Pronunciamento de Ana Rita em 11/02/2014
Pela ordem durante a 7ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Relato de diligência da qual participou S. Exª, no presídio de Pedrinhas, em São Luís-MA.
- Autor
- Ana Rita (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
- Nome completo: Ana Rita Esgario
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Pela ordem
- Resumo por assunto
-
POLITICA PENITENCIARIA.:
- Relato de diligência da qual participou S. Exª, no presídio de Pedrinhas, em São Luís-MA.
- Aparteantes
- Humberto Costa, Roberto Requião.
- Publicação
- Publicação no DSF de 12/02/2014 - Página 439
- Assunto
- Outros > POLITICA PENITENCIARIA.
- Indexação
-
- REGISTRO, DILIGENCIA, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, SENADO, PRESIDIO, CIDADE, SÃO LUIS (MA), ESTADO DO MARANHÃO (MA), RECONHECIMENTO, EXCESSO, LOTAÇÃO, MISTURA, PRESO, DOENÇA, FALTA, TRABALHO, EDUCAÇÃO, SANEAMENTO, PRECARIEDADE, INSTALAÇÕES, OCORRENCIA, REBELIÃO, MORTE, DETENTO, ANTERIORIDADE, EXTENSÃO, VIOLENCIA, EXTERIOR, ESTABELECIMENTO PENAL, ATENTADO, INCENDIO, TRANSPORTE COLETIVO, POLICIA, CONFLITO, CRIME ORGANIZADO, DEFESA, REINTEGRAÇÃO SOCIAL, REFERENCIA, RELATORIO, DOCUMENTO, ENCAMINHAMENTO, DIRETORIO ESTUDANTIL, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, SITUAÇÃO, PENITENCIARIA.
A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES. Pela ordem. Sem revisão da oradora.) - Faço um pedido do Senador João Capiberibe, que pediu que fosse votado o Requerimento nº 56, de 2014, constante na pauta, que assegura a realização de sessão especial para lembrar os 50 anos do golpe civil e militar de 1964.
[...]
A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Sr. Presidente, Senador Ivo Cassol. Quero também cumprimentar os demais Srs. Senadores aqui presentes, Senadoras, os telespectadores e ouvintes da TV e da Rádio Senado.
(Soa a campainha.)
A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES) - Srs. Senadores, Srªs Senadoras...
O SR. PRESIDENTE (Casildo Maldaner. Bloco Maioria/PMDB - SC) - Só para corrigir, Senadora Ana Rita, eu sou catarinense. Embora o Senador Ivo Cassol também seja catarinense, ele hoje é de Rondônia. Eu sou catarinense, Casildo Maldaner. Houve um equívoco.
(Soa a campainha.)
A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES) - Sim. Desculpe-me. Está certo. Obrigada.
Srs. Senadores, Srªs Senadoras, venho a esta tribuna para provocar os Srs. Senadores e as Srªs Senadoras a uma reflexão e iniciar um debate em que o Parlamento brasileiro deverá se debruçar e se aprofundar no ano de 2014. Refiro-me aos graves problemas na segurança pública e a completa falência do nosso sistema prisional.
Terminamos o ano de 2013 perplexos com a crise instalada no Estado do Maranhão, que - verdade seja dita - não é muito diferente de outros Estados da Federação. Diante da grande repercussão e das graves e consistentes denúncias de violação de direitos humanos da população carcerária e sua consequente repercussão e consequências para o restante da população, decidimos fazer uma diligência da Comissão de Direitos Humanos do Senado ao Presídio de Pedrinhas.
Representando a Comissão, além de mim, foram os Senadores Randolfe Rodrigues, João Capiberibe e Humberto Costa. Chegando ao Estado, fomos também acompanhados pelos Senadores Lobão Filho e João Alberto Souza.
Durante a diligência, constatamos que os problemas e as constantes rebeliões remontam ao ano de 2007, com as primeiras rebeliões. No ano de 2008, a CPI da Câmara dos Deputados diligenciou a maioria das unidades prisionais de São Luís e constatou à época superlotação, excesso de presos provisórios, misturas de presos, presos doentes encarcerados, falta de trabalho e escola, esgotos estourados, carência de assistência médica, educacional, jurídica, entre outros graves problemas.
Em 9 de novembro de 2009, ocorreu uma sangrenta rebelião no complexo de Pedrinhas, que resultou em 18 mortes, sendo 3 presos decapitados. Desde então, até o final do ano 2013, foram executados 145 presos no interior de estabelecimentos penais de Pedrinhas e de Pinho, sendo 7 decapitados.
Esse quadro fatídico resultou na atual crise do sistema carcerário do Estado do Maranhão, que foi para além dos muros dos presídios. Atentados e incêndios ao transporte coletivo, ataques a policiais e demais servidores da segurança pública e comando de crimes e confrontos entre as organizações criminosas fazem parte da rotina do povo maranhense.
Ao nos debruçarmos com maior estudo, com vistas a entender e, de forma conjunta, resolver este problema, que é nacional, alguns dados nos chamam a atenção. Quero aqui destacar o primeiro dado:
1) O Estado do Maranhão tem a menor taxa de população carcerária do País, ou seja,128,5 presos por cem mil habitantes;
2) Mais baixa taxa de policiais militares por habitantes do País;
3) A segunda pior taxa de policiais civis por habitantes do País;
4) 55% dos presos são provisórios aguardando julgamentos;
5) Tem apenas 0,98% da população carcerária nacional, no entanto, concentra 26,5% das mortes de presos no sistema carcerário;
6) E, ainda, o Estado do Maranhão, finalizou o ano de 2013 com 807 homicídios na região metropolitana de São Luís, ou seja, 635 em 2012 - um aumento de 27%.
Infelizmente, esta não é uma realidade exclusiva do Maranhão. Eu pessoalmente vivenciei a crise no sistema carcerário no meu Estado, o Espírito Santo, em 2009, quando esquartejamentos eram recorrentes nos presídios capixabas.
A delegacia de Vila Velha, Município onde eu moro, com capacidade para 36 presos, foi transformada em presídio, chegando a ter 300 presos e apenas um banheiro funcionando. A superlotação impedia os presos de se mexerem, obrigando-os a fazer as necessidades fisiológicas nas embalagens em que era servido o almoço. Os presos se revezavam para dormir, pois o espaço não comportava que todos se deitassem ao mesmo tempo. Não existiam entradas de ar nem mesmo janelas, a luz do sol nunca era vista. A higiene pessoal nem se fala. Banho era um luxo ao qual não tinham direito, o que era um atentado à saúde, muitos deles com doenças de pele e furúnculos pelo corpo, inclusive nos órgãos genitais.
À época, o Estado encontrou uma solução provisória para lá de questionável para solucionar o problema da superlotação. No Município da Serra, mais especificamente no presídio de Novo Horizonte, o governo passou a encarcerar os detentos em contêineres. No verão, as celas metálicas atingiam temperaturas superiores a 40°C. As paredes pareciam brasas em fogo, impossível de encostar. As condições de infraestrutura eram precárias. Um banheiro para cada 20 homens, acúmulo de lixo, esgoto a céu aberto e muitos, muitos ratos e baratas. O odor proveniente do local era intragável. Todo esse cenário de horror e de violações de direitos humanos chegou a ser discutido no Conselho dos Direitos Humanos da ONU, em Genebra, em 2010.
De lá pra cá, o Estado investiu cerca de R$453 milhões para mudar o perfil de nossos presídios, mas as mudanças não atingiram somente o aspecto da infraestrutura. Atualmente, o Espírito Santo divide com Pernambuco a primeira colocação no ranking de presos estudando, com 25% da população carcerária. O Espírito Santo também apostou na reinserção social do preso a partir da escolarização, qualificação profissional e inserção no mercado de trabalho. Tudo isso, associado à adoção de penas alternativas, permitiu ao Estado, pela primeira vez, que o número de saída de detentos fosse maior que o de entrada.
No Rio Grande do Sul, ainda convivemos com o caos sofrido no Presídio Central de Porto Alegre, o maior do Brasil, onde a situação também é caótica, cujas instalações são classificadas por entidades de direitos humanos e pelo Fórum da Questão Penitenciária do Rio Grande do Sul como de risco crítico, insalubres, sem condições sanitárias mínimas e com total ausência de controle estatal sobre o dia a dia da vida nas galerias do presídio. O presídio, fundado em 1959, foi considerado o pior do País pela CPI do Sistema Carcerário do Congresso Nacional, concluída em 2008. Em seu relatório final, a CPI classificou a unidade como “uma masmorra, um inferno”, referindo-se ao amontoado de gente que sobrevivia em meio ao lixo e ao esgoto.
Como já defendemos, o cenário de degradação não é exclusividade do Maranhão, do Rio Grande do Sul, desse ou daquele Estado, mas uma realidade do nosso sistema prisional. A situação do sistema penitenciário brasileiro é cruel e atentatória à dignidade da pessoa humana, em flagrante violação da nossa Constituição, que versa, no seu artigo 5º, “que ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento cruel ou degradante”.
Eu quero aqui, Srs. Senadores, também lembrar o presídio feminino do Estado do Pará, que, por ocasião da CPI da Violência Contra as Mulheres, tivemos a oportunidade de visitar, no qual as mulheres, em situação semelhante à do presídio do Estado do Maranhão, também vivem em situação muito degradante. E há uma agravante: mulheres grávidas, sem condições mínimas de atendimento médico, sem pré-natal, enfim, sem o que assegure, inclusive, a saúde do bebê que está para nascer.
É inaceitável que o Brasil continue violando os direitos humanos dos presos e desrespeitando a nossa própria Carta Magna, a qual garante amplos direitos aos presidiários, a exemplo do art. 5º, inciso XLVIII, que diz que a pena deve ser cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; e do art. 49, o qual assegura aos presos o respeito à integridade física e moral.
O Estado brasileiro também tem atentado contra a Lei nº 7.210, de 1984 (Lei de Execução Penal), que, no seu art. 84, diz que presos condenados devem ser separados de provisórios, o que evidentemente não vem sendo cumprido no País. Há a ocorrência de presos que estão sob custódia do Estado que não passaram pelo devido processo legal, não foram sequer julgados e continuam encarcerados à revelia dos seus direitos.
É notório que os presídios brasileiros, Senador Requião, se transformaram em depósitos humanos que não cumprem a função de recuperar ou mesmo de minimamente possibilitar a reinserção social dos presos. Que tipo de cidadãos e cidadãs o sistema penitenciário nacional tem formado e oferecido ao convívio social? Em um ambiente de degradação, de maus-tratos, de péssimas condições de higiene, de ausência completa de assistência social, médica e psicológica, é consequente que esses presos submetidos a tais condições sejam levados ao definhamento físico e mental. É procedente a máxima de que as cadeias brasileiras tornaram-se verdadeiras universidades do crime, uma vez que elas não oferecem as mínimas condições de vida para o encarcerado. O índice de 60% de reincidência de presos primários é um dos mais altos do mundo e denuncia por si só a falência do atual modelo de encarceramento em curso no País.
Mesmo assim, continua-se acreditando que o endurecimento das leis e o aprisionamento em massa são saídas para solucionar a questão da criminalidade e da violência, a exemplo das propostas de redução da maioridade penal que aqui tramitam e da própria discussão em torno da reforma do Código Penal, expressões de que muitos Parlamentares ainda veem a prisão como solução dos problemas.
Um exemplo manifesto de que o endurecimento das leis não surte efeito concreto é a Lei dos Crimes Hediondos, muita propalada como resposta à violência urbana, mas que, desde que entrou em vigência, pouco resultado deu. Temos de problematizar o mito de que a lei penal é capaz de solucionar problemas de cunho social mais amplo e complexo.
Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão ligado ao Ministério da Justiça, nos últimos 22 anos, a quantidade de pessoas presas teve um aumento de 511% entre 1990 e 2012, ao passo que o número de habitantes do País teve um crescimento de aproximadamente 30%.
Diante desses dados, cabe-nos fazer uma pergunta: este aumento do número de encarcerados resultou em uma maior sensação de segurança da população?
Atualmente, o Brasil possui uma massa carcerária de 550 mil pessoas espalhadas pelas 27 unidades da Federação, com taxa de 228 presos para cada grupo de 100 mil habitantes. Em 1990, ano funesto em que o País também vivenciou o extermínio de 111 presos no “Massacre do Carandiru”, a população carcerária era de 90 mil presos. O número coloca o País no quarto lugar entre as nações com a maior quantidade de encarcerados no mundo, cujo índice de crescimento é o maior verificado no Planeta. O Brasil fica atrás apenas dos Estados Unidos da América (2,2 milhões), China (1,6 milhão) e Rússia (680 mil). E pasmem, Srs. Senadores e Srªs Senadoras: deste contingente de meio milhão de pessoas encarceradas, mais de um terço são presos provisórios, ou seja, ainda aguardam julgamento, encarcerados, e muitos desses teriam direito a estar em liberdade.
Segundo o Ministério da Justiça, o déficit prisional brasileiro é de 240 mil vagas. E quero aqui fazer um parêntese que considero fundamentalmente importante, que diz respeito à seletividade da nossa população carcerária. Não é qualquer cidadão brasileiro que está sendo submetido a esta realidade aviltante da dignidade humana.
É nítido o recorte de classe, gênero, raça e faixa etária, uma vez que 60% dos presidiários são negros; 58% são jovens, com idade entre 18 e 24 anos, e 77% não passaram do ensino fundamental (5,6% são analfabetos; 13% são apenas alfabetizados e 46% têm apenas o ensino fundamental incompleto), o que demonstra que temos uma máquina estatal de prender e criminalizar a população negra, pobre, jovem e da periferia.
Srs. Senadores e Srªs Senadoras, não subo a esta tribuna apenas para fazer denúncias.
Senador Requião.
O Sr. Roberto Requião (Bloco Maioria/PMDB - PR) - Senadora Ana Rita, em primeiro lugar, quero cumprimentá-la pela isenção e clareza do seu relatório e, em seguida, quero dar um testemunho de quem governou o Estado do Paraná por três vezes e tem um conhecimento relativamente profundo do problema. Eu assumi o governo do Estado, tomei conhecimento do problema prisional e carcerário e fiz uma projeção que pretendia resolver pelos próximos 20 anos o sistema prisional do Paraná. Eu determinei a construção de 12 penitenciárias de porte. A cada penitenciária construída, o Judiciário a lotava basicamente com os presos provisórios. Então, nós temos essa mirtácea brasileira, essa jabuticaba, que é a prisão provisória. Um relatório da Associação dos Juízes do Paraná revela que a média brasileira de prisões provisórias é de 43% dos presos; uma boa parte deles, se julgados um dia, já terão cumprido as suas penas, e essa mirtácea, essa jabuticaba, que é uma exclusividade do Brasil, só existe aqui. A prisão provisória é necessária em algumas circunstâncias, mas ela se generalizou com essa legislação e esse sentimento de pânico com a multiplicação das notícias da insegurança. Solução para isso: construir mais presídios? Não. A solução para isso é dificultar as medidas provisórias. Por exemplo: a medida provisória poderia ser dada por dez dias, quinze dias e só ampliada por um colegiado de juízes e não mais por um juiz singular. Os tribunais de Justiça, Senador Armando, teriam uma Câmara especial para confirmar a necessidade da medida provisória. O outro aspecto é que, desses 57% de presos condenados, 80% deles são de crime de pouca ou quase...
(Soa a campainha.)
O Sr. Roberto Requião (Bloco Maioria/PMDB - PR) - ... nenhuma periculosidade: é um marido que não pagou a pensão; é um usuário de droga, não um traficante; é um contador que sonegou da empresa em que trabalhava o recolhimento do Fundo de Garantia ou do INSS. Então, nós deveríamos criar uma legislação para forçar a aplicação de medidas alternativas porque os juízes não as dão; elas já existem na nossa legislação e nos nossos códigos, mas não são usadas. As medidas alternativas, com agente de cumprimento da medida, como existe o agente das condicionais no mundo inteiro, desatravancariam as nossas penitenciárias. O número de presos no Brasil - eu não recordo bem o dado que V. Exª deu -, o dado que eu tenho é de 446 mil presos no País...
(Interrupção do som.)
O Sr. Roberto Requião (Bloco Maioria/PMDB - PR) - Desses 446 mil presos, duzentos e tantos são presos provisórios. Então, o fundamental...
A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES) - Nós temos, Senador, 550 mil presos.
O Sr. Roberto Requião (Bloco Maioria/PMDB - PR) - O dado que eu tenho são da Associação dos Juízes do Paraná. V. Exª, provavelmente, está examinando ou quantificando os presos nas delegacias de polícia.
A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES) - Sim.
O Sr. Roberto Requião (Bloco Maioria/PMDB - PR) - Eu estou falando, exclusivamente, dos presos nos presídios. Então, nós temos que viabilizar o fim, a contenção das prisões provisórias, que são absurdas. Quando condenado, o preso já cumpriu a pena, e, quando absolvido, terá ficado três ou quatro anos numa penitenciária. Precisamos também viabilizar um sistema que facilite e induza ou, em determinadas circunstâncias, leve à obrigação da pena alternativa, que, aliás, acaba sendo extraordinariamente mais barata do que a manutenção de um preso num presídio, em contato com o Comando Vermelho e essas coisas todas que têm surgido por aí - uma verdadeira escola de crime. Na verdade, eu constato, pela leitura do seu equilibrado relatório, que o que aconteceu no Maranhão não difere em nada do que acontece no conjunto das penitenciárias no Brasil. Mesmo no Paraná, que, com essas penitenciárias, passamos a ter um sistema prisional melhor do que o sistema brasileiro, nós tivemos rebeliões, com cabeças cortadas e tudo mais. Só não se transformaram num espetáculo político em véspera de eleição. Então, as medidas devem ser tomadas muito mais pelo Congresso Nacional do que com essa aloucada construção de novos presídios. Eu convidei a nossa Associação dos Juízes do Paraná, uma rapaziada surpreendentemente...
(Soa a campainha.)
O Sr. Roberto Requião (Bloco Maioria/PMDB - PR) - ... inteligente e motivada, para viabilizarmos algumas propostas que eliminem, de certa forma, essa quantidade absurda de prisões provisórias e viabilizem, induzam, pelo menos, às penas alternativas. Eu acho que aí nós aproveitamos a oportunidade do Maranhão para conduzir, num rumo certo, a solução.
A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES) - Obrigada. Eu quero agradecer ao Senador Requião pelo aparte e dizer que este é um debate que, realmente, o Congresso Nacional precisa fazer. Com certeza, V. Exª tem muito a contribuir, pela experiência acumulada como Governador do Estado do Paraná e também como membro da Comissão de Direitos Humanos desta Casa.
Senador Humberto Costa.
O SR. PRESIDENTE (Jayme Campos. Bloco/DEM - MT) - Mais dois minutos para concluir, porque nós temos ainda vários oradores inscritos.
O Sr. Humberto Costa (Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Pois não, serei breve. Eu apenas faço questão de registrar o meu aparte à Senadora Ana Rita porque fiz parte da Comissão Especial da Comissão de Direitos Humanos que esteve no Maranhão fazendo aquela visita a Pedrinhas, conversando com a sociedade maranhense sobre aquela crise. Eu queria tão somente registrar a iniciativa da Senadora Ana Rita, a forma como ela conduziu todo o processo. E também dizer que nós precisamos nos sentar, a partir daquela visita, para fazermos essa discussão que V. Exª está a fazer, que o Senador Roberto Requião aqui fez e vários outros que também estão preocupados com o tema do sistema prisional brasileiro. Parabéns a V. Exª.
A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES) - Obrigada, Senador Humberto Costa. Amanhã, na reunião extraordinária da Comissão de Direitos Humanos, que vai acontecer às 11 horas, estaremos socializando toda essa visita que foi feita, apresentando o relatório da visita e também debatendo os próximos passos que esta Casa deverá tomar e também a Comissão de Direitos Humanos. Então, esse debate será feito conjuntamente com todos os membros da Comissão de Direitos Humanos, amanhã, às 11 horas da manhã.
Eu já vou finalizar, Sr. Presidente. Peço que considere como lido o relatório, mas quero apenas aqui reafirmar o meu compromisso e convicção de que a saída para este grave problema exige do Estado brasileiro muito mais do que construção de presídios. Está para chegar a esta Casa uma medida provisória que trata desse tema.
Na verdade, nós estamos em um círculo vicioso e precisamos sair dessa encruzilhada. Precisamos discutir políticas eficientes para que possamos dar uma resposta...
(Interrupção do som.)
A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES) - ... efetiva à sociedade, mas com medidas que venham atender à demanda carcerária da nossa população, respeitando, com certeza, a dignidade da pessoa humana. O desencarceramento, com penas alternativas, em minha opinião, ajudaria, em muito, a reduzir a superlotação dos presídios e, assim, ficar apenas aqueles que cometeram crimes muito graves. Pessoas que cometeram crimes menos graves poderiam cumprir essa pena de forma diferenciada, prestando serviços à sociedade, ressocializando-se, para que voltem a ser pessoas sérias que podem conviver com os demais membros da nossa sociedade.
Quero finalizar, Sr. Presidente.
Eu recebi um relatório e gostaria de considerar como lido o meu relatório, o meu discurso, a minha fala de hoje à tarde. Também gostaria de considerar como lido um documento entregue pelos estudantes do Centro Acadêmico 11 de Agosto e que tem como tema “Pedrinhas: o Maranhão e a Tragédia Carcerária Brasileira”. É um documento escrito por estudantes e subscrito por diversas entidades, organizações, movimentos sociais e pessoas altamente conhecidas, respeitadas, sociólogos, professores, antropólogos, enfim, pessoas que representam a academia e que são conhecidas nacionalmente, pessoas que têm todo o nosso respeito.
(Interrupção de som.)
O SR. PRESIDENTE (Jayme Campos. Bloco Minoria/DEM - MT) - Mais um minuto para V. Exª concluir, Senadora.
A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES) - Portanto, é um documento que merece ser publicado. Solicito a esta Casa que publique esse documento, que ele seja registrado nos Anais do Senado Federal.
Muito obrigada.
SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DA SRª SENADORA ANA RITA
A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, telespectadores e ouvintes da TV e da Rádio Senado, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, venho a esta tribuna para provocar aos senhores senadores e as senhoras senadoras uma reflexão e iniciar um debate a qual o parlamento brasileiro deverá se debruçar e aprofundar no ano de 2014. Refiro-me aos graves problemas na segurança pública e a completa falência do nosso sistema prisional.
Terminamos o ano de 2013 perplexos com a crise instalada no Estado do Maranhão, que verdade seja dita, não é muito diferente de outros Estados da federação. Diante da grande repercussão, e das graves e consistentes denúncias de violação de Direitos Humanos da população carcerária e sua conseqüente repercussão e conseqüências para o restante da população, decidimos por fazer uma diligência da Comissão de Direitos Humanos do Senado ao Presídio de Pedrinhas.
Representando a Comissão, além de mim, foram os Senadores Randolfe Rodrigues, João Capiberibe e Humberto Costa. Chegando ao Estado fomos também acompanhados pelos Senadores Lobão Filho e João Alberto de Souza.
Durante a diligência constatamos que os problemas e as constantes rebeliões remontam ao ano de 2007 com as primeiras rebeliões. No ano de 2008 a CPI da Câmara dos Deputados diligenciou a maioria das unidades prisionais de São Luís e constatou à época superlotação, excesso de presos provisórios, misturas de presos, presos doentes encarcerados, falta de trabalho e escola, esgotos estourados, carência de assistência médica, educacional, jurídica, dentre outros graves problemas.
Em 09 de novembro de 2009 ocorreu uma sangrenta rebelião no complexo de Pedrinhas, que resultou em 18 mortes, sendo 03 presos decapitados. Desde então até o final do ano 2013 foram executados 145 presos no interior de estabelecimentos penais de Pedrinhas e de Pinho, sendo 07 decapitados.
Este quadro fatídico resultou na atual crise do sistema carcerário do Estado do Maranhão, que foi para além dos muros dos presídios. Atentados e incêndios ao transporte coletivo, ataques a Policiais e demais servidores da segurança pública e comando de crimes e confrontos entre as organizações criminosas fazem parte da rotina do povo Maranhense.
Ao nos debruçarmos com maior estudo com vistas a entender e de forma conjunta resolver este problema que é nacional, alguns dados nos chamam a atenção: 1) O Estado do Maranhão tem a menor taxa de população carcerária do país (128,5 presos por cem mil habitantes); 2) Mais baixa taxa de policiais militares por habitantes do país; 3) A segunda pior taxa de policiais civis por habitantes do país; 4) 55% dos presos são provisórios aguardando julgamentos; 5) Tem apenas 0,98% da população carcerária nacional, no entanto, concentra 26,5% das mortes de presos no sistema carcerário; 6) Finalizou o ano de 2013 com 807 homicídios na região metropolitana de São Luís (635 em 2012, ou seja, aumento de 27%)
Infelizmente está não é uma realidade exclusiva do Maranhão. Eu pessoalmente vivenciei a crise no sistema carcerário no meu Estado, o Espírito Santo, em 2009, quando esquartejamentos eram recorrentes nos presídios capixabas. A delegacia de Vila Velha, com capacidade para 36 presos, foi transformada em presídio, chegando a ter 300 presos e apenas um banheiro funcionando. A superlotação impedia os presos de se mexerem, obrigando-os a fazer as necessidades fisiológicas nas embalagens em que era servido o almoço, Os presos se revezavam para dormir, pois o espaço não comportava que todos se deitassem ao mesmo tempo. Não existiam entradas de ar, nem mesmo janelas, a luz do sol nunca era vista. A higiene pessoal, nem se fala, banho era um luxo ao qual não tinham direito, o que era um atentado à saúde, muitos deles com doenças de pele e furúnculos pelo corpo, inclusive nos órgãos genitais.
À época, o estado encontrou uma solução provisória pra lá de questionável para solucionar o problema da superlotação. No município da Serra, mais especificamente, no presídio de Novo Horizonte, o governo passou a encarcerar os detentos em contêineres, No verão as celas metálicas atingiam temperaturas superiores aos 40° C. As paredes pareciam brasas em fogo, impossível de encostar. As condições de infraestrutura eram precárias. Um banheiro para cada 20 homens, acúmulo de lixo, esgoto a céu aberto e muitos, muitos ratos e baratas. O odor proveniente do local era intragável. Todo esse cenário de horror e de violações de direitos humanos, chegaram a ser discutidas no Conselho dos Direitos Humanos da ONU, em Genebra, em 2010.
De lá pra cá o Estado investiu cerca de R$ 453 milhões para mudar o perfil de nossos presídios. Mas as mudanças não atingiram somente o aspecto da infraestrutura. Atualmente, o Espírito Santo divide com Pernambuco a primeira colocação no ranking de presos estudando, com 25% da população carcerária. O Espírito Santo também apostou na reinserção social do preso a partir da escolarização, qualificação profissional e inserção no mercado de trabalho. Tudo isso associado à adoção de penas alternativas; permitiu ao estado, pela primeira vez, que o número de saída de detentos fosse maior que o de entrada.
No Rio Grande do Sul, ainda convivemos com o caos sofrido no Presídio Central de Porto Alegre, o maior do Brasil, onde a situação também e caótica, cujas instalações são classificadas por entidades de direitos humanos e pelo Fórum da Questão Penitenciária do Rio Grande do Sul como de risco crítico, insalubres, sem condições sanitárias mínimas e com total ausência de controle estatal sobre o dia a dia da vida nas galerias do presídio. O presídio, fundado em 1959, foi considerado o pior do País pela CPI do Sistema Carcerário do Congresso Nacional, concluída em 2008. Em seu relatório final, a CPI classificou a unidade como "uma masmorra, um inferno", referindo-se ao amontoado de gente que sobrevivia em meio ao lixo e ao esgoto.
Como já defendemos o cenário de degradação não é exclusividade do Maranhão, do Rio Grande do Sul, desse ou daquele estado, mas uma realidade do nosso sistema prisional. A situação do sistema penitenciário brasileiro é cruel e atentatória à dignidade da pessoa humana, em flagrante violação da nossa Constituição, que versa no seu artigo 5º "que ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento cruel ou degradante."
É inaceitável que o Brasil continue violando os direitos humanos dos presos e desrespeitando a nossa própria Carta Magna, a qual garante amplos direitos aos presidiários, a exemplo, do artigo 5º, inciso 48, que diz que a pena deve ser cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; e o artigo 49, o qual assegura aos presos o respeito à integridade física e moral.
O Estado brasileiro também tem atentado contra a lei 7210/84 (Lei de Execução Penal) que no seu artigo 84 diz que presos condenados devem ser separados de provisórios, o que evidentemente não vem sendo cumprido no País. Temos a ocorrência de presos que estão sob custódia do Estado, que não passaram pelo devido processo legal, não foram sequer julgados e continuam encarcerados à revelia de seus direitos.
É notório que os presídios brasileiros se transformaram em depósitos humanos, que não cumprem a função de recuperar, ou mesmo de minimamente possibilitar a reinserção social dos presos. Que tipo de cidadãos o sistema penitenciário nacional tem formado e oferecido ao convívio social? Em um ambiente de degradação, de maus tratos, de péssimas condições de higiene, de ausência completa de assistência social, médica e psicológica, é conseqüente que esses presos submetidos a tais condições sejam levados ao definhamento físico e mental.
É procedente a máxima de que as cadeias brasileiras tornaram-se verdadeiras universidades do crime, uma vez que, elas não oferecem as mínimas condições de vida para o encarcerado. O índice de 60% de reincidência de presos primários é um dos mais altos do mundo e denuncia por si a falência do atual modelo de encarceramento em curso no País.
E, mesmo assim, continua-se acreditando que o endurecimento das leis e o aprisionamento em massa são saídas para solucionar a questão da criminalidade e da violência, a exemplo, das propostas de redução da maioridade penai que aqui tramitam e da própria discussão em torno da reforma do Código Penal, expressões de que muitos parlamentares ainda vêem a prisão como solução dos problemas.
Um exemplo manifesto de que o endurecimento das leis não surte efeito concreto, é a Lei dos Crimes Hediondos, muito propalada como resposta à violência urbana, mas que desde que entrou em vigência pouco resultado deu. Temos que problematízar o mito de que a lei penal é capaz de solucionar problemas de cunho social mais amplos e complexos.
Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão ligado ao Ministério da Justiça, nos últimos 22 anos, a quantidade de pessoas presas teve um aumento de 511%, entre 1990 e 2012, ao passo que o número de habitantes no país teve um crescimento de aproximadamente 30%. Diante destes dados, cabe nos fazer uma pergunta: Este aumento de número de encarcerados resultou em uma maior sensação de segurança da população?
Atualmente, o Brasil possui uma massa carcerária de 550 mil pessoas espalhadas pelas 27 unidades da federação, com taxa de 228 presos para cada grupo de 100 mil habitantes. Em 1990, ano funesto em que o País também vivenciou o extermínio de 111 presos no "Massacre do Carandiru", a população carcerária era de 90 mil presos. O número coloca o país no quarto lugar entre as nações com a maior quantidade de encarcerados no mundo e cujo índice de crescimento é o maior verificado no planeta. O Brasil fica atrás apenas dos Estados Unidos da América (2,2 milhões), China (1,6 milhão) e Rússia (680 mil). E pasmem: deste contingente de meio milhão de pessoas encarceradas, mais de 1/3 são presos provisórios, ou seja, ainda aguardam julgamento encarcerados e muitos destes teriam direito a estar e liberdade.
Segundo o Ministério da Justiça, o déficit prisional brasileiro é de 240 mil vagas. E quero aqui fazer um parêntese que considero fundamentalmente importante, que diz respeito à seletividade da nossa população carcerária. Não é qualquer cidadão brasileiro que está sendo submetido a esta realidade aviltante da dignidade humana.
É nítido o recorte de classe, gênero, raça e faixa etária, uma vez que 60% dos presidiários são negros, 58% são jovens com idade entre 18 e 24 anos e 77% não passaram do Ensino Fundamental (5,6% são analfabetos; 13% são apenas alfabetizados e 46% têm apenas o ensino fundamental incompleto), o que demonstra que temos uma máquina estatal de prender e criminalizar a população negra, pobre, jovem e da periferia.
Srs. Senadores e Srªs Senadoras, não subo a esta tribuna apenas para fazer denúncias, ou relatar o que venho acompanhando dos presídios brasileiros. Do Parlamento Brasileiro se exige mais. A sociedade espera de nós o aprofundamento do debate e a construção conjunta de alternativas ao caos da segurança pública e o seu impacto no sistema carcerário.
Ciente deste desafio reafirmo aqui o meu compromisso e convicção que a saída para este grave problema exige do Estado brasileiro muito mais do que construção de presídios. Estamos em um círculo vicioso e precisamos sair desta encruzilhada. Do ano 2000 até 2013 dobramos o número de vagas nos presídios, no entanto também dobramos o número de detentos. A conta não fecha e não atacamos a raiz do problema. Como afirmava Foucault "Há um século e meio que a prisão vem sendo dada como seu próprio remédio".
Acredito que em um primeiro momento, ainda em caráter emergencial e paliativo, precisamos atacar o problema de que mais de 1/3 dos encarcerados são temporários, ainda aguardando julgamento e concessão de benefícios. Para isto é de extrema importância uma parceria entre os poderes executivo e o judiciário, capitaneados pelo Conselho Nacional de Justiça, na perspectiva de construção de um amplo mutirão que acelere os julgamentos e em especial conceda a progressão de regime e outras medidas correlatas.
Em segundo momento, após um debate amplo e nacional, envolvendo os três poderes da república e a sociedade civil, precisamos aperfeiçoar o nosso sistema jurídico e legislativo no caminho da valorização e priorização das penas alternativas. Vejo com muita tristeza os números do DEPEN (Departamento Penitenciário) de que dão conta que no Brasil a aplicação da pena alternativa reduziu em 30%.
Isto é um duplo equívoco. Tanto pelo fato que o desencarceramento oferecido pelas penas alternativas atacam a superlotação dos presídios, como pelo fato de que comprovadamente é mais eficiente no combate a criminalidade e tem menor índice de reincidência, conforme aponta estudos da ONU - Organização das Nações Unidas.
Em terceiro momento, para os que em virtude da gravidade do delito não fizerem jus a medidas alternativas, é necessário alterar profundamente a estrutura e funcionamento dos presídios. Os nossos presídios devem ser geridos pelo princípio da ressocialização, com a valorização do trabalho e dos estudos, em detrimento do princípio da vingança e da punição, que não enxerga o preso como cidadão e merecedor de direitos e dignidade. Não devemos, em nenhuma hipótese, confundir justiça com vingança!
Diante disto, o Senado Federal, com bastante tranqüilidade e de forma coletiva precisa se debruçar neste ano de 2014 com muito afinco no debate sobre segurança pública e suas conseqüências no sistema carcerário. É público que tem crescido em nossa população a sensação de insegurança. O povo espera do parlamento respostas rápidas e soluções eficientes.
Por fim, quero aqui agradecer e solicitar que seja dado como lida e conste nos anais da Casa a carta ao povo brasileiro elaborada pelo histórico Centro Acadêmico de Direito da Faculdade do Largo do Machado, da USP e foi subscrita por outras entidades e figuras de destaque da Academia,
Sem mais para o momento, muito obrigado!!
DOCUMENTO ENCAMINHADO PELA SRª SENADORA ANA RITA EM SEU PRONUNCIAMENTO.
(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)
Matéria referida:
- “Pedrinhas, o Maranhão e a tragédia carcerária brasileira”.