Discurso durante a 25ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração pela vitória brasileira no contencioso do algodão no âmbito da Organização Mundial do Comércio.

Autor
Blairo Maggi (PR - Partido Liberal/MT)
Nome completo: Blairo Borges Maggi
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMERCIO EXTERIOR.:
  • Comemoração pela vitória brasileira no contencioso do algodão no âmbito da Organização Mundial do Comércio.
Publicação
Publicação no DSF de 12/03/2014 - Página 480
Assunto
Outros > COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • DEFESA, SOBERANIA NACIONAL, ACORDO, COMERCIO, ALGODÃO, COMEMORAÇÃO, DECISÃO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), FAVORECIMENTO, BRASIL, DISPUTA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).

            O SR. BLAIRO MAGGI (Bloco União e Força/PR - MT. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no aguerrido ambiente do sistema multilateral de comércio, uma velha norma não escrita vigorou sem ser desafiada por muitos e muitos anos: a norma da não punição dos países ricos pelos subsídios ilegais que concedem aos seus agricultores.

            Em julho de 2002, contudo, o Brasil acreditou que era possível desafiar essa norma e buscar justiça. Mais ainda, o Brasil acreditou ser possível derrotar a maior potência econômica do planeta, provando que os Estados Unidos da América estavam atropelando os direitos da agroindústria nacional.

            A batalha em que nos lançamos foi extremamente árdua, mas a vitória que acabamos por conquistar fez história.

            Refiro-me, evidentemente, ao contencioso do algodão.

            Ao acionar a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Brasil adotou como base legal o argumento de que as subvenções pagas pelo governo norte-americano a seus produtores de algodão estavam em desconformidade com os princípios do livre comércio.

            A partir daí, a OMC estabeleceu um painel acerca da ilegalidade dos subsídios oferecidos pelo governo dos Estados Unidos.

            Em 2005, o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC deu ganho de causa ao Brasil, decidindo pela ilegalidade dos subsídios e determinando um prazo para que os Estados Unidos os eliminassem, decisão que viria a ser posteriormente confirmada pelo Órgão de Apelação da OMC.

            Em 2009, a OMC concedeu ao Brasil o direito de retaliar os Estados Unidos no valor de 829 milhões de dólares pelos subsídios ao algodão, até que estes fossem suprimidos. Era a compensação pelo prejuízo dos cotonicultores brasileiros durante quase um século.

            Srªs e Srs. Senadores,

            A vitória brasileira representou o estabelecimento de um paradigma no Sistema de Solução de Controvérsias da OMC, não somente pela enorme repercussão no mercado internacional, mas, sobretudo, pela carga política da decisão. Com efeito, a disputa que travamos representa um marco nas nossas relações com os Estados Unidos.

            Nossa vitória no caso do algodão fez o Brasil ser reconhecido mundialmente como uma referência de excelência no que diz respeito aos contenciosos em comércio internacional.

            Foi uma vitória emblemática para o País, a qual repercutiu amplamente na mídia nacional e internacional à época.

            Para que chegássemos a essa vitória, milhões de dólares e muitos anos de esforços foram investidos pelos produtores de algodão brasileiros desde 2002.

            Grandes somas foram despendidas com advogados, economistas e negociadores para combater os subsídios ilegais norte-americanos.

            Quando o litígio ainda não havia terminado, mas o dinheiro para financiar o caso sim, os cotonicultores chegaram a rifar tratores para fazer frente às despesas do caso.

            De muita valia foi, também, o apoio representado pela expertise do Itamaraíy na matéria. Merece destaque, nesse processo, a participação do atual Diretor Geral da OMC, Embaixador Roberto Azevedo.

            Foi a competente condução do litígio pelo Brasil que assegurou a aceitação, junto ao Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, dos modelos econométricos e das teses que apresentamos.

            Em face de sua condenação pelos órgãos da OMC, o governo norte-americano propôs um acordo para que a retaliação não fosse aplicada.

            A partir das negociações então encetadas, os dois países chegaram a um Memorando de Entendimento prevendo a criação de um fundo de apoio aos cotonicultores brasileiros, bancado pelo governo dos Estados Unidos, no valor de 147 milhões e 300 mil dólares anuais.

            Assim, pagamentos mensais de 12 milhões e 300 mil dólares passaram a ser feitos ao Instituto Brasileiro do Algodão (IBA) pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).

            Em setembro passado, no entanto, sob a alegação de que os cortes automáticos no Orçamento não permitiam honrar os pagamentos, aquele órgão do governo norte-americano cortou mais da metade do pagamento mensal devido ao Brasil.

            Posteriormente, a partir de outubro, suspendeu o pagamento de forma indefinida, simplesmente descumprindo a decisão da OMC. Esse comportamento ilícito havia, aliás, sido anunciado pelo Secretário de Agricultura norte-americano, Tom Vilsak, já no mês de agosto.

            É certo que o Memorando de Entendimento assinado pelos dois países prevendo os pagamentos ao Brasil estava vinculado à Lei Agrícola americana então vigente, e que uma nova Farm Bill já foi aprovada pelas duas Casas do Congresso estadunidense, aguardando, neste momento, a sanção presidencial.

            Essa circunstância, todavia, não exime os ianques da sua responsabilidade internacional com o Brasil e com a OMC. Muito pelo contrário.

            Afinal, está pendente um débito superior a 50 milhões de dólares, caracterizando um descumprimento totalmente injustificado do acordo entre os dois países por parte do governo norte-americano.

            Fica evidente, portanto, que, desde que os pagamentos dos Estados Unidos devidos ao Brasil cessaram, no ano passado, temos legitimidade para iniciar a retaliação contra aquele país.

            Os norte-americanos demonstraram claramente não estarem preocupados em cumprir com suas obrigações previstas no Memorando de Entendimento.

            Além disso, a nova Farm Bill aprovada pelo Poder Legislativo daquele País contém normas referentes ao algodão que produzirão distorções ainda maiores nos preços do que a lei hoje vigente, ocasionando impactos brutais para os produtores brasileiros.

            A recém-aprovada Lei Agrícola norte-americana cria um novo mecanismo de seguro às lavouras -intitulado STAX, ou Stacked Income Protection Plan -que garante até noventa por cento da receita esperada pelos cotonicultores daquele país, e os gastos com sua contratação podem ser subsidiados em oitenta por cento pelo governo.

            Por garantir pagamentos vinculados a preços e produção correntes, e por não estabelecer limite para os pagamentos do governo aos produtores de algodão, a nova lei pode causar distorções ainda mais profundas no mercado desse produto.

            Como alertei perante a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) desta Casa, no dia 20 de fevereiro, ao garantir ao produtor de algodão norte-americano uma renda mesmo quando não houver produção, a nova Lei estimulará a produção em áreas marginais, provocando uma verdadeira inundação do mercado com o produto americano.

            Outro aspecto a considerar é que, contando essas culturas com seguro de renda, reduz-se o seu risco de crédito. Logo, os bancos passarão a oferecer-lhes crédito mais barato, tudo contribuindo para a redução do preço do produto.

            Sendo o STAX um programa de seguro complementar ao já existente CIP - ou Crop Insurance Program -, os cotomcultores norte-americanos passarão a contar com uma dupla proteção: no caso de perdas de pequena monta, vão dispor do STAX; para as grandes perdas, recorrerão ao CEP.

            Com isso, espera-se um incremento nos pagamentos do governo aos produtores de algodão, via STAX/CIP, resultando em queda nos preços internacionais.

            Com efeito, as análises dos especialistas no tema indicam, a preços atuais, uma redução do preço internacional do algodão da ordem de 7%. Dependendo das condições do mercado, porém, essa queda pode chegar até a 13,9%.

            Como se não bastasse essa brutal distorção de preços induzida por seus mecanismos, a nova Lei Agrícola norte-americana renova o programa de garantia de crédito à exportação e à comercialização conhecido como GSM-102, o qual já foi condenado pela OMC.

            Ou seja, além de não pagar o que devem aos produtores brasileiros como compensação por seus subsídios considerados ilegais pelos juizes da OMC, os Estados Unidos aprovaram uma nova Lei Agrícola que tende a causar maiores distorções nos preços internacionais do algodão do que a lei hoje vigente, sendo, portanto, ainda mais lesiva aos interesses brasileiros.

            Srªs e Srs. Senadores:

            O Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX), em reunião realizada no último dia 19, discutiu as atitudes que devem ser tomadas pelo Brasil em face da nova Lei Agrícola norte-americana e do não cumprimento pelos Estados Unidos das obrigações assumidas no Memorando de Entendimento firmado entre os dois países acerca do contencioso do algodão.

            Embora o Brasil disponha de sólido amparo legal para retaliar os Estados Unidos, em conformidade com as decisões proferidas pelo Órgão de Solução de Controvérsias e pelo Órgão de Apelação da OMC, após mais de uma década de contencioso, o Conselho de Ministros da CAMEX decidiu, por ora, não adotar retaliações, preferindo dar continuidade às negociações com os Estados Unidos.

            No entanto, conforme aduziu o Ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, que participou da reunião, na busca de uma solução que atenda plenamente aos interesses nacionais, a possibilidade da retaliação estará sempre presente na mesa de negociações.

            Paralelamente, o Conselho de Ministros da CAMEX decidiu pela abertura de um painel de implementação na OMC para determinar se a nova Lei Agrícola dos Estados Unidos está em conformidade com a decisão de 2009 que considerou os subsídios agrícolas daquele país em desacordo com as normas de comércio internacional.

            Em comunicado divulgado à imprensa, a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (ABRAPA), embora considerasse que a retaliação ainda era a melhor opção para fazer os Estados Unidos negociarem, manifestou o seu apoio à decisão da CAMEX de iniciar um novo painel de implementação para avaliar a nova Lei Agrícola norte-americana.

            Com efeito, a decisão da CAMEX representa a autorização pelo governo brasileiro para que a ABRAPA volte à OMC para questionar os subsídios agrícolas contidos na nova Farm Bill.

            Ressaltando que caso o Brasil houvesse decidido por retaliar estaria legalmente amparado, a ABRAPA apoiou a decisão governamental de partir para um novo painel de implementação a fim de questionar em Genebra a legalidade da nova Farm BilL

            Na opinião da ABRAPA, o mais importante é que o Brasil não deixe de reagir às condutas lesivas norte-americanas, preservando assim o valor moral e comercial de sua emblemática vitória no cenário comercial multilateral.

            Em sua nota, a ABRAPA expressa a confiança dos produtores de algodão brasileiros nas decisões governamentais em defesa da cotonicultura nacional, e reitera que continuará firme na sua missão de trabalhar pelo desenvolvimento e fortalecimento do algodão no Brasil.

            Com esse intuito, a entidade continuará acompanhando de perto os desdobramentos dessa questão, em constante diálogo e cooperação com o Governo Federal.

            A Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) desta Casa está atenta ao problema e já aprovou requerimento para a realização de audiência pública destinada a discutir, com o Diretor-Geral da OMC, Embaixador Roberto Azevedo, os prejuízos que poderão advir à cultura de algodão brasileira em decorrência da nova Lei Agrícola norte-americana.

            O requerimento é para que a CRA participe de uma audiência pública conjunta, agendada para 13 de março, com as Comissões de Assuntos Econômicos (CAE) e de Relações Exteriores (CRE).

            Srªs e Srs. Senadores:

            O contencioso entre Brasil e Estados Unidos está sendo acompanhado com muito interesse pelo grupo chamado Cotton 4, formado pelos produtores de algodão do Oeste africano: Benin, Burkina Faso, Mali e Chade.

            Esses países têm a nítida compreensão de que o cumprimento da determinação da OMC pelos norte-americanos facilitaria as negociações que ocorrem no âmbito multilateral de comércio e que têm, entre seus objetivos, a igualdade e a regulamentação da produção.As nações africanas que produzem algodão esperam que a vitória do Brasil contra os Estados Unidos legitime suas próprias demandas na OMC.

            Essas economias mais frágeis sofrem ainda mais do que a brasileira com os elevados subsídios concedidos pelo governo ianque aos seus agricultores, cuja principal conseqüência é deprimir os preços internacionais do produto.

            As estimativas são de que o fim dos subsídios americanos acarretaria um aumento de 14% nas cotações mundiais do algodão.

            Vale aqui ressaltar, portanto, o mais perverso resultado da política de subsídios norte-americana, qual seja, o agravamento da pobreza na África.

            Doze anos atrás, o Brasil demonstrou ousadia ao abrir um painel na OMC contra a nação mais poderosa do mundo.

            Graças ao vigor, ao descortino e a capacidade de articulação política e financeira do setor cotonicultor, conquistamos uma vitória histórica, a qual alterou a lógica até então vigente no sistema multilateral de comércio, a lógica que assegurava a ausência de punição ou de compensação pelos subsídios agrícolas ilegais concedidos pelos países ricos.

            Após muito esforço e seguidas vitórias, defrontamo-nos, agora, com novos desafios.

            A Grande Potência nega-se a cumprir as obrigações decorrentes de sua condenação pelos órgãos da OMC e modifica sua legislação de modo a impor prejuízos ainda maiores aos concorrentes internacionais, entre eles paupérrimas nações do continente africano.

            É de fundamental importância, neste contexto, que o Brasil mantenha uma postura firme na defesa de seus direitos, na exigência de que os Estados Unidos satisfaçam as obrigações que lhe foram impostas pela OMC ao reconhecer a legitimidade da demanda brasileira.

            A vitória histórica conquistada pelo Brasil na ação patrocinada pelos cotonicultores junto à OMC nos coloca na posição de zelar pela equidade nas relações comerciais no âmbito internacional.

            Mais do que isso, essa vitória cria as condições para que exijamos respeito a regras justas e legais de competitividade para os produtores brasileiros, no contexto de um mercado que, historicamente, privilegia os países ricos por meio de pesados subsídios agrícolas.

            Acerta o governo brasileiro ao indicar, mais uma vez, que a negociação é sempre o melhor caminho para solucionar as disputas no comércio internacional.

            E indispensável, contudo, neste caso, que a negociação assegure ao setor cotonicultor nacional a justa compensação pelos prejuízos históricos que continua a ter em decorrência da política agrícola norte-americana.

            Era o que eu tinha a dizer. Muito obrigado!

            Senador BL


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/03/2014 - Página 480