Discurso durante a 184ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre a entrevista do General Eduardo Villas Bôas, à Folha de S. Paulo, a respeito da integração da Amazônia; e outro assunto.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL, FORÇAS ARMADAS.:
  • Comentários sobre a entrevista do General Eduardo Villas Bôas, à Folha de S. Paulo, a respeito da integração da Amazônia; e outro assunto.
Aparteantes
Vanessa Grazziotin.
Publicação
Publicação no DSF de 23/10/2013 - Página 74672
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL, FORÇAS ARMADAS.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ASSUNTO, ENTREVISTA, GENERAL DE EXERCITO, COMANDO MILITAR DA AMAZONIA (CMA), REFERENCIA, NECESSIDADE, INTEGRAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, PAIS, IMPORTANCIA, OBRAS, INFRAESTRUTURA, INVESTIMENTO, SAUDE PUBLICA, REGISTRO, CRIAÇÃO, PLANO NACIONAL, DESENVOLVIMENTO, DEFESA, FLORESTA AMAZONICA.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco União e Força/PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Presidente Jorge Viana.

            Realmente, a solenidade de hoje foi muito bonita, até porque houve uma presença maciça de médicos e médicas, o que demonstra que esse programa Mais Médicos realmente tinha que ter sido instituído há pelo menos 40 anos. Mas como dizem, antes tarde do que nunca. É melhor que tenha começado agora. Tenho certeza de que os mais beneficiados vão ser a Amazônia, o Norte e o Nordeste.

            Por falar em Amazônia, eu quero justamente, no meu pronunciamento de hoje, comentar ume entrevista feita pelo Comandante Militar, como diz aqui no jornal, da maior floresta tropical do mundo. A manchete da entrevista, usando as palavras do General Eduardo Villas Boas, é a seguinte: “A Amazônia ainda não está integrada ao restante do País. É como uma colônia.” Aliás, nós dois, Senador Jorge Viana, sabemos disso muito bem.

Para o Comandante Militar da maior floresta tropical do mundo, a Amazônia é como uma colônia do Brasil. “Ela não está integrada ao País e, portanto, não há conhecimento de sua realidade”, diz o General Eduardo Villas Bôas, desde 2011 à frente de 19 mil homens e 9.300 quilômetros de fronteiras.

Em entrevista na sede do Comando, em Manaus, ele citou a ausência estatal na floresta, criticou a política indigenista oficial, alertou sobre a ação de ONGs na região e aprovou, com ressalvas, o programa Mais Médicos.

            Todos nós temos ressalvas porque, inclusive, incluímos vários melhoramentos na Medida Provisória, os quais foram acatados e também não sofreram o veto da Presidente.

Evitou, porém, bater de frente com o Governo Federal, principalmente quando o assunto eram os índios. “Quando digo que há dois problemas na política indigenista do País, eu não faço críticas ao Governo. Somos nós. Nós temos esse problema”.

Também evitou falar sobre a Comissão da Verdade, que apura a violação dos direitos humanos na ditadura militar.

“Cada militar tem uma opinião sobre isso. É um assunto sensível. Se a gente ficar expressando, traz prejuízo tanto para o Exército quanto para o Governo Federal”.

            Vou omitir as perguntas e vou direto para as respostas do General.

            Ele perguntou se Brasília sabe o que acontece na Amazônia.

            O General disse:

Na parte da defesa, até sabe. O que ocorre é que, em pleno Século XXI, o País não completou sua expansão interna. Temos metade do nosso território a ser ocupado, integrado à dinâmica da sociedade. A Amazônia, como não está integrada ao País, não há conhecimento no sul da sua realidade, seu potencial. É como se fosse uma colônia do Brasil. Ela não é analisada, interpretada, estudada e compreendida numa visão centrada da própria Amazônia. Isso nos coloca numa posição periférica.

            Pergunta: “Quais as principais necessidades da população local?”

            Ele disse:

As reais necessidades da população da Amazônia chegam ao centro-sul de maneira distorcida. Com isso, monta-se uma base de conhecimento desfocada, com soluções não apropriadas. A população, principalmente no interior, não tem necessidades básicas atingidas. Em grande parte, não há nenhuma presença do Governo do Estado. Em algumas áreas as Forças Armadas são essa única presença.

            Aí, pergunta mais: “O material humano e financeiro atual do comando militar é suficiente para monitorá-la?”

            Ele responde claramente:

Não é suficiente. A partir da Estratégia Nacional de Defesa, em 2008, a Amazônia virou prioridade. Mas só de fronteira temos 11 mil quilômetros. E nossa capacidade de vigilância está basicamente restrita ao fator humano. Monitorar toda essa área só será possível com tecnologia incorporada, cujo sistema de monitoramento está em desenvolvimento e custará R$10 bilhões até 2020. Desde 1999, o Exército tem poder de polícia na faixa de fronteira (150 quilômetros de largura) [portanto, da linha de fronteira, a partir da linha de fronteira], isso estabeleceu nova responsabilidade. Outro aspecto é a grande vulnerabilidade que o País todo tem. Estamos no século 21 e um país da nossa dimensão não tem um satélite. Não vamos ter autonomia total enquanto não tivermos nossos [próprios] satélites. Por isso este projeto está no Ministério da Defesa.

            Aí, perguntado sobre a demarcação de terras indígenas, ele diz:

A discussão é importante. Veja o que aconteceu na Raposa/Serra do Sol [lá em Roraima] (cujos não indígenas foram retirados) [expulsos]. Foi feita demarcação, e as estruturas econômicas tiveram que sair. Hoje, os índios têm dificuldades para encontrar alternativas viáveis. O que a iniciativa privada proporcionava ali o Governo tem dificuldade de proporcionar. A participação do Congresso é importante, pois viabiliza a participação de outros setores. Eu acho positivo, sim. Os índios [segundo a palavra do General], coitados, ficam prisioneiros de duas vertentes: o interesse econômico e o fundamentalismo ambientalista.

            Perguntado, também, sobre a avaliação que ele faz da política indigenista, ele respondeu:

Há dois problemas. E não estou fazendo críticas ao Governo. Somos nós, Brasil. Primeiro, os órgãos que atuam na Amazônia, nessas questões típicas, ambiental e indígena, têm estrutura deficiente. O Governo trabalha para ampliar, mas ainda é carente. O segundo aspecto é que a política indigenista é muito geopolítica [isto é, limita-se a demarcar terras]. Ela se resume praticamente a delimitar as terras e os índios ficam confinados nelas [sem opções de desenvolvimento pessoal]. Seria interessante que a delimitação fosse seguida de outro tipo de programa que desse sustentação à vida dos índios. Por maior que seja a terra, a vida do índio não se viabiliza [não se valoriza]. Os recursos naturais vão se esgotando. Nossa política está muito homogênea do ponto de vista de não reconhecer diferentes níveis de aculturação [dos indígenas].

            Sobre as ONGs, ele diz:

Além de tudo que representa, a Amazônia tem um papel muito grande na integração sul-americana. Ela abriga a solução para alguns dos grandes problemas que afligem a humanidade, como água, energia renovável, biodiversidade, mudança climática. Isso justifica toda essa pressão em torno da Amazônia que faz a opinião pública internacional. Nesta semana, o Governo está passando leis no Congresso estabelecendo mecanismos de controle mais rígidos sobre as ONGs...

            E aqui eu falo, inclusive, que fui Presidente da primeira CPI das ONGs, em 2003, onde já propusemos um marco regulatório para o funcionamento das ONGs, que está na Câmara. No Senado, foi aprovado relativamente rápido, mas está na Câmara.]

            Continua o General:

... do ponto de vista da movimentação financeira. Não é o caso de estigmatizar as ONGs. Elas vieram preencher espaços e atender necessidades da população que nem o primeiro nem o segundo setores têm capacidade de atender. Mas há coisas fora de controle, e a gente fica numa insegurança, não sabe quem são, quais os objetivos. E muitas vezes [elas, as ONGs] atuam no sentido contrário aos interesses do Governo brasileiro.

            Aí ele cita um exemplo:

Veja a dificuldade para asfaltar a BR-319 (que liga Manaus e Porto Velho) [que foi construída, mas falta ser recuperada]. (Em 2009, o braço brasileiro da ONG americana Conservation Strategy Fund divulgou estudo afirmando que a reforma da estrada traria prejuízo). É uma rodovia que já existiu, não gerou desflorestamento, não houve prejuízo ambiental. Mas o governo não consegue fazer [a sua recuperação]. É um absurdo. Manaus está conectada à Venezuela, mas não ao restante do Brasil [como é o caso, também, do meu Estado de Roraima]. É extremamente difícil viabilizar a recuperação dessa rodovia, são forças que realmente têm capacidade de intervir e inibir isso. E muito por causa do fundamentalismo ecológico. Não se faz omelete sem quebrar o ovo. Se vou lançar um gasoduto, alguma árvore vou derrubar. É uma visão pragmática.

            E, perguntado sobre o programa Mais Médicos, ele disse:

Se me perguntar quais são os dois principais problemas da Amazônia, eu diria que é logística e médico.

            Estou falando aqui, Senadora Vanessa, de uma entrevista que deu o Comandante Militar da Amazônia, na sede, em Manaus.

Nós fazemos atendimento à população civil e até a índios. No interior não tem médico. Realmente é uma necessidade. Mas acho que eles têm que pensar na parte de estrutura, condições de trabalho. Pois acho que as mesmas realidades que causam a saída dos médicos brasileiros desses Municípios poderão causar a não permanência do médico estrangeiro. A gente visita Município que não tem estrutura de saúde. O programa é necessário, mas é importante que não fique restrito somente à colocação dos médicos.

            Mas tenho também de esclarecer ao General que, na medida provisória, nós acrescentamos - aliás, por iniciativa minha - a obrigação de o Governo, num prazo de cinco anos, construir, reformar e equipar todas as unidades de saúde, principalmente aquelas unidades básicas, evitando, portanto, congestionamento nos hospitais.

            Foi perguntado ao General Villas Bôas: “Em 2005, o então Comandante do Exército, General Albuquerque, disse ‘o homem tem direito de tomar café, almoçar e jantar, mas isso não está acontecendo [no Exército]’. A realidade atual mudou?”. Ele respondeu:

Mudou muito. O problema é que o passivo do Exército era muito grande, foram décadas de carência. Desde 2005, estamos recebendo muito material, e agora é que estamos chegando a um nível de normalidade e começamos a ter visibilidade. Não discutimos mais se vai faltar comida, combustível, não temos mais essas preocupações.

            Então, Sr. Presidente Jorge Viana, que é da nossa Amazônia, e Senadora Vanessa, que também é da nossa Amazônia, nós realmente precisamos levar em conta a palavra desse brasileiro. Aliás, ele não é mais brasileiro do que ninguém, mas está lá, como foi dito, há mais de uma década e conhece essa realidade. Eu também a conheço e concordo com ele praticamente ipsis litteris: nós realmente temos de fazer com que o Governo brasileiro...

(Interrupção no som.)

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco União e Força/PTB - RR) - ...pare de tratar a Amazônia como uma colônia.

            Antes de terminar, quero ouvir, com muito prazer, a Senadora Vanessa.

            A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco Apoio Governo/PCdoB - AM) - Senador Mozarildo, ao agradecer o aparte que V. Exª me concede, quero cumprimentá-lo pela oportunidade do pronunciamento. Eu também li com muita atenção a longa entrevista concedida pelo General Villas Bôas, Comandante Militar da Amazônia, ao jornal Folha de S. Paulo. Todos nós estamos sendo procurados - nós, Parlamentares da Região -, para falarmos a respeito de algumas citações muito fortes do General, entre elas a de que o Brasil trata a Amazônia como colônia. Nós temos de ver isso, Senador Mozarildo, do ponto de vista histórico, não apenas agora, mas do ponto de vista histórico. Nesse aspecto, o General tem plena razão. O Estado brasileiro precisa chegar com mais força àquela Região. Como o General, nós estamos muito envolvidos, assim como V. Exª, na luta para que a Amazônia seja integrada, com todos os cuidados ambientais, ao processo de desenvolvimento.

(Soa a campainha.)

            A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco Apoio Governo/PCdoB - AM) - O Brasil tem de entender que as regras que servem para o Sudeste não são as mesmas regras para o Norte do Brasil. Não pode ser o mesmo recurso para a saúde, o mesmo recurso para a educação, porque, sendo igual, ele é menor para a nossa Região, chegando menos até a ponta, onde está o povo ribeirinho, aqueles que vivem nos rincões mais distantes. Parabéns pelo pronunciamento, Senador Mozarildo!

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco União e Força/PTB - RR) - Eu é que agradeço a V. Exª o aparte, que enriquece e corrobora meu pronunciamento.

            Senador Jorge Viana, eu pediria mais alguns minutinhos só para eu concluir.

            Quero dizer que aprovamos no Senado, há poucos dias, um projeto fruto de um trabalho da Subcomissão Permanente da Amazônia e da Faixa de Fronteira, ligada à Comissão de Relações Exteriores, que cria o Plano Nacional de Desenvolvimento e Defesa da Amazônia e da Faixa de Fronteira. É muito importante que esse projeto seja olhado pelo Governo, para que tenhamos um plano de Estado para a Amazônia.

            Como diz a Senadora Vanessa, se somos tratados igualmente, se se tratam igualmente os desiguais, o que acontece? Os mais ricos ficam cada vez mais ricos, e os mais pobres, cada vez mais pobres, como diz a canção popular.

            Mas quero, ao encerrar, Senador Jorge, registrar a presença no nosso plenário do meu Primeiro Suplente, Sodré Santoro. Faço questão de fazer esse registro e de dizer que, para mim, é uma honra muito grande falar sobre a Amazônia no momento em que ele se encontra neste plenário.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/10/2013 - Página 74672