Discurso durante a 230ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Alerta para suposta manipulação de órgãos da economia com a finalidade de esconder a inflação; e outro assunto.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL, POLITICA ENERGETICA.:
  • Alerta para suposta manipulação de órgãos da economia com a finalidade de esconder a inflação; e outro assunto.
Aparteantes
Cícero Lucena, Pedro Taques.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/2012 - Página 68193
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL, POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, POSSIBILIDADE, GOVERNO FEDERAL, MANIPULAÇÃO, ORGÃOS, ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO FEDERAL, OBJETIVO, OCULTAÇÃO, INFLAÇÃO.
  • CRITICA, MANIPULAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), PREVISÃO, INVESTIMENTO, RECURSOS, ROYALTIES, PETROLEO, RELAÇÃO, EDUCAÇÃO, MOTIVO, DIFERENÇA, INDICE, PROPOSTA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há algo que incomoda o Brasil sem que o Brasil perceba. Nós estamos muito incomodados, obviamente, por todas as notícias de corrupção, de tráfico de influência e de desvios de recursos. Isso nos toca. Mas o Brasil precisa despertar para outros fatos que são igualmente graves, embora não sejam tão imorais.

            O Brasil está num processo inflacionário e quer esconder essa inflação manipulando a realidade. Em geral, há duas maneiras de esconder a inflação. Uma, é manipulando os dados - diz-se que é o que acontece, hoje, na Argentina. Não tenho suficiente conhecimento do que acontece lá para dizer que o governo da Presidenta Kirchner manipula os dados, mas fala-se isso. Mas a outra que acontece no Brasil, Senador Pedro Taques, essa está sendo feita. Não é a manipulação dos dados - isso, creio que não há ainda -, mas é a manipulação dos órgãos da economia.

            Por exemplo, Senador Cícero, quando o Governo força uma baixa no combustível - porque, quando o combustível sofre, quase todos os preços sofrem também -, quando baixa a tarifa, o preço do combustível, vai gerar um problema à Petrobras. Daí a Petrobras busca recurso no BNDES e, no fim, a conta vem para o Tesouro e, do Tesouro, para todos nós contribuintes, ou empréstimos do Governo, chamados empréstimos soberanos, para cobrir essa brecha, que termina trazendo a inflação de volta.

            Quando o Governo reprime os preços das tarifas elétricas - e todos nós comemoramos no dia a dia da casa da gente -, quebra a capacidade de investimento dessas empresas.

            E, ao quebrar a capacidade de investimento dessas empresas, elas vão gerar dificuldades no futuro, que caem em cima de nós. Aí as empresas têm de correr em busca de financiamento para fazer os investimentos que poderiam fazer com recursos próprios, financiados por todos nós, que, de certa maneira, somos sócios dela. E ao ir buscar recurso no BNDES, vamos pagar a conta, seja porque aí a tarifa tem que subir muito mais para pagar os juros, seja porque os juros são subsidiados. O dinheiro do banco veio do Tesouro e o Tesouro tem que pedir empréstimo, e esse empréstimo nós vamos pagá-lo depois, seja aquela forma de pagar que a gente não pensa que está pagando, que é a inflação aumentando o preço do que a gente compra, que é uma maneira de roubar a gente. Inflação é uma forma de assalto, assalto à carteira da gente. Uma economia inflacionada é como se todos os milhões de habitantes estivessem vivendo rodeados de batedores de carteira, que têm uma capacidade mágica de tirar o dinheiro sem tocar na carteira, porque na hora em que a gente vai pagar o preço subiu e a gente compra menos. Rouba-se dinheiro ao roubar a mercadoria, dando-nos menos do que poderíamos comprar com o nosso dinheiro.

            Estamos diante de um governo que está usando no lugar de políticas econômicas os velhos e tradicionais pacotes, e os pacotes não funcionam porque eles resolvem aqui um problema e criam outro ali. E aí vai exigir outro pacote.

            Quando a gente analisa as estatísticas dos pacotes nos últimos dois anos do governo, a gente vê que o primeiro levou 6 meses para ser feito, o outro levou 4, o outro, 2; daqui a pouco serão semanas e depois terá de ser um por dia para corrigir o que o pacote anterior criou.

            Estamos entrando num processo que, além de manipular, querendo reprimir artificialmente os preços das tarifas e criando todo o problema que isso faz, saindo de uma tendência do governo - final do governo Itamar, governo Fernando Henrique e governo Lula - de política de médio e de longo prazo e caindo no imediatismo dos pacotes.

            Eu diria que hoje a política econômica, ou a soma dos pacotes do Governo Dilma, está muito mais parecido com o que foi feito no chamado cruzado do que aquilo que foi feito no chamado real. E nós sabemos o pouco tempo que durou o Plano Cruzado, inclusive com a tentativa de controlar os preços, que gerou no País uma euforia imensa, que não durou muitos meses, porque não existe como segurar os preços por muito tempo. É algo artificial. É contra a própria natureza da economia.

            Pois bem. Esse tipo de manipulação exige que esta Casa tome uma medida. Nós estamos votando o Orçamento. O Orçamento repercute nisso. Quanto estamos colocando no Orçamento para cobrir o desastre que virá da falta de investimento da Eletrobrás ou da falta de investimento da Petrobras? Quais as consequências de esse dinheiro ser usado depois, no momento certo? Nós temos que tomar posição quanto a isso.

            Mas eu quero falar de outra manipulação que está tomando conta da opinião pública, Senador Pedro Taques e Senador Cícero. Mandaram para cá uma medida provisória, com os aplausos de todos, dizendo que 100% dos royalties do petróleo serão usados para a educação. É falso! É 100% da parte que cabe à União, Senador Cícero. No fim, não são 100%, mas 20%. Estão fazendo a mágica de 20 ser igual a 100, mas 20 é diferente de 100.

            Nós precisamos retomar a ideia central, divulgada pelo próprio Ministro Mercadante, que já apoiou essa proposta aqui, quando foi lançada, duas vezes em 2008 e uma vez em 2011, para que 100% dos recursos dos royalties possam ir para a educação e serem distribuídos de uma maneira tão transparente como não pode haver outra. Distribui-se para cada Município e para cada Estado proporcionalmente ao número de crianças que estiverem na escola, porque a finalidade é investir na escola dessas crianças.

            É uma manipulação dizer que a Medida Provisória nº 592 prevê o investimento de 100% dos royalties do petróleo. Estão nos manipulando. Não chegam a 20% os royalties que serão investidos em educação se aprovarmos a Medida Provisória nº 592 da maneira como ela veio.

            É preciso que esta Casa aqui cuide para que essa ilusão não seja passada, que esta Casa, Senador Cícero, desperte e façamos as emendas necessárias para que o que a Presidenta e o Ministro Mercadante disseram vire realidade, porque eu não imagino que eles disseram de um jeito sabendo que estavam dizendo o errado. Eu imagino que alguém ou algum erro, algum equívoco, forçou essa discordância tão profunda entre dizer que seria 100% e, na realidade, propor menos de 20%. Nós temos que corrigir isso.

            O caminho que o Senador Aloysio Nunes e eu estamos propondo é aprovar uma emenda à Medida Provisória, uma emenda que retome a ideia inicial, quando surgiu aqui, em 2008, pela primeira vez, a ideia de que os royalties têm que ser usados em educação, porque não podemos fazer com o petróleo o que fizemos com o ouro, inclusive do Mato Grosso, da Bahia e de Minas Gerais, que foi embora, e nada ficou, a não ser alguns altares dourados e a industrialização da Inglaterra, porque nós pegávamos o ouro e gastávamos - Portugal, que era o Brasil -, gastávamos comprando o que a Inglaterra produzia, em vez de desenvolver aqui e em Portugal um centro tecnológico capaz de fazer lá a industrialização daquele país.

            Éramos colônia, não sabíamos que o ouro acabava e não sabíamos que havia uma revolução industrial na Inglaterra. Hoje nós sabemos que existe uma revolução científica e tecnológica do mundo. Hoje nós sabemos que o petróleo é esgotável. Hoje nós sabemos até que, dentro em breve, vai-se começar a proibir o uso do petróleo por causa dos efeitos na natureza - e, aqui, o Senador Cícero é um dos baluartes da luta pelo equilíbrio ecológico -, nós sabemos tudo isso e não podemos deixar que aconteça com o petróleo o que aconteceu com o ouro e a prata.

            Eu passo a palavra ao Senador Cícero, que pediu um aparte.

            O Sr. Cícero Lucena (Bloco/PSDB - PB) - Serei bastante breve, Senador, parabenizando-o por chamar a atenção do País sobre a forma com que esses recursos dos royalties serão aplicados à educação, que começa ensinando mal, porque 20% não é 100%. E, mais do que isso, nós estamos, também, aprofundando um estudo para apresentar uma emenda para que seja recurso a mais, porque se não nós vamos colocar os recursos dos royalties para substituir os gastos de 25% que, hoje, são obrigação. Então, na verdade, nós só estaríamos trocando a rubrica de qual era a fonte dos recursos. Por isso, nós participaremos, também, desse debate, defendendo que esse dinheiro dos royalties seja aplicado de forma matemática, 100%, e não em substituição a outros recursos que já são de obrigação da União, dos Estados e dos Municípios.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Eu agradeço o Senador Cícero, porque ele traz mais uma dimensão de preocupação. A própria revista The Economist desta semana lembra que a Presidente Dilma despertou para o uso dos royalties na educação depois que foi aprovada, na Câmara, a ideia de 10% do PIB para a educação. Depois que foi aprovada, é que eles foram atrás de buscar dinheiro e tentaram encontrar nisso. Primeiro, não vai ser suficiente para chegar aos 10%. Os royalties não chegarão aos 10%, a não ser muito tempo depois. Segundo, não dá para esperar pelos royalties do pré-sal. A educação tem de começar a sua revolução agora. Não podemos sacrificar uma geração inteira de crianças enquanto a outra espera o pré-sal. Isso é um crime contra o futuro do País. Nós precisamos desmistificar - eu ia usar o verbo desmascarar, mas retiro, pois seria muito forte e, então, uso desmistificar -, como disse o Senador Cícero, que estão ensinando errado como querem usar o dinheiro para a educação. Estão usando errado, porque os 100 não chegam a 20, e estão usando errado também, porque estão oferecendo uma proposta que vai ser realizada daqui a anos como se fosse uma coisa imediata.

            Senador Pedro Taques.

            O Sr. Pedro Taques (Bloco/PDT - MT) - Senador Cristovam, quero parabenizá-lo pela fala e me associar a esta emenda. O mundo hoje caminha para se desenvolver tendo em conta três palavras: conhecimento, tecnologia e inovação. Nós não podemos desperdiçar esses valores a não ser que seja na educação. Senão, vamos cair na mesma esparrela que ocorreu com a Venezuela e com a Arábia Saudita. Esse é o primeiro ponto. O segundo ponto: digamos que, efetivamente, esta emenda que V. Exª está a capitanear seja aprovada; nós temos de nos preocupar, depois, num segundo momento, com a qualidade desses gastos -a qualidade dos gastos é mais importante que o que será gasto -, sob pena de investirmos muito no ensino superior e deixarmos de lado o ensino fundamental. Aquele projeto de V. Exª que fala da federalização do ensino fundamental é um grande projeto. Quem sabe com esses valores aqui, nós, efetivamente, gastaríamos esses valores no que interessa: no ensino fundamental federal. Portanto, eu quero apoiar a emenda capitaneada por V. Exª. Também temos de aqui debater a qualidade desses gastos.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Senador, o senhor traz mais uma mistificação que pode estar em vias de ocorrer: é a ideia de que esse dinheiro vai para as coisas concretas da educação. O que está escrito lá é: esse dinheiro irá para o desenvolvimento da educação. É amplo demais o conceito. Para o desenvolvimento da educação, amanhã, pode-se justificar colocar dinheiro na construção de uma estrada ou no asfalto de uma estrada que fica na frente de uma escola; colocar energia elétrica onde há escola. Aí é usar dinheiro que era para a educação com a realização da infraestrutura, absolutamente necessária para a educação, mas não só para a educação.

            Então, nós estamos vivendo um momento, Senador Pedro Simon, de mistificações. Esta Casa não pode deixar que as mistificações passem. Nós temos que desmascará-las - agora eu uso o verbo desmascarar. Temos que fazer com que o povo saiba a realidade e colocar novas alternativas no lugar. É isso que nós estamos tentando com a emenda que estamos oferecendo, esperando que esta Casa a aceite.

            Quero falar sobre mais uma mistificação, Senadores presentes, que talvez não seja o que eu estou pensando. É uma especulação. Eu estou muito impressionado como, de repente, fala-se em derrubar veto de Presidente, que aqui nunca se derrubou. Eu, pelo menos, estou aqui há 9 anos e não me lembro de derrubar veto de Presidente. Existem vetos do Presidente Collor que não foram derrubados. De repente, está se falando.

            Eu temo, Senador Pedro Taques, que esteja havendo aí um grande acordo. A Presidenta veta e agrada ao Governo do Rio. O Congresso derruba o veto e agrada aos outros Estados. Eu estou temendo que tenha havido um acordo desta Casa com a Presidenta Dilma, com o Partido dos Trabalhadores e a Base de Apoio, para que todo mundo pareça bem. 

            Diz-se gastar 100% para a educação, e não são 10%. Veta-se para beneficiar os Estados chamados produtores. Derruba-se o veto para beneficiar todos os outros Estados. E o Governo Federal diz: “Eu cumpri a minha parte no veto”. E nós aqui cumprimos a nossa parte nos outros Estados, sacrificando o Rio de Janeiro. Essa é outra mistificação que pode estar acontecendo. Essa eu não digo que está, mas que faz sentido faz.

            A gente não pode deixar que isso tudo aconteça. É preciso que cada um assuma a sua responsabilidade na hora de colocar assinatura naquilo que seja vetar ou que seja derrubar o veto.

            É isso o que eu tinha para dizer, Senador Pedro Simon.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/2012 - Página 68193