Pela Liderança durante a 70ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações acerca da abolição da escravatura no País.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL, EDUCAÇÃO. :
  • Considerações acerca da abolição da escravatura no País.
Aparteantes
Pedro Taques, Wellington Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/2013 - Página 25449
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL, EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, SENADO, RELAÇÃO, FATO, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, LOCAL, BRASIL, REGISTRO, NECESSIDADE, FEDERALIZAÇÃO, EDUCAÇÃO, OBJETIVO, MELHORIA, ENSINO, PAIS.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srs. Senadores, Srªs Senadoras, Sr. Presidente, a direção da imprensa do Senado produziu hoje um documento que eu creio que merece os parabéns, porque é um excelente documento. A verdade é que já foi feito um muito parecido em 2008, quando do 120º aniversário da abolição. Agora, no 125º, eles repetem. É o Jornal do Senado, Senador Ataídes, mas como se fosse do dia 14 de maio de 1888. Eles retomaram jornais da época e fizeram este jornal agora.

            E é um jornal que merece que a gente faça algumas análises; aprendermos nós, aqui do Senado, com o que aconteceu naqueles dias. Primeiro, é saber que, no dia 4 de maio, a Princesa Isabel mandou o que se chama o Discurso do Trono para cá. No Discurso do Trono, no dia 4 de maio, ela falava que era preciso resolver o problema do trabalho servil, que era a maneira eufemística de falar “escravidão.” No dia 8, ela já mandou o projeto de lei. No dia 13, um domingo, foi assinado aqui no Senado e, nesse mesmo dia, à tarde, foi sancionado pela Presidente.

            Quais são as lições? A primeira lição é que quando há uma necessidade realmente histórica no País, com uma mobilização social forte e lideranças aqui dentro, sobretudo a de Joaquim Nabuco, na Câmara, é possível fazer as coisas rapidamente. Segundo, que uma Princesa em exercício no cargo não precisa pedir licença ao titular, que era seu pai, para assinar a lei. Dom Pedro II só veio saber da Lei Áurea, Senador Wellington, tempos depois, porque ele estava na Europa. E naquela época não havia facilidades de comunicação. Ela estava como Presidente e tomou a decisão de sancionar a lei.

            Mas havia outras coisas. Por exemplo: apenas dois Senadores se manifestaram contra a proposta. A lição é boa, porque de vez em quando a gente vota aqui de uma maneira irresponsável, pensando que ninguém nunca vai cobrar os votos errados. Mas um dia a história cobra. Por exemplo: um Senador, o Barão de Cotegipe, votou contra a abolição. Ele disse que a lei reconhecia como propriedade, em matéria tributável, o escravo. Por isso não havia que se falar em abolição. O outro Senador, Paulino de Souza, disse: “Medida arriscadíssima para a ordem social e econômica da nação.” Coisa, aliás, que ninguém disse com tanta ênfase, mas chegou a suscitar na hora de aprovarmos aqui a PEC das Domésticas. Muita gente disse que ia trazer o caos, uma dificuldade. Essa foi a primeira coisa. Falo de dois Senadores, mas nove Deputados votaram contra a abolição. Seus nomes estão registrados na história.

            Uma outra lição que a gente precisa realmente ter é a de como, na hora de fazer a medida acontecer, o Brasil vai tão devagar. A Lei Áurea, a gente comemora. Aliás, é preciso lembrar que foi a última vez em que jogaram flores em senadores, das tribunas. Os senadores iam saindo, em direção ao paço, onde a Princesa esperava para sancionar a lei, e o povo jogava flores. Nunca mais houve isso, que eu saiba. É uma lição boa saber como o povo reconhece o nosso trabalho na hora certa. Mas foi um processo muito lento, não só porque levou 400 anos, mas porque passou por uma lei que proibia o tráfico, que não funcionou, depois, outra lei que proibia o tráfico, depois a Lei do Ventre Livre, depois a Lei do Sexagenário, até que se chegou à Lei Áurea, quando já não tinha mais quase jeito.

            Uma outra lição é sabermos - além de que é possível fazer rápido - que alguns nomes ficam na história para sempre. Vou ler apenas o nome dos sete que estão nesse jornal: Joaquim Nabuco, Rui Barbosa e Castro Alves, brancos, abolicionistas; André Rebouças, José do Patrocínio, Luiz Gama e Tobias Barreto, negros ou mulatos, também abolicionstas, que levaram adiante essa luta social, política e econômica com uma campanha nacional que levou ao fim da escravidão.

            Quero chamar a atenção também de como alguns Estados saíam na frente. O Ceará fez a abolição quatro anos antes do Brasil. E fez a abolição de uma maneira muito interessante: um dono de escravos alforriou os seus e procurou os vizinhos para que fizessem o mesmo. Eles disseram: “Não tem problema. Compre os nossos escravos que a gente os liberta.” Ele disse: “Eu compro, se vocês prometerem que não os substituirão por outros escravos.”

            Foi em busca de dinheiro e comprou os escravos. E, de fato, naquela pequeníssima cidade - que tive o prazer de visitar só para ver e ter o sentimento - chamada Aracati, que hoje se chama Redenção, a escravidão foi abolida quatro anos antes de 1888. Mas ali já havia um movimento.

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Os jangadeiros se negavam a transportar escravos, e o Exército se negava a recolher e perseguir escravos fugidios.

            Estou terminando, Senador.

            Quero discutir agora a lição de que precisamos, a lição de que nós não completamos a abolição, Senador Ataídes. Nós não a completamos! A escravidão continua sob outras formas. Já não se pode vender, pode-se abandonar. Você não pode vender o escravo, mas pode abandonar os trabalhadores de maneira irresponsável, leviana, porque eles são livres, inclusive para morrer de fome.

            É preciso lembrar que essa incompletude da abolição tem origem já em 1888. Aqui, no jornal, há uma reconstituição escrita - agora, é verdade - em que se diz:

Ao longo da luta pela abolição foram discutidas propostas nesse sentido [no sentido de completar a abolição], como a criação de colônias agrícolas para os libertos, a desapropriação de terras não exploradas e o desenvolvimento da agricultura. É mister que se estudem ainda outras formas de reparação [aos ex-escravos], como oportunidade de emprego na cidade e acesso à educação, conferindo dignidade ao indivíduo [ao ex-escravo].

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Isso se dizia em 1888. Na verdade, Joaquim Nabuco o dizia até antes, e, até hoje, a gente não o fez! Até hoje, não fizemos, Senador Pedro Taques, a reforma agrária, que era fundamental para que a abolição fosse completada. Ainda menos, não demos o passo da educação das crianças filhas dos ex-escravos, de seus descendentes e dos pobres de hoje.

            Dez milhões de brasileiros são escravos do analfabetismo. Uma pessoa que não sabe ler, no mundo moderno, é escrava. Ela é escrava da sua incapacidade de saber o que os signos indicam; ela é escrava, por exemplo, por não ver escrito “perigo” e caminhar por onde não deve; ela é escrava, por exemplo, por tomar um remédio, sem saber se aquele remédio é o que o médico prescreveu, Senador Wellington Dias, porque não sabe ler o remédio - não falo nem da bula, mas do nome do remédio. Ela é escrava porque não é capaz de conversar com seus filhos, sobretudo porque não é capaz de escrever uma carta para os filhos. Essa é uma forma de escravidão, a escravidão de não poder escrever uma carta para o filho ou a escravidão de não ser capaz de ler uma carta que vem do filho. Isso é escravidão.

            Essa escravidão não vai ser abolida por decreto. Não há mais a possibilidade de uma lei áurea da educação. Mas a gente sabe o caminho. Para mim, esse caminho é dizer que a educação é responsabilidade da Nação brasileira, do povo brasileiro, da União brasileira.

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Por isso, a educação será federalizada. Cada escola será mantida pela União, e cada professor será funcionário do Estado brasileiro. Não é uma lei, é um conjunto de leis. Mas nós não podemos adiar tanto, sob pena de que, daqui a 125 anos, alguém vai ler um jornal deste aqui e dizer os nossos nomes. Não precisam dizer que nós votamos contra. Vão dizer que nós fomos omissos, e a omissão é um pecado tão grave na história quanto votar contra.

            Era isso o que eu tinha a falar, Senador Ataídes, mas dois apartes eu gostaria muito de conceder, e o primeiro deles é concedido ao Senador Taques.

            O Sr. Pedro Taques (Bloco/PDT - MT) - Senador Cristovam, naquele momento histórico quando o Senador Barão de Cotegipe votou contra o projeto de lei que resultou na chamada Lei Áurea, ele comparou, como se fazia naquele momento histórico, o escravo a uma propriedade, comparou o escravo a um bem, comparou o escravo a uma coisa. Nós vivíamos, naquele momento, a chamada coisificação do escravo, porque ele era comparado a uma coisa, porque ele não era um fim em si mesmo como indivíduo, mas ele era um meio para se atingir um fim. Por isso, naquele momento histórico, o indivíduo poderia ser trocado por outro da mesma qualidade ou quantidade, tendo em conta a idade e tendo em conta o preço que a ele era ofertado. Imagine que o indivíduo, em razão da cor da pele, não era indivíduo, um fim em si mesmo, mas era uma coisa. O raciocínio do Barão de Cotegipe naquele momento era esse. Levava-se em conta a questão da propriedade e a questão tributária no comércio do negro. Aqui, naquele momento histórico, formalmente, houve o fim da escravidão. Ora, hoje, a escravidão, muitas vezes, é feita de outra forma, mediante a falta de educação formal para que o cidadão possa ter uma transformação na sua vida e para que possa haver uma transformação no meio em que ele vive. A escravidão também tem outras formas, além da falta de educação: a falta de respeito, a falta de dignidade, a falta de consideração. Essas são formas, sim, de escravidão. V. Exª sempre diz que muitos brasileiros não conseguem ler na Bandeira Nacional a expressão “Ordem e Progresso”. Se ali colocarmos “Progresso e Ordem”, “Não Progresso” ou “Falta de Ordem”, se a pessoa for analfabeta, ela não conseguirá ler. Senador Cristovam, no Estado de Mato Grosso, que, aqui, para minha honra, represento, existem mais de 170 mil analfabetos acima de 15 anos, segundo relatórios do Tribunal de Contas do Estado. Portanto, a escravidão, hoje, tem outro sentido: a falta de dignidade. A escravidão tem outra dimensão: a falta de cuidado com o futuro de uma geração. Parabéns pela fala de V. Exª! Esperemos todos nós que aqueles que votaram contra o projeto de lei possam ser respeitados e não possam ser esquecidos, em razão do atraso histórico daquele momento.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Muito obrigado, Senador Taques.

            Antes de passar a palavra para o Senador Wellington, quero apenas fazer um pequeno comentário, Senadora Lídice.

            Veja bem, o processo ficou incompleto, e a prova é a Lei do Ventre Livre, que ficou incompleta. O que diz a Lei do Ventre Livre? É livre o filho de escrava ao nascer. Com isso, camuflaram a lei - e vou dizer por que a camuflaram, talvez - e esqueceram que uma pessoa não nasce plenamente quando sai da barriga da mãe. Esse é o primeiro nascimento. Uma criança, um ser humano nasce quando sai da barriga da mãe e quando, depois, entra na escola do seu país. O ser humano é diferente dos outros animais que, ao saírem da barriga, estão nascidos; o ser humano só está nascido intelectualmente quando tem educação.

            A Lei do Ventre Livre foi incompleta, a não ser que eles fossem tão perversos que tivessem colocado o nome “Lei do Ventre Livre” pensando no ventre da mãe, em vez de dizer “lei do nascido livre”. Eles não disseram “lei do nascido livre”, porque teriam de colocá-lo na escola para ser plenamente livre. Não vou dizer que pensaram isso na época, mas é perfeitamente uma análise que se pode fazer. A Lei do Ventre Livre, Senador Wellington, não está completa, e olhe que é de 1871, é muito mais antiga até do que a Lei Áurea.

            Então, a gente não completou a abolição, porque o filho das trabalhadoras de hoje, pobres, ainda nascem prisioneiros, ainda nascem escravos, porque só nascem a primeira vez, não nascem a segunda, ao entrar numa boa escola.

            Este é um País das boas leis incompletas. Às vezes, perguntam-me o que acho de algumas propostas do Governo. Não há uma que eu ache que está errada, e não há uma que eu diga que está completa. Nós nos acostumamos com os passozinhos, passozinhos, passozinhos, sem fazer as verdadeiras mudanças que são necessárias.

            Ouço o Senador Wellington.

            O Sr. Wellington Dias (Bloco/PT - PI) - Senador Cristovam, primeiro, expresso sempre minha admiração por essa forma com que V. Exª coloca, como uma missão de vida, um tema que é importante para a vida dos outros, o tema da educação. Então, quero dizer que eu e, tenho certeza, muitos brasileiros temos uma grande admiração por V. Exª, por várias razões, mas o centro, a essência é essa sua luta. Lembro-me de quando V. Exª lançou o livro A Nova Abolição, um livrozinho preto, pequeno...

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - A Segunda Abolição.

            O Sr. Wellington Dias (Bloco/PT - PI) - Melhor dizendo, o livro era A Segunda Abolição, exatamente. Naquela ocasião, tive o privilégio de fazer uma viagem para a China. E eu me lembrei muito de V. Exª, vendo aquelas inscrições no Mandarim, na língua escrita chinesa, porque eu não entendia nada. Então, ali, eu fiquei imaginando como um homem e uma mulher nascidos neste País - eu estava em outro país, nesse caso - se sentiriam vendo um painel como aquele, vendo as placas, as coisas, sem poder interpretar na língua nativa. Eu acho que V. Exª tem razão em relação a essa dívida. No meu Estado, na entrada deste século, havia em torno de um terço de analfabetos com mais de 15 anos, meu querido Pedro Taques. Eram pessoas que não sabiam ler, que não entendiam o que liam, que não sabiam escrever nem entender o que escreveu. Lembro que V. Exª apresentou, naquela época, o Programa de Alfabetização. Eu queria aqui me reportar a um fato: a nossa querida Esther Grossi esteve lá. Ela tem um método que é bem mais rápido até para o aprendizado, que é bom para as pessoas de idade mais avançada. A exemplo do que V. Exª defende, a ideia era a de uma carta: a pessoa tinha de escrever uma carta, e o outro tinha de ler a carta.

(Soa a campainha.)

            O Sr. Wellington Dias (Bloco/PT - PI) - E eu me lembro sempre da frase de uma carta escrita por uma mulher chamada Tereza Alves, de cem anos de idade, que voltou a estudar. O entusiasmo dela se dava porque ela era evangélica e queria ler a palavra de Deus pessoalmente, como ela dizia. A carta era dirigida ao Presidente Lula, e ela a abre com esta frase: “Sr. Presidente, eu era cega e não sabia. Entendendo as letras, voltei a enxergar”. Olha que coisa espetacular! Mais ou menos é essa a sensação. Então, tenho defendido, permita-me, a necessidade de haver o cadastro dessas pessoas. No meu Estado, esta foi a experiência que vivenciei: em algumas situações, as pessoas, às vezes, têm uma deficiência mental, e a ciência ainda não domina a condição para o aprendizado. Então, não há jeito de se resolver isso enquanto a ciência não encontrar uma fórmula. Mas, onde houver um homem e uma mulher que tenham a necessidade de trabalhar... Em Guaribas, Município que foi piloto do Fome Zero - e V. Exª nos ajudou nessa época -, nós trabalhamos com o chamado Agente da Educação, que, de porta em porta, buscava os meninos para levá-los para a escola. Aquilo teve um resultado excepcional. Nesse Município, o analfabetismo chagava a 62% entre os que tinham mais de 15 anos; hoje, esse índice está em torno de 9%, está abaixo da metade do que é verificado no Estado. No Estado, esse índice está em torno de 19%; em Guaribas, em torno de 9%. Vejam só! Qual o lado que me alegrou muito? V. Exª se lembra de que nosso companheiro Antônio José Medeiros, que foi Deputado Federal e Secretário de Educação, apresentou-me um dado recente: na faixa entre 15 e 20 anos, no Piauí, há 4% de analfabetismo, o que significa que, para as novas gerações, a gente deu um passo muito importante. Eu dizia da necessidade de a gente saber quem está entre esses 4%. Há deficientes ou não? Quais são os programas que existem? O Secretário Átila Lira, Secretário atual do Governador Wilson Martins, foi também Deputado Federal e está agora trabalhando com essa ideia do Agente de Educação, na busca de vencer esse obstáculo. Mas quero aqui parabenizar V. Exª por essa luta e por essa causa. Confesso que não tenho a mesma segurança que V. Exª tem quanto ao processo de federalização. O nosso País é gigantesco, e não sei como seria essa estrutura federal para a educação. No meu Estado, que é pequeno, com três milhões de habitantes, há aproximadamente cinco mil escolas. O Estado brasileiro daria conta, em cada Estado, de ter essa quantidade de escolas federalizadas?

Mas acredito que, numa coisa, estou junto com V. Exª...

            (Soa a campainha.)

            O Sr. Wellington Dias (Bloco/PT - PI) - ... dar prioridade à educação. Nesse ponto, acho que precisamos trabalhar e encontrar caminhos. Como está, seguramente, ainda há muitas falhas, está incompleto, como diz V. Exª. Eu agradeço e parabenizo V. Exª.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Senador, vou precisar de mais uns minutos, pois faço questão de responder ao Senador Wellington, que disse coisas muito interessantes.

            Primeiro, a ideia da federalização é no que se refere ao salário do professor, é no que se refere àquilo que a gente pode dizer: isto é uma escola, gente. Tem de ter um prédio bonito e bem equipado.

            A gestão tem de ser descentralizada. Aí eu radicalizo. O senhor defende que o governador seja o gestor. Eu acho que a gestão pode ser feita pela própria escola, independentemente: pelos professores, pelos pais e pelos alunos maiores, como são as universidades hoje. Ninguém reclama que as universidades são federais e por isso têm uma máquina para gerenciar. Não têm. O reitor é autônomo. Existe uma coisa na Constituição,...

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - ... a autonomia universitária. Agora, a carreira é federal. Federalizar é dizer que a profissão do professor será uma carreira nacional, do Estado. E, para ser escola, tem de ter características federais. Pronto, a gestão é livre. E mais: pedagogicamente livre. Não se pode impor método pedagógico, tem de deixar todas as experiências serem testadas.

            Dito isso, eu quero falar sobre a ideia de ver. Senador Wellington, a minha avó materna era analfabeta, e morreu analfabeta. Era uma mulher de muita sabedoria, mas, quando saia para lugares de Recife que não conhecia, tinha de me levar, com 7 ou 8 anos, para ler o nome do ônibus. Então, ela não via plenamente, e olha que era uma mulher muito sábia.

            E aí eu quero dizer que, quando fui Ministro, eu criei uma coisa chamada Labirinto do Analfabetismo. Era uma caixa grande, em que você entrava...

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - ... e sentia-se, por uma hora, Senador Taques, analfabeto. Você entrava, era tudo escuro. Aparecia uma luz e aparecia uma voz dizendo: “Você acaba de entrar na cidade, escolha um ônibus”. Aí aparecia um filme com os ônibus passando, só que ninguém entendia as letras, como se estivesse na China. “Pergunte a alguém”, a voz dizia. Aí avançava. “Você conseguiu chegar aqui depois de tanto perguntar. Agora deve estar com dor de cabeça. Entre na farmácia e compre um remédio.” Apareciam os remédios com as letras misturadas. Ia, ia, ia, procurava emprego num jornal que não entendia. Entrava num restaurante e lia o cardápio, sem ter a possibilidade de entender. E, no fim, dizia: “Você chegou até o final. Deixe agora sua marca”. Aí, uma luz mostrava uma digital.

            Eu fiz esse percurso com o Presidente Lula e a Dona Marisa. Eu vi os seus olhos cheios d'água, ao ver aquilo. Levei essa caixa para o SBPC e universidades. Lamento que o Ministro que me sucedeu, Tarso Genro, destruiu isso imediatamente ao abandonar. Ficou numa garagem...

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - ... e sumiu. Esse é um ponto.

            O segundo, e aí termino, é quando o senhor falou da carta. No meu governo do Distrito Federal, eu tinha um programa que pagava aos analfabetos para aprenderem a ler. A gente não paga para um engenheiro fazer um doutorado? O cabra já tem um diploma e a gente ainda paga. Eu dava R$100 na hora que ele aprendesse a ler.

            Agora, o analfabeto é inteligente. Ele ia se matricular e ia ficar ganhando dinheiro, se fosse por mês. A gente só dava uma vez, quando ele fosse capaz de escrever uma carta em sala de aula e o outro fosse capaz de ler. Eu tenho, até hoje, muitas dessas cartas. São lindas as cartas.

            Tão barato é isso que é uma coisa que eu não perdoo. É o Governador do Distrito Federal, que gasta R$1,5 bilhão para fazer um estádio, e não gastou o quê?

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - ... R$300 mil ou R$1 milhão para poder, no dia em que chegarem aqui os primeiros torcedores da Copa, ter uma placa bem grande em frente ao aeroporto: “Você está entrando em um território livre do analfabetismo”.

            Isso é difícil no Mato Grosso. Isso é difícil no Piauí. Aqui, são 60 mil. Era muito barato, e não o fez. E gastou R$1,5 bilhão no estádio, construído provavelmente por muitos trabalhadores que não sabem ler e que não tiveram curso de leitura lá, porque poderiam ter tido ali um curso de alfabetização.

            Por isso, eu creio que a gente precisa entender a beleza que foi, a glória do Parlamento,...

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - ... quando votou a Lei Áurea, e a fraqueza de todos nós, nesses 125 anos, de não termos, Senadora Lídice, completado a abolição no Brasil, por falta de completarmos a Lei do Ventre Livre, fazendo com que as crianças que saíram do ventre da mãe já não mais escravas entrassem na escola boa, que é aquela que de fato completa o nascimento.

            Era isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/2013 - Página 25449