Pela Liderança durante a 238ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a atual crise que abate o Poder Legislativo Federal. (como Líder)

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
LEGISLATIVO, ATUAÇÃO.:
  • Preocupação com a atual crise que abate o Poder Legislativo Federal. (como Líder)
Aparteantes
Pedro Taques, Randolfe Rodrigues.
Publicação
Publicação no DSF de 20/12/2012 - Página 74977
Assunto
Outros > LEGISLATIVO, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, LEGISLATIVO, REFERENCIA, FREQUENCIA, INTERFERENCIA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), CONGRESSO NACIONAL, ENFASE, PROCESSO, VOTAÇÃO, VETO (VET), PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRITERIOS, DISTRIBUIÇÃO, ROYALTIES, PETROLEO, PRE-SAL, CRITICA, ACUMULAÇÃO, TRABALHO, REGISTRO, NECESSIDADE, MELHORIA, SETOR.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, quando acontece uma crise, às vezes a gente não vê no meio dela e às vezes a gente se assusta mais do que deveria por causa dela. São dois comportamentos que dependem da pessoa e, às vezes, dependem também do momento que a gente vive. Talvez eu esteja mais assustado do que deveria ou talvez nós não estejamos vendo corretamente a dimensão da crise por que estamos passando.

            Sr. Presidente, se a gente olhar o que aconteceu nestes últimos dias, creio que dá para se assustar, sobretudo porque não é uma exceção ao longo de um longo tempo do comportamento das instituições brasileiras e do papel do Congresso na República.

            Nos últimos meses e, eu diria, até anos, nós temos visto o Supremo Tribunal Federal sendo obrigado a entrar no processo até legislativo, eu diria, por interpretações naquilo que a gente não foi capaz de fazer com competência aqui. Nós não fomos capazes e aí eles fazem as coisas. Eles fazem cada uma das medidas que são necessárias para que o processo político funcione.

            Nestes últimos dias exatamente ou horas, o que a gente viu que é assustador, a meu ver, do ponto de vista da fricção, da quebra das boas relações entre as instituições?

            Nós votamos para dar urgência à votação da derrubada de um veto da Presidenta Dilma, o veto relacionado com o royalty de petróleo. Votamos. Uma sessão caótica, mas, com a imensa maioria, se votou ali a urgência. Parlamentares nossos foram ao Supremo, entraram na Justiça, dizendo que tinha havido inconstitucionalidade naquela votação. Normalmente, isto nem deveria acontecer: Parlamentares recorrendo ao Supremo, mas isso virou normal no Brasil. Alguns fazem fila para entregar processos pedindo que o Supremo tome ação neste ou naquele caso. Outros fazem isso até por uma questão de aparecer na mídia, ao fazer aquele gesto.

            O fato é que criamos uma situação tal em que nós, Congressistas, Parlamentares, perdemos - desculpem-me a expressão - um pouco a vergonha de ter que apelar ao Supremo. Não nos constrangeu a mais, fazemos sem constrangimento. E o Supremo tem feito a sua prerrogativa e não se tem furtado ao tomar posições, nem mesmo dizendo que isso é intra corporis. Que aconteceu? Um Ministro, o Ministro Fux, reconheceu que havia inconstitucionalidade. Já vi muitas acusações aqui de por que ele fez isso. Não importa. Ele fez uma análise em que dizia que aquela reunião teve ranços de inconstitucionalidade, e aquela decisão do Congresso não pôde ser executada, porque o Supremo disse que teríamos que votar este veto depois de votar os anteriores, não podia colocar este na frente dos outros. Só que os outros eram 3 mil vetos, que mostram outra falência da nossa Instituição. Como é possível deixar 3 mil vetos esperando para serem votados? Imagina a sociedade brasileira esperar 16, 12, 13, 14 anos para pagar o Imposto de Renda, para pagar os impostos que se têm. Ninguém aceita isso, mas aceitou-se que o Congresso ficasse 12 anos sem votar os vetos do Presidente da República.

            Mas aí é que vem o mais grave, Senador Suplicy: o que fizeram a nós? O Presidente Sarney deu entrada num pedido no Supremo, mas o que nós fizemos a mais do que isso? Pasmem todos que lerão isto daqui a 20 anos; surpreendam-se todos que, no futuro, tomarem conhecimento disto. O que fizemos foi dizer: se o Supremo mandou votar primeiro os outros 3 mil vetos e como nós queremos votar agora este veto, vamos votar os 3 mil vetos em 1 hora ou 2 horas! Senhores e senhoras que estão me assistindo, esta é a cédula que iríamos usar para derrubar o veto. Imagine você votando no dia da eleição para escolher um candidato com uma cédula desta! Cada página tem cinco vetos diferentes! Não é sério uma coisa desta. Desculpem-me, mas não é sério fazer isso. É um deboche!

            Eu já disse, muitas vezes, aqui - acho que há um consenso disto - que nós estamos tão pressionados pelas medidas provisórias e pelas decisões judiciais que nós estávamos ficando irrelevantes. Agora, nós estamos ficando ridículos, além de irrelevantes. Na opinião pública, é ridícula a ideia de que íamos votar 3 mil vetos. Se gastássemos 20 minutos para cada um, seriam necessários 100 dias com 10 horas de trabalho por dia! Não é séria uma coisa dessa.

            É isso que me assusta, porque estamos passando a ideia de falta de seriedade, pois estamos sem seriedade na maneira como estamos conduzindo os assuntos da República. Se não fosse muito forte, Senador Armando Monteiro, eu diria que nós cometemos uma molecagem com a República. Como é muito forte dizer isso, eu não digo, mas não é possível que a gente tenha feito um ato deste. Não importa se os interesses eram certos, mas a maneira com que fizemos foi vergonhosa.

            Eu quero dizer que isso não termina aqui. Na mesma semana, nos mesmos dias, o Supremo decide que os Deputados que foram condenados perdem os mandatos e a Câmara diz que não é assim. Se a gente olhar bem - e o Senador Taques, mais que todos nós, conhece -, na Constituição, de fato, o caput diferencia-se de um parágrafo: um diz que é o Supremo, outro diz que é a Câmara. Entretanto, quem interpreta as discordâncias é o Supremo. Aí é mais um erro da Constituinte. Como foi possível colocar aquela contradição, uma embaixo da outra? É o Supremo que faz isso, é o Supremo que diz qual é a interpretação certa.

            Por isso, esse conflito da Câmara com o Supremo não pode existir, ainda que possamos achar - eu, sinceramente, tendo a isso - que é a Câmara que deve fazer a cassação, praticamente óbvia, daqueles condenados. Mas, de qualquer maneira, haveria um rito, um ritual feito pelo Congresso. Mas o Supremo decidiu diferente. Se decidiu diferentemente, nós não temos muito o que fazer.

            Mas aí, Senador, eu vou dizer por que eu continuo muito preocupado. Nós vamos eleger o Presidente do Senado daqui a algumas horas. Sabem por que algumas horas? Porque amanhã terminamos o nosso ano legislativo. No dia da volta de cada um de seu Estado, já vamos votar quem vai ser o próximo Presidente. Eu não sei qual é a plataforma dos candidatos. Eu não terei tempo de debater. Os candidatos não se confrontarão. Como é que nós temos autoridade para defender um processo eleitoral, em que debatemos, na frente da televisão, para pegar o voto dos eleitores, e não debatemos aqui, Senador Petecão, os candidatos a Presidente do Senado, o que cada um deles pensa? Eles querem continuar essa confusão que nós temos, essa leviandade? Quem é o consultor jurídico que permitiu essas coisas no Senado? Nós vamos continuar desse jeito ou nós vamos ter uma postura diferente com um novo candidato a Presidente do Senado que traga uma nova postura, uma nova visão, uma nova forma de funcionar, um novo estilo?

            Eu estou preocupado porque tudo indica que não vai haver nenhuma mudança. Eu estou preocupado porque não vou ter chance de votar corretamente. Eu vou tomar tanto tempo para escolher o candidato a Presidente quanto tomaria para votar 3 mil vetos. Nada! Vai chegar pronto!

            O erro está na Constituição. A eleição de Presidente da Câmara e do Senado deveria ser em abril, maio, para a gente ter tempo de debater, mas é nas primeiras horas da volta de um recesso de Natal e Ano, cada um nesse imenso território brasileiro.

            Eu temo que a eleição do próximo Presidente não mude nada no Senado e nós continuemos irrelevantes e ridículos. Eu temo muito, por isso estou assustado. Mas, talvez, como eu disse no começo, algumas pessoas se assustam com a crise; outras não veem a crise. Talvez poucos tenham a lucidez de entender perfeitamente. Mas, nessa alternativa entre não ver e se assustar, eu prefiro ser assustado. Porque quem se assusta, às vezes toma uma precaução exagerada, mas toma; quem não vê, não toma precaução e é atropelado pelo processo.

            Está na hora de termos, se não lucidez, susto. E eu estou assustado.

            Concluo, Senador Suplicy, atendendo a dois pedidos de aparte: o do Senador Randolfe e o do Senador Taques.

            O Sr. Randolfe Rodrigues (PSOL - AP) - Senador Cristovam, eu me pergunto se o erro não estaria, na verdade, fora da Constituição, ou seja, no funcionamento das instituições e na forma como estamos funcionando. É verdade que, nessas duas semanas, houve dois atos de força do Supremo Tribunal Federal em relação ao Legislativo. O primeiro ocorreu em relação à cassação dos Parlamentares envolvidos na Ação Penal 470. O segundo foi a decisão do Ministro Fux em relação à votação do pedido de urgência para a apreciação dos vetos, do veto ao projeto de lei sobre os royalties do petróleo. Foram dois atos de força que atingiram o Parlamento. Foram dois atos de força que podem receber diferentes críticas e interpretações de nossa parte, mas também é preciso fazer, de nossa parte, uma reflexão. Não somos nós do Parlamento que estamos dando e deixando uma brecha institucional que possibilita que o Supremo faça esse tipo de intervenção? Não é isso? Será que a própria forma de condução do Ministro do Supremo não merece da Casa uma reflexão? Será que é correto? Eu vi uma entrevista recentemente de uma das Ministras do Supremo dando conta de que não achava bom para o Supremo e para os valores republicanos e da democracia um mandato vitalício. De fato, será que já não é tempo de haver uma reflexão em relação a isso? Na verdade, será que não está em tempo de fazer, mais do que uma reflexão sobre a Constituição, uma reflexão sobre o funcionamento institucional? É inadmissível essa cédula que o senhor apresentou para nós e que está na tribuna. É inadmissível algum Parlamentar do Congresso Nacional ter ido hoje, conscientemente, apreciar esses 3 mil vetos. Não há possibilidade humana de apreciar o que versa cada um desses vetos. Não há possibilidade. E o debate... É assim com cada tema: nós apreciamos por vez. E aí eu acho que o senhor toca no x da questão, no ponto nevrálgico da questão. Talvez o ponto nevrálgico da questão seja o funcionamento das instituições. Nós vamos encerrar o ano legislativo amanhã; é a última sessão amanhã. Voltaremos para eleger o Presidente. Aí, o senhor coloca o ponto, que é a questão: não seria o momento de debatermos o funcionamento da instituição? Não deveríamos ter um espaço para debatermos o funcionamento institucional das duas Casas do Congresso Nacional? E o debate sobre isso não passaria sobre o programa que o Presidente vai apresentar? Eu espero que pelo menos... Existe uma definição de que a crise é um processo dialético. Toda crise leva ao fundo do poço, ao fim, e de lá ressurge. Eu espero que essa crise, que tenha levado a apreciar 3 mil vetos, possa levar a que nós cumpramos nossa função. A cada veto da Presidente da República, 30 dias depois, o Congresso Nacional tem de se reunir e apreciar o veto. E isso impediria que nós tivéssemos de apreciar 3 mil vetos há 12 anos. O que significam esses 3 mil vetos? Significa que há 12 anos o Congresso Nacional não aprecia veto nenhum e não cumpre o papel que está na Constituição. O senhor coloca o x da questão do debate. O debate que temos de fazer é sobre o funcionamento da instituição. E esse debate é o debate na escolha dos Presidentes de cada uma das Casas do Congresso Nacional.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Obrigado, Senador Randolfe. Antes de passar para o Senador Taques, eu quero dizer que eu concordo com o senhor. Felizmente o Supremo está, às vezes, interferindo para cobrir erros nossos. No imediato, felizmente, mas no longo prazo é uma tragédia, porque é o enfraquecimento da correlação entre as três instituições. E aí, pode levar a qualquer coisa. De qualquer maneira, felizmente os erros imediatos eles estão tentando preencher e corrigir. Mas se isso demorar, muito é muito perigoso para as instituições.

            Senador Taques.

            O Sr. Pedro Taques (Bloco/PDT - MT) - Senador Cristovam, V. Exª tocou em três pontos fundamentais para a democracia. Primeiro, a eleição para a Presidência dessas Casas, das Casas do Legislativo: Câmara e Senado, mais particularmente aqui no Senado. Eu conheço eleitor de cabresto; agora, Senador encabrestado, eu não conheço. Senador precisa debater. Daí, parlamento vem de parlar, de falar. Eu quero saber, independente de quem será o candidato, quais são as propostas desse candidato para que nós possamos debater. Agora, nós não podemos, no dia 1º de fevereiro, quando nós aqui retornarmos, nós termos candidato ou candidatos sem que façamos um debate a respeito das questões estruturantes para o Brasil, por exemplo: as relações do Legislativo com o Executivo e com o Judiciário. Portanto, este tema da necessidade de debates para que nós possamos eleger o próximo Presidente desta Casa. Não interessa quem seja, não interessa o partido, o que interessa é que nós possamos fazer esse debate. O segundo ponto: as relações do Judiciário, a interferência do Judiciário. Com todo o respeito, não existe interferência alguma do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal está cumprindo o seu papel que está na Constituição, ele está interpretando. Interpretar significa retirar das entranhas. Eram determinadas divindades que existiam em Roma que retiravam das entranhas dos animais o futuro. O Supremo retira da Constituição e dá à Constituição o sentido. Está isso previsto na Constituição. Não está interferindo em absolutamente nada, está cumprindo o seu papel. Nós é que não estamos cumprindo o nosso papel, estamos violando o art. 66 da Constituição, os seus §§4º e 6º, não colocando os vetos em votação para que eles sejam afastados ou não. O outro ponto que V. Exª trouxe é a respeito da perda ou não do mandato em razão da suspensão dos direitos políticos dos deputados federais condenados pelo Supremo Tribunal. Ah, falta o transito em julgado! Muito bem. Imaginem a sessão legislativa da Câmara vai se iniciar dia 1º de fevereiro, aí o Supremo começa a julgar os embargos depois da publicação do acórdão. Aí o Supremo julga, não existem mais recursos, o deputado vem para a sessão da Câmara; e aí, às 18 horas, para aqueles do semiaberto chega um camburão aqui na chapelaria, com giroflex ligado, com a sirene ligada; aí o deputado sai da sessão e vai para o semiaberto, lá para a Papuda. E aquele deputado condenado a regime fechado, aí o próximo presidente da Câmara vai levar para ele lá na Papuda... Ele pode votar da Papuda? Isso é razoável? O direito não pode, a Constituição não pode conviver com o que não seja razoável. Isso não se apresenta como razoável. Por isso o Supremo Tribunal Federal, existe sim um conflito, e cabe ao Supremo fazer a interpretação, retirar das entranhas da Constituição o que ele entende pela Constituição. Aliás, um senador da República no início do século XX, aquele que está ali em cima, disse uma vez nesta Casa, que quem erra por último é o Supremo Tribunal Federal. Nós podemos entender que é um erro, mas quem erra por último deve ser o Supremo Tribunal Federal.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Agradeço, Senador Taques, e peço dois minutos ao Senador Suplicy para dizer que eu creio que, do ponto de vista da razoabilidade, o Supremo está correto. Há uma contradição, mas, do ponto da razoabilidade, está correto, por mais lamentável que seja.

            Quero concluir dizendo o seguinte: esta cédula aqui tem quase 500 páginas. Se contarmos 500 páginas para 600 parlamentares, temos 300.000 folhas de papel. Se considerarmos um livrinho do Ensino Fundamental de 30 páginas, daria para fazer 100.000 livros para a escola brasileira. Estamos falando do custo político do ridículo. O Tribunal de Contas deveria perguntar o custo financeiro de fazer isso, que não serviu para nada.

            Por isso, quero concluir dizendo que eu gostaria muito aqui de desejar um feliz Ano-Novo, mas não vou fazer ainda, porque, Senador Randolfe, eu tenho a impressão de que, do ponto de vista do que eu esperava para 2012, esse é um ano que não começou ainda. Se este ano não começou ainda, do ponto de vista das esperanças que eu tinha em relação ao nosso funcionamento, fica difícil desejar um próximo Ano-Novo.

            Eu prefiro que esse demore um pouco mais, e que consigamos fazer nele o que o povo brasileiro deseja para não termos a imagem de irrelevantes e de ridículos que temos hoje.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/12/2012 - Página 74977