Discurso durante a 178ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Apelo aos governadores para que cumpram o piso salarial nacional dos professores.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Apelo aos governadores para que cumpram o piso salarial nacional dos professores.
Publicação
Publicação no DSF de 18/09/2012 - Página 48294
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, APOIO, GOVERNADOR, RELAÇÃO, CUMPRIMENTO, LEI FEDERAL, REFERENCIA, REAJUSTE, PISO SALARIAL, CATEGORIA, PROFESSOR, IMPORTANCIA, MELHORIA, EDUCAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO, DESENVOLVIMENTO, BRASIL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, o Brasil esperou 500 anos para ter um piso nacional de salário para os professores. Durante 500 anos, toda a nossa história, o Brasil não teve um piso salarial para os professores. Ao longo da história, fomos oferecendo pisos salariais para diversas categorias; os professores ficaram de fora.

            Em 2008, uma lei de minha autoria, iniciada aqui no Senado, teve a sanção do Presidente Lula e garantiu um piso salarial para os professores do Brasil, piso, naquela época, abaixo de R$1.000,00. Um piso muito baixo quando a gente compara com o de outras categorias com a mesma formação dos professores e, sobretudo, quando a gente compara a importância que tem o salário do professor no futuro do País inteiro. Um piso salarial minúsculo. Digo isto com o constrangimento de quem teve a ideia e a iniciativa de propor e de quem fez o trabalho necessário para aprovar essa lei no Congresso.

            De qualquer maneira, mesmo com esse valor pequeno, essa Lei significou um grande avanço, Senador Mozarildo, porque, pela primeira vez, a gente começava a tratar os professores do Brasil com algo em comum, porque, até aqui, eles dependiam, cada um, da sua cidade.

            A minha ideia é muito mais avançada: é a da criação de uma carreira nacional do magistério. Mas isso é outro problema, isso é outro momento, isso é outro desafio. Pelo menos, conseguimos um piso nacional para o professor brasileiro.

            Naquela época, cinco ou seis governadores entraram na Justiça, no Supremo Tribunal Federal, pedindo a declaração da inconstitucionalidade dessa Lei.

            Na ocasião, eu disse que isso era o mesmo que, na época de 1888, os presidentes de províncias - como se chamavam os governadores de hoje -, esses presidentes entrassem na Justiça para impedir a Lei Áurea, dizendo que a Lei Áurea era uma interferência do governo nacional, a chamada, então, Coroa Nacional, sobre os interesses de cada província, ou seja, de cada Estado. Seria absurdo imaginar, do ponto de vista ético, que um governador daquela época entrasse na Justiça contra a Lei Áurea. E eles não entraram.

            Mas os governadores do século XXI entraram na Justiça, pedindo que fosse declarada como inconstitucional a Lei que criava o minúsculo piso salarial do professor.

            Isso adiou por dois anos a ida dessa lei como algo concreto. Durante dois anos, ficamos no chamado limbo jurídico. A Lei existia, mas estava sub judice, ou seja, ela não estava para valer. Havia um constrangimento, um impedimento jurídico.

            Um dia, os juristas do Supremo Tribunal Federal reconheceram que era constitucional, e a Lei entrou em vigor. Apesar disso, muitos governadores deixaram de cumprir a Lei do Piso e não a cumprem até hoje, como se fosse uma dessas leis que vieram, mas que não pegaram.

            Nós podemos dizer que apenas dez Estados, hoje, cumprem a lei do piso. Eu vou dizer os nomes, porque é preciso citar as coisas positivas: Goiás, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Minas Gerais, São Paulo, Amazonas, Roraima e Distrito Federal.

            Eu falei dos Estados, mas isso não quer dizer que todos os Municípios desses Estados cumpram o piso, porque cada Município tem a sua autonomia educacional. Nenhum Município tem autonomia jurídica, monetária, na defesa, nas relações exteriores, mas eles têm autonomia de como cuidar das crianças.

            No Brasil, quando uma criança entra na escola, ela não é brasileira, ela é da sua cidade. Isso é um absurdo que está comprometendo o futuro do País. É por causa disso que temos um número grande de Estados que não cumprem o piso.

            O mais grave, Senador Mozarildo, é que vemos agora que seis governadores - Mato Grosso do Sul, Goiás, Piauí, Rio Grande do Sul, Roraima, Santa Catarina - entraram outra vez com a tentativa de impedir a maneira como o piso é corrigido.

            Quero fazer uma correção aqui, Senador: esses seis Estados foram os que entraram no Supremo naquela época. Eram outros governos. Não discutamos mais isso. Outros governadores foram eleitos.

            O que eu quero dizer é que agora cinco governadores entram na Justiça para tentar impedir a maneira de correção anual do piso. Já não se discute mais o piso, até porque, quando a gente olha, depois de quatro anos, com a inflação, mesmo que não seja alta, aquele piso já ficou pequeno. O que acontece é que, a partir de 2011, depois que foi reconhecida a constitucionalidade do piso salarial, agora, cria-se um novo questionamento, mais específico, que trata de impedir o parâmetro empregado por lei para definir o montante do aumento que segue o reajuste de gastos.

            Pela lei em vigor, todo ano, o piso salarial do professor deve ser reajustado pela variação do valor do custo/aluno naquele Estado, definido pelo Fundeb - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, que é o indicador do Ministério da Educação que considera o número de matrículas e os gastos locais com educação. Todo ano, o MEC diz qual é o custo/aluno, de acordo com o Fundeb, de acordo com as transferências de recursos da União para os Estados, projeto de lei que teve o total apoio do Ministro Aloizio Mercadante e do Ministro Fernando Haddad, na sua época. Esses dois estão a favor do reajuste, defendem esse critério do reajuste. Fernando Haddad foi fundamental para que a gente tivesse essa forma de reajuste.

            Por esse reajuste, em 2012, houve 22% de aumento, o que resultou no piso de R$1.451,00, baixo ainda, muito baixo, mas bem acima da inflação, que é o que se deseja. Ninguém pode imaginar que, depois de conquistado um piso, o reajuste desse piso seja só para cobrir a perda da inflação. Seria um crime fazer isso contra o futuro do País! Nós temos que ter um reajuste acima da inflação, para que o salário real do professor - não apenas o salário do ponto de vista monetário - vá crescendo. Por isso, foi, sim, conquistado, graças ao apoio do MEC, na época, o reajuste que elevou para R$1.451,00.

            Agora, o que se estima para 2013 é um reajuste de 21,25%. Esse reajuste levaria ou elevaria o piso salarial do professor para R$1.756,71, para todo o Brasil. E eu volto a repetir: R$1.756,00. Ainda é muito pouco, mas é um reajuste acima da inflação. E é contra esse reajuste que os governadores estão entrando, para pedir que a lei seja declarada inconstitucional, com o argumento, Senador Mozarildo, de que seria impossível, para muitos deles, pagar esse salário.

            Todos os meus estudos, todas as minhas propostas dizem que é impossível ter uma boa educação sem um salário de R$9.000,00, por mês, para o professor. Só com este valor iríamos conseguir atrair alguns dos melhores quadros da juventude brasileira para a atividade de magistério.

            Estamos falando é de R$1.756,00, e eles dizem que não podem pagar. Eu tenho aqui os números de quanto custaria para cada Estado pagar esse valor.

            No caso do Rio Grande do Sul, um dos Estados que está liderando a campanha contra o reajuste - à frente, o Governador do Rio Grande do Sul -, isso custaria R$980 milhões. É preciso dizer que o Governo do Rio Grande do Sul recebe de ICMS R$20 bilhões por ano. A gente precisava apenas de menos de 1 de 20. Um de vinte é apenas 5%. Será que não se consegue reajustar daqui para ali 5% para haver um piso decente num Estado tão importante e rico como o Rio Grande do Sul? Eu acho que é possível, sim, mas, se não for, justifica a minha defesa de federalizar a educação e não jogar o salário do professor para baixo.

            Se, de fato, é impossível um Estado como o Rio Grande do Sul conseguir desviar 5% do seu ICMS - não é do Produto Interno Bruto, não é da receita total do Estado; é do ICMS, de um dos impostos - para o reajuste do professor, que o Rio Grande do Sul reconheça que não tem condições de administrar suas escolas e entregue as suas escolas ao Governo Federal. O Governo, ao ter criado essa lei, deveria assumir a responsabilidade, que, a meu ver, é o único caminho que temos para, de fato, cumprir não a lei do piso - essa dá, sim -, mas o reajuste que eu proponho para fazer a carreira do magistério não apenas promissora, mas também atrativa para os melhores quadros do País.

            No caso do Amapá, isso custaria R$46 milhões; no caso do Acre, R$33 milhões; no caso de Alagoas, R$109 milhões; no caso de Sergipe, R$81 milhões; no caso de Santa Catarina, R$231 milhões; no caso do Piauí, R$158 milhões; no caso de Rondônia, R$55 milhões; no caso do Rio Grande do Norte, R$121 milhões; no caso da Bahia, R$533 milhões; no caso de Pernambuco, R$311 milhões; no caso do Paraná, R$327 milhões; no caso do Pará, R$194 milhões; no caso do Ceará, R$209 milhões; no caso do Tocantins, R$28 milhões; no caso do Maranhão, R$112 milhões; e no caso da Paraíba, R$40 milhões. Ajustando para baixo, não colocando os valores depois da vírgula, o total disso é de R$3,578 bilhões - três bilhões.

            O Brasil tem um PIB de mais de R$4 trilhões, ou seja, mil vezes isso. Como a gente não consegue o dinheiro numa nação que tem R$4 trilhões de recursos para cobrir o piso salarial em apenas R$3 bilhões - 0,1% do PIB?

            Isso é possível, Senador Mozarildo. Isso é possível, primeiro, eu acho, para que o próprio Estado pague. Basta uma realocação dos recursos; basta reduzir gastos com certas atividades; exigir um sacrifício das assembleias legislativas e da justiça de cada Estado, sim, talvez; e realocar os recursos em benefício não dos professores, mas da educação; não da educação, mas das crianças; não das crianças, mas do Brasil inteiro, que não tem futuro se não educar suas crianças de hoje, pois para beneficiar o futuro, beneficiando as crianças, beneficiando a educação e pagando direito aos professores, precisamos de 0,1% do PIB nacional.

            Se os Estados não são capazes, eu poderia dizer: aqui está uma justificativa do meu projeto de federalizar a educação. Mas o pior é que meus argumentos não são esses, porque acho que os governos são capazes de fazer isso. Basta uma realocação de recursos. Basta contar com certos sacrifícios, sim. Eu não defendo que Estado gaste mais do que arrecada; eu defendo que Estado gaste menos, em alguns itens, para poder pagar bem aos seus professores.

            E aqueles Estados que não têm condições - e são muitos -, aqueles Municípios que não têm condição - e são muitos, e muitos, e muitos; eu reconheço -, em que os prefeitos não tenham condição, que a União assuma a responsabilidade, como assume cada vez que quebra um banco e nós assumimos nacionalmente a conta para que o banco não deixe de pagar aos seus correntistas. Nós não deixamos um banco quebrar; por que deixamos a educação quebrar? Não deixamos de pagar a certos setores, quando entram em crise; por que deixamos de pagar aos professores nos seus direitos mais essenciais?

            Eu vim aqui, Senador Mozarildo, não defender a federalização; defender que os Estados busquem formas de pagar o reajuste, que vai ser definido pela lei, com apoio do MEC, com apoio do Governo da Presidenta Dilma, aprovado pelo Congresso. Eu vim aqui defender que os Governos cumpram a lei, o que nem deveria ser necessário dizer. Eu vim aqui pedir que esses governantes não entrem - os governadores - pedindo a inconstitucionalidade dessa lei, como eles teriam feito, em 1888, contra a Lei Áurea.

            Eu vim pedir que eles façam reajuste; que eles façam o reequilíbrio dos seus orçamentos. Mas se eles não forem capazes disso, ou por incompetência técnica, ou por falta de força política, que eles digam que não têm condições de administrar suas escolas, e tragam eles para o Ministério da Educação, para que se assuma e se comece o processo de federalização da educação, sem o qual nós podemos até pagar o piso, mas não vamos conseguir elevar para os R$9 mil que eu considero o necessário para que o professor seja uma categoria razoavelmente bem remunerada, quando comparada com as outras categorias, inclusive conosco, os Senadores da República.

            Esse é o apelo que eu faço, em primeiro lugar, aos Governadores: por favor, não comprometam os seus nomes, no século XXI, pedindo a inconstitucionalidade de uma lei de reajuste do piso salarial que eleva um pouco acima da inflação o salário dos seus professores.

            Segundo: se não forem capazes de encontrar como pagar isso com seus próprios recursos, que tragam as escolas para o Governo Federal, e iniciemos a proposta de federalização, no lugar de optar pelo que sempre fazemos, pela quebra, decadência, falência do sistema educacional, mantendo nas mãos dos Estados, nas mãos dos Municípios; sacrificando os professores e, em consequência, o futuro do País, porque a gente sempre pensa em professor como professor. Não. professor, Senador Mozarildo, é o piloto do futuro; professor é aquele que maneja a astronave que leva o Brasil ao futuro, que é a escola - que é a escola. Não sacrifiquemos os pilotos que conduzem o Brasil ao futuro, que são os professores. Não sacrifiquemos o futuro do País. Se não são capazes de cumprir a lei, por favor, senhores governadores, em vez de pedirem a inconstitucionalidade, ajudem a fazer a federalização da escola no Brasil, entreguem suas escolas ao Governo Federal.

            Essa, Sr. Presidente, é a declaração que eu queria fazer aqui. Na verdade, um apelo aos Governadores, mas deixando claro que eles estão errados, radicalmente errados. Como estariam 130 anos atrás, os governadores - presidentes na época que se chamava de Província - que pedissem a inconstitucionalidade da Lei Áurea. A Lei Áurea de hoje é a boa escola. Essa é a Lei Áurea de hoje. E a boa escola exige professor bem remunerado. E o mínimo que a gente pode oferecer - um pouquinho de nada - é esse piso salarial de R$1.470,00.

            Era isso, Sr. Presidente, que eu tinha para falar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/09/2012 - Página 48294