Discurso durante a 185ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Alegria pela reabertura da discussão da Lei da Anistia; e outros assuntos.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA MINERAL. PROGRAMA DE GOVERNO, SAUDE. ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Alegria pela reabertura da discussão da Lei da Anistia; e outros assuntos.
Publicação
Publicação no DSF de 24/10/2013 - Página 75306
Assunto
Outros > POLITICA MINERAL. PROGRAMA DE GOVERNO, SAUDE. ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • ELOGIO, LEILÃO, PETROLEO, REGIÃO, LITORAL BRASILEIRO, PRE-SAL.
  • REGISTRO, SANÇÃO, PROGRAMA DE GOVERNO, AMPLIAÇÃO, MEDICO, ORIGEM, EXTERIOR, TRABALHO, BRASIL.
  • REGISTRO, INICIATIVA, PROCURADOR GERAL DA REPUBLICA, DEBATE, REVISÃO, LEI DE ANISTIA, ELOGIO, COMISSÃO, VERDADE, RECONHECIMENTO, CRIME, DITADURA, REGIME MILITAR, BRASIL.

            O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Apoio Governo/PT - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, espectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, antes de iniciar as minhas palavras, queria fazer aqui dois registros importantes, os quais pretendo abordar em outro momento, mas que precisamos aqui registrar.

            O primeiro deles é o sucesso da realização do primeiro leilão do pré-sal, o leilão de Libra, que, diferentemente do que preconizava e desejava a oposição e também a grande mídia, foi um grande sucesso.

            Segundo, registrar aqui também a festa emocionante, ontem, da sanção do programa Mais Médicos, que defendemos aqui, nesta Casa, em várias oportunidades.

            Porém, no dia de hoje, quero tratar de um tema que reputo como muito importante: o debate que se abriu, nesta semana, sobre a rediscussão da Lei da Anistia.

            O Sr. Procurador-Geral da República, num parecer fundamentado, competente e, acima de tudo, corajoso, deu ao Supremo Tribunal Federal uma opinião que enseja àquela Casa a oportunidade de começar a fazer justiça a este País.

            Nós temos a obrigação de lidar com esse tema, por mais duras que sejam as suas implicações. A revisão da Lei da Anistia, conforme o próprio parecer da Procuradoria Geral da República, do Dr. Rodrigo Janot, é uma contribuição extremamente importante à consolidação da democracia em nosso País.

            Os crimes que foram perpetrados pelo regime militar instaurado em 1964 foram convenientemente perdoados pela própria ditadura, a partir da lei de 1979. O Estado que cometeu as atrocidades indultou-se e também seus agentes por tudo que fizeram de malefício ao nosso povo e ao nosso País.

            Um País que trabalha para construir um futuro mais justo e mais democrático não pode viver permanentemente assombrado por esses horrores ocorridos no passado e jamais resolvidos.

            No Brasil, ficamos no meio do caminho. Não fizemos o que foi feito na Argentina, em parte no Chile e em países como a Grécia, que, após ditaduras sangrentas, fizeram um acerto de contas com seu passado, puniram torturadores e ditadores e, assim, puderam promover uma reconciliação. Tampouco fizemos o que fez a África do Sul, em que o acerto de contas com o passado, por intermédio da Comissão da Verdade, não representou o perdão, mas o reconhecimento dos crimes e das atrocidades, restando para aqueles que não reconheceram sua culpa o processo, a Justiça e a punição. No Brasil, não fizemos nem uma coisa nem outra. A Comissão da Verdade, que foi uma decisão corajosa do Governo da Presidenta Dilma, está incapacitada de trazer, de fato, a verdade à tona.

            Portanto, a decisão do Procurador-Geral da República - espero que o Supremo siga essa decisão - permite que possamos, pelo menos, ir pela via de fazer com que aqueles que cometeram crimes contra a humanidade possam efetivamente ser punidos.

            Esse trabalho da Comissão da Verdade tem jogado alguma luz sobre os porões da ditadura, tem conseguido abrir algumas portas do submundo existente naquele período.

            Hoje, o que se enxerga é a existência, naquela época, de um quadro sistemático de violações dos direitos humanos contra cidadãs e cidadãos brasileiros, em que humilhações, torturas, mortes e desaparecimentos eram práticas recorrentes por parte do Estado. Era uma sofisticada engrenagem operada por agentes estatais, com articulações até no exterior, para trucidar a oposição ao regime militar.

            Muitos desses brasileiros assassinados sob a acusação de serem terroristas não tiveram sequer o direito a um sepultamento. Seus cadáveres foram vilipendiados e jogados em locais jamais revelados. Essa é a razão pela qual, quase três décadas depois do fim da ditadura, ainda é impossível saber ao certo quantas pessoas foram vítimas dessa barbárie perpetrada pelo Estado brasileiro, dado o toque de silêncio imposto pela Lei da Anistia.

            É possível que o relatório da Comissão Nacional da Verdade, a ser apresentado nos próximos meses, recomende à Presidenta da República e ao Supremo Tribunal Federal a revisão dessa lei anacrônica.

            Mas esse é um debate que deve sair dos gabinetes oficiais e ser encampado também pela sociedade. Não é possível que nós, no ano de 2013, sigamos cúmplices de todos os crimes cometidos por um regime de exceção.

            Não são poucos os juristas e as autoridades da República que defendem a revisão da Lei da Anistia. Para alguns, ela é inconstitucional, porque impede o Brasil de investigar e punir as graves violações de direitos humanos ocorridas naquele período.

            Não sem razão, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil em 2010 a punir os responsáveis pelo desaparecimento de 62 pessoas que participaram da Guerrilha do Araguaia. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos enxergou uma completa incompatibilidade entre o fato de sermos signatários da Convenção Interamericana de Direitos Humanos ao mesmo tempo em que acobertamos os crimes cometidos pela ditadura.

            Três anos atrás, depois da provocação feita pela OAB, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se contrário a rever a Lei da Anistia, negando que crimes cometidos por agentes da repressão fossem considerados comuns, e não políticos, sendo estes passíveis de perdão.

            Mas diversas ações impetradas por procuradores federais em todo o País começaram a derrubar essa mordaça. Para algumas violações, o Ministério Público Federal passou a apresentar denúncias contra militares com base na figura jurídica do crime permanente.

            Como os restos mortais de muitas das vítimas nunca foram localizados, a ação criminosa iniciada na ditadura, cometida pela ditadura, segundo essa interpretação, ainda estaria em curso.

            Pelo menos três dessas ações foram acatadas pela Justiça. Ainda que poucas, elas são vitórias de muito significado, porque mostram uma disposição no Judiciário para rever essa lei anacrônica.

            Agora, como eu disse, é o novo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, que tomou a revisão da Lei da Anistia como uma das prioridades de sua gestão. Em recente manifestação enviada ao STF sobre a extradição de um ex-policial argentino envolvido com a ditadura naquele país, o Procurador-Geral defendeu que a anistia brasileira deve, sim, submeter-se às convenções internacionais que tratam do assunto e das quais o Brasil é signatário. Isso significa dizer que, para nós, são imprescritíveis os crimes contra a humanidade, como a tortura e a morte de opositores políticos. Ou seja, os agentes do Estado brasileiro envolvidos nas atrocidades cometidas durante o regime militar não podem ser abrigados pela Lei da Anistia, na visão do Dr. Janot.

            É a primeira vez que o Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria Geral, manifesta-se dessa forma, num gesto de grande significado para a nossa democracia.

            A Lei da Anistia teve um papel fundamental na redemocratização, mas não pode ser usada mais como cobertor para agasalhar as violações cometidas pelo regime ditatorial.

            Como bem lembrou o Dr. Rodrigo Janot em seu parecer, a decisão de 2010 do STF ainda não transitou em julgado. O Supremo ainda não se manifestou sobre os embargos de declaração com os quais a OAB ingressou a respeito do posicionamento da Corte sobre aquela lei.

(Soa a campainha.)

            O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Recentemente, o Ministro Marco Aurélio de Mello, questionado sobre a possibilidade da revisão, deixou bem claro que é possível, sim, rediscutir a lei no Supremo, desde que haja provocação. Reitero aqui as palavras dele: “O Supremo de ontem era um, o de hoje é outro.”

            É preciso que a mais alta Corte do País, em sua nova composição, seja sensível aos novos tempos e reforme o seu entendimento. Não é mais possível convivermos com uma lei que encobre uma série crimes de lesa-humanidade praticados pelo Estado brasileiro, perdoando os seus agentes, muitos dos quais andam livremente entre nós.

            Concordar com os termos dessa norma é concordar com a atitude dos carrascos que a redigiram. Isso não ajuda no aperfeiçoamento da nossa…

(Interrupção no som.)

            O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Apoio Governo/PT - PE) - …democracia (Fora do microfone.). Não vamos construir o nosso futuro escondendo o nosso passado. A melhor forma de sanar essas feridas ainda abertas na nossa história é encarando-as e ministrando o remédio adequado para fechá-las corretamente.

            Essa falsa conciliação, instaurada desde 1979, não tem mais lugar no Brasil moderno. E este Congresso Nacional, que, há algum tempo, tem disputado institucionalmente com o Executivo e até com o Judiciário a prerrogativa de dar algumas respostas à sociedade, poderia se antecipar ao Supremo votando os projetos de lei que tramitam aqui sobre o tema, um deles do Senador Randolfe Rodrigues. Essa seria uma forma de os próprios legisladores mudarem a lei para melhorar o País, sem precisarem ficar reféns da possibilidade de uma reinterpretação pelo Judiciário sobre um texto antigo.

            Penso que essa seria uma grande resposta da Câmara e do Senado aos brasileiros que buscam um Brasil melhor e mais justo. E, mais do que isso, essa seria uma grande contribuição para fortalecer a democracia brasileira.

            Não me move nenhum sentimento de vingança nem nenhum sentimento de revanche. Muito ao contrário, o sentimento que move todos os democratas brasileiros, que querem a revisão da anistia e a punição de torturadores e assassinos, é o de nós termos o exemplo para as gerações futuras.

            Faltaram algumas bandeiras naquelas grandes mobilizações do mês de julho. Sem dúvida, ali, seria importante que houvesse faixas dizendo: ditadura, nunca mais; tortura, nunca mais; prisões arbitrárias, nunca mais neste País! E sabem por que isso não faz parte da agenda da juventude deste País? Porque o Brasil resolveu passar uma esponja, achando que assim apaga as manchas do passado, da ditadura militar.

            Por isso, precisamos esclarecer a verdade, dizer a verdade para os nossos jovens, dizer o que, de fato, aconteceu e, ao mesmo tempo, punir os criminosos que ceifaram a vida, a sanidade física e mental de milhares de brasileiros neste País. Essa é a verdadeira conciliação. É dessa maneira que vamos formar consciências democráticas, não apenas denunciando, dizendo a verdade sobre o que se passou, mas também punindo os responsáveis, para inibir outros que têm concepções autoritárias e que as desejam para o nosso País, para que estes possam recuar e admitir o reino da democracia e da liberdade.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/10/2013 - Página 75306