Discurso durante a 204ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Angústia com a futura distribuição e destinação dos royalties do petróleo.

Autor
Ricardo Ferraço (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • Angústia com a futura distribuição e destinação dos royalties do petróleo.
Aparteantes
Aloysio Nunes Ferreira.
Publicação
Publicação no DSF de 06/11/2012 - Página 58592
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • CRITICA, DECISÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, VOTAÇÃO, ASSUNTO, DISTRIBUIÇÃO, ROYALTIES, EXPLORAÇÃO, PETROLEO, ESTADO, ESTADO DO ESPIRITO SANTO (ES), REFERENCIA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), NECESSIDADE, DEFINIÇÃO, CRITERIOS, ESCOAMENTO, RECURSOS, EXPECTATIVA, ORADOR, UTILIZAÇÃO, VERBA, MELHORIA, EDUCAÇÃO, ENFASE, CARENCIA, MELHORAMENTO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente em exercício desta sessão, Senador Anibal Diniz, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, é grande o clima de apreensão no Estado do Espírito Santo. Nós, capixabas, mais uma vez, estamos perplexos, indignados por assistirmos àquilo que eu não tenho como não rotular de marcha da insensatez, que temos observado nos últimos dias na Câmara dos Deputados, com a decisão absolutamente inconsequente, com a decisão absolutamente não fundamentada de votar uma lei ou de tentar votar uma lei que viola contratos, não os respeita, como se este fosse um país que não estabelecesse regras claras fundadas na sua Constituição Federal.

            Mais uma vez, o nosso Estado está ameaçado, Senador Suplicy, ameaçado por ver subtraída das receitas municipais e das receitas do nosso Estado uma indenização, uma compensação que é garantia constitucional. Eu me refiro à decisão da Câmara que me parece estar em curso de votar um projeto que redefine os critérios de distribuição dos royalties de petróleo.

            Mais uma vez, manifesto a minha convicção, manifesto a minha confiança, confiança essa em razão daquilo a que assisti, da manifestação pública que fez a Presidente Dilma numa reunião com centenas, com milhares de prefeitos do nosso País, dizendo-se radicalmente contrária a qualquer tipo de iniciativa que pudesse violar contratos, que pudesse não respeitar o direito dos Estados produtores de petróleo.

            Quero crer que essa mesma apreensão, que essa mesma angústia possa estar sendo compartilhada com o Estado do Rio de Janeiro e quero crer que o bom senso poderá ser retomado e nós possamos, de fato, ver a Câmara votar um projeto que trate de partilhar os royalties de contratos que não foram concedidos, de licitação ou licitações que não foram feitas.

            Mas, em meio a essa angústia, em meio a essa perplexidade - porque nenhum de nós, não importa se Deputado Federal, não importa se Senador, não importa se cidadão, pode estar acima da Constituição Federal -, vamos nos manter aqui, na nossa trincheira, defendendo a racionalidade desse debate.

            Mas em meio a esse debate, quero repercutir no Senado da República, na tribuna do Senado, artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, de domingo, do professor, do pesquisador, do economista Samuel Pessôa, que coloca luz num debate que precisamos fazer e não tem apenas a ver, evidentemente, com a decisão de critérios para a distribuição dos royalties, mas tem a ver com as políticas que nós, brasileiros, estabeleceremos a partir dessa receita.

            É uma reflexão importante para que nós, brasileiros, possamos pensar bem, refletir bem, possamos olhar, mundo afora, as boas práticas, as práticas que deram certo, que, lamentavelmente, não são regra, são exceção. Até porque, de cada dez países que têm no petróleo uma das suas mais importantes fontes de financiamento de suas receitas... a sua população, a sua comunidade, enfim, as pessoas, os seus cidadãos estão mergulhados na miséria, na pobreza, e as suas instituições não funcionam democraticamente.

            É a reflexão que traz o pesquisador Samuel Pessôa:

O que será que há entre renda petrolífera, o emprego desses recursos na educação e os problemas da indústria nacional?

Por incrível que possa parecer, há muita coisa. O motivo deve-se ao fato de a economia ser um sistema interconectado, geralmente por meio de mercados, de forma que, quando se mexe uma peça, todas as demais se ajustam. Muitas vezes, a nova situação da economia, em seguida a todos os ajustamentos de todas as suas peças, é muito diferente da situação que prevaleceria se somente o movimento inicial ocorresse.

No jargão da profissão, diz-se que se trata de um equilíbrio geral em contraposição à análise de equilíbrio parcial que considera somente os impactos diretos sobre a economia do primeiro movimento.

Recentemente, a Presidente Dilma expressou desejo de que toda a receita petrolífera oriunda dos campos da camada de pré-sal que ainda não estão em exploração seja investida na educação. Dado que a péssima qualidade da educação básica brasileira é o maior entrave de longo prazo ao desenvolvimento que temos, a iniciativa é louvável [e bem recebida]. Há, no entanto, dois problemas.

Primeiro, que será objeto de coluna futura, e que não há, hoje, devido à forma como o Estado brasileiro é organizado, nenhuma relação entre elevação do gasto em educação e elevação da qualidade da educação básica.

Se, conjuntamente ao aumento do orçamento direcionado à educação, não houver alteração na forma como o setor público gere os recursos, a elevação do gasto em educação não produzirá elevação da qualidade da educação pública. Produzirá única e exclusivamente elevação do gasto em educação.

O segundo problema é o objeto da coluna de hoje. A receita pública do petróleo será obtida prioritariamente da receita de exportação do recurso mineral.

O Tesouro receberá dólares americanos. Para utilizar esses recursos na compra de serviços educacionais, o Tesouro terá que trocar os dólares por reais, produzindo uma pressão adicional à valorização do câmbio. A valorização do câmbio deixará nossa indústria de transformação em situação ainda mais difícil.

Para entender melhor, pense que o recurso mineral é um presente. Suponha que o resto do mundo decidiu que a partir de hoje enviará regularmente para o Tesouro brasileiro um fluxo de renda perpétua anual no valor de algumas dezenas de bilhões de dólares. De fato, não se trata de um presente, mas, sim, da contrapartida da aquisição do petróleo.

Mas, nesse caso, a analogia com um presente é exata: é equivalente a recebermos um presente de Deus, o recurso mineral, e vendermos para outros países, ou os outros países simplesmente decidirem, por algum motivo, talvez nossos belos olhos, transferir-nos recursos sem contrapartida.

Se o presente for gasto na aquisição de produtos de oferta exclusivamente doméstica, como é o caso dos serviços, e, em particular, dos serviços educacionais, haverá pressão sobre os mercados domésticos, particularmente o mercado de trabalho, acarretando elevação dos salários.

Essa elevação salarial ocorrerá por excesso de demanda de trabalho no setor de serviços, que transbordará para a indústria na forma de elevação do custo de trabalho. Como o bem produzido pela indústria pode também ser importado, ela não consegue repassar ao consumidor a elevação do custo. A indústria encolhe.

O encolhimento da indústria será compensado pela maior importação de bens manufaturados. Na situação final, após todos os ajustes, a contrapartida do presente será um fluxo de importação de bens manufaturados de mesmo valor. O equilíbrio geral se completou.

Portanto, é praticamente impossível ganharmos um presente do resto do mundo, utilizar o presente e, simultaneamente, não prejudicar a indústria.

Uma forma de evitar esse efeito colateral ruim sobre a já combalida indústria de transformação é transformarmos serviços educacionais em um serviço ofertado internacionalmente.

Por exemplo, os recursos do pré-sal podem ser empregados na forma de bolsas de estudo e intercâmbio em outros países para alunos da escola pública, [que, eventualmente, não têm acesso ao mesmo nível ou à mesma igualdade de oportunidade].

            Parece-me, Sr. Presidente desta sessão, Senador Eduardo Suplicy, ser essa uma reflexão que o Governo brasileiro e todos nós, Congressistas, sociedade brasileira, precisamos fazer, que tem a ver com a destinação dos recursos dos royalties do pré-sal ou do pós-sal.

            Estamos até mesmo - julgo eu - diante de um compromisso ético e de um compromisso cristão, considerando que os recursos dos royalties do pré-sal ou do pós-sal são recursos finitos, são recursos que não existirão ad aeternum. É necessário que nós possamos pensar, que nós possamos refletir sobre o modo como a aplicação desses recursos estará se traduzindo em benefícios para as futuras gerações.

            Portanto, se faz necessário, Senador Aloysio Nunes Ferreira, que o Brasil, que o Congresso Nacional, que o Governo brasileiro possam pensar, decidindo a melhor aplicação para os recursos do pré-sal. É necessário que não façamos como faz a fanfarrona cigarra. Que faça como a formiga: que, em momento de bonança, trabalhe, e trabalhe muito, e trabalhe com discrição, e trabalhe silenciosamente, mas trabalhe poupando para que as futuras gerações possam ter acesso a esse recurso, que é um recurso mineral, que é um recurso finito, que vai exigir, que vai continuar exigindo, que todos nós possamos gastar toda nossa energia, observando, mundo afora, as boas práticas, as boas governanças, nesses recursos que podem ser de fundamental importância e que poderão fazer uma diferença muito grande na ascensão social para milhares, para centenas de milhares de brasileiros.

            Ouço, com prazer, o Senador Aloysio Nunes Ferreira.

            O Sr. Aloysio Nunes Ferreira (Bloco/PSDB - SP) - Nobre Senador, o pronunciamento de V. Exa não poderia ser mais oportuno nem mais importante, porque exatamente neste momento é que a Câmara dos Deputados está se debruçando sobre o projeto de lei aprovado no Senado e que foi remetido agora àquela Casa. O que se discute agora é exatamente isto: o que fazer com os recursos provenientes da exploração do petróleo, inclusive diante da perspectiva das riquezas enormes do pré-sal? V. Exa teve um papel destacadíssimo no debate dessa matéria quando ela foi apreciada pelo Senado, e V. Exa se colocou muito na defesa da situação dos Estados produtores no que diz respeito ao que já está contratado. Esses Estados não poderiam perder a receita que hoje já vêm recebendo. E havia, naquele momento em que a matéria foi votada aqui, uma tendência muito forte que acabou prevalecendo de certa forma, qual seja, a tendência de se esparramar esse recurso - um pouco à semelhança do que fazia a cigarra da fábula de La Fontaine - para todos os Estados, Municípios, dentro de um escopo tão amplo que, por ser tão amplo, não erigia nenhum tipo de prioridade. Hoje se discute a possibilidade de se vincular esse recurso à educação, que é uma forma de transformar essa riqueza não renovável num recurso perene: a inteligência. E, nesse sentido, nós temos um projeto - o Senador Cristovam Buarque e eu -, que apresentamos, V. Exª conhece, que prevê a destinação daquilo que for novo, respeitando os contratos existentes, a um fundo destinado a abastecer, a complementar os recursos orçamentários da União, dos Estados e dos Municípios para a educação. Não se tocaria no principal; apenas o rendimento do fundo seria destinado aos Estados e Municípios, segundo os mesmos critérios que hoje regem a destinação do Fundeb, ou seja, por aluno matriculado no ensino fundamental, no ensino médio e também na educação infantil. É uma ideia que vai exatamente dentro daquilo que V. Exª prega, neste momento, na tribuna do Senado: tomarmos cuidado para que esse recurso não seja desperdiçado, não seja uma riqueza que chega, produz entusiasmo e vai-se embora, não deixa nada atrás de si. Muito obrigado.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - Agradeço o aparte do Senador Aloysio Nunes Ferreira.

            A preocupação, parece-me, precisa ir além, porque, na verdade, a banalização não está apenas na forma fragmentada com que se quer fazer esse investimento. Não basta que nós direcionemos esses recursos para a educação, não. Os nossos problemas com a educação brasileira não se limitam ao financiamento. Nós temos problemas gravíssimos de gestão, necessidade de mecanismos e ferramentas, enfim, de monitoramento para que esses recursos possam se traduzir não apenas na maior oferta, mas numa melhor qualidade para que a educação brasileira possa ser mais atrativa, não apenas valorizando o magistério, não apenas melhorando os equipamentos educacionais brasileiros.

            Fico muito preocupado em ver dinheiro novo sendo feito ou dirigido para aquilo tudo que vem sendo produzido. É como se você botasse coisa nova em coisa velha. Eu acho que esses recursos são recursos muito nobres. Eu disse aqui anteriormente que estamos diante de um compromisso ético e cristão. Pensar nesses recursos como um bilhete, uma garantia para que eles pudessem ser utilizados para efetivas transformações econômicas e sociais em nosso País.

            Não acredito que os problemas da educação brasileira estejam limitados ao seu financiamento, como não acredito que os problemas da saúde pública estão limitados ao financiamento. São Paulo tem dado exemplo quando traz, por exemplo, no campo da saúde, organizações sociais para, efetivamente, priorizarmos o interesse do contribuinte e não o interesse das corporações...

(Interrupção do som.)

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - Precisamos inovar na forma de aplicação desses recursos, que esses recursos possam ser guardados com muito critério, com muito princípio, para que possam produzir os resultados que a sociedade espera e as futuras gerações também.

            Mas ouço V. Exª, mais uma vez, com muito prazer.

            O Sr. Aloysio Nunes Ferreira (Bloco/PSDB - SP) - Veja, concordo com V. Exª: o problema da educação não se resume a recursos. Passa a solução dos problemas da educação por esses itens a que V. Exª se referiu: gestão, carreiras adequadas no Magistério, que impliquem remuneração, remuneração pelo mérito, avaliação, abertura do escopo da nossa atividade educacional para compreender a educação infantil, a chamada creche, que é destinada a crianças cujo intelecto está em fase de formação. Mas acredito que não há investimento de longo prazo mais nobre do que investimento na educação. Evidentemente, repito, inteiramente de acordo com V. Exª: não se trata apenas de por dinheiro novo para práticas velhas. Esse recurso novo há de vir acompanhado de uma revolução metodológica, uma revolução na formação, uma revolução na avaliação e também na ampliação do escopo. Mas penso que não há nada mais nobre para a construção do futuro do que investirmos na educação.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - Muito obrigado, meu caro Senador Aloysio Nunes Ferreira.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

            Muito obrigado, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/11/2012 - Página 58592