Discurso durante a 231ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Satisfação pela eleição da Srª Michele Bachelet para a Presidência do Chile.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Satisfação pela eleição da Srª Michele Bachelet para a Presidência do Chile.
Publicação
Publicação no DSF de 19/12/2013 - Página 97445
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • ELOGIO, REFERENCIA, ELEIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE, ANALISE, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, PRESIDENTE, COMBATE, DESIGUALDADE SOCIAL, HERANÇA, DITADURA, PAIS.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, se, há 20 anos, alguém houvesse vaticinado que ascenderia ao cargo de presidente da historicamente conservadora República de Chile - historicamente de alguma forma, porque o Chile não apenas de Bachelet, mas de Salvador Allende e de tantas figuras extraordinárias de trajetória progressista -, já pela segunda vez, uma mulher, filha de um general assassinado por tortura na ditadura de Augusto Pinochet, presa e exilada durante longos anos, provavelmente teriam dito que se tratava de invenções dignas do "realismo mágico" de Gabriel Garcia Marques.

            Mas, se, além disso, alguém houvesse previsto também que ela encontraria na presidência do Brasil outra mulher que também foi perseguida e torturada por uma ditadura, com certeza teriam afirmado que tal enredo era digno da imaginação poética de Pablo Neruda.

            E é. De fato, somente a imaginação poética e o incansável otimismo de um Pablo Neruda poderiam ter criado tal história há poucas décadas. Felizmente, porém, essa história é tão poética quanto real. E o que possibilitou esse improvável encontro entre imaginação e poesia, de um lado, e a realidade implacável do processo político, de outro? A resposta pode ser dada com apenas uma palavra: democracia.

            É o regime democrático, o pior dos regimes políticos à exceção de todos os outros, como dizia Winston Churchill, que permite não apenas que se sonhe livremente, mas também que se realizem os sonhos mais improváveis.

            Felizmente, no Chile, no Brasil e em toda a América Latina, já podemos sonhar com liberdade e, mais importante, podemos realizar, ainda que com dificuldades, antigos sonhos tão postergados, como o sonho da prosperidade e da unidade econômica e política do nosso continente.

            Mas se a democracia nos proporciona a liberdade, que tanto nos alegra, da mesma forma impõe, principalmente a nós, políticos, o pesado dever de realizar os sonhos e os direitos daqueles que, por enquanto, só têm o direito de sonhar.

            Ditaduras como as que tivemos na América Latina podem contentar-se com simples e excludentes processos de crescimento econômico. Democracias, não. As democracias, as verdadeiras democracias, impõem a justiça social e a inclusão de todos em seus múltiplos direitos, pois os sonhos que importam, os sonhos capazes de mudar realidades, são os sonhos coletivos.

            Em seu segundo mandato, o principal desafio de Bachelet tange justamente ao combate às desigualdades sociais em seu belo país. Essas desigualdades são um produto de políticas econômicas iniciadas ainda durante a ditadura de Pinochet.

            Há uma história que ilustra bem esse ponto. Em 28 de agosto de 1976, três semanas antes de ser assassinado, em Washington, pela Dina, a terrível polícia secreta de Pinochet, Orlando Letelier, que havia sido Ministro da Defesa e das Relações Exteriores do Governo Allende, publicou um artigo na prestigiada revista The Nation, que teve grande repercussão. Nesse artigo, intitulado “The Chicago Boys in Chile: Economic Freedom's Awfull Toll”, (“Os Chicago Boys no Chile: as Horríveis Consequências da Liberdade Econômica”), Letelier mostrou ao mundo as consequências econômicas, sociais e políticas da “terapia de choque” que Milton Friedman e seus discípulos haviam imposto ao povo chileno.

            Entre outras coisas, Orlando Letelier assinalou, nesse texto, que “se, em 1972, apenas após um ano do governo da Unidade Popular, a renda da classe média e dos trabalhadores no Chile representavam 62,9% do total, em 1974, essa parcela da renda nacional chilena caiu para 38,2%. No entanto, se, em 1972, a renda dos grupos empresariais foi de 37,1% do total, dois anos mais tarde, ela ascendeu a 61,8%. Em pouco mais de dois anos, a ditadura saqueou as classes pobres e médias do país”.

            Entretanto, o foco do artigo de Orlando Letelier não era as dramáticas consequências da nova política econômica de Pinochet, mas, sim, a contradição entre o liberalismo econômico dos Chicago Boys e a brutal ditadura que fizera do Chile o primeiro experimento neoliberal, avant Ia lettre, do mundo.

            Friedman, seus discípulos e a grande imprensa, inclusive a dos Estados Unidos, tentavam dissociar o experimento neoliberal, a “terapia de choque”, das draconianas condições políticas sob as quais essa evidência se desenvolvia.

            Friedman dizia que não compartilhava do ideário político da ditadura, mas que condená-lo por ajudar a implementar um remédio econômico eficaz era a mesma coisa que condenar um médico por aplicar um vacina salvadora na população chilena, “ameaçada por uma grave epidemia”. A sua solução para os problemas econômicos do Chile era, portanto, uma “solução técnica”, racional, que não tinha nenhuma relação política com a grotesca ditadura chilena. Era também, segundo ele, a única solução possível para os problemas econômicos do Chile e do mundo.

            Pois bem. Orlando Letelier argumentava, no seu artigo seminal, exatamente o contrário. Para ele, era evidente que “as políticas econômicas são introduzidas precisamente com a finalidade de alterar as estruturas sociais e impor um modelo político’. Assim, não se pode separar a política econômica dos seus requisitos e de efeitos sociais e políticos.

            A presidenta Bachelet tem plena consciência da necessidade de enfrentar as desigualdades herdadas da ditadura chilena e de fundar um novo modelo econômico, social e político para um Chile mais inclusivo e justo.

            No início dos anos 70 do século passado, o índice de Gini do Chile era de 0,47, um dos mais baixos da América Latina. Entretanto, com o liberalismo econômico selvagem introduzido na ditadura, esse índice subiu para 0,63, em meados da década de 1980. Naquela época, a pobreza e a indigência afetavam quase 45% da população chilena.

            Com a volta da democracia, nos anos 90, houve uma redução significativa da desigualdade e o índice de Gini do Chile caiu para 0,51, em 1995. Contudo, a desigualdade social no Chile parou de se reduzir, desde aquela época.

            Na realidade, ao contrário do que vem acontecendo em outros países da América do Sul, como o Brasil, essa desigualdade vem aumentando paulatinamente. O índice de Gini do Chile está em 0,55. Não obstante, alguns economistas argumentam que esse índice, medido por pesquisas domiciliares, está subdimensionado, pois não capta, de forma precisa, os rendimentos muitas vezes sonegados de empresas e pessoas físicas.

            Simulações feitas com base em pesquisas fiscais indicam que o índice de Gini atual do Chile estaria em torno de 0,63, um número muito alto, inclusive em termos regionais. De acordo com relatório da OCDE, organização à qual o Chile pertence, esse país é o mais desigual entre os seus Estados membros, superando outros países em desenvolvimento que também compõem a organização, como o México e a Turquia.

            Esse processo de aumento, ainda que paulatino, da desigualdade foi agravado pelo desinvestimento no Estado como agente de políticas sociais indispensáveis para assegurar proteção social e igualdade de oportunidades para todos.

            Tal desinvestimento, iniciado na ditadura de Pinochet, afetou muito dois setores extremamente importantes: a Previdência Social e a Educação.

            No caso da Previdência, ela foi totalmente privatizada. Não há mais Previdência pública, no Chile. Com o tempo, isso criou um gravíssimo problema social, pois a maioria da população não consegue ter hoje uma aposentadoria que lhe assegure o mínimo indispensável para uma sobrevivência digna. Bachelet pretende recriar, nesse seu segundo mandato, um sistema previdenciário público que complemente os rendimentos dos aposentados do setor privado ou que dê uma aposentadoria a quem não tem condições de contribuir autonomamente.

            Já o caso da Educação é o mais sensível politicamente. Em contraste com o que vem acontecendo em muitos países da América do Sul, como o Brasil, que está aumentando o acesso ao ensino superior para estudantes pobres, com programas como o ProUni e o Reuni, no Chile a Educação de nível superior está cada vez mais elitizada. Naquele país, não há mais universidades verdadeiramente públicas. Todas cobram taxas e mensalidades muito caras. Como ocorre nos Estados Unidos, os estudantes de classe média chilenos precisam se endividar para poder concluir seus cursos. Essas crescentes privatização e elitização do ensino superior estão na origem das grandes manifestações de estudantes do Chile, que vêm ocorrendo há cerca de três anos.

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Bachelet quer dar uma solução a esse grave problema mediante uma grande reforma educacional que proveja o acesso ao ensino superior a estudantes de todas as classes sociais.

            Para fazer essa grande reforma educacional e instituir um novo sistema público previdenciário, Bachelet terá de enfrentar outra herança da ditadura. Referimo-nos às inúmeras isenções e reduções fiscais asseguradas às empresas instaladas no Chile. Com a atual carga tributária daquele país, somada às sempre presentes sonegações, o Chile não tem condições orçamentárias de dar uma resposta para a questão da Previdência, da Educação e da desigualdade social de um modo geral.

            Bachelet já indicou que aumentará em 25% a carga tributária de empresas chilenas para poder desenvolver seus imprescindíveis programas sociais.

            Sem querer interferir nos assuntos internos do nosso querido vizinho, eu me permitiria sugerir à nova presidenta do Chile o programa de renda básica de cidadania, que poderia contribuir substancialmente para reduzir as desigualdades sociais. A implantação gradual de um programa desse tipo não impactaria de forma significativa o orçamento e permitiria equacionar a questão da carga tributária chilena de modo suave e paulatino.

            Uma alternativa factível seria usar parte da renda das exportações do cobre, setor que permanece público, para ajudar a financiar um programa desse tipo, a exemplo do que ocorre no Alaska, onde a renda obtida com o petróleo fez com que o Alaska, ao pagar um dividendo igual a todas as pessoas ali residentes, se tornasse o mais igualitário dos 50 Estados norte-americanos.

            Mencione-se que, em 2012, aprovou-se, o Parlatino aprovou uma Minuta de Lei da Renda Básica, preparada por uma comissão composta pela Deputada Maria Soledad Vela Cheroni, do Equador, pelo Deputado Rodrigo Cabezas, da Venezuela, pelo Deputado Ricardo Berois, do Uruguai, e por mim.

(Soa a campainha.)

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Tal minuta fornece os elementos necessários para a implantação da renda básica de cidadania em todos os países da América Latina e do Caribe. O Chile, junto com o Brasil, pode estar na vanguarda desse processo revolucionário.

            Sr. Presidente, Senador Jorge Viana, com a ajuda de Marcelo Zero, a quem muito agradeço, fiz um pronunciamento bastante extenso. Então, peço que ele seja considerado na íntegra

            O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Sei da importância. Nosso único problema é que ainda vamos ter, neste plenário, uma sessão dando sequência à sessão do Congresso. Como temos alguns colegas que querem fazer uso da palavra, peço a compreensão do querido colega Senador Suplicy.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Então, solicito que ele seja considerado na íntegra e peço que, ao final desta sessão, possa ser lida a justificativa para o requerimento de voto de aplauso à nova Presidenta da República do Chile, Srª Michele Bachelet, por seu extraordinário êxito nas últimas eleições naquele país. Peço que seja considerada na íntegra também, a justificativa, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.

 

SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, se há vinte anos alguém houvesse vaticinado que ascenderia ao cargo de presidente da historicamente conservadora república de Chile, já pela segunda vez, uma mulher, filha de um general assassinado por tortura na ditadura de Augusto Pinochet, presa e exilada durante longos anos, provavelmente teriam dito que se tratava de invenções dignas do “realismo mágico” de Gabriel Garcia Marques.

            Mas, se, além disso, alguém houvesse previsto também que ela encontraria na presidência do Brasil outra mulher que também foi perseguida e torturada por uma ditadura, com certeza teriam afirmado que tal enredo era digno da imaginação poética de Pablo Neruda.

            E é. De fato, somente a imaginação poética e o incansável otimismo de um Pablo Neruda poderia ter criado tal história há poucas décadas atrás.

            Felizmente, porém, essa história é tão poética quanto real. 

            E o quê possibilitou esse improvável encontro entre imaginação e poesia, de um lado, e a realidade implacável do processo político, de outro? A resposta pode ser dada com apenas uma palavra: Democracia.

            É o regime democrático, o pior dos regimes políticos à exceção de todos os outros, como dizia Winston Churchill, que permite não apenas que se sonhe livremente, mas também que se realizem os sonhos mais improváveis.

            Felizmente no Chile, no Brasil, e em toda a América Latina já podemos sonhar com liberdade e, mais importante, podemos realizar, ainda que com dificuldades, antigos sonhos tão postergados, como o sonho da prosperidade e da unidade econômica e política do nosso continente.

            Mas se a democracia nos proporciona a liberdade, que tanto nos alegra, da mesma forma impõe, principalmente a nós, políticos, o pesado dever de realizar os sonhos e os direitos daqueles que, por enquanto, só têm o direito de sonhar.

            Ditaduras como as que tivemos na América Latina podem contentar-se com simples e excludentes processos de crescimento econômico. Democracias, não. As democracias, as verdadeiras democracias, impõem a justiça social e a inclusão de todos em seus múltiplos direitos, pois os sonhos que importam, os sonhos capazes de mudar realidades, são os sonhos coletivos.

            Pois bem, Sr. Presidente, em seu segundo mandato, o principal desafio de Bachelet tange justamente ao combate às desigualdades sociais em seu belo país. Essas desigualdades são um produto de políticas econômicas que foram iniciadas ainda durante a ditadura de Pinochet.

            Há uma história que ilustra bem esse ponto. Em 28 de agosto de 1976, três semanas antes de ser assassinado em Washington pela DINA, a terrível polícia secreta de Pinochet, Orlando Letelier, que havia sido ministro da Defesa e das Relações Exteriores do governo Allende, publicou um artigo na prestigiada revista The Nation, que teve grande repercussão. Nesse artigo, intitulado The Chicago Boys in Chile: Economics Freedom’s Awfull Toll, (“Os Chicago Boys no Chile: as Horríveis Consequências da Liberdade Econômica”), Letelier mostrou ao mundo as consequências econômicas, sociais e políticas da “terapia de choque’ que Milton Friedman e seus discípulos haviam imposto ao povo chileno.

            Entre outras coisas, Orlando Letelier assinalou, nesse texto, que “se, em 1972, apenas após um ano do governo da Unidade Popular, a renda da classe média e dos trabalhadores no Chile representavam 62,9% do total, em 1974 essa parcela da renda nacional chilena caiu para 38,2%. No entanto, se, em 1972, a renda dos grupos empresariais foi de 37,1% do total, dois anos mais tarde ela ascendeu a 61,8%. Em pouco mais de dois anos, a ditadura anos saqueou as classes pobres e médias do país”.

            Entretanto, o foco do artigo de Orlando Letelier não eram as dramáticas consequências da nova política econômica de Pinochet, mas sim a contradição entre o liberalismo econômico dos Chicago Boys e a brutal ditadura que fizera do Chile o primeiro experimento neoliberal, avant la lettre, do mundo.

            Friedman, seus discípulos e a grande imprensa, inclusive a dos EUA, tentavam dissociar o experimento neoliberal, a “terapia de choque”, das draconianas condições políticas sob as quais essa experiência se desenvolvia.

            Friedman dizia que não compartilhava do ideário político da ditadura, mas que condená-lo por ajudar a implementar um remédio econômico eficaz era a mesma coisa que condenar um médico por aplicar um vacina salvadora na população chilena, “ameaçada por uma grave epidemia”. A sua solução para os problemas econômicos do Chile era, portanto, uma “solução técnica”, racional, que não tinha nenhuma relação política com a grotesca ditadura chilena. Era também, segundo ele, a única solução possível para os problemas econômicos do Chile e do mundo.

            Pois bem, Orlando Letelier argumentava, no seu artigo seminal, exatamente o contrário. Para ele, era evidente que “as políticas econômicas são introduzidas precisamente com a finalidade de alterar as estruturas sociais e impor um modelo político”. Assim, não se pode separar a política econômica dos seus requisitos e de efeitos sociais e políticos.

            Sr. Presidente, a presidenta Bachelet tem plena consciência da necessidade enfrentar as desigualdades herdadas da ditadura chilena e de fundar um novo modelo econômico, social e político para um Chile mais inclusivo e justo.

            No início dos anos 70 do século passado, o índice de Gini do Chile era de 0,47, um dos mais baixos da América Latina. Entretanto, com o liberalismo econômico selvagem introduzido na ditadura, esse índice subiu para 0,63, em meados da década de 1980. Naquela época, a pobreza e a indigência afetavam quase 45% da população chilena.

            Com a volta da democracia, nos anos 90, houve uma redução significativa da desigualdade, e o índice de Gini do Chile caiu para 0,51, em 1995. Contudo, a desigualdade social no Chile parou de se reduzir, desde aquela época.

            Na realidade, ao contrário do que vem acontecendo em outros países da América do Sul, como o Brasil, por exemplo, essa desigualdade vem aumentando paulatinamente. Hoje, o índice de Gini do Chile está em 0,55. Não obstante, alguns economistas argumentam que esse índice, medido por pesquisas domiciliares, está subdimensionado, pois elas não captam, de forma precisa, os rendimentos muitas vezes sonegados de empresas e pessoas físicas.

            Simulações feitas com base em pesquisas fiscais indicam que o índice de Gini atual do Chile estaria em torno de 0,63, um número muito alto, inclusive em termos regionais. De acordo com relatório da OCDE, organização à qual o Chile pertence, esse país é o mais desigual entre os seus Estados Membros, superando outros países em desenvolvimento que também compõem a organização, como o México e a Turquia.

            Esse processo de aumento, ainda que paulatino, da desigualdade foi agravado pelo desinvestimento no Estado como agente de políticas sociais indispensáveis para assegurar proteção social e igualdade de oportunidades para todos os cidadãos.

            Tal desinvestimento, iniciado na ditadura de Pinochet, afetou muito dois setores extremamente importantes: a Previdência Social e a Educação.

            No caso da Previdência, ela foi totalmente privatizada. Não há mais Previdência pública, no Chile. Com o tempo, isso criou um gravíssimo problema social, pois a maioria da população não consegue ter hoje uma aposentadoria que lhe assegure o mínimo indispensável para uma sobrevivência digna. Bachelet pretende recriar, nesse seu segundo mandato, um sistema previdenciário público que complemente os rendimentos dos aposentados do setor privado ou que dê uma aposentadoria a quem não tem condições de contribuir autonomamente.

            Já o caso da Educação é o mais sensível politicamente. Em contraste com o que vem acontecendo em muitos países da América do Sul, como o Brasil, que está aumentando o acesso ao ensino superior para estudantes pobres, com programas como o Prouni e o Reuni, no Chile a Educação de nível superior está cada vez mais elitizada. Naquele país, não há mais universidades verdadeiramente públicas. Todas cobram taxas e mensalidades muito caras. Como ocorre nos EUA, os estudantes de classe média chilenos precisam se endividar para poder concluir seus cursos. Essa crescente privatização e elitização do ensino superior está na origem das grandes manifestações de estudantes do Chile, que vêm ocorrendo há cerca de três anos.

            Bachelet quer dar uma solução a esse grave problema, mediante uma grande reforma educacional, que proveja o acesso ao ensino superior a estudantes de todas as classes sociais.

            Entretanto, para fazer essa grande reforma educacional e instituir um novo sistema público previdenciário, Bachelet terá de enfrentar outra herança da ditadura de Pinochet. Referimo-nos às inúmeras isenções e reduções fiscais asseguradas às empresas instaladas no Chile. Com a atual carga tributária daquele país, somada às sempre presentes sonegações, o Chile não tem condições orçamentárias de dar uma resposta para a questão da Previdência, da Educação e da desigualdade social de um modo geral.

            Por isso, Bachelet já indicou que aumentará em 25% a carga tributária de empresas chilenas para poder desenvolver seus imprescindíveis programas sociais.

            Sem querer interferir nos assuntos internos do nosso querido vizinho, me permitiria sugerir à nova presidenta do Chile que um programa de renda básica de cidadania poderia contribuir substancialmente para reduzir as desigualdade sociais naquele país. Além disso, a implantação gradual de um programa desse tipo não impactaria de forma significativa o orçamento, o que permitiria equacionar a questão da carga tributária chilena de modo suave e paulatino.

            Um alternativa factível seria usar parte da renda das exportações do cobre, um setor que permanece público, para ajudar a financiar um programa desse tipo. No Alaska, usa-se, com êxito, a renda obtida com o petróleo. Por que não usar a renda obtida com o cobre para a mesma finalidade? Ressalte-se que a renda do cobre já é usada para o financiamento das Forças Armadas chilenas. Por que não usá-la também para uma finalidade social nobre?

            Mencione-se que, em 2012, aprovou-se, no Parlatino, uma Minuta de Lei da Renda Básica, preparada por uma comissão composta pela Deputada María Soledad Vela Cheroni (Equador), o Deputado Rodrigo Cabezas (Venezuela), o Deputado Ricardo Berois (Uruguai) e por mim. Tal minuta fornece os elementos necessários para a implantação da renda básica de cidadania em todos os países da América Latina. O Chile, junto com o Brasil, pode estar na vanguarda desse processo revolucionário.

            Mas Bachelet não quer se desfazer da herança da ditadura chilena apenas no campo econômico e social. Não. A nova presidenta do Chile quer também se desfazer do entulho autoritário no campo político.

            Com efeito, Bachelet está empenhada em reformar a constituição do Chile, promulgada em 1980, em plena ditadura de Pinochet. Essa Constituição criou um sistema eleitoral que dificulta muito a renovação do sistema político e institui um esquema partidário praticamente dual, que praticamente impede a representação das minorias. A nova presidenta pretende promover uma substancial reforma política, tal como a presidenta do Brasil, que permita a geração de um novo sistema político, mais transparente, democrático e representativo dos interesses de toda a sociedade. Como as manifestações do Chile querem.

            Em síntese, Bachelet quer colocar o Chile em sintonia com os processos de redução da desigualdade que vêm ocorrendo em outros países da América do Sul e da América Latina e com as reivindicações que emanam da juventude chilena. No Brasil, temos de saudar e apoiar tal esforço

            Mas é especialmente no campo da política externa que o novo governo chileno deverá merecer o apoio do Brasil.

            O Chile, seguindo uma tendência conservadora também construída na ditadura, preferiu investir mais na integração com países avançados, como os EUA, com o qual tem tratado de livre comércio, que na integração regional. Aquele país, embora seja membro associado do Mercosul, não participa da sua união aduaneira. Recentemente, seu presidente conservador, Sebastián Piñeira, ajudou a lançar a Aliança do Pacífico, que propõe maior integração à globalização, em detrimento da constituição de blocos de integração regionais.

            Essa estratégia poderia afastar o Chile do Brasil e do Mercosul.

            No entanto, o nova presidenta, que gosta muito do Brasil e é fã da música e da cultura brasileiras, quer aproximar mais o Chile do Brasil e do Mercosul.

            Diga-se de passagem, a Aliança do Pacifico não afeta em nada, do ponto de vista comercial e econômico, a integração regional, pois o Mercosul já tem acordos de livre comércio com todos os países que a compõem. Por outro lado, o Mercosul também não apresenta nenhuma ameaça à Aliança do Pacifico. Os dois blocos podem conviver em harmonia.

            A América do Sul não pode estar dividida entre Atlântico e Pacífico, e o Brasil e o Chile tem de estar unidos para fazer a ponte entre esse dois oceanos que banham nosso subcontinente.

            Sr. Presidente, desde 1838, quando foi firmado o primeiro tratado entre Brasil e Chile, o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação, que os nossos países mantêm relações bilaterais muito cordiais, praticamente sem tensões de qualquer natureza. Embora sem compartilharmos fronteiras geográficas, soubemos construir, ao longo de todo esse período, fronteiras políticas, econômicas e culturais que embasaram rica cooperação e sólida amizade.

            Em um dos momentos mais difíceis da nossa história, foi no Chile que toda uma geração de brasileiros obteve generoso exílio, sob os auspícios dos inesquecíveis Eduardo Frei e Salvador Allende. Lá, eles se sentiram em casa e tomaram consciência de que os futuros de nossos países, assim como os futuros de todas as nações latino-americanas, estão inexoravelmente entrelaçados. Foi no Chile que aquela nossa geração aprendeu a ser, ademais de brasileira, latino-americana; e essa é uma valiosa lição que ninguém pode esquecer.

            O Brasil, por sua vez, exerceu, especialmente nas últimas décadas, um papel moderador nos conflitos surgidos na América do Sul. Sabemos que o Chile valoriza positivamente esse papel que a diplomacia brasileira exerce no continente, assim como sabemos também que o governo da presidenta Bachelet apoiará a justa reivindicação do Brasil de ocupar uma cadeira num Conselho de Segurança da ONU ampliado e adequado à nova realidade do cenário internacional moderno. Esse apoio de um país tão importante como o Chile nos honra e alegra.

            Outro fator a ser destacado tange à participação do Chile no Mercosul, que não se restringe à área de livre comércio. De fato, a dimensão mais rica da participação chilena no Mercosul é a política. O Chile participa ativamente do Foro de Consulta e Concertação Política, além de ter ratificado o importantíssimo “Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Democrático”, instrumento que obriga todos os seus signatários a repelir quaisquer ameaças à democracia no Cone Sul. Ademais, o país que a presidenta Michelle Bachelet liderará com brilhantismo tem voz ativa em todos os outros foros regionais da América Latina e sempre age em prol dos interesses maiores da Região.

            Essa convergência política entre Chile e Brasil manifesta-se também no apoio decidido que aquele país presta ao G20, grupo que articula os interesses dos países em desenvolvimento nas difíceis negociações comerciais da OMC, e à MINUSTAH, missão da ONU no Haiti, liderada pelo Brasil, que vem tendo êxito na estabilização política daquela sofrida nação caribenha.

            Assim, o Chile é, para nós brasileiros, um país amigo e um importante e decisivo aliado nos embates que os países latino-americanos terão de enfrentar se quiserem conciliar crescimento econômico com inclusão social e autonomia frente ao processo de globalização.

            De nossa parte, podemos afirmar que o Brasil, mesmo tendo uma estratégia de inserção econômica no cenário mundial distinta da chilena, será sempre um amigo generoso e um aliado sólido do Chile, porque sabemos que a convivência com as diferenças é tão importante para consolidar o multilateralismo nas relações internacionais quanto o é para fortalecer as democracias em âmbito interno.

            Deste Senado brasileiro manifesto a minha sincera admiração pela trajetória pessoal e política da nova presidenta Michelle Bachelet e minha convicção de que ela fará um excelente governo. Envio também um abraço afetuoso ao grande povo chileno e uma mensagem de esperança no futuro próspero e socialmente justo de nossos países.

            Quero, da mesma forma, aproveitar este momento para prestar as minhas homenagens a um dos maiores parlamentares que o continente já teve: o senador Pablo Neruda.

            Aqui embaixo é o máximo que podemos fazer: render homenagens. Lá em cima, contudo, o poeta Pablo provavelmente está reunido com seu colega brasileiro Carlos. Contemplam rindo este momento histórico único em nossos dois países. Fazem juntos, a quatro mãos, mas com uma só mente, poesias sobre esse encontro imponderável da história. Poesias que falam sobre pedras removidas do caminho em canção sem desespero.

            Será difícil, para nós, ouvi-las. Mas elas nos inspirarão cada vez que depositarmos um voto numa urna e toda vez que retirarmos uma pessoa da pobreza e da miséria.

            Muito Obrigado!

 

DOCUMENTO ENCAMINHADO PELO SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY

EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I, § 2º, do Regimento Interno.)

Matéria referida: 

- Requerimento - Justificação.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/12/2013 - Página 97445