Discurso durante a 225ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com os problemas do sistema penitenciário nacional e defesa de maiores investimentos nesse setor.

Autor
Aloysio Nunes Ferreira (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: Aloysio Nunes Ferreira Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA, POLITICA PENITENCIARIA.:
  • Preocupação com os problemas do sistema penitenciário nacional e defesa de maiores investimentos nesse setor.
Publicação
Publicação no DSF de 10/12/2013 - Página 92911
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA, POLITICA PENITENCIARIA.
Indexação
  • CRITICA, INEFICACIA, SISTEMA PENITENCIARIO, RELAÇÃO, TRATAMENTO, INCAPACIDADE, REABILITAÇÃO, PRESO, QUESTIONAMENTO, LOTAÇÃO, PRESIDIO, NECESSIDADE, ESTRUTURAÇÃO, POLITICA PENITENCIARIA, AUMENTO, QUANTIDADE, ESTABELECIMENTO PENAL, PAIS.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco Minoria/PSDB - SP. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, o tema que me traz à tribuna nesta tarde, meu caro Senador Ruben Figueiró, é pouco versado no debate político, é uma questão gravíssima, mas que, no entanto, não merece, por parte da mídia, do mundo político, dos governos, das associações, da sociedade civil, a atenção que merece.

            Refiro-me ao problema carcerário no Brasil, objeto de uma entrevista deste fim de semana, concedida pelo Ministro Gilmar Mendes à jornalista Mônica Bergamo. O Ministro Gilmar Mendes, que, na condição de Presidente do Supremo Tribunal Federal, também dirigiu o Conselho Nacional de Justiça. E, nessa condição, mobilizou o que se chamou na época, há quatro anos, um mutirão carcerário, onde grupo de juízes, de membros do Ministério Público, defensores, percorrendo os presídios do Brasil para levantar as mazelas que ali se encontram e trazer propostas para solucioná-las.

            A entrevista é aterradora, ele relembra fatos que testemunhou nessa espécie de auditoria do inferno realizada por ele.

            Refere-se, inclusive, a um caso de um preso que tinha o ventre rasgado, aberto e que agonizava no corredor de um presídio superlotado.

            Este tema, Sr. Presidente, merece tratamentos esporádicos, atenções fugazes quando há uma grande rebelião, quando explode esse caldeirão em algum canto do País e agora, surpreendentemente - as pessoas não esperavam que isso fosse acontecer -, com a prisão dos mensaleiros recolhidos ao Presídio da Papuda. A prisão dos réus do mensalão causou momento de grande exposição ao nosso sistema carcerário, exposição de um lado porque vários políticos do PT, vários cronistas políticos se levantaram contra o fato de que o ex-Deputado Genoino pudesse, com a saúde abalada, ser recolhido a um presídio.

            Chamou a atenção também o fato de esse presídio da Papuda, em Brasília, ter-se transformado num centro de peregrinação, uma espécie de Lourdes dos cultores do mensalão, uma peregrinação fora de hora, que rompia a disciplina própria do presídio, que revelava o privilégio daqueles condenados em relação aos demais presos.

            A imprensa mostrou, em reportagens pungentes, o drama das famílias que aqui, em Brasília, vão visitar os seus presos e que, além de uma espera angustiante de horas e horas, são obrigadas a passar por constrangimentos na hora da revista.

            Muito bem, Sr. Presidente. Esses acontecimentos, fatos e reportagens trouxeram à memória uma declaração ainda recente, de novembro de 2012, do atual Ministro da Justiça, Prof. José Eduardo Cardozo, que é exatamente a autoridade máxima do sistema penitenciário nacional e que disse o seguinte: “Se fosse para cumprir muitos anos na prisão, em alguns dos nossos presídios, eu preferiria morrer”.

            E aí ele compara os presídios brasileiros às masmorras medievais. Talvez essa comparação se dê em detrimento dos presídios brasileiros e em proveito das masmorras medievais. Aí, S. Exª, insistiu: “Entre passar anos num presídio brasileiro e perder a vida, eu talvez preferisse perder a vida.” Foi o que disse o Ministro da Justiça.

            Sr. Presidente, quero que o Ministro da Justiça tenha vida longa, mas quero também que o Governo aja, que o Governo trabalhe, que o Governo lidere, para que o Brasil, nas suas instâncias políticas, nos movimentos de defesa dos direitos humanos, na mídia, encare esse problema. Que não dê a ele uma atenção esporádica, mas que encare esse problema e que atue no sentido de resolvê-lo.

            O Ministério da Justiça tem, sim, uma responsabilidade enorme nessa questão. Não digo que seja responsabilidade exclusiva do Ministério da Justiça porque os Estados têm suas secretarias ou departamentos - ou que nome venham a ter - que tratam do sistema carcerário. Existem, nos Estados, geralmente ligados à Secretaria da Justiça, sistemas de acompanhamento de egressos, existem defensorias também nos Estados, além da Defensoria Federal. Mas o fato, Sr. Presidente, é que o problema vem-se agravando ano a ano, e não sentimos a reação que deveria haver, e ser necessariamente, coordenada pelo Governo Federal. Coordenada porque ele tem recursos; coordenada porque o Ministro da Justiça e o Presidente da República têm a capacidade de mobilizar a opinião, de mobilizar a mídia, de mobilizar o Congresso. O peso específico da Presidência da República, no sistema político brasileiro, é enorme. O que se vê, nessa área, Sr. Presidente, são promessas não cumpridas, são números anunciados que não se transformam em realidade prática.

            Vou me permitir, Sr. Presidente, trazer ao conhecimento da Casa alguns dados que mostram que o Governo do PT, nestes 12 anos, pouco ou nada fez para mitigar esse quadro. Eu me refiro ao fato de que o Governo Federal dispõe de recursos, dispõe, sim, do Fundo Nacional da Segurança Pública e do Fundo Penitenciário Nacional, ambos criados no governo Fernando Henrique Cardoso.

            No caso do Fundo Penitenciário Nacional, Sr. Presidente, são recursos que se destinam especificamente para isto: construir presídios - presídios federais porque nós precisamos de presídios federais; temos apenas quatro no Brasil -; apoiar os Estados na construção de presídios estaduais - muitos Estados não têm recursos suficientes para fazê-lo na quantidade necessária -; treinar profissionais do sistema penitenciário. O Governo Federal tem, portanto, o Fundo Penitenciário Nacional, para este mister.

            Diante da gravidade do caso e diante do aumento a cada ano da população carcerária - nós tínhamos, no início do governo do PT, cerca de 340 mil presos no Brasil; hoje, nós temos mais de 500 mil presos; 514 mil, para ser mais preciso, segundo a última estatística conhecida -, um aumento de cerca de 70%, era de se esperar que houvesse aumento correspondente de empenho do Governo Federal medido por recursos, pelo dispêndio efetivo do Fundo Penitenciário que ele tem a seu dispor. Pois bem, nesse período em que aumentou em 70% a população carcerária no Brasil, houve uma redução de quase 40% nos investimentos realizados com recursos desse Fundo.

            O dado é o seguinte: enquanto no segundo mandato do Presidente Fernando Henrique, a preços de dezembro de 2010, foram utilizados, em média, cerca R$247 milhões por ano, no final do governo Lula, o montante caiu para R$150 milhões.

            No Governo Dilma, então, o descaso é patente. Veja, Sr. Presidente: em 2011, somente 13% dos recursos disponíveis para investimento do Fundo Penitenciário foram efetivamente pagos. Em 2012, o número é acabrunhante. Em 2012, praticamente nada foi executado. Dos R$630 milhões disponíveis para investimentos em penitenciárias, sabem V. Exª quanto foi investido? Apenas R$2 milhões; dos R$630 milhões, só se investiu R$2 milhões, ou seja, 0,3%.

            Bom, pode-se dizer: “olha, tal presídio, assim não pôde ser construído porque não foi concedida licença ambiental na época, o Estado devolveu recursos”. Isso pode ter ocorrido e, seguramente, ocorre, porque, quando se trata de construir um presídio fechado, semiaberto em qualquer cidade, imediatamente, os políticos e a população locais se mobilizam num alarido contrário; é vereador em véspera de eleição, é Deputado: “Não pode construir presídio aqui”. Acontece que, se as pessoas cometem crimes, em algum momento, têm que ser encarceradas quando lhes forem cominada a pena de prisão; não há saída. O crime tem que ser objeto de prevenção, mas, quando é o caso, ele deve dar causa à punição, ao castigo. Não há outra forma, é assim que funcional nosso sistema penal. Pode-se falar em penas alternativas? É importante o instituto das penas alternativas, que consiste em aplicar-se a um condenado pena de prestação de serviço à comunidade, de interdição de frequentar determinados lugares, desde que sejam crimes que revelem um poder ofensivo menor ou tolerável do criminoso. Mas os juízes relutam em aplicar penas alternativas porque não há uma estrutura de acompanhamento efetivo do seu cumprimento.

            Agora, Sr. Presidente, há obstáculos que, muitas vezes, não são de responsabilidade do Governo Federal? Há, mas cabe ao Governo Federal liderar, saber por que foi devolvido aquele recurso, tomar a frente da defesa da necessidade da construção de presídios no Brasil, para que possamos eliminar essa condição deprimente, degradante que é experimentada por aqueles que cumprem pena privativa de liberdade no Brasil. Não existe possibilidade de recuperação de um preso nesse sistema, um preso que, em média, dispõe de 70cm² para viver durante o período de prisão. Não existe essa possibilidade. Quando chega, é imediatamente escravizado, a sua família é vítima de chantagem por parte das facções criminosas que existem dentro dos presídios, muitas vezes, suas mulheres ou seus filhos são obrigados a se associarem compulsoriamente ao tráfico. E, quando saem, saem piores do que quando entraram. São presídios que brutalizam, que desumanizam.

            Portanto, para que se possa enfrentar essa situação, dar condição ao preso de se ressocializar, de estudar, de trabalhar, inclusive durante o período de prisão, como forma de remissão de pena, cumprir pena perto da sua família, perto do juiz da execução penal da comarca que determinou a sua prisão, é preciso construir presídios no Brasil. Não há outra saída!

            Se a criminalidade é alta no Brasil - nós, infelizmente, temos uma das taxas de homicídio por habitante mais altas do mundo -, é preciso combater o crime, e a pena de prisão é uma das consequências do cometimento de crimes graves.

            Diz-se: "olha, não adianta prender, porque o Brasil já tem uma população carcerária imensa”. É verdade, é muito grande. Mas, nos Estados Unidos, ela é muito grande também. No Brasil, nós temos, para uma população de 200 milhões de habitantes, uma população carcerária de 500 mil, 0,25%. Nos Estados Unidos, para uma população de 312 milhões, nós temos uma população carcerária de 2,2 milhões. Ou seja, 0,75%, três vezes mais do que no Brasil, proporcionalmente à população.

            Isso quer dizer, Sr. Presidente, que a tendência, se a polícia prender depois de elucidados os crimes - como se deseja que sejam -, se o Judiciário julgar em tempo, é inevitável que a população carcerária venha a aumentar, ainda que se multiplique o esforço para a aplicação de penas alternativas - que eu desejo que seja feito -; ainda que nós tenhamos defensores públicos atuando nos presídios - como precisam estar, para que um criminoso, um apenado que já tem condições de requerer a liberdade provisória possa usufruir dessa etapa da sua progressão; é preciso que haja defensores nessas condições. No entanto, inevitavelmente, o número de detentos haverá de aumentar. Mesmo porque nós temos muitos presos cumprindo pena em delegacias de polícia. E delegacia de polícia não é presídio! Delegacia é órgão de investigação, é órgão de Polícia Judiciária! O delegado, o investigador, o escrivão não é guarda de preso; a sua função é outra, e, no entanto, temos dezenas de milhares de presos ainda cumprindo pena em delegacias de polícia, desviando a Polícia Civil da sua atividade fundamental, precípua, que é a apuração de crimes, que é o braço judiciário, é o braço policial da Justiça, gerando uma situação de insegurança para a população das pequenas cidades onde essas delegacias se encontram, nas cidades médias.

            O drama das mulheres presas é preocupante, pois não há presídios femininos no Brasil, na demanda desta população carcerária. A Constituição assegura às mulheres o direito de amamentar os seus filhos na cadeia. Quais são os presídios femininos? Onde estão? Em que condições existem?

            Sr. Presidente, infelizmente, este é um tema que não costuma frequentar o noticiário brasileiro, não é tema de campanha política, e, pelo contrário, pega mal falar disso. Dizer que é preciso construir presídios não é popular. No entanto, temos masmorras, como disse o Ministro da Justiça, que reclamam providências dos governos, especialmente do Governo Federal, e que constituem uma vergonha para o nosso País, uma autêntica vergonha.

            Creio, Sr. Presidente, que esse tema da segurança pública no sentido amplo, passa pela estruturação do sistema carcerário onde os condenados à pena privativa de liberdade possam, efetivamente, cumpri-la em condições dignas e com a possibilidade de, por aí, virem a se recuperar e a se reintegrar na sociedade. E há necessidade de termos um sistema de acolhimento dos detentos depois de cumprida a sua pena. É preciso combater o preconceito que cerca essas pessoas que já cumpriram o que a Justiça lhes determinou e que, ao saírem da cadeia, não têm condição de viver e, por isso mesmo, muitos retornam ao mundo do crime.

            Há necessidade de termos Defensoria Pública, convênios com a Ordem dos Advogados do Brasil, trabalho voluntário nas cadeias.

            A presença, sim, das igrejas dentro dos presídios, levando a esperança de redenção a essas pessoas.

            Tudo isso, em minha opinião, Sr. Presidente, tem que ser, sim, um tema político, tem que comover os políticos brasileiros, precisa estar, Sr. Presidente, num lugar nobre da próxima campanha presidencial. Nós não podemos continuar ignorando esse drama. E ficarmos silentes a declarações de autoridades, como o Ministro da Justiça de nosso pais, que conforme já enfatizei, declarou: “Se fosse para cumprir muitos anos na prisão, em alguns dos nossos presídios, eu preferiria morrer”.

            Se a prisão dos chamados mensaleiros serviu para abrir os olhos das pessoas, confirma-se o adágio de que “há males que vêm para o bem”.

            Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/12/2013 - Página 92911