Discurso durante a 208ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca do Dia da Consciência Negra; e outro assunto.

Autor
Ana Rita (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
Nome completo: Ana Rita Esgario
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Considerações acerca do Dia da Consciência Negra; e outro assunto.
Aparteantes
Lúcia Vânia, Mário Couto, Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 21/11/2013 - Página 83667
Assunto
Outros > HOMENAGEM, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, COMENTARIO, EXISTENCIA, VIOLENCIA, NEGRO, CRIAÇÃO, PROGRAMA, PREVENÇÃO, CRIME, JUVENTUDE.

            A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, é uma honra, mais uma vez, estar aqui nesta tribuna, principalmente porque hoje se comemora o Dia de Zumbi dos Palmares, o Dia Nacional da Consciência Negra. É por isso que eu estou aqui.

            Quero, também, cumprimentar os ouvintes da Rádio Senado, os espectadores da TV Senado. Faço esse pronunciamento, Senador Paim, em homenagem a Zumbi dos Palmares e a toda a nossa população negra, que ainda sofre com tantos descasos, com tanta discriminação e com tanta violência que ainda existe no nosso País. Sabemos das conquistas, dos avanços, mas ainda temos muito a fazer e um caminho longo pela frente.

            Então, faço uso deste espaço para saudar o 20 de Novembro, data em que celebramos a reflexão sobre a situação dos negros e negras na sociedade brasileira.

            O Dia Nacional da Consciência Negra nos remete a 20 de novembro de 1695, dia em que Zumbi, Rei do Quilombo dos Palmares e líder da resistência negra ao escravismo, foi morto, tendo o seu corpo exibido em praça pública, para semear o medo entre os escravos e impedir novas revoltas e fugas. Mas o efeito foi oposto: despertou em muitos a consciência de que era preciso lutar contra a escravidão e as desigualdades, como Zumbi havia ousado fazer.

            Séculos se passaram. Zumbi dos Palmares foi reconhecido, oficialmente, como um herói nacional em 1997 e sua luta continua mais do que viva entre nós.

            Quero iniciar minha reflexão lembrando que foi à custa do sofrimento dos negros e das negras nas senzalas, nos campos e nas cidades que foi erguido tudo o que havia nos primórdios da história do Brasil. Veio a Lei da Abolição em 1888. De lá para cá, o Brasil mudou. Nosso País é, hoje, uma das maiores economias do mundo, mas a população negra - mais de 50% do nosso povo, segundo o IBGE - continua em situação de desigualdade, continua a ocupar funções menos qualificadas no mundo do trabalho e são as maiores vítimas da violência nas periferias das grandes cidades, em especial os jovens e as jovens negras.

            Pesquisa divulgada, nesta terça-feira, pelo Ipea, confirma o extermínio da juventude negra. Infelizmente, meu Estado, o Espírito Santo, ao lado de Alagoas e da Paraíba, concentra o maior número de homicídios de negros e negras. O Espírito Santo, no ranking elaborado pelo Ipea, registra 65 homicídios de negros a cada 100 mil habitantes. No Estado, os assassinatos diminuem a expectativa de vida dos homens negros em quase três anos, o que mostra que os negros são duplamente discriminados, seja pela situação socioeconômica, seja pela cor da pele.

            Segundo o Ipea, tais discriminações combinadas podem explicar a maior prevalência de homicídios de negros. Este é um grave problema que merece a atenção de todos e de todas e sobre o qual devemos nos debruçar para mudá-lo. Temos o enorme desafio de garantir aos negros, em especial, aos jovens negros, o direito à vida.

            E, justamente para superar essa triste estatística é que o Governo Federal, por meio da Seppir e da Secretaria Nacional da Juventude, criou o Plano Nacional de Prevenção à Violência contra a Juventude Negra, intitulado Juventude Viva.

            Faço questão de mencionar, neste pronunciamento, o Plano Nacional e a ocorrência recente de importantes fatos na vida política do Brasil, porque indicam sinais de mudanças positivas. Cito, por exemplo, a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, criada no governo do Presidente Lula, em 21 de março de 2003 e atualmente comandada pela companheira Ministra Luiza Bairros, a quem parabenizo pelo excelente trabalho. Neste ano, comemoramos dez anos da Secretaria, dez anos de existência e de incansável luta em favor da garantia de direitos e da ampliação da cidadania da população negra.

            Lembro que a criação da Seppir é parte da reivindicação histórica do movimento negro brasileiro e marca um momento singular da história deste País no qual o Estado brasileiro altera profundamente o trato com relação à questão racial e assume o compromisso de tratar com a devida atenção e responsabilidade esse tema.

            Por anos e anos, a população negra resistiu...

            O Sr. Mário Couto (Bloco Minoria/PSDB - PA) - Quando puder, me dê um aparte.

            A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES) - Sim, Senador.

            O Sr. Mário Couto (Bloco Minoria/PSDB - PA) - Quando puder.

            A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES) - Concedo-lhe um aparte.

            O Sr. Mário Couto (Bloco Minoria/PSDB - PA) - Não quero atrapalhá-la, Senadora.

            A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES) - Fique à vontade, Senador Mário Couto.

            O Sr. Mário Couto (Bloco Minoria/PSDB - PA) - Primeiro, eu quero parabenizá-la pelo belo pronunciamento que V. Exª...

            O Sr. Paulo Paim (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Quero dizer que estou na fila.

            O Sr. Mário Couto (Bloco Minoria/PSDB - PA) - ...faz na tarde de hoje. Digo a V. Exª que é a pura verdade tudo que V. Exª afirma no seu pronunciamento. Veja: com a abolição da escravatura, em 1888, feita pela Princesa Isabel, a escravidão continuou. Infelizmente, ela continuou. Períodos se passaram. V. Exª vê na história do Brasil que o tráfico de escravo tinha intensidade, era um comércio altamente rentável. Só para ter uma ideia, naquela época de D. Pedro II - não vamos pegar D. Pedro I, vamos pegar D. Pedro II, a época de D. Pedro II, no Império, no Segundo Império do Brasil, D. Pedro II já brasileiro -, entre 1.000 habitantes, 900 eram escravos comercializados. Então, a escravidão, mesmo com a sua abolição, continuou. Ela ficou um pouco oficial e temerária pelos fazendeiros, por aqueles que reagiram, por causa da abolição da escravatura - traficantes de escravos, fazendeiros -, mas continuou. No nosso País, ela é nítida até hoje. Ela não terminou. E, no nosso País, hoje, não são só os negros. Quando a senhora vislumbra, por exemplo, os aposentados brasileiros, são ou não são escravos? São escravos, estão escravizados. Agora mesmo, uma Senadora desce da tribuna do Senado, fazendo um belo pronunciamento. É a Senadora Ana Amélia. E ela dizia dos aposentados do Aerus. Essas pessoas vão morrer, e não vão receber o que têm direito. Isso é não uma escravidão? Ainda há pouco, o Senador Renan Calheiros - e eu fiquei bem atento, escutando a mensagem - dizia, e não sei se foi na televisão ou em uma revista de circulação bem acentuada deste País, mostrando que a escravidão permanece acentuadamente, que em homicídios, nós temos aí quase o dobro de mortes de negros comparado com os brancos, infelizmente. Infelizmente, ainda estamos na escravidão neste País. Infelizmente. E eu parabenizo V. Exª por ter escolhido este tema com tanta dedicação, com tanto coração, pois estou vendo que a senhora faz um pronunciamento em que o coração fala. E isto me deixa profundamente satisfeito: ver V. Exª fazer um extraordinário pronunciamento na tarde de hoje.

            A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES) - Obrigada, Senador Mário Couto, pelo aparte e pelo reconhecimento de que realmente precisamos avançar, no que se refere à escravidão.

            E aqui eu me lembro, Senador Mário Couto - vou conceder a palavra ao Senador Paim também -, da PEC do trabalho escravo, que ainda padece de votação neste plenário. Então, nós precisamos realmente dar um salto e aprovar a PEC do trabalho escravo, para que esta chaga que ainda permanece no meio de nós possa ser sanada.

            Na verdade, é uma legislação que proíbe o trabalho escravo e penaliza quem ainda se utiliza da mão de obra das pessoas de forma escrava, pois elas precisam realmente ser penalizadas, para que nós possamos, de fato, construir um País justo, um País de igualdade, onde todos possam viver com dignidade.

            Eu concedo a palavra ao Senador Paulo Paim.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Senadora Ana Rita, rapidamente, hoje é 20 de novembro, dia da morte do grande herói Zumbi dos Palmares. O meu pronunciamento - estou aguardando o dia todo - vai no mesmo sentido do de V. Exª. Espero ter ainda oportunidade, desde que não prejudiquemos, é claro, a sessão do Congresso Nacional, em que há dois temas fundamentais para serem votados: a questão do João Goulart, revogando, anulando aquela sessão que lhe tirou o mandato; e a questão do Orçamento, pois há uma mudança, proposta pelo Congresso, sobre a qual temos que deliberar. Mas eu quero, minha querida Presidente da Comissão de Direitos Humanos, primeiro, elogiar V. Exª, pelo pronunciamento e pela postura, hoje de manhã, na Comissão de Direitos Humanos. Um tema delicado, polêmico. Eu sou relator do PL. Apresentamos um substitutivo em parceria com V. Exª, respeitando a questão dos eventos, da opinião dos religiosos, sem entrar na questão da homofobia, mas entrando na questão de combater a intolerância, o ódio, a perseguição, o assassinato de brancos e negros, devido à sua orientação. Tivemos o cuidado de colocar numa única lei. E eu fiquei um pouco chateado - eu lhe confesso - pela forma como se manifestaram alguns que participaram daquele momento, que V. Exª conduziu, quando houve um apelo de Líderes para que a matéria não fosse votada hoje. V. Exª acabou atendendo, e eu, como Relator, acompanhei V. Exª. Depois, infelizmente, um ou outro Parlamentar que estava lá saiu ofendendo todo mundo de forma gratuita. É por isso que eu lamento. Isso não constrói nada, não leva a nada. É uma postura que, sinceramente, nos deixa tristes. Como é bom ver o seu pronunciamento! E como é bom ver colegas nossos virem aqui e comentarem comigo sobre a forma até desrespeitosa como alguns, infelizmente, estão trilhando o caminho da política. Eu não quero aqui dar nenhum depoimento agressivo sobre ninguém, mas só dizer que continuarei na linha da tranquilidade, do bom senso, buscando um texto no campo da razoabilidade, que não permita que ninguém - ninguém - possa perseguir um ser humano pela cor, pela idade, pela procedência, pela ideologia, se é pobre, se é rico, se é idoso, se é mulher, se é homem, ou pela orientação sexual. É impossível que alguém concorde que outrem tenha que ser assassinado só porque não concorda com ele devido à sua orientação. Por isso que eu aproveito este momento para dizer que estou muito tranquilo. Vamos continuar dialogando com aqueles que querem de fato combater esse tipo de preconceito, que Zumbi simboliza. E V. Exª só tem aqui de receber meus cumprimentos. Como é bom saber que no Parlamento a maioria tem uma postura semelhante à sua. Isso é muito bom. Mostra que nós estamos, na verdade, apontando para um País onde todos, todos terão direitos iguais, e ninguém será discriminado. Parabéns a V. Exª.

            A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES) - Obrigada, Senador Paulo Paim, pelo aparte.

            Eu apenas gostaria de dizer aqui uma coisa, Senador Paim: que eu tenho refletido muito sobre essas situações que têm acontecido e acho que, assim, sinteticamente eu diria que a defesa dos Direitos Humanos, a defesa da pessoa humana está acima de qualquer afinidade religiosa. Defender a pessoa humana tem que estar em primeiro lugar, seja ela quem for, seja ela de qualquer raça. Toda pessoa humana, toda, independente de qualquer coisa, precisa realmente ser respeitada e defendida.

            E o que nós presenciamos hoje de manhã foi um desrespeito à pessoa humana, em plena Comissão de Direitos Humanos. Isso, a gente lamenta, mas temos tempo para recuperar. Eu também sou uma pessoa corajosa e não vou me intimidar. Nós vamos continuar trabalhando e lutando, e tenho certeza de que sairemos vitoriosos dessa luta, que não é uma luta de agora, mas uma luta que já vem sendo travada neste Congresso há muitos anos.

            Bom, continuando nosso pronunciamento, Sr. Presidente, eu quero dizer que, por anos e anos, a população negra resistiu bravamente e empunhou sozinha a luta para desmistificar a ideia de um País com plena democracia racial, onde as diferentes raças convivem harmoniosamente, ou mesmo da necessidade de enfrentar o racismo velado, ainda generalizado no seio da sociedade. É claro que ainda temos inúmeros desafios para superar o racismo e seus nefastos efeitos na vida de cada cidadão e cidadã, negro e negra deste País.

            Mas sem dúvida conquistamos muitos avanços. Nesse contexto, destacam-se a criação da Lei nº 10.639, de 2003, que muda a Lei de Diretrizes e Bases da Educação brasileira e determina a inclusão da história e da cultura africanas nos currículos escolares, uma reivindicação de décadas da população negra, que acertadamente questionava como a escola de um País que tem na sua formação uma diversidade tão grande poderia ignorar uma parcela tão significativa da sua população.

            E aqui não falo somente em termos numéricos, mas da importância do povo negro...

            O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. Bloco Minoria/PSDB - PA) - Senadora Ana Rita, com licença.

            A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES) - Sim, Senador.

            O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. Bloco Minoria/PSDB - PA) - O Presidente Renan já está se deslocando para o plenário da Câmara para iniciar a sessão do Congresso. Vou pedir a V. Exª que, se possível, se encaminhe para o encerramento de seu pronunciamento.

            Informo ao Senador Mário Couto, à Senadora Lúcia Vânia e ao Senador Paulo Paim, que seriam os próximos oradores, que lamentavelmente vamos ter de encerrar a sessão para iniciarmos a sessão do Congresso.

            O Sr. Mário Couto (Bloco Minoria/PSDB - PA) - Quero só agradecer a V. Exª.

            A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES) - Senador, será que é possível, ao menos, cumprir o meu tempo de três minutos?

            O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. Bloco Minoria/PSDB - PA) - Creio que sim.

            A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES) - Senador Mário Couto, solicito a V. Exª um tempo para que eu possa concluir.

            O Sr. Mário Couto (Bloco Minoria/PSDB - PA) - Só dois segundinhos.

            Quero agradecer ao Senador Flexa pela sua postura. Esperei a tarde toda, mas não consegui. É uma coisa normal.

            O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. Bloco Minoria/PSDB - PA) - V. Exª seria o próximo.

            O Sr. Mário Couto (Bloco Minoria/PSDB - PA) - Eu seria o próximo, pois é. É aquilo o que a gente diz: bateu no travessão.

            Aguardo o tempo para o meu pronunciamento e peço paciência àqueles que estavam esperando que eu falasse. O tema seria a fala da Presidente em relação aos presos políticos. Esperarei a próxima terça-feira, muito obrigado.

            O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. Bloco Minoria/PSDB - PA) - Agradeço a V. Exª.

            Com a palavra, a Senadora Ana Rita.

            A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES) - Vou ser breve e tentar concluir dentro do tempo que foi estipulado para mim.

            E aqui, Sr. Presidente, não falo somente em termos numéricos, mas da importância do povo negro para a formação sociológica brasileira, tanto do ponto de vista da sua centralidade, no que diz respeito à cultura, quanto da contribuição efetiva que esses povos tiveram e ainda têm no desenvolvimento deste País em todos os seus setores.

            Destaco também o Decreto nº 4.887, de 2003, que trata da titulação de terras quilombolas, a instituição da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, a implementação da Política Nacional para Comunidades Quilombolas e a sanção do Estatuto da Igualdade Racial, em 2010, da qual o Senador Paulo Paim também foi o Relator.

            Quero fazer, ainda, menção especial à Lei de Cotas, da qual tive a grata satisfação de ser a relatora na CCJ do Senado, e o enorme prazer de presenciar, após 13 anos de tramitação no Congresso Nacional, a sua sanção pela nossa Presidenta Dilma Rousseff, em 2012.

(Soa a campainha.)

            A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES) - É muito gratificante ser parte desse processo que transformou a realidade do acesso à educação superior por parte da juventude negra.

            Infelizmente, mesmo com a sanção da Presidenta Dilma e o reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, da constitucionalidade das cotas, ainda enfrentamos muitos desafios no que diz respeito ao convencimento de elite brasileira, que reiteradamente tem-se colocado contrária a essa política.

            São notórios os avanços e a democratização do acesso ao ensino superior desde que as primeiras universidades brasileiras passaram a adotar o critério de cotas étnico-raciais, há 10 anos. Todas as pesquisas indicam que o desempenho dos estudantes que entraram via política de cotas é igual ou superior ao dos não cotistas. Apoiada por 62% da população brasileira, as cotas ampliaram por sete o número de estudantes pobres nas universidades. Está provado que o mecanismo permitiu aumentar a presença de populações excluídas na universidade.

            Sem dúvida essa foi uma política que quebrou paradigmas, desmistificou inverdades e se consolidou, Sr. Presidente, enquanto necessária e possível, como uma grande estratégia para inserir os negros e as negras em outro patamar na sociedade brasileira. Um passo importantíssimo para que eles venham a ocupar cada vez mais os espaços de poder e decisão neste País. 

            No entanto, precisamos avançar...

(Soa a campainha.)

            A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES) - ... e garantir também as cotas nos concursos públicos. E aqui eu quero registrar e parabenizar a Presidenta Dilma, que anunciou, na abertura da Conferência Nacional da Igualdade Racial, o compromisso de encaminhar ao Congresso Nacional projeto de lei que reserva 20% das vagas no serviço público a negros e negras, iniciativa louvável que amplia as garantias da população negra, a exemplo das cotas nas universidades e nos institutos federais.

            Para finalizar, Sr. Presidente, quero ainda dizer que, a meu ver, as cotas nos serviços públicos são necessárias como um meio de acelerar a participação da população negra nos lugares de prestígio do mercado de trabalho.

            Eu já vou finalizando, Sr. Presidente. Não vou concluir, pois...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

            A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES) - ... ainda tenho uma parte do texto para ser lida, mas quero apenas mencionar que ainda precisamos avançar também no mercado de trabalho, pois estamos longe de conquistar espaços importantes.

            Eu finalizo, Sr. Presidente, parabenizando todo o povo negro, todas as pessoas, negras e negros, pois, se essas conquistas hoje são realidade, elas são parte da luta e resistência desse povo guerreiro e corajoso.

            Viva a memória de Zumbi dos Palmares...

            A Srª Lúcia Vânia (Bloco Minoria/PSDB - GO) - Senadora...

            A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES) - Srª Senadora Lúcia Vânia.

            A Srª Lúcia Vânia (Bloco Minoria/PSDB - GO) - Eu quero só aproveitar para fazer das palavras da Senadora Ana Rita as minhas palavras. Como eu não vou poder usar da palavra, eu gostaria também de hoje cumprimentar toda a população negra do País, dizer da nossa alegria em podermos comemorar juntos essa data tão importante, embora saibamos que temos grandes desafios pela frente. E V. Exª soube especificar isso de forma muito própria e, sem dúvida alguma, falou por todos nós. Muito obrigada.

            A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES) - Quero aqui fazer o registro de que a Senadora Lúcia Vânia votou também favoravelmente ao projeto de cotas étnico-raciais, o que muito nos alegou no dia da votação. E o Senador Paulo Paim também foi um dos relatores desse projeto aqui pela Comissão de Direitos Humanos.

            Então, Sr. Presidente, finalizo agradecendo a oportunidade, parabenizando todo o nosso povo negro e também dizendo um viva à memória de Zumbi dos Palmares.

            Era isso que eu tinha para o momento.

            Muito obrigada pela atenção.

 

SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DA SRª SENADORA ANA RITA.

           A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs senadoras, Senhores senadores, Público na Tribuna de honra, Ouvintes da Rádio Senado, Expectadores da TV Senado,

            Faço uso deste espaço para saudar o 20 novembro, data que celebramos à reflexão sobre a situação dos negros e negras na sociedade brasileira.

            O Dia Nacional da Consciência Negra nos remete a 20 de novembro de 1695, dia em que Zumbi, rei do Quilombo dos Palmares e líder da resistência negra ao escravismo, foi morto, tendo o seu corpo exibido em praça pública para semear o medo entre os escravos e impedir novas revoltas e fugas. Mas o efeito foi oposto: despertou, em muitos, a consciência de que era preciso lutar contra a escravidão e as desigualdades, como Zumbi havia ousado fazer.

            Séculos se passaram. Zumbi dos Palmares foi reconhecido, oficialmente, como um herói nacional em 1997 e sua luta continua mais do que viva entre nós.

            Quero iniciar minha reflexão lembrando que foi às custas do sofrimento dos negros e das negras nas senzalas, nos campos e nas cidades, que foi erguido tudo o que havia nos primordios da história do Brasil. Veio a Lei da Abolição em 1888. De lá para cá o Brasil mudou. Nosso País é, hoje, uma das maiores economias do mundo, mas a população negra, mais de 50% do nosso povo, segundo o IBGE, continua em situação de desigualdade, continua a ocupar funções menos qualificadas no mundo do trabalho e são as maiores vítimas da violência nas periferias das grandes cidades, em especial os jovens negros.

            Pesquisa divulgada, nesta terça-feira, pelo IPEA, confirma o extermínio da juventude negra. Infelizmente, meu Estado, o Espírito Santo, ao lado de Alagoas e da Paraíba, concentra o maior número de homicídios de negros e negras. O Espírito Santo no ranking elaborado pelo Ipea, registra 65 homicídios de negros a cada 100 mil habitantes. No Estado, os assassinatos diminuem a expectativa de vida dos homens negros em quase três anos, o que mostra que os negros são duplamente discriminados. Seja pela situação socioeconômica, seja pela cor de pele. Segundo o IPEA, tais discriminações combinadas podem explicar a maior prevalência de homicídios de negros. Este é um grave problema que merece a atenção de todos e de todas e sobre o qual devemos nos debruçar para mudá-lo. Temos o enorme desafio de garantir aos negros, em especial, aos jovens negros, o direito à vida. E, justamente para superar essa triste estatística, é que o Governo Federal, por meio da Seppir e da Secretaria Nacional de Juventude, criou o Plano Nacional de Prevenção à Violência contra a Juventude Negra, intitulado "Juventude Viva".

            Faço questão de mencionar, neste pronunciamento o plano nacional e a ocorrência recente de importantes fatos na vida política do Brasil porque indicam sinais de mudanças positivas. Cito, por exemplo, a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Criada no governo do Presidente Lula, em 21 de março de 2003 e atualmente comandada pela companheira, ministra Luíza Bairros, a quem parabenizo pelo excelente trabalho. Este ano comemoramos 10 anos da Secretaria, 10 anos de existência e de incansável luta em favor da garantia de direitos e da ampliação da cidadania da população negra. Lembro que a criação da Seppir é parte da reivindicação histórica do movimento negro brasileiro e marca um momento singular da história desse país, no qual o Estado brasileiro altera profundamente o trato com relação a questão racial e assume o compromisso de tratar com a devida atenção e responsabilidade esse tema.

            Por anos e anos a população negra resistiu bravamente e empunhou sozinha a luta para desmistificar a idéia de um país com plena democracia racial, onde as diferentes raças convivem harmoniosamente, ou mesmo da necessidade de enfrentar o racismo velado, ainda generalizado no seio da sociedade.

            É claro que ainda temos inúmeros desafios para superar o racismo e seus nefastos efeitos na vida de cada cidadão e cidadã negro e negra desse país, mas sem dúvida conquistamos muitos avanços.

            Nesse contexto, destacam-se a criação da Lei 10.639/2003, que muda a lei de diretrizes e bases da educação brasileira e determina a inclusão da história e da cultura africana nos currículos escolares, uma reivindicação de décadas da população negra, que, acertadamente, questionava como a escola de um país que tem na sua formação uma diversidade tão grande, poderia ignorar uma parcela tão significativa da sua população.

            E aqui não falo somente em termos numéricos, mas da importância do povo negro para a formação sociológica brasileira, tanto do ponto de vista da sua centralidade no que diz respeito à cultura, quanto da contribuição efetiva que esses povos tiveram e ainda tem no desenvolvimento desse país em todos os seus setores.

            Destaco também o decreto 4887/2003 (que trata da titulação de terras quilombolas), a instituição da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, a implementação da Política Nacional para Comunidades Quilombolas, e a sanção do Estatuto da Igualdade Racial, em 2010.

            Quero fazer, ainda, menção especial à Lei de Cotas, a qual tive a grata satisfação de ser a relatora na CCJ do Senado, e o enorme prazer de presenciar, após 13 anos de tramitação no Congresso Nacional, a sua sanção pela nossa presidenta Dilma Rousseff, em 2012. É muito gratificante ser parte desse processo que transformou a realidade do acesso à educação superior por parte da juventude negra.

            Infelizmente, mesmo com a sanção da presidenta Dilma e o reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal da constitucionalidade das cotas, ainda enfrentamos muitos desafios no que diz respeito ao convencimento de elite brasileira, que reiteradamente tem se colocado contrária a essa política. São notórios os avanços e a democratização do acesso ao ensino superior desde que as primeiras universidades brasileiras passaram a adotar o critério de cotas étnicorraciais, há 10 anos. Todas as pesquisas indicam que o desempenho dos estudantes que entraram via política de cotas é igual ou superior ao dos não cotistas. Apoiada por 62% da população brasileira as cotas ampliaram por sete o número de estudantes pobres nas universidades. Está provado que o mecanismo permitiu aumentar a presença de populações excluídas na universidade.

            Sem dúvida essa foi uma política que quebrou paradigmas, desmitificou inverdades e se consolidou enquanto necessária e possível, como uma grande estratégia para inserir os negros e as negras em outro patamar na sociedade brasileira. Um passo importantíssimo para que eles venham a ocupar cada vez mais os espaços de poder e decisão neste país. No entanto, precisamos avançar e garantir, também, as cotas nos concursos públicos. Ao meu ver, as cotas nos serviços públicos são necessárias como um meio de acelerar a participação da população negra nos lugares de prestígio do mercado de trabalho. Para vocês terem uma idéia, no levantamento que foi feito pelo Ministério do Planejamento, entre 2004 e 2013, o ingresso de pessoas negras no serviço público variou de 22% a 29%, quase 30%. Isso significa que é uma taxa de ingresso muito inferior à participação dos negros no total da população brasileira, que, de acordo com a última PNAD, já chega a 53%. Daí a necessidade de estabelecer essa cota de 20% de maneira que, nos próximos 10 anos, nós possamos aproximar o percentual de ingressantes no serviço público ao percentual total da população negra no Brasil. Desta forma, nós estaremos fazendo algo que é aquilo que se espera de uma sociedade democrática, que é abrir oportunidades para todos os seus cidadãos e cidadãs, independentemente da cor da pele ou de qualquer outra condição.

            Parabéns ao povo negro, pois se essas conquistas hoje são realidade, elas são parte da luta e resistência desse povo guerreiro e corajoso.

            Viva a memória de Zumbi dos Palmares! Era o que tinha para o momento. Muito obrigada!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/11/2013 - Página 83667