Discurso durante a 129ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Alerta para a situação da segurança pública na Cidade de Curitiba.

Autor
Sergio Souza (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Sergio de Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Alerta para a situação da segurança pública na Cidade de Curitiba.
Publicação
Publicação no DSF de 14/08/2013 - Página 53753
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • REGISTRO, APREENSÃO, ORADOR, RELAÇÃO, AUMENTO, VIOLENCIA, LOCAL, ESTADO DO PARANA (PR), MOTIVO, IMPUNIDADE, REDUÇÃO, INDICE, RESOLUÇÃO, CRIME, APRESENTAÇÃO, DADOS, JORNAL, GAZETA DO POVO, SOLICITAÇÃO, PROVIDENCIA, AUTORIDADE, SEGURANÇA PUBLICA.

            O SR. SÉRGIO SOUZA (Bloco Maioria/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Blairo Maggi, eu já tive também a oportunidade de conhecer um pouco do interior do Paraguai. Realmente, há terras maravilhosas, campos agricultáveis, pessoas de bem e, inclusive, cidades que receberam o nome de cidades paranaenses, regiões que receberam o nome de regiões do Paraná, que é o meu Estado.

            Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, Srªs e Srs. Senadores, caros telespectadores da TV Senado, caros ouvintes da Rádio Senado, senhoras e senhores, volto à tribuna para dar continuidade ao pronunciamento que realizei na última terça-feira sobre a violência na cidade de Curitiba, capital do meu Estado do Paraná.

            Em verdade, trata-se de continuar analisando uma série de reportagens intitulada “Crime sem castigo”. É assim que chamou o jornal Gazeta do Povo a série de reportagens que vem produzindo para relatar a quantidade de homicídios no Estado do Paraná, mas em especial na capital do Estado, que totalizou 5.806 homicídios somente em Curitiba nos últimos dez anos.

            Desses 5.806 homicídios, o jornal Gazeta do Povo fez uma análise em mil e, a partir daí, construiu uma série de reportagens intitulada “Crime sem castigo” e publicada diariamente, ao longo de toda semana que passou, no referido jornal.

            Nesta oportunidade apresentarei dados e reflexões sobre as matérias veiculadas entre os dias 7 e 11 de agosto que, igualmente ao material anterior, decorrem de um levantamento minucioso, realizado em 18 meses pelos repórteres Rogerio Galindo, Rosana Félix, Bruna Maestri Walter e José Marcos Lopes, sobre mil dos 5.806 casos de assassinatos ocorridos na cidade de Curitiba entre os anos de 2010 e 2013.

            Infelizmente, Srªs e Srs. Senadores e, sobretudo, curitibanos e curitibanas que nos assistem pela TV Senado, a continuação da série “Crime sem castigo” amplia a minha perplexidade diante do que considero a falência do sistema de segurança pública na nossa capital.

            Por exemplo, parece-me muito preocupante o fato de que a prova técnica não aparece em 81% dos mil inquéritos analisados pela Gazeta do Povo.

            Dizem os especialistas que todo crime deixa rastros, mas isso significa que sempre a polícia vai atrás desses rastros. As análises especiais presentes nos casos mais graves, como exames de sangue, de DNA e imagens de câmeras, corroboram o trabalho policial ou apontam linhas a serem seguidas, além de usualmente afastarem as dúvidas do caso concreto.

            Em Curitiba, Sr. Presidente, entretanto, os exemplos citados são excepcionais, e, na maioria das vezes, a polícia não conta com provas desse gênero para descobrir quem é o culpado, afinal, dos mil casos analisados, apenas 190 deles contavam com provas técnicas, executados os dois exames mais básicos: a necropsia e o exame no local do crime. Não há, nesses casos, qualquer perícia de telefones celulares, confrontos balísticos, imagens de câmeras de segurança, análise de impressões digitais ou testes de DNA. A maioria das investigações, Sr. Presidente, porém se baseia apenas nas declarações de testemunhas que, por vezes, podem culminar para o mero confronto de versões. Pior do que isso, no entanto, é constatar que, além de poucas provas técnicas, nem os exames obrigatórios constavam em todos os mil inquéritos analisados pela reportagem. Em 11% dos inquéritos lidos, não havia o laudo de necropsia que serve para determinar a causa da morte e tem prazo de dez dias para ser feito, segundo o Código de Processo Penal; já o laudo sobre o local do crime estava fora de 50,4% dos inquéritos.

            A falta de necropsia leva a casos absurdos como o assassinato de uma mulher por estrangulamento em que seu companheiro, principal suspeito, preso em flagrante, foi solto após dois meses de prisão por decisão de um juiz que concluiu que, a partir da inexistência de laudo de necropsia, não podia ser provado que a vítima havia sido assassinada.

            Levantamento feito pelo jornal Gazeta do Povo revelou que a Polícia Científica demora em média quatro meses para redigir laudo do exame que constata a causa da morte de uma pessoa (quatro meses é a média do prazo que a polícia legista leva para concluir a causa da morte de uma pessoa).

            A reportagem também encontrou pelo menos 36 casos de inquéritos abertos em 2013 em que, 30 dias após a ocorrência da morte, ainda não tinham o documento anexado. Sr. Presidente, em cinco deles a necropsia não havia sido incluída no inquérito após 90 dias do evento, ou seja, da morte.

            Outra informação que chama a atenção e deveria servir de auxílio às autoridades responsáveis por investigações em inquéritos correspondentes ao índice de 56%, ou seja, mais da metade das mil pessoas assassinadas entre 2010 e 2013, eram traficantes ou usuárias de entorpecentes.

            Nem sempre, Sr. Presidente, as drogas estão por trás da motivação dos crimes, mas a maioria das vítimas e usuárias são usuárias ou comercializam a droga. Na maioria dos assassinatos ocorridos em Curitiba, 56% são usuários ou são comerciantes de drogas.

            Em geral, esses inquéritos seguem o mesmo padrão dos demais, mas há algumas diferenças que fazem com que a taxa de resolução das mortes relacionadas a drogas seja ainda inferior às demais.

            Quando a morte tem relação com entorpecentes, a política tem mais dificuldade para ouvir testemunhas, por causa do medo que elas têm de sofrer represálias do traficante. Dos homicídios relacionados a drogas, Sr. Presidente, em apenas 9,2% a polícia indicou algum suspeito, contra 15% nos demais casos. Aliás, Srªs e Srs. Senadores, cumpre registrar que, muito antes do início do levantamento da Gazeta do Povo, apresentei no Senado Federal o Projeto de Lei nº 763, de 2011, que estabelece pena de multa para o usuário de drogas e cria nova circunstância agravante ao agente que comete crime sob o efeito preordenado de drogas, entre outras providências. Penso, Sr. Presidente, que, com a edição da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, a legislação brasileira passou a considerar o usuário de drogas ilícitas como uma vítima. O paradigma, agora, em relação aos usuários e dependentes, está calado na prevenção e reinserção social, tanto que as sanções privativas de liberdade e pecuniária foram abolidas.

            Entretanto, acredito que, para o efeito do combate ao tráfico de drogas, é necessário que o Estado adote medidas em desfavor dos que alimentam esse comércio. Atualmente, as penas para o usuário de drogas são muito brandas e não desestimulam a prática ilícita. Creio que é preciso sinalizar para o usuário de drogas que ele corre graves riscos pessoais e no campo legal, caso seja apanhado consumindo drogas, ou caso se envolva em crimes sob o uso de drogas.

            Faço aqui um parêntese, Sr. Presidente. Se um cidadão ingere álcool, que é uma droga lícita e permitida pelo nosso ordenamento jurídico, sai dirigindo o seu veículo, atropela e mata alguém, ou comete um acidente em que alguém venha a falecer, ele responde como aquele que teve a intenção, teve a vontade de agir, porque ele sabia que a legislação proibia, caso ele estivesse sob efeito desse elemento químico que é o álcool, sob o efeito do qual é proibido dirigir.

            O que nós queremos dizer? Que o cidadão que, sob o efeito da droga - cocaína, crack, qualquer que seja -, venha cometer crimes seja responsabilizado com agravante, para nós desestimularmos o uso desse entorpecente. Entretanto, Sr. Presidente, acredito que, para o efeito do combate do tráfico de drogas, é necessário que o Estado adote essas medidas, em desfavor daqueles que alimentam o tráfico. Atualmente, as penas para o usuário realmente são incompatíveis.

            Nesse sentido, o projeto promove a aplicação da pena de multa para o usuário de drogas e cria nova circunstância agravante quando o agente comete crime sob o efeito dessa substância psicoativa. Nesse caso, Sr. Presidente, ademais o projeto veda a substituição da pena privativa de liberdade pela restrição de direito, bem assim proíbe a concessão do sursis - aquele concedido no Natal pelo Presidente da República.

            Srªs e Srs. Senadores, já, em 2011, estava convencido de que a guerra contra o tráfico de drogas jamais será vencida sem a punição eficaz também dos usuários. E agora, a partir dos números do levantamento da Gazeta do Povo que indicam que, dos 1.000 casos de homicídios analisados entre os 5.806, ocorridos em Curitiba, entre 2010 e 2013 (em três anos), 562 envolviam usuários ou traficantes de drogas. Nós estamos falando de crimes contra a vida, estamos falando de homicídios: alguém que ceifou e tirou a vida de alguém. Os 56,2% homicídios ocorridos na capital do meu Estado, na cidade de Curitiba, foram feitos por usuários ou traficantes.

            Sinto-me, Sr. Presidente, ainda mais confortável para continuar lutando pela aprovação de meu projeto que também criminaliza o usuário de drogas, principalmente aqueles que detêm maior poder aquisitivo, porque são eles que financiam o tráfico no Brasil, de forma indireta, e porque não dizer também de forma direta.

            Mas, Srªs e Srs. Senadores, voltando à série Crime sem Castigo, intitulada pela Gazeta do Povo nas reportagens da última semana, também merece destaque a análise geográfica da ocorrência dos crimes que evidenciam áreas com pouca iluminação, terrenos abandonados e sem conservação como locais com maior probabilidade de acontecerem crimes mais violentos. Pelo estudo em áreas menos cuidadas, seja pelos moradores, seja pelo poder público, o criminoso sabe que há menos risco de ele ser denunciado, o que significa que a polícia precisa atuar de forma mais intensa e ostensiva nas localidades mais pobres.

            Aliás, Sr. Presidente, no que se refere à localização dos homicídios, o estudo vai além e constata que quase metade dos crimes está concentrada em 176 das mais de oito mil ruas da capital do Estado do Paraná. Repito, Sr. Presidente: no que se refere à localização dos homicídios, na capital do Estado do Paraná, na cidade de Curitiba, um estudo feito pelo jornal Gazeta do Povo constata que quase metade dos crimes, dos homicídios, está concentrada em 176 das mais de oito mil ruas existentes na capital. Uma polícia ostensiva nesses locais já daria um resultado excelente para reprimir o crime na capital do meu Estado, o Paraná. E acontecem com maior frequência, Sr. Presidente, em áreas de ocupação irregular, localidades pobres e à beira dos rios e da linha do trem.

            O maior número de ocorrências é na Avenida Juscelino Kubitschek, na Cidade Industrial de Curitiba, conhecida como CIC, com 11 assassinatos, com maior concentração nas imediações da ocupação da Vila Nova Barigui.

            Também chamam atenção, Sr. Presidente, pela violência o entorno da Vila Sandra, na CIC; a Terra Santa, no Tatuquara; o Xapinhal, no Sítio Cercado; Campo Cerrado e Osternack, também no Sítio Cercado; 23 de Agosto, no Ganchinho; Vila União e Jardim Icaraí, no Uberaba; Vila Acrópole e Vila Autódromo, no Cajuru. São bairros tidos como periféricos, em regiões pobres da capital do Estado do Paraná.

            O Levantamento também indica que existe data para ocorrência da maioria dos casos de homicídio na capital - olha o absurdo! -, visto que 55% das mortes ocorreram de sexta a domingo. Ou seja, no final de semana.

            E o problema é que, diante de tais números, Sr. Presidente, a polícia não pode falar em imprevisibilidade. Afinal, o assassinato, em Curitiba, ocorre sempre nas mesmas áreas, nos mesmos horários. Em verdade, trata-se de um padrão na maioria das capitais do País o que deveria tornar mais fácil a prevenção e a solução dessas ocorrências.

            Também segue a tendência nacional o fato de que, das mil mortes analisadas, 810 ocorreram por tiros de arma de fogo.

            Cumpre ainda, Sr. Presidente, aqui no plenário do Senado Federal, ressaltar o estudo do Mapa das Armas de Fogo nas Microrregiões Brasileiras, feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que indica haver uma relação forte entre armamento e violência, visto que nas 20 microrregiões brasileiras onde há maior prevalência de armas de fogo, a taxa de homicídios é 7,4 vezes mais alta do que a das 20 localidades onde há menos armas.

            O estudo conclui que uma das medidas cruciais para garantir maior segurança no Brasil é o desarmamento da população.

            Os números da violência em Curitiba são extremamente graves. Pior, entretanto, é saber que segundo a Gazeta do Povo, jornal do meu Estado, mais de 10% dos homicídios ficam ocultos para a Secretaria de Segurança Pública, pois, em cinco anos, cerca de 400 assassinatos que ocorreram na cidade não entraram na estatística oficial do Município.

            Em 15 anos, Sr. Presidente, 2.368 homicídios cometidos no Paraná ficaram "ocultos" e não entraram nas estatísticas nacionais. São mortes decorrentes de assassinatos e que, por falhas no preenchimento, acabaram sendo erroneamente classificadas como "mortes violentas com causa indeterminada" no Sistema de Informações de Mortalidade, o SIM. O número equivale a 6,3% dos 37,8 mil assassinatos registrados no Estado do Paraná entre 1996 e 2010.

            Olhem o absurdo, minha gente: 37.800 mil assassinatos ocorreram no Paraná entre 1996 e 2010, em 14, 15 anos - 37.800 mortes! Isso mata mais do que qualquer guerra no mundo. 

            A situação curitibana é tão grave que, quando comparamos os números de assassinatos da cidade com países com populações expressivas, vergonhosamente temos índices superiores. Na França, por exemplo, que tem uma população de 65 milhões de habitantes, ocorrem menos homicídios por ano do que na cidade de Curitiba, que tem menos de 2 milhões de habitantes. Com 65 milhões na França, há menos homicídios do que em Curitiba, que tem tão somente 2 milhões; 1,8 milhão de habitantes.

            Em 2011, foram registrados 665 homicídios em território francês, contra 685 na capital paranaense. E o pior, Sr. Presidente, é saber que, enquanto a taxa de resolução dos crimes está em torno de 80% na França, em Curitiba estamos abaixo dos 20%.

            Falando em resolução de crimes, é triste a constatação do jornal Gazeta do Povo de que é mais fácil um homicida morrer do que ser condenado na capital do meu Estado. Em 2010, a Justiça condenou 28 pessoas por assassinatos, enquanto que, no mesmo ano, 54 acusados de homicídios foram mortos nas ruas; mortes fatídicas ou não.

            Em dez anos, apenas 4% dos casos dos 5,8 mil assassinatos cometidos em Curitiba resultaram em condenação - dos 5,8 mil homicídios ocorridos em dez anos no Paraná, apenas em 4% desses casos houve condenação. Para cada 23 homicídios ocorridos na cidade em uma década, a Justiça conseguiu condenar apenas uma pessoa. Dos 5.806 homicídios na cidade desde 2004, o total de condenações era de 247 até o início de julho deste ano.

            Para concluir, Sr. Presidente, o resultado, lamentavelmente, fica abaixo da média do País, que, de acordo com a pesquisa da Associação Brasileira de Criminalística, realizada em 2011, variava entre 5% e 8% a taxa de condenação - 5% e 8%; é um absurdo!

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de concluir sinto-me obrigado a elogiar publicamente o excelente trabalho desenvolvido pelos repórteres Rogerio Galindo, Rosana Félix, Bruna Maestri Walter e José Marcos Lopes, ao analisar mil assassinatos ocorridos em Curitiba entre os anos de 2010 e 2013. Dos 5.800, analisaram mil.

            Lamento profundamente, como morador da cidade de Curitiba, os números obtidos pelo levantamento, que demonstram a situação de tremenda precariedade dos nossos sistemas de investimentos em indiciamento e, sobretudo, investigação com punição aos criminosos.

            Espero, Sr. Presidente, que as autoridades paranaenses, responsáveis pela segurança em nosso Estado, possam utilizar esse extraordinário trabalho, realizado pelo jornal ao longo de dezoito meses, como uma bússola para nortear o aprimoramento de suas ações de proteção e combate à violência no Estado do Paraná.

            Não podemos, em hipótese alguma, aceitar a manutenção de índices tão negativos na capital do Estado do Paraná. Como em qualquer região deste País, é imperiosa a reversão dessa realidade, pois, além de educação e saúde, a segurança figura dentre as principais preocupações de todos os cidadãos brasileiros. A população curitibana merece dias melhores e mais seguros.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, agradecendo a V. Exª pela tolerância do tempo, dada a relevância do assunto. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/08/2013 - Página 53753