Pela Liderança durante a 93ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do transcurso, hoje, do Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil; e outro assunto.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. HOMENAGEM.:
  • Registro do transcurso, hoje, do Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 13/06/2013 - Página 36106
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, COMBATE, TRABALHO, PERIODO, INFANCIA, COMENTARIO, DADOS, PESQUISA, ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT), REFERENCIA, EXCESSO, EXPLORAÇÃO, CRIANÇA, LOCAL, MUNDO, ENFASE, BRASIL.
  • HOMENAGEM POSTUMA, INTELECTUAL, ESCRITOR, EX-COMBATENTE, ESTADO DA BAHIA (BA), ELOGIO, VIDA PUBLICA.

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco/PSB - BA. Pela Liderança. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, dia 12 de junho, é véspera de Santo Antônio, muito comemorado pelos católicos da minha terra; para outros, é Dia dos Namorados; mas, para aqueles que lutam em defesa das crianças e dos adolescentes em nosso País, é um dia muito importante, porque é o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil.

            Portanto, Sr. Presidente, como integrante e uma das coordenadoras da Frente da Criança e do Adolescente no Congresso Nacional, não posso deixar de aqui registrar esta data e trazer ao conhecimento das Srªs e dos Srs. Senadores os dados a respeito do trabalho infantil em nosso País.

É tempo de ir à escola

Há tanto para aprender

Deram-te a linha e a cola

Mas não tempo para crescer.

Vês a alegre correria

Meninos na brincadeira

Mas tu passas todo o dia

Sentado nessa cadeira

Sem tempo para o que gostas

Nem momentos de lazer

Não endireitas as costas

Tens trabalho para fazer.

            Com esses versos do poema Infância Perdida, de João Alberto Roque, começo este meu registro sobre o dia 12 de junho, data que marca o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil.

            Segundo estudo da Organização Internacional do Trabalho divulgado esta semana, aproximadamente 10,5 milhões de crianças entre 5 e 17 anos no mundo são trabalhadoras domésticas fora de suas residências e, muitas vezes, em condições perigosas ou análogas à escravidão. Desse total, 6,5 milhões têm entre 5 e 15 anos e 71% são meninas. Apenas no Brasil, o estudo cita que deva haver cerca de 250 mil crianças trabalhando nessas condições.

            Relatório da mesma OIT, de 2011, registrava em todo o mundo 15,5 milhões de crianças e adolescentes no trabalho infantil doméstico. Comparando-se ambos, houve uma diminuição de 4 milhões de crianças e jovens nessas condições.

            No Brasil, em 1992, segundo a PNAD do IBGE, havia 8,4 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos - 19,6% do total - em algum tipo de atividade remunerada. Em 2011, 3,6 milhões estavam em situação de trabalho -8,6% do total -, ainda de acordo com a PNAD.

            Entre 2000 e 2010, houve uma redução de 13,4%, mas a ocorrência do problema chegou a aumentar 1,5% entre crianças de 10 a 13 anos, justamente na faixa etária mais vulnerável dessa população, para a qual todo tipo de trabalho é proibido.

            Por mais que a queda desses números tenha sido significativa e mereça ser comemorada, o Brasil ainda apresenta índices inaceitáveis e está longe de erradicar o trabalho infantil num curto espaço de tempo. Um fator preocupante é que, de 2005 em diante, houve uma desaceleração no ritmo da diminuição do número de crianças e adolescentes no mercado de trabalho.

            Nosso maior desafio é alcançar e erradicar as piores formas de trabalho infantil: o doméstico, nos lixões, na exploração sexual, no narcotráfico, na agricultura familiar e no comércio informal urbano. Vencer também a consciência de nossa sociedade.

            Em diversos setores, ainda persistem os argumentos favoráveis às atividades laborais de crianças e adolescentes, para mantê-los longe do crime ou dignificá-los. Especialistas alertam para as consequências dessa cultura, que ignora os muitos efeitos nocivos e o papel de perpetuação da pobreza que exerce o engajamento precoce na produção em detrimento da formação e do estudo.

            Mesmo a nossa Justiça concede ainda autorizações prévias para que menores de 16 anos ingressem no mercado, medida considerada inconstitucional. Na esfera política, as maiores dificuldades são a falta de articulação entre as diferentes esferas - municipais, estaduais e federal - e críticas ao Peti - Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Os principais questionamentos feitos hoje ao programa giram em torno do controle da frequência escolar e a presença nas atividades no contraturno, assim como o devido acompanhamento para o não retorno ao trabalho infantil.

            Com base no Relatório Brasil Livre de Trabalho Infantil, da ONG Repórter Brasil - Organização de Comunicação e Projetos Sociais, podemos conhecer melhor os diferentes aspectos do problema. Após uma introdução com dados gerais e dificuldades a serem enfrentadas no campo político, da justiça e cultural, o relatório analisa em profundidade as piores formas de trabalho infantil, debruçando-se sobre o trabalho doméstico, o urbano informal e ilícito, o trabalho rural e a exploração sexual comercial de meninas e meninos.

            Na área rural, estima-se em 450 mil o número de crianças entre 5 e 13 anos que trabalhavam em atividades agrícolas ou no extrativismo em 2011, ou 63,5% do total de trabalhadores nessa faixa etária, segundo a PNAD. As atividades agrícolas são aquelas em que as crianças começam a trabalhar mais cedo.

            A política de prevenção e eliminação do trabalho infantil no campo hoje é focada na agricultura familiar. Segundo a PNAD 2011, 74,4% das crianças entre 5 e 13 anos que trabalhavam não recebiam contrapartida de remuneração.

            As Regiões Nordeste e Sul lideram a taxa de ocupação de crianças na agricultura. Especial dificuldade enfrentam as crianças indígenas, ribeirinhas e extrativistas. Poucas escolas, ensino descontextualizado e falta de atividades no contraturno são algumas falhas. O ainda frágil engajamento dos gestores da educação na pauta do trabalho infantil é um dos obstáculos.

            Diante das falhas do Estado, a responsabilização das famílias pelo trabalho infantil no campo é vista com cautela. Os setores agrícola e extrativista concentram mais da metade dos meninos e meninas de 5 a 13 anos que trabalham no Brasil. O fenômeno é mundial: segundo a OIT, 60% das crianças entre 5 e 17 anos que trabalham no mundo estão no setor agrícola ou no extrativista. Portanto, para reverter esse quadro, temos que ter esses setores como prioritários para as políticas públicas de erradicação do trabalho infantil.

            Gostaria de destacar que a PEC das Domésticas, que relatei no Senado, promulgada como Emenda Constitucional 72/2013, em abril, define como proibido o trabalho noturno, perigoso ou insalubre para menores de 18 anos e de qualquer trabalho para menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos. Foram abertas, portanto, as portas para que nós possamos erradicar o trabalho infantil no âmbito do trabalho doméstico brasileiro.

            Embora a OIT não tenha considerado a recente Emenda das Domésticas, o estudo divulgado esta semana destaca que desde 2008 o Brasil já deu um marco inicial na proteção de crianças trabalhadoras domésticas com o Decreto nº 6.481, que proíbe que algumas profissões sejam realizadas por crianças.

            Ainda aguardamos que a Presidente Dilma encaminhe para esta Casa a ratificação de um importante instrumento no enfrentamento dessa prática, que é uma convenção sobre o trabalho decente para as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos, a Convenção nº 189.

            Os serviços informais e o tráfico parecem atrair cada vez mais meninas e meninos com menos de 16 anos. No início dos anos 1990, a idade média de ingresso no tráfico de drogas na cidade do Rio de Janeiro era de 15 e 16 anos. Dez anos depois, havia caído para 12 e 13 anos. O Brasil assumiu o compromisso de erradicar essa prática até 2015.

            O Estado também precisa melhor se equipar para o enfrentamento da exploração sexual de crianças e adolescentes, especialmente no que se refere à qualificação do atendimento às vítimas.

            Nos últimos 20 anos de enfrentamento avançaram: de 2004 a 2010, o número de programas federais para a área saltou de três para 13. Um dos reflexos foi o aumento das denúncias. Embora a sociedade esteja mais sensível ao tema, vítimas ainda sofrem com a impunidade, o atendimento precário e a insuficiente articulação entre as ações desta política.

            Um dos maiores desafios hoje é o aumento da exploração no contexto das grandes obras de infraestrutura em curso no País. Entidades ligadas à rede de enfrentamento alertam para a intensificação desse tipo de violação nas regiões onde estão sendo construídas obras de infraestrutura para megaeventos, como a Copa do Mundo de Futebol. Essas entidades recomendam que as ações de prevenção figurem nos processos de licenciamento das obras. Em contrapartida, o engajamento do setor privado se apresenta como uma alternativa na inserção das vítimas no mercado de trabalho legal e formal.

            Mas é nas atividades de trabalho infantil em ramos ilícitos que urge uma ação eficiente e abrangente dos nossos governos, pois esse é o ovo da serpente que origina a violência e o crime juvenil em nosso País. Aqueles que hoje apregoam a redução da maioridade penal como forma de ampliar a segurança da população agem como quem quer colocar trancas em portas já arrebentadas. É nessas demandas que podem ser feitas ações preventivas, cumprindo-se, assim, o velho adágio de que se "eduque a criança para não precisar punir o adulto".

            No próximo mês de outubro, o Brasil vai sediar a III Conferência Global sobre Trabalho Infantil, que deve reunir representantes de governos, empregadores, trabalhadores e organizações da sociedade civil dos 185 países membros da OIT.

            O Brasil foi escolhido como anfitrião da conferência pelo fato de ser considerado uma referência mundial em relação às políticas sobre o tema.

            Portanto, Sr. Presidente, desejo que nós possamos abrigar essa Conferência com condição de realmente dar exemplo em todo o mundo.

            Terminando como iniciei este pronunciamento, leio o final do poema Infância Perdida:

O patrão é exigente

Quer os sapatos bem feitos.

Para ele, tu não és gente

E não tens quaisquer direitos.

Não sabes o que são férias

E o pouco que paga à peça

Só agrava as misérias

Por estranho que pareça.

Deixa marcas para a vida

Esse ciclo vicioso.

A tua infância perdida

É um tempo precioso.

É tempo de ir à escola

Há tanto para aprender.

Deram-te a linha e a cola

Mas não tempo para crescer.

            Muito obrigada, Sr. Presidente.

            No entanto, antes de concluir o meu pronunciamento, não posso deixar de, lamentando, apresentar um voto de pesar pelo falecimento ontem, aos 90 anos de idade, de Jacob Gorender, considerado um dos mais notáveis entre os intelectuais marxistas brasileiros, que certamente fará muita falta à ciência política, à política da Bahia e do Brasil.

            Da Bahia, porque, nascido em Salvador, em 1923, interrompeu os estudos em 43, quando, aos 20 anos, se alistou na Força Expedicionária Brasileira. Lutou na Europa, em batalhas como a de Monte Castelo, na Itália.

            No final da guerra, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou em jornais de esquerda, e, em 53, para São Paulo. Dois anos depois, embarcou para Moscou, onde permaneceu até meados dessa década de 50.

            Ao voltar ao Brasil, filiou-se ao PCB, em que militou profissionalmente, sendo redator de A Classe Operária e depois, da Imprensa Popular, do Voz Operária, da revista Novos Rumos e demais publicações daquele partido.

            Depois do Golpe de 64, fundou e dirigiu o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário - PCBR. Em 1970, foi preso e sofreu todo tipo de tortura, mas, conforme ressalta o jornalista baiano Vitor Hugo, reinventou-se como intelectual e escreveu livros como O Escravismo Colonial e Combate nas Trevas. Também é autor de A Escravidão Reabilitada e de Marxismo sem Utopia, além de artigos e ensaios, deixando uma contribuição inestimável para o entendimento da história do País.

            Muito obrigada.

(Soa a campainha.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/06/2013 - Página 36106