Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao projeto de lei que tipifica o terrorismo no País.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL, TERRORISMO.:
  • Críticas ao projeto de lei que tipifica o terrorismo no País.
Aparteantes
Aloysio Nunes Ferreira, Eduardo Suplicy, Eunício Oliveira, Jorge Viana, Pedro Taques.
Publicação
Publicação no DSF de 13/02/2014 - Página 40
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL, TERRORISMO.
Indexação
  • CRITICA, PROJETO DE LEI, OBJETIVO, REGULAMENTAÇÃO, CRIME, TERRORISMO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senadora Angela Portela, que está aqui presente, demais Senadores e Senadoras, Senador Inácio, o senhor, como um dos frequentadores mais assíduos do plenário, talvez pode até não lembrar, mas provavelmente estava presente nos dias 19 de maio e 16 de maio de 2006, ou seja, quase dez anos atrás, quando eu fiz dois discursos falando da guerra civil que o Brasil estava atravessando. Uma guerra civil que tem assassinado 50 mil brasileiros. Nós lutando contra nós próprios.

            E, nesses dois discursos, eu cheguei a dizer que os atos dessa guerra civil estavam aterrorizando a população. Cheguei a dizer: “são atos terroristas de uma guerra civil em marcha”. Nos dois discursos, eu falei isso.

            É com a autoridade de quem disse essas coisas, de quem vem há dez anos tentando levantar esta Casa para um debate profundo sobre as causas dessa guerra civil, a superação dessa guerra civil, a necessidade de trazer a paz e não apenas segurança para o Brasil, é com essa autoridade que eu venho aqui manifestar o meu profundo desacordo com esse projeto de lei que define crimes de terrorismo e dá outras providências.

            Nestes anos, desde que eu fiz esses discursos, a violência só tem ampliado. E agora decide-se enfrentar essa violência, Senador Jorge Viana, com a ideia de uma lei antiterrorista. Nem nos países mais visados pelo terrorismo, como os Estados Unidos, não há um projeto de lei antiterrorista com as características deste Projeto nº 499, de 2013. Não há, porque aqui permite considerar como crime de terrorismo a simples provocação e infusão de atos que provoquem pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa à vida ou mediante dano a bem ou serviço essencial. Dessa maneira, Senador, num momento de grande mobilidade social, se um menino fizer um convite pelo seu computador para que outros compareçam, por exemplo, para um rolezinho em um shopping center, e, nesse rolezinho, por alguma razão, perde-se o controle e existe baderna, vandalismo, aquele menino que usou o computador para convidar os seus primos para fazer uma manifestação de brincadeira pode ser acusado de terrorista.

            Isso vai trazer a inibição total das manifestações sociais a que o Brasil tem assistido. Que pai vai deixar que um filho vá a uma manifestação se ele está subordinado ao risco de ser acusado de terrorismo porque, naquela manifestação, houve uma perda de controle, e alguns vândalos agiram?

            Considerar como ato terrorista o ato específico do vândalo é uma coisa; agora, simplesmente levantar a ideia de que provocar ou infundir o terror generalizado mediante ofensa é um ato terrorista é uma irresponsabilidade diante da nossa obrigação de defender os movimentos, os direitos sociais.

            Se um jornal um dia, depois de ver os indicadores de preços, colocar a manchete “Inflação fora de controle”, e a população que ler isso for a um supermercado, a quantidade de pessoas for muito grande lá, e houver um quebra-quebra, esse jornal pode ser acusado de ter incitado o terrorismo. É muito perigoso, Senador Jorge Viana!

            Além disso, é lamentável que a gente esteja preocupado com isso e não entendamos as causas que estão provocando essa situação. É óbvio que tem que ter cadeia - e eu tenho autoridade para falar, porque, neste documento aqui, eu usava a expressão “atos terroristas”, falava de guerra civil dez anos atrás, quase. Mas, se nós não entendermos que essa situação vem da degradação social, provocada, por um lado, pelo consumismo exagerado, e, por outro, pela desigualdade; se não entendermos que isso tudo vem do abandono dos jovens, sem atividades, sem horário integral nas escolas; se nós não entendermos que isso vem da droga e do alcoolismo; que vem da impunidade como nós agimos, tolerando atos; se nós não entendermos que isso vem do descontentamento e da desilusão, casados com o computador, que permite a mobilização; se nós não entendermos isso, podemos fazer leis e mais leis antiterroristas, e os movimentos continuarão acontecendo. Vamos aumentar provavelmente o número de presos, mas não vamos diminuir a violência.

            Nós precisamos entender que está havendo em marcha um novo tipo de guerrilha. Uma guerrilha que eu gosto de chamar de cibernética, por falta de outro nome. Qualquer garoto ou garota neste País tem, no seu computador, uma trincheira de luta e, por meio da rede, mobiliza grupos de pessoas que, por exemplo, podem parar a avenida que leva ao aeroporto. Isso era considerado terrorismo, tanto quanto derrubar o avião.

            A mobilização em si não pode ser considerada terrorista, apesar de haver consequências de paralisação de serviços essenciais, que é o que diz aqui: “Parou um serviço essencial por causa de uma manifestação é terrorismo”.

            Nós precisamos entender que essa guerrilha que se vive hoje é fruto da descoberta pela opinião pública, pela população, do passivo que nós, políticos, temos para com este País. O passivo de não termos dado respostas àquilo de que o povo precisa, que o povo quer e que é possível num país com a riqueza do Brasil.

            Este é o debate que a gente tinha que fazer aqui dentro: onde nós erramos? Onde é que nós deixamos de agir corretamente? Onde é que fizemos com que, por um lado, este País se transformasse num país de 20 mil assassinos? Porque, para matar 50 mil, há que se ter pelo menos 20 mil. E 50 mil foram mortos.

            Se nós fôssemos colocar na Esplanada dos Ministérios um caixão ao lado do outro de todos os mortos deste País, daria uma altura talvez tão grande quanto o Palácio do Planalto.

            Essa guerra civil tem causas sociais. A maior parte das causas não é psicológica, de bandidos que nasceram com patologias que levaram à violência. São pessoas que carregam dentro de si frustrações sociais que terminam, Senador Suplicy, levando ao crime. E a solução não é a segurança apenas. É a paz também. Eu diria até: é, sobretudo, a paz, exigindo segurança hoje, porque não dá para esperar que estejamos intranquilos até que a paz um dia chegue. Mas essa paz não virá se a gente começar a considerar que, se um desses bandidos que estão por aí matar uma criança, ele é assassino, mas que, se um jovem organizar uma manifestação e, nessa manifestação, acontecer um acidente, ele é terrorista.

            Não dá para a gente dizer que um motorista, em um carro, que atropela cinco pessoas…

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - … é apenas um irresponsável. Agora, se um desesperado porque não vai chegar em casa no dia queima um ônibus, ele é terrorista. Não dá para fazer desse jeito.

            Nós temos que levar em conta que é preciso algo muito mais profundo do que essa lei antiterrorista e com mais seriedade do ponto de vista do respeito às mobilizações.

            Essa lei, sobretudo neste momento, cheira a medo de rua. Medo de rua! Tentativa de inibir os movimentos, assustando. Aí, eu diria que essa é uma lei aterrorizante, porque ela aterroriza a população contra as mobilizações, pelos riscos de que essas mobilizações degenerem - como tem acontecido com algumas - em violências que não deveriam acontecer e cujos autores devem ser punidos exemplarmente, como eu espero aconteça agora com os assassinos do Santiago.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - V. Exª me permite, Senador?

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Com o maior prazer, aos dois. Só um minuto mais. O Senador estava na frente.

            O SR. PRESIDENTE (Inácio Arruda. Bloco Apoio Governo/PCdoB - CE) - O Jorge.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - É por causa do tempo, não é?

            Muito bem, eu vou apenas dizer que o Santiago era um profissional exemplar da mídia, da imprensa. Ele não merece que se faça uma lei desse tipo, quase que em função da sua morte. Isso ele não merece.

            Eu quero concluir rapidamente, mas vou passar a palavra, porque acho fundamental...

            O SR. PRESIDENTE (Inácio Arruda. Bloco Apoio Governo/PCdoB - CE) - Claro.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - ... esse debate.

            O SR. PRESIDENTE (Inácio Arruda. Bloco Apoio Governo/PCdoB - CE) - Não há dúvida, Senador Cristovam.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Eu quero passar a palavra ao Senador Jorge Viana, primeiro, e ao Senador Suplicy depois.

            O Sr. Jorge Viana (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Senador Cristovam, eu queria cumprimentá-lo.

(Soa a campainha.)

            O Sr. Jorge Viana (Bloco Apoio Governo/PT - AC) -V. Exª me aparteou quando, no começo da semana, levantei a preocupação com a violência que começa a tomar conta das manifestações de rua. E V. Exª procurou sempre separar as duas coisas. A beleza, a importância de manifestações como as que nós vimos no ano passado, de pessoas que não saem de casa, donas de casa com cartolinas, jovens, aquilo foi algo fantástico! Temos que ver, ouvir, levar em conta - nós, que ocupamos cargos públicos. Mas, já naquele período, de lá para cá, alguns sinais complicados estavam sendo dados. A intolerância contra a presença da imprensa parecia algo como: “Ah, é porque não gostam de uma emissora ou de outra.” Não, foram grupos violentos, que não aceitavam jornalistas por perto. Ameaçavam bater, queimar carros, e isso ali já estava um sinal concreto de uma ameaça a algo que é fundamental na democracia…

(Interrupção do som.)

            O Sr. Jorge Viana (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - … que é a liberdade (Fora do microfone.) de imprensa, a proteção aos profissionais da imprensa. Agora, menos de um ano depois, nós estamos todos aqui lamentando a morte de um profissional da imprensa, que morreu, ou foi assassinado, exatamente por estar tentando cobrir uma manifestação. O que é que ele fazia? Ele estava ali como os olhos da sociedade, ajudando os manifestantes, porque, quando ele está filmando, se houver abuso de autoridade de um policial ou de alguém, ele está protegendo os que querem fazer a manifestação. Mas isso estava proibido por alguns que, usando da violência, estabeleceram essa nova normativa nas manifestações do Brasil: não pode haver ninguém filmando, não pode estar presente a imprensa, e esses usam máscaras. Senador Cristovam, está havendo muita desinformação em relação a isso, e eu sei que V. Exª tem um compromisso com a boa informação. Hoje, o grande jornalista - eu vou já falar na tribuna, eu estou inscrito após V. Exª - Elio Gaspari foi levado a um erro…

(Soa a campainha.)

            O Sr. Jorge Viana (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - … por algumas desinformações que estão circulando, falando, atribuindo ao Senador Paim, e até a mim, a autoria de um projeto da lei que tipifica o crime do terrorismo. V. Exª falou ainda há pouco: “Olha, mas esse é um assunto que está vindo por causa da morte”. Não, esse assunto está sendo tratado na nossa Comissão. Quem é o Relator desse assunto é o Senador Pedro Taques, do partido de V. Exª. O Senador Pedro Taques não está fazendo uma proposta contra movimento de rua. O Senador Pedro Taques é uma das pessoas que mais defende, nesta Casa, o direito, a liberdade da manifestação. E aí ficou parecendo que é coisa do PT - não é -, e também não posso aceitar que seja coisa do Senador Pedro Taques, para tentar se contrapor ou fazer alguma medida que cerceie a liberdade, quando o Senador Pedro Taques veio engrandecer este Plenário e esta Casa. Agora, o Senador está com a missão - e está aqui, do meu lado, o que presidiu a nossa Comissão do novo Código Penal - de trazer o Código Penal do século passado para este século. O nosso Código Penal é do século passado, de 1940, e aí o Senador Pedro Taques colocou um Capítulo: “Dos crimes contra a paz pública”. Capítulo “Do crime de terrorismo”. E ele pôs para discussão, inclusive neste Plenário - acabamos de receber, vai ser discutido, votado, debatido -, algo que está sendo feito há anos. Já vão mais de dois anos de trabalho. Então, é bom que a gente entenda. Há também iniciativa da outra Comissão que está regulamentando artigo da Constituição, que é presidida pelo Deputado Vaccarezza e tem como Relator o Senador Romero Jucá, que apresentou outra proposta. Eu pedi da tribuna que acelerássemos o debate sobre isso.

(Soa a campainha.)

            O Sr. Jorge Viana (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - E acho que temos que separar - eu concluo, Sr. Presidente - duas coisas. O Beltrame, Secretário de Segurança do Rio, está pedindo que melhoremos a legislação para que as forças policiais possam agir contra mascarados, que é previsto no art. 5º da Constituição. É inaceitável! A Constituição não aceita. Ela põe as duas coisas na mesma linha: a livre manifestação e o não ao anonimato. Isso. Então, nós podemos fazer uma legislação que possa responder e dar respaldo para melhor ação das forças policiais nas manifestações. E nenhuma dúvida, nenhum arranhão ao direito à manifestação - isso tem que estar salvaguardado -, mas esse outro debate desses outros projetos nós temos que seguir fazendo. Eu confio no Senador Pedro Taques. Eu confio nos companheiros de fazermos, de encontramos. É um tema delicadíssimo. Temos que ver como os outros países atuaram, o que deu errado, como pode ser feito o nosso...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Jorge Viana (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - … mas nós temos que ter uma normativa. Eu concluo, Senador (Fora do microfone.), agradecendo o aparte. A única manifestação que nós temos na lei brasileira hoje sobre terrorismo é na famigerada Lei de Segurança Nacional. Nós vamos seguir com isso, ou nós vamos fazer um debate aberto e ver o que se faz? São duas coisas. Eu acho que, se tratarmos como duas coisas, encontrarmos uma maneira de auxiliar as forças para poderem atuar agora e garantir as manifestações, nós vamos também poder, com calma, com o tempo necessário, trabalhar esse outro tema a que o Senador Pedro Taques tem se dedicado - o Senador tem estudado, tem ouvido, tem participado de audiências -, porque acho que deve ser debatido na medida certa. Obrigado.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Eu quero dizer, primeiro, que estou me baseando no Projeto de Lei nº 499…

            O Sr. Jorge Viana (Bloco Apoio Governo/PT - AC. Fora do microfone.) - Mas tem muita semelhança com esse.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Muito bem, mas eu não vi ainda. Se tiver semelhança, farei as mesmas críticas.

            O Sr. Jorge Viana (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Está aqui: “usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases, venenos…” É muito complexo o tema (Fora do microfone.), mas o Senador Pedro Taques está pondo para o debate.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - É claro. E eu estou aqui querendo debater.

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Os dois envolvidos no assassinato do jornalista Santiago já estão presos. Não precisa dessa lei para prendê-los. Vão ser julgados. Não precisa dessa lei. Mascarado, o senhor mesmo lembrou: a Constituição já proíbe. Não precisa dessa lei. Como ela está aqui...

            O Sr. Jorge Viana (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - (Fora do microfone.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Não, já está na Constituição. Como está aqui...

            O Sr. Jorge Viana (Bloco Apoio Governo/PT - AC. Fora do microfone.) - Tem que ser regulamentada.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - ...há margem, sim, de ser usada para outras finalidades por qualquer procurador, Ministério Público, que, se não fizer isso, vai ser acusado de prevaricação.

            Senador Suplicy.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Estou de acordo com V. Exª, que aqui nos traz uma reflexão muito importante e que procura distinguir a natureza dos diversos crimes, sobretudo para que não confundamos os abusos que têm sido cometidos nas manifestações com atos de terrorismo. Acho que V. Exª assinala muito bem: é importante que as manifestações sejam caracterizadas por formas não violentas, de não agressão, e não por atos como os que causaram a morte trágica do jornalista Santiago Andrade. É importante que haja um equilíbrio na forma de definir os atos em manifestações públicas no Brasil. Quero cumprimentar V. Exª. Acredito que vamos ter, sim, na Comissão de Constituição e Justiça, o meio adequado de refletir e definir a legislação mais adequada. Meus cumprimentos a V. Exª.

            O Sr. Pedro Taques (Bloco Apoio Governo/PDT - MT. Fora do microfone.) - V. Exª me permite, Senador?

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - O Senador Eunício pediu a palavra antes.

            O Sr. Eunício Oliveira (Bloco Maioria/PMDB - CE) - Senador Cristovam, sou um admirador de V. Exª pela lucidez com que V. Exª sempre coloca os temas nesta Casa. Mas, como indicado pelo Colégio de Líderes para ser o Relator dessa matéria no Plenário, quero apenas, para efeito de esclarecimento a V. Exª, que traz este debate importante para esta Casa e para a opinião pública, dizer que jamais me prestaria ao papel de ser o Relator de uma matéria que fosse proibir manifestações democráticas nas ruas do Brasil. O Inácio Arruda, que preside esta sessão neste momento, conhece a nossa história. Fui líder estudantil e presidente da Casa do Estudante, de onde saíamos para lutar contra a ditadura, para que tivéssemos a democracia e pudéssemos estar aqui fazendo este debate livre, patrocinado por V. Exª. Quero dizer a V. Exª que essa matéria não é nova e que jamais fiz - fui Deputado 12 anos e já estou aqui, como Senador, há quatro anos - qualquer projeto ou qualquer debate em cima do emocional ou de alguma causa que possa ter acontecido. O que aconteceu nas ruas esta semana, em que, lamentavelmente, morreu um cidadão brasileiro, trabalhando, foi um homicídio, algo que não tem nada a ver com terrorismo. Nós não podemos confundir vandalismo com terrorismo. Agora, o Brasil... Nós estamos discutindo essa matéria, Senador Cristovam, há dois anos. Em abril, agora, vai fazer dois anos que nós abrimos essa discussão para que o Brasil possa atender aos tratados internacionais nessa questão de terrorismo, porque o Brasil não tem leis que punam o terrorismo, já que ainda está baseado na Lei de Segurança Nacional. Então, nada a ver com a discussão que está sendo colocada como trazendo em debate o que foi a infelicidade que aconteceu em relação à morte de um cinegrafista trabalhando naquela manifestação. Portanto, essa matéria está sendo debatida há dois anos. Ato de terrorismo não pode ser confundido com ato de vandalismo, não pode ser confundido com assassinato, o que é lamentável, é reprovável, que ninguém aceita na sociedade e que não pode ser confundido com ato de terrorismo. Assim, aceitei a relatoria para condensar, para fazer esse debate, a fim de que a gente não erre na tipificação e não confunda as coisas. A ideia de se fazer uma lei para haver uma punição na questão do terrorismo não tem absolutamente nada a ver com as manifestações das ruas...

(Soa a campainha.)

            O Sr. Eunício Oliveira (Bloco Maioria/PMDB - CE) -... e eu jamais me prestaria a esse papel, até porque sou um defensor dessas manifestações desde que sejam pacíficas, ordeiras e democráticas.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Senador, longe de mim imaginar que o senhor e o Senador Pedro Taques iriam propor leis que proibissem. Mas, como está, vai inibir. Não vai proibir, não é a polícia que vai... Mas vai inibir, porque qualquer jovem...

            O Sr. Eunício Oliveira (Bloco Maioria/PMDB - CE) - Não quero atrapalhar V. Exª, mas quero concluir dizendo a V. Exª o seguinte: eu farei um substitutivo e o apresentarei a esta Casa, obviamente embasado na experiência e na competência do Senador Pedro Taques e na experiência e no trabalho do Senador Romero Jucá e com a contribuição que V. Exª dá a este debate neste momento. Quero deixar bem claro... Compreendo que V. Exª não está fazendo uma crítica direta a ninguém, mas está levantando uma questão que é legítima e que deve ser algo para debate nesta Casa.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Vou passar ao Senador Pedro Taques.

            O SR. PRESIDENTE (Inácio Arruda. Bloco Apoio Governo/PCdoB - CE) - Peço a conclusão, sem prejuízo do aparte do Senador Pedro Taques.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Eu acho que este tema é muito importante e a gente precisa discuti-lo.

            Senador Eunício, creio que, já que o senhor está trabalhando, vamos tipificar o que é ato terrorista. Ato terrorista é botar uma bomba, mas convidar jovens para ir a uma manifestação e ali outros colocarem bomba não o é.

            Pelo que está aqui, o jovem que convoca colegas para irem à rua, que junta 200 ou 300 pessoas, se alguns infiltrados cometerem um ato terrorista ali, poderá ser responsabilizado, porque aqui diz “provocar ou infundir”. Ele está infundindo, ele está convidando pessoas não para um ato terrorista. Ali dentro...

            O Sr. Aloysio Nunes Ferreira (Bloco Minoria/PSDB - SP) - “Provocar ou infundir pânico generalizado”. Quem convoca uma manifestação, Senador, está convocando uma manifestação.

            O SR. PRESIDENTE (Inácio Arruda. Bloco Apoio Governo/PCdoB - CE) - Isso é o que se chama de aparte súbito.

            Mais um minuto para conclusão, Senador Cristovam, depois de superar, muito justamente, os 20 minutos.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - O meu minuto eu passo para o Senador Pedro Taques.

            O SR. PRESIDENTE (Inácio Arruda. Bloco Apoio Governo/PCdoB - CE) - Por favor, Pedro.

            O Sr. Pedro Taques (Bloco Apoio Governo/PDT - MT) - Sr. Presidente, Senadores, a preocupação do Senador Cristovam é a mesma que eu tenho e que, tenho certeza, têm todos os Senadores. Ninguém, nesse projeto - e eu participei do debate lá na Comissão Especial -, deseja acabar com manifestação. Este é o primeiro ponto. Aliás, nós começamos a debater o terrorismo nesta Casa em 2011, antes das manifestações. Por que fizemos isso? Porque o Brasil assinou tratados internacionais a respeito de combate ao terrorismo. Quando houve o evento das Torres Gêmeas, o Conselho de Segurança da ONU editou uma resolução. A Presidente da República, aqui, baixou um decreto em 2011 falando de Al-Qaeda, falando de terrorismo. Isto em 2011.

(Interrupção do som.)

            O Sr. Pedro Taques (Bloco Apoio Governo/PDT - MT) - Permite-me, Sr. Presidente?

            O SR. PRESIDENTE (Inácio Arruda. Bloco Apoio Governo/PCdoB - CE) - Claro.

            O Sr. Pedro Taques (Bloco Apoio Governo/PDT - MT) - Só que a nossa Constituição, desde 1988, fala, em alguns dispositivos, sobre terrorismo. No art. 4º, ela diz assim: nós temos de repudiar o terrorismo na ordem internacional. Este é o primeiro ponto. No art. 5º, inciso XLIII, a Constituição manda, determina, nos obriga - é o chamado mandado expresso de determinação - a definir o crime de terrorismo. A Constituição não pede nada, ela obriga, pois tem uma força normativa própria. Precisamos de um tipo. Estamos debatendo isso desde 2011. Debatemos terrorismo, antes das manifestações, no projeto do Código Penal. É perfeito? Não é perfeito. Trouxemos o seu conceito de acordos internacionais. Agora, foi constituída uma comissão especial para regulamentar a Constituição, é o relatório do Senador Romero Jucá. Esse relatório é perfeito? Penso que não. Com lealdade ao Senador Romero Jucá, eu apresentei emendas ao relatório para que nós tivéssemos uma melhor definição de atos terroristas. Isso não tem nada a ver com as manifestações. A respeito das manifestações, existe quem defenda que nós precisamos de um tipo penal sobre vandalismo, sobre perturbação. O Senador Armando Monteiro apresentou projeto tratando disso, o Secretário de Segurança do Rio de Janeiro me apresentou um anteprojeto tratando disso. Não tem nada a ver com terrorismo. Nada a ver! As pessoas que convocam manifestações pela rede mundial de computadores não podem ser enquadradas em terrorismo. Isso não é terrorismo! Agora, se através da rede mundial de computadores, ocorre a incitação à prática de crimes, isso é crime. Isso não pode ocorrer. O que está ocorrendo no Brasil hoje é que nós todos temos a liberdade de…

(Interrupção do som.)

            O SR. PRESIDENTE (Inácio Arruda. Bloco Apoio Governo/PCdoB - CE) - Vamos concluir. Temos um orador na expectativa.

(Soa a campainha.)

            O Sr. Pedro Taques (Bloco Apoio Governo/PDT - MT) -... manifestação. Agora, não podemos nos escudar na liberdade de manifestação para cometer crimes. Qualquer país democrático do mundo... Na França mesmo. Vamos falar o português castiço. Em França existe legislação sobre manifestações, existe legislação sobre isso. Não podemos confundir manifestações com terrorismo. São coisas diversas. A preocupação de V. Exª é absolutamente legítima e válida. Nós precisamos nos preocupar, sim, mas o texto busca resolver isso. Parabéns, Senador Cristovam, por expressar essa sua preocupação, que é também a minha.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Senador, concluo dizendo que entendo a intenção de vocês, que é correta. Mas, como está, essa é uma lei que aterroriza os jovens brasileiros que têm ido às manifestações pelo risco…

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - … de serem considerados terroristas se alguma coisa sair do controle por causa de bandidos que ali estão infiltrados em qualquer lugar. Por isso, também me assusta, também me aterroriza.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/02/2014 - Página 40