentos modernos de vida urbana - e uma enorme periferia, que engole esse núcleo central.

            Mas faço referência à primeira audiência pública que realizamos sobre a PEC nº 24, que institui o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Segurança Pública. É uma proposta que tramita no Senado e busca soluções para os problemas da segurança do cidadão e da cidadã brasileira.

            À convite do Presidente da Comissão de Segurança Pública e Defesa Social de Mato Grosso do Sul, Deputado Cabo Almi, estive ontem, ao longo do dia, apresentando a PEC nº 24, que consiste em identificar fontes de recursos para compor um fundo nacional que possa sugerir também uma política nacional de segurança pública, que é o que nos faz falta.

            A segurança do cidadão e da cidadã é delegada aos Estados brasileiros. São os Estados que se encarregam de nos garantir a segurança; e sentimos uma precariedade. Há um sentimento de insegurança do cidadão. É necessária uma política nacional, e, como não se faz política sem orçamento público, a nossa sugestão, a nossa proposta, que tramita na Casa, tem objetivos claros de suprir essas necessidades de recurso dos Estados.

            O fundo será composto de parcelas de contribuição já arrecadada. A nossa ideia não é onerar, aumentar a carga tributária, até porque nós consideramos que a nossa carga tributária é grande, levando em consideração os serviços que o Estado presta. Portanto, a ideia é compor um fundo, retirando uma parcela do ICMS e do IPI sobre a venda de armas e material bélico, até porque se supõe que esses instrumentos belicosos sejam causadores desse índice alarmante de assassinatos que temos no País e que acontece em todos os Estados brasileiros.

            Também a ideia é que as empresas de segurança privada contribuam com uma parcela do que elas já pagam de ISS; que ela seja destinada a esse fundo mais 3% do lucro líquido dos bancos. Eu estou falando do lucro líquido para que ninguém tenha dúvida de que essa contribuição dos bancos não iria onerar, não poderia mais se descarregar nas costas dos correntistas. Quando lemos, no final do mês, o nosso extrato bancário, há vários descontos de taxas que os bancos cobram. É em cima do lucro líquido dos bancos, 3%. Se o banco não der lucro, não recolhe. Mas não é o caso. Os bancos, nessas últimas décadas, são as instituições privadas que mais geraram lucro neste País. Portanto, esses bancos necessitam de segurança e ocupam a segurança pública. É muito comum vermos, na porta dos bancos, os policiais militares dando proteção a esses bancos.

            Esses recursos seriam arrecadados pelo Governo Federal e transferidos para a execução financeira dos Estados. Compor-se-ia um conselho de segurança pública estadual que iria gerir esse fundo de forma autônoma, como o Sistema Único de Saúde, Senador Mozarildo. O senhor conhece bem o Sistema Único de Saúde e sabe que é absolutamente independente na execução financeira. Esses recursos arrecadados das diversas fontes iriam para esse fundo nacional e, então, seriam repassados de acordo com critérios. Alguns já estão estabelecidos aqui.

            Nós colocamos como um dos critérios importantes que aqueles Estados que melhor remunerem os profissionais da segurança pública tenham mais recursos, e os Estados que têm um índice mais elevado de matrículas de jovens no ensino básico. Enfim, são dois ou três critérios, e o restante, então, sairia em uma lei, a lei que vai regulamentar essa proposta de emenda constitucional.

            Ontem, então, a Comissão de Segurança da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul reuniu-se, em audiência pública proposta pelo Cabo Almi, que é um líder também oriundo dos profissionais de segurança pública. Estivemos ali reunidos com um Deputado Federal também, que esteve lá conosco, emprestando apoio; os Senadores de Mato Grosso, igualmente, estão apoiando essa PEC; esteve conosco o Deputado Vander Loubet, que se manifestou, naquele momento, apoiando a proposta; o Secretário de Estado de Segurança Pública de Mato Grosso do Sul, Wantuir Francisco Brasil Jacini; o Comandante-Geral da PM, Carlos Alberto David dos Santos; o Presidente da Associação Nacional de Cabos e Soldados, Leonel Lucas, do Rio Grande do Sul; e outros presidentes de associações, que conhecem muito bem a Senadora Lúcia Vânia, que preside esta sessão, falaram muito bem de V. Exa., falaram inclusive quem tinha lhe apresentado a PEC 24. Além disso, estiveram presentes lideranças de 18 Estados brasileiros.

            Na audiência pública, os participantes debateram e sugeriram algumas mudanças no projeto e apresentaram sugestões relevantes, como, por exemplo, destinar um percentual desse fundo para remuneração dos servidores da segurança pública, o que me parece uma reivindicação muito pertinente. Outra sugestão foi incluir outros profissionais da área, o que não estava previsto no art. 44, no qual nos baseamos para definir quais seriam as instituições que gozariam dos financiamentos desse fundo.

            Portanto, foi um momento de intenso debate, com a contribuição de líderes dos trabalhadores da segurança pública de todo o País, no sentido de aprimorar essa proposta, para que a gente possa, aqui nesta Casa, aprová-la e depois encaminhá-la à Câmara dos Deputados, onde nós temos a Liderança do PSB, do nosso Partido, através do Líder Carimbão, que já está comprometido em promover o debate lá na Câmara.

            Eu fiquei muito feliz de ter participado e conhecido a bela cidade de Campo Grande, uma cidade limpa, organizada, aprazível, como também o seu povo, que nos recebeu muito bem. Tivemos uma recepção muito carinhosa.

            Portanto, queria agradecer a todas as lideranças que nos acolheram em Campo Grande e dizer-lhes que estamos aqui à disposição para novas audiências públicas, para que a gente possa explicar cada vez melhor e acrescentando aquilo que falta na PEC.

            O outro tema que gostaria de abordar nesta tarde é que, neste momento, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julga o recurso do Coronel aposentado do Exército e torturador Brilhante Ustra. A Justiça paulista deverá decidir se é procedente a sentença de outubro de 2010 que declarou o ex-Comandante do DOI-Codi culpado pela tortura de três integrantes da família Teles nas dependências daquele órgão.

            Segundo entidades de direitos humanos, no período em que Ustra esteve à frente da unidade do DOI-Codi, foram torturadas no local 502 pessoas, sendo que 40 foram assassinadas, morreram na tortura.

            O Tribunal de Justiça de São Paulo retomou hoje, às 13 horas, o julgamento do recurso do Coronel reformado Brilhante Ustra contra aquela sentença de 2010 que o declarou culpado pela tortura dos integrantes da família Teles.

            A ação foi movida em 2005 e é de caráter declaratório. A intenção é apenas que a Justiça reconheça Ustra como torturador e que ele causou danos morais e à integridade física de Maria Amélia de Almeida Teles, César Augusto Teles, Criméia Schmidt de Almeida, Janaína Teles e Edson Teles, durante o período em que estiveram detidos, no começo dos anos 1970.

            A sentença de primeira instância foi dada pelo Juiz Gustavo Santini, da 23ª Vara Civil. Ele julgou improcedente, no entanto, o pedido de Janaína e Edson, filhos de Maria Amélia, com quatro e cinco anos na época em que seus pais foram torturados. Na ocasião, foi a primeira vez na história do País em que houve o reconhecimento judicial de que um agente de Estado participou efetivamente de torturas contra civis - anteriormente, todas as decisões semelhantes haviam sido dadas contra a União. Em sua sentença, Santini refutou o argumento dos advogados de Ustra de que o processo não poderia continuar em razão da Lei da Anistia.

            O julgamento do recurso do coronel reformado teve início em maio deste ano. Após a sustentação oral do advogado da família Teles, Fábio Konder Comparato, que argumentou contrariamente às questões preliminares alegadas por Ustra para revogar a sentença de primeira instância, o desembargador Rui Cascaldes retirou o processo de pauta. Relator do caso no Tribunal de Justiça de São Paulo, Cascaldes afirmou que havia elaborado seu voto há muito tempo e que, após ouvir os argumentos da família, precisaria reler os autos do caso e gostaria de mais tempo para proferir sua decisão. A ação possui ao todo sete volumes.

            Em sua sustentação oral, Comparato também rechaçou a tese de que a ação da família Teles estava impedida de continuar por causa da Lei de Anistia. “É preciso uma dose exemplar de coragem para sustentar hoje que a anistia penal elimina a responsabilidade civil. O artigo 935 do Código Civil é textual: a responsabilidade criminal independe da civil”, disse.

            O advogado dos Teles afirmou ainda que o que estava em jogo no julgamento da ação era a credibilidade do Estado brasileiro diante da opinião pública nacional e internacional. Vale lembrar que várias organizações internacionais já determinaram que o Brasil julgasse esses casos. No entanto, todos continuam, até agora, sem decisão.

Não se trata aqui de decidir simplesmente de modo frio e abstrato, se há ou não uma relação de responsabilidade civil que liga o apelante aos apelados. Trata-se, antes, de julgar se um agente público, remunerado pelo dinheiro do povo, exercendo funções oficiais de representação do Estado, que podia ordenar e executar, sem prestar contas à Justiça, atos bestiais de tortura contra pessoas presas sob sua guarda.

            A sociedade paga o aparado de segurança para garantir a sua segurança, e não para torturar e executar os presos sob sua guarda.

            Utilizando o codinome de Major Tibiriçá, Ustra comandou, entre setembro de 1970 e janeiro de 1974, a unidade paulista do DOI-Codi. Segundo entidades de direitos humanos, no período foram torturados 502 presos políticos, 40 dos quais morreram em decorrência dos abusos, Sr. Presidente, Senador Eduardo Suplicy, que neste momento conduz a Mesa.

            Em junho deste ano, o coronel reformado do Exército foi condenado em primeira instância, pela Justiça de São Paulo, a pagar uma indenização de R$100 mil à família do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, morto sob tortura em julho de 1971 na sede do órgão. Em sua sentença, a juíza da 20a Vara Cível do foro central de São Paulo, Claudia de Lima Menge, destacou que a Lei de Anistia não guardava relação com ação por danos morais movida por parentes da vítima.

            Vejam a falta de punição, a impunidade que permanece e a falta de memória do que aconteceu neste País e que tem repercussão até hoje nas nossas prisões. A tortura praticada contra os opositores da ditadura e o fato de que os torturadores nunca foram punidos fez com que os abusos, essas práticas se perpetuassem até hoje, contra os presos de todo o País, infelizmente.

            Finalmente, gostaria de relembrar da audiência pública, uma vez que estamos tratando de assuntos correlatos, que hoje vivemos o Estado de direito, a democracia, e queremos força de segurança capaz de nos proteger.

            Ontem, como resultado da audiência pública, a liderança dos trabalhadores da segurança pública, reunida em Campo Grande, decidiu criar a Frente Brasil pela PEC 24. Há um compromisso de mobilização para que cada liderança dos Estados converse com as representações desta Casa, com os Senadores, e tenho certeza de que o Senador Magno Malta vai receber a visita das lideranças dos profissionais de segurança pública para explicar em que consiste essa PEC, para explicar a importância dessa PEC, e também, evidentemente, virão pedir ao Senador que nos ajude a melhorar essa proposta.

            Tenho certeza de que, com a experiência do Senado, do Relator dessa PEC - que é um ex-governador, é o Senador Aécio Neves, que tem grande experiência de gestão pública - e dos demais ex-governadores, a ideia é que possamos aprovar uma proposta clara de um fundo com recursos definidos e suficientes para que possamos baixar os índices alarmantes de assassinatos e violência em nosso País.

            Era isso, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/08/2012 - Página 41569