Comunicação inadiável durante a 33ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade de modernização das corporações policiais do País; e outro assunto.

Autor
Lindbergh Farias (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Luiz Lindbergh Farias Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Comunicação inadiável
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.:
  • Necessidade de modernização das corporações policiais do País; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 21/03/2014 - Página 30
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, POLICIA MILITAR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), REFERENCIA, CONDUTA, UTILIZAÇÃO, ARMA DE FOGO, POLICIAL, EFEITO, MORTE, MULHER, DEFESA, NECESSIDADE, MODERNIZAÇÃO, CORPORAÇÃO MILITAR, PAIS, COMENTARIO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, REESTRUTURAÇÃO, POLICIA, BRASIL.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, uma vez mais o Estado do Rio de Janeiro vivencia a barbárie. Refiro-me ao que aconteceu no domingo, dia 16 de março, pela manhã. A auxiliar de serviços gerais Cláudia Silva Ferreira, 38 anos, baleada no Morro da Congonha, em Madureira, e na sequência arrastada pelas ruas por uma viatura da Polícia Militar.

            Presto minha integral solidariedade à família da vítima. Como representante do Estado do Rio de Janeiro nesta Casa Legislativa, trago a solidariedade que se mistura a um sentimento de indignação e vergonha.

            Senhoras e senhores, a barbárie cometida é hedionda e repugnante, mas não é um acidente, um ponto fora da curva. É uma tragédia terrível, que se soma a muitas outras, a demonstrar a urgência de se reestruturar o nosso modelo de segurança pública.

            Até quando vamos assistir indiferentes às mortes, à violência, ao drama da segurança pública, que nos afeta a todos, como sociedade, indistintamente, mas especialmente aos mais pobres, aos jovens negros, aos moradores das favelas e bairros pobres?

            Até quando vamos conviver com um aparato policial que arrasta e leva à morte uma cidadã indefesa, tal como ocorreu com a faxineira, mãe de quatro crianças, Cláudia da Silva Ferreira; um aparato policial que tortura e mata um trabalhador, um pai de família, tal como ocorreu com o pedreiro Amarildo?

            Cláudia e Amarildo são símbolos da selvageria do Estado. Temos o modelo de segurança pública herdado da ditadura militar, embora se reconheça avanços pontuais na área, casos como o de Amarildo e de Cláudia não deixam dúvida quanto à necessidade de reformar profundamente o nosso modelo policial.

            A segurança pública do País é ineficiente, anacrônica, convive com padrões inaceitáveis de violência; violência que se volta contra a população, mas - é preciso ressaltar - também contra os próprios policiais.

            O Estado do Rio de Janeiro, em particular, ostenta estatísticas alarmantes: em 2013, tivemos 4.762 homicídios, uma taxa de 28,7 para cada 100 mil habitantes, um aumento 16,7%, comparado a 2012, 13 mortos por dia no Estado; 6.004 desaparecidas - o número de desaparecidos supera o número de homicídios -, são 16 desaparecidos a cada dia; 416 registros de pessoas mortas supostamente em confronto com as polícias, pouco mais de uma pessoa por dia.

            A violência se distribui seletivamente, vitimando principalmente os negros e pobres. As taxas de homicídios observadas entre a população branca do Estado é de pouco mais de 20 por 100 mil habitantes, dobra para 41 por 100 mil habitantes entre a população negra. A população não confia nessas polícias.

            Segundo pesquisa conduzida pela Fundação Getúlio Vargas, o percentual da população brasileira que declara não confiar em nossas polícias é de 70,1%. Esse número cresceu 14% entre os primeiros semestres de 2012 e 2013. Nos Estados Unidos, por exemplo, apenas 12% da população não confia nas polícias, enquanto, na Inglaterra, o índice de desconfiança é igualmente baixo, já que 82% dizem confiar nas instituições policiais.

            Como dissemos, a população em geral não é a única vítima. É preciso enfatizar a vulnerabilidade do policial brasileiro, que, mal remunerado e formado para atuar em uma máquina de fazer guerra, mata e morre numa proporção em muito superior a qualquer padrão internacional.

            Os policiais, no Brasil, estão sob verdadeiro fogo cruzado; enquanto cinco pessoas morrem, vítimas da intervenção policial todos os dias no País - 4,6 vezes mais do que o padrão nos Estados Unidos -, o risco de um policial brasileiro morrer assassinado em serviço ou fora dele...

(Soa a campainha.)

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - ... é três vezes maior que o de um cidadão comum. A taxa de homicídio nacional, de 24,3 por 100 mil habitantes, salta para 72 por 100 mil habitantes, quando consideramos população de policiais civis e militares.

            As causas apontadas por diversos estudos internacionais para essa alta taxa de vitimização policial coincidem com as características estruturais da segurança pública no País, que são especialmente marcantes no Estado do Rio de Janeiro: treinamento para o confronto; inadequadas condições de trabalho; precariedade das viaturas, dos armamentos e das estratégias de ação; embate com gangues de criminosos armados e prontos para o combate de vida ou morte.

            Abundantes relatos e reportagens na imprensa tradicional e na internet têm registrado a impressionante e excessiva brutalidade em que as polícias estão imersas. Essa brutalidade se volta contra a população, como nas tragédias recentes que vitimaram Cláudia e Amarildo, mas também contra os próprios policiais. Isso nada mais é senão reflexo da estrutura interna das polícias, militarizada e marcada por códigos disciplinares draconianos e inconstitucionais, inteiramente inadequados à função democrática que as polícias deveriam desempenhar.

            Com frequência, um coturno sujo de um praça ou soldado da Polícia Militar é sancionado com imediata prisão disciplinar, sem direito à defesa ou contraditório, enquanto crimes mais graves ficam impunes.

            O que as tragédias cotidianas da segurança pública no Estado do Rio de Janeiro e em todo o Brasil nos permitem concluir é que resultados de longo prazo só serão alçados...

(Soa a campainha.)

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - ... a partir de reformas estruturais do modelo de segurança pública. Temas sensíveis pertinentes à organização das polícias e à divisão de responsabilidades federativas na área precisam ser enfrentados.

            Os vícios da nossa arquitetura de segurança pública estão consagrados na Constituição da República, que contribui para o quadro calamitoso dessa área no País.

            O ciclo da atividade policial é fracionado. As tarefas de policiamento ostensivo, prevenindo delitos, e de investigação de crimes são distribuídas a órgãos diferentes. A função de policiar as ruas é exclusiva de uma estrutura militarizada, força de reserva do Exército, a Polícia Militar, formada, treinada e organizada para combater o inimigo, e não para proteger o cidadão.

            A União tem responsabilidades diminutas, salvo em situações excepcionais; o Município - ente federado crescentemente relevante nas demais políticas sociais, como educação, saúde e assistência social - é praticamente esquecido; e os Estados concentram a maior carga de responsabilidades.

            Por tudo isso, buscando criar condições para que se reduzam as desigualdades na provisão de segurança pública, para humanizar e democratizar a atuação das polícias e o sistema de segurança pública, apresentei proposta de emenda à Constituição relativa à estruturação da segurança pública e ao modelo policial.

            A PEC visa uma profunda refundação do sistema de segurança pública e do modelo policial, em particular, redefinindo o papel das polícias e das responsabilidades federativas nesta área, a partir da transferência aos Estados da autoridade para definir...

(Soa a campainha.)

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - ... o modelo policial, mas o faz sem descuidar de algumas diretrizes fundamentais, consagradas por importantes referências nessa área, para a garantia de uma transformação verdadeiramente democrática das polícias e evitando o risco de descoordenação e desarticulação.

            Dentre as medidas propostas pela PEC nº 51, estão:

            A. Desmilitarização das polícias: implica reestruturação profunda da instituição policial, no caso, a atual Polícia Militar, reorganizando-a, seja para a divisão interna de suas funções, seja na formação e treinamento dos policiais, seja nas normas que regem seu trabalho, para transformar radicalmente o padrão de atuação da instituição. Sem prejuízo da hierarquia inerente a qualquer organização, a excessiva rigidez das Polícias Militares deve ser substituída por maior autonomia...

(Soa a campainha.)

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - ... para o policial, acompanhada de maior controle social e transparência. O policial deve se relacionar com a sociedade a fim de se tornar um microgestor confiável da segurança pública naquele território, responsivo e permeável às demandas dos cidadãos. Esta transformação, evidentemente, deve ser acompanhada de valorização desses profissionais, inclusive os salários.

            B. Exigência de ciclo completo: a autonomia para os Estados definirem seu modelo policial não implica a faculdade de fracionar a atividade ostensivo/preventiva, hoje atribuída às Polícias Militares, e da atividade investigativa, hoje atribuída a Polícia Civil. Vale ressaltar que isso existe apenas no Brasil.

            Necessariamente, toda instituição policial deve ter caráter ostensivo e investigativo.

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - A diferenciação de atribuições deve se dar não em relação às fases do ciclo policial, mas sobre o território ou sobre grupos de infrações penais.

            Terceiro ponto:

            C. Definição constitucional de polícia: a polícia é definida como instituição de natureza civil que se destina a proteger os direitos dos cidadãos, a preservar a ordem pública democrática, a partir do uso comedido e proporcional da força. Essa definição supre lacuna da Constituição, e constitui a pedra angular de um sistema de segurança pública democrático e garantidor das liberdades públicas. Ademais, a proposta fixa princípios fundamentais que deverão reger a segurança pública.

            Quatro:

            D. Valorização do Município na provisão de segurança pública: o Município é incluído entre os entes responsáveis pela segurança pública, podendo, a depender da decisão tomada em nível estadual...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - ...instituir polícias em nível local.

            Isso existe, também, em todos os lugares do mundo, polícias municipais - para maior clareza quanto aos modelos possíveis para o Estado, vide a partir do item 8.

            E. Aumento da participação da União: em áreas críticas para a segurança pública, que se ressentem de maior padronização e uniformização em nível nacional, a União deverá estabelecer diretrizes gerais. É o caso da gestão e do compartilhamento de informações, de produção de dados criminais e prisionais, além da criação e funcionamento de mecanismos de controle social e de promoção de transparência. Na formação policial, a União deverá avaliar e autorizar o funcionamento de instituições de ensino que atuem na área, a fim de garantir níveis adequados de qualidade e conformidade a uma perspectiva democrática de segurança pública.

            Sr. Presidente, eu, na verdade, voltarei à tribuna novamente, porque eu não quero abusar dos senhores. Eu tinha um pronunciamento feito, um pronunciamento mais completo, mas vou me inscrever na próxima semana para tratar desse tema, que acho extremamente relevante. Aqui, nós não vamos muito longe, se não entrarmos no debate da reforma das polícias. Aqui, nesse texto, eu mostrei, tanto o sofrimento da população, principalmente dos jovens, dessa juventude negra, que tem sofrido, tem sido vítima de violência, de exageros da polícia, mas, como a própria polícia está exposta, com a morte de policiais que se dedicam à construção do nosso Estado.

            Então, a reforma das polícias tem que ser enfrentada pelas nossas instituições. Acredito que, com isso...

(Soa a campainha.)

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - ... possamos oferecer uma solução profunda de reestruturação do nosso sistema de segurança pública, para a transformação radical das nossas polícias e para prevenir tragédias, como a que vitimou Cláudia da Silva Ferreira.

            A partir da desmilitarização da Polícia Militar e da repactuação das responsabilidades federativas na área, bem como da garantia do ciclo policial completo e da exigência de carreira única por instituição policial, pretende-se criar as condições para que a provisão de segurança pública se dê de forma mais humanizada, mais isonômica em relação a todos os cidadãos, rompendo, assim, o quadro dramático da segurança pública no nosso País.

            Conto com a participação de todos e com a colaboração das Srªs e dos Srs. Senadores para levarmos adiante o processo de aprovação da PEC nº 51.

            Agradeço muito V. Exª, Presidente, Senador Mozarildo Cavalcanti...

(Interrupção do som.)

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ. Fora do microfone.) - ... pela tolerância. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/03/2014 - Página 30