Discurso durante a 40ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Destaque à sanção presidencial que regulamentou a produção e a comercialização de vinho colonial; e outros assuntos.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVIDA PUBLICA. POLITICA AGRICOLA. JUDICIARIO. LEGISLAÇÃO PENAL.:
  • Destaque à sanção presidencial que regulamentou a produção e a comercialização de vinho colonial; e outros assuntos.
Publicação
Publicação no DSF de 29/03/2014 - Página 276
Assunto
Outros > DIVIDA PUBLICA. POLITICA AGRICOLA. JUDICIARIO. LEGISLAÇÃO PENAL.
Indexação
  • DEFESA, ACORDO, PROJETO, RENEGOCIAÇÃO, DIVIDA, ESTADOS.
  • REGISTRO, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, SANÇÃO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROJETO DE LEI, REGULAMENTAÇÃO, PRODUÇÃO, VINHO, VITIVINICULTURA, AMBITO, AGRICULTURA FAMILIAR.
  • APOIO, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, ASSUNTO, CRIAÇÃO, OBJETIVO, AMPLIAÇÃO, ATENDIMENTO, DEFENSORIA PUBLICA.
  • CRITICA, PROJETO, REDUÇÃO, MAIORIDADE, IMPUTABILIDADE PENAL, APOIO, ALTERAÇÃO, SISTEMA PENITENCIARIO, MEDIDA SOCIOEDUCATIVA, OBJETIVO, INSERÇÃO, ADOLESCENTE, INFRATOR, SOCIEDADE.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Cristovam, eu sempre digo que a sexta-feira e a segunda-feira, para mim, são dias importantes, porque nos permitem falar de temas de caráter nacional. E V. Exª, como sempre, pelo potencial que tem, já falou de um tema delicado. Mas V. Exª não se nega a enfrentar esse debate, porque, no fundo, é dar oportunidade para o povo negro, em todos os setores da sociedade.

            V. Exª bate muito na questão do ensino básico. Inclusive, fizemos uma audiência pública nesse sentido e todos entendemos que V. Exª está coberto de razão. Queremos que isso ocorra na universidade? Queremos, e V. Exª votou favoravelmente. Queremos no serviço público? Queremos. Mas V. Exª insiste que precisamos ter mais investimento no ensino básico, ideia que tem a concordância de nós todos, acompanhando V. Exª.

            Mas, Sr. Presidente, entre os temas que vou tratar hoje, é claro que eu não poderia deixar de falar deste, até porque é um compromisso que assumi. Eu gostaria de dizer que ainda estou na expectativa de que, no próximo dia 09, uma terça-feira, se não me engano, votemos de forma definitiva o projeto que permite a renegociação das dívidas dos Estados.

            É um projeto de iniciativa do Executivo. Tenho insistido muito da tribuna, dizendo que estou numa contagem regressiva ou até numa contagem positiva, no sentido de que avancemos para o dia da votação, que ficou ajustado que será no dia 09, em uma reunião conjunta da Comissão de Assuntos Econômicos e da CCJ, para que, de uma vez por todas, possamos permitir que Estados como o meu, o Rio Grande do Sul, possa olhar para a dívida com a União com o viés de que é possível pagá-la, e não como é hoje, uma dívida impagável.

            Como já foi dito, começamos com 7, já pagamos 17 e estamos devendo 47. Por quê? Porque, na época, a inflação era maluca, e o IGP-DI - índice usado - mais praticamente 9% levou a isso. Aqui, caminhamos nessa renegociação para um novo indexador, que seria o IPCA mais 4%, ou a taxa Selic.

            Há, claro, o descontentamento daqueles que defendem esse projeto, porque acordamos votá-lo em dezembro e não votamos; acordamos com os Líderes, com o Executivo, mas não aconteceu a votação. Depois, ajustamos que votaríamos em fevereiro, mas, novamente, não aconteceu a votação. Então, combinamos de votá-lo em março, mas também não aconteceu a votação. O mês de março agora termina, e foi ajustado, então, que será votado em abril.

            Como sou teimoso, em muitos temas, eu teimei e teimei, até que aprovamos. Não só eu, claro; todos aqueles que têm a mesma visão. Foi o caso, por exemplo, da política de salário mínimo, que é real e está aí. Como foi o caso dos estatutos diversos, pelos quais brigamos, aprovamos e que agora são leis. Como foi o caso da PEC paralela - do que eu me lembro mais -, que, embora acordada, só depois de um ano, nós conseguimos aprovar, o que deu um fôlego para os servidores públicos.

            E quero também dizer que os companheiros do Aerus continuam acampados aqui no salão verde do Congresso. Eu tenho estado lá todas as noites; antes de ir embora para minha casa. Estão eles, ainda, numa angústia muito grande. O último comunicado que recebi do Palácio foi por parte da equipe do Ministro Gilberto Carvalho, dizendo que está confirmada a reunião de terça, na AGU, com Luís Inácio Adams, Advogado-Geral da União. A partir dali, então, vamos poder entabular - segundo me disseram e também me disse o Presidente da Câmara - um processo de negociação para que a decisão do Supremo seja cumprida, e os companheiros do Aerus possam receber o que lhes é de direito.

            Eu falo desses dois temas todos os dias, e vou continuar falando. Como falo, praticamente todos os dias, que temos que apontar o caminho adequado, correto, justo, para acabar com o maldito e famigerado fator previdenciário, que é um assalto ao bolso do trabalhador.

            Mas, enfim, falando desses temas que eu venho comentando quase que diariamente, além da reposição dos benefícios dos aposentados, como mandava o nosso projeto original, eu quero me debruçar aqui sobre outros temas que entendo importantes e que nós temos que votar antes do chamado recesso branco que teremos, em função da Copa e do processo eleitoral. Está ai o calendário, já foi distribuído para todos os Senadores - de julho em diante, vai ser devagar quase parando. É fato; é real. Não estou aqui fazendo nenhuma contestação e nem uma agressão; estou apenas relatando os fatos mediante aquilo que chegou documentado para todos nós, devido à Copa e ao processo eleitoral, que está aí na ordem do dia. Os candidatos todos já estão em campo, com o apito do juiz ou não, já estão todos em campanha.

            Sr. Presidente, o Congresso Nacional aprovou em fevereiro o projeto de lei que define o produto que pode ser vendido como vinho colonial.

            O vinho colonial é da minha região, aquela região da serra, Caxias do Sul, Flores da Cunha, Farroupilha - estarei em Farroupilha dia 13, participando de um congresso nacional dos trabalhadores do vestuário -, Bento Gonçalves, Garibaldi, Barbosa, Nova Petrópolis - pela qual tenho um carinho muito grande -, Gramado, Canela, São Francisco, enfim, toda aquela região. Ali se produz muito vinho colonial. Estive lá num evento belíssimo, feito pelos produtores, agricultores, pequenos produtores de vinho. O chamado agricultor familiar ou empreendedor familiar rural estão entre aqueles que produzem o chamado vinho artesanal.

            O projeto defendido por todos nós, de autoria do Ministro Pepe Vargas, foi sancionado pela Presidente Dilma, originando a Lei nº 12.959, de 2014, um verdadeiro avanço.

            Participei de um belíssimo evento lá, com a gastronomia da região, e pude saborear o vinho colonial.

            Reconheço que foi importante a Presidenta ter sancionado, um verdadeiro avanço de alcance social e político, que vai promover o aumento da renda do homem do campo, do agricultor, e abrirá possibilidades, inclusive, de novos postos de trabalho.

            A nova norma estabelece que a bebida seja elaborada com, no mínimo, 70% de uvas colhidas no imóvel rural, até o limite de 20 mil litros por ano. A produção deverá seguir características culturais, históricas e sociais da vitivinicultura.

            Eu passava minhas férias do colégio embaixo dos parreirais de uva, não de nossa propriedade, mas era convidado pelos alunos de Caxias do Sul, meus colegas do primário ainda e depois do ginasial.

            O rótulo da bebida deverá trazer as seguintes denominações: “vinho produzido por agricultor familiar ou empreendedor familiar rural”, “vinho colonial” ou “produto colonial”.

            A norma determina que a comercialização deva ser realizada diretamente ao consumidor final no local da produção, nos estabelecimentos mantidos pela associação ou cooperativa de produtores, em feiras de agricultura familiar e mediante a emissão de nota do talão do produtor rural, simplificando, então, o processo de venda e negociação.

            Ocorre, Sr. Presidente, que esse último item foi vetado. O Governo ouviu o Ministério da Fazenda, resolveu excluir o §5º do art. 2º, com a finalidade exclusiva da arrecadação.

            Na justificativa, argumenta-se que a utilização do talão pode ser interpretado como desobrigação da emissão de nota fiscal e do recolhimento do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI).

            Esse projeto foi amplamente discutido com os produtores. Tem apoio da categoria, da Frente Parlamentar do Cooperativismo, da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB) e das demais entidades que representam os trabalhadores, produtores rurais - pequenos, médios, e por que não os grandes?

            Justamente o incentivo que iria beneficiar mais de cinco mil pequenos produtores com uma carga tributária diferenciada foi abolido.

            A utilização do talão de produtor rural exige o recolhimento de imposto apenas de 2,4%.

            Por esse motivo, nós cumprimentamos a Presidenta por ter acatado, apoiado esse movimento e ter sancionado a lei, mas tenho que dizer que lamento o veto. E como o veto agora não é mais secreto, será muito bom que a apreciação seja feita aqui e que cada um assuma a sua posição em relação a esse ponto.

            É legítimo o direito de o Executivo vetar, mas como também é legítimo o direito democrático de o Parlamento, na apreciação do veto, posicionar-se não acatando o veto.

            Fico mais uma vez ao lado dos produtores, porque o projeto tramitou nas duas Casas Legislativas. Repito aqui que é de autoria do Deputado e ex-Ministro, Pepe Vargas, que teve o nosso apoio; de outros Senadores; da Senadora Ana Amélia; do Senador Simon; como também de Senadores de outros Estados; do Senador Acir, que é da área também, especialista, conhecedor - sei que ele saboreia um bom vinho artesanal-; do Senador Cristovam, que tenho certeza de que apoia iniciativas como essa que beneficiam os pequenos produtores.

            Eu espero só que, quando o veto for apreciado, a gente possa mostrar a posição do Parlamento, que, neste caso, prefere ficar com os pequenos produtores.

            Sr. Presidente, quero tratar também de outro assunto. Eu fui procurado pelos defensores públicos.

            A Defensoria Pública é uma instituição que representa a garantia do cidadão em situação de vulnerabilidade de ter acesso à Justiça, por meio de serviços inteiramente gratuitos e de qualidade. Elevada à categoria de instituição constitucional em 1988 - estávamos lá como Constituinte -, apenas em 2004, o Congresso Nacional conferiu autonomia administrativa, financeira e orçamentária às Defensorias Públicas dos Estados.

            Passadas mais de duas décadas, a Defensoria Pública ainda não está instalada em todos os Estados da Federação. Em alguns casos, sequer o primeiro concurso para o provimento do cargo de Defensor Público foi iniciado ou concluído. Recentemente, a exata dimensão da falta do serviço público da Defensoria Pública, na maior parte das cidades brasileiras, foi detectada no estudo denominado “Mapa da Defensoria Pública no Brasil", elaborado pelo Ipea, fundação pública vinculada à

Presidência da República, juntamente com a Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep) e o Ministério da Justiça.

            De acordo com esse estudo, no Brasil há 8.479 cargos criados de defensor público dos Estados e do Distrito Federal, dos quais apenas 5.054 estão providos, ou seja, apenas 59%.

            Esses 5.054 defensores públicos se desdobram para cobrir 28% das comarcas brasileiras, ou seja, na grande maioria das comarcas, o Estado acusa e julga, mas não defende os mais pobres.

            Na Defensoria Pública da União, a situação não é diversa: são 1.270 cargos criados e aproximadamente 500 efetivamente providos, para atenderem 58 subseções judiciárias de um total de 264, o que corresponde a uma cobertura de 22%.

            No Estado do Rio Grande do Sul, meu Estado, por exemplo, a Defensoria Pública da União está presente somente nos Municípios de Porto Alegre, Canoas, Pelotas, Rio Grande, Santa Maria, Bagé e Uruguaiana. Eu resido em Canoas, mas a minha cidade natal é Caxias, uma cidade que já tem eleição, inclusive, em dois turnos, uma das maiores cidades do Rio Grande, e não tem defensor.

            A Proposta de Emenda à Constituição nº 4, de 2014, portanto, tem por escopo fixar uma meta concreta, legítima e plenamente factível de ser alcançada, equilibrando, em última análise, o Estado defensor com o Estado acusador e o Estado julgador - que haja o Estado acusador, que haja o Estado julgador, mas que haja também o Estado defensor -, além de atender à crescente demanda por serviços da Defensoria Pública em diversas outras áreas de atuação, já que a população carente está esperando quem vai defendê-los.

            O projeto agora se encontra pronto para pauta na CCJ. Falei com o Presidente da Comissão, Senador Vital do Rêgo, e ele me garantiu que o projeto vai para a pauta. A matéria tem já o parecer favorável do nobre Senador Romero Jucá.

            Defensoria Pública é um órgão imprescindível para o fortalecimento da democracia no Brasil e para a defesa dos mais pobres. Sua atribuição é concretizar o direito de acesso à Justiça, que se mostra como o mais fundamental dos direitos. No Brasil, onde a desigualdade social ainda é enorme, o fortalecimento - eu que trato tanto desse campo social tenho que reafirmar aqui - da Defensoria Pública significa respeitar a dignidade da população carente, e, aprovando esse projeto, estaremos dando um grande passo nesse sentido.

            Sr. Presidente, faço questão ainda de registrar que recebi um material muito interessante da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Campo Grande, chamado “Carta de Vitória em Defesa da Responsabilidade”. É um tema que esta Casa tem tratado com a delicadeza que o momento exige, com todo o cuidado, respeitando as pesquisas, respeitando as opiniões diferenciadas. Mas eu, como militante da Comissão de Direitos Humanos, não posso deixar de atender o pedido de ler a “Carta de Vitória em Defesa da Responsabilidade”. Sei que o tema é delicado, não é fácil e não é simples. Creio que todos já conhecem a opinião da Comissão de Direitos Humanos sobre esse tema.

            Eu quero compartilhar, com este Plenário, o ofício que eu recebi do Sr. Dr. Roberto Ferreira Filho, Juiz de Direito da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, e Juiz Presidente do Fonajuv (Fórum Nacional da Justiça Juvenil). Junto com o ofício, veio a seguinte carta, que está anexada a este pronunciamento, Sr. Presidente. Esta carta chama todos - Sr. Presidente, eu vou simplificar - à responsabilidade desse debate.

            Todos nós sabemos que os presídios brasileiros estão falidos, ninguém aqui, em sã consciência, pode pensar diferente. Segundo mostram aqui documentos amplos que eu recebo - são páginas e páginas -, não vai ser botando meninos e meninas de 16, de 14 anos, daqui a pouco, de 10, de 12 anos na cadeia, lá num presídio, no meio dos marginais - porque são um verdadeiro inferno aqueles presídios - que nós vamos salvar as nossas crianças e a nossa juventude. Eu fico com o Senador Cristovam: vamos investir é na educação, e não só em botar criança para dentro dos presídios.

            A carta diz isso, Sr. Presidente, eu não vou ler detalhadamente, mas ela mostra a visão...

(Soa a campainha.)

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - ... daqueles que militam, de forma intensa, na linha dos direitos humanos.

            Há outro documento também que recebi, Sr. Presidente, que vai no mesmo sentido. Esse outro documento, por ser bem mais longo, naturalmente não vou lê-lo todo; quero apenas fazer rápidos comentários, referentes a dados interessantes. Tal documento inclusive mostra algumas opiniões aqui de Senadores que dizem que o sistema penitenciário está falido. Por exemplo, há um dado que diz que, por pura incompetência, o Funpen (Fundo Penitenciário Nacional) tinha, à sua disposição, R$1 bilhão, mas foram aplicados somente R$40,7 milhões. Há outro dado que diz aqui que, entre 1990 e 2012, a quantidade de detentos aumentou 511% no Brasil. Já temos a quarta maior população carcerária do mundo, sem falar que existem mais de 162 mil mandados de prisão na rua que não foram cumpridos.

            Haja presídio! Nem que você pegasse todos os estádios de futebol do Brasil - já que falamos tanto em Copa - e dissesse “vamos botar aqui dentro os presos que estão soltos e todos aqueles que poderão ainda ser condenados”, ainda mais se for diminuída a idade penal, mesmo que lotassem todos os estádios, estaríamos ainda com falta de presídios.

            Então, o caminho, Senador Cristovam... Estou referindo-me a V. Exª, eu sei que a sua posição é muito clara. Querem salvar a nossa moçada, a nossa gurizada, a nossa juventude? É investir na educação, educação, educação e educação. Eu fico me referindo a V. Exª dessa forma.

            Enfim, este pronunciamento que aqui faço vai no sentido muito mais de um alerta de que esse tema tem que ser debatido com muita calma, com muito cuidado. Ninguém tem dúvida de que o sistema prisional brasileiro - repito - é quebrado, é falido, é uma vergonha de nós todos perante o mundo, inclusive do meu Estado, o Rio Grande do Sul, que foi até denunciado em organismos internacionais. Segundo o relatório de 2009 da ONG Human Rights Watch, as prisões no Brasil são locais de tortura física e psicológica, de violência, de péssimas condições em todo o sentido, verdadeiras escolas do crime. São locais de maus-tratos, de proliferação de doenças nas celas, onde não há trabalho e ainda onde predomina o analfabetismo e, principalmente, lá estão pessoas negras. Além disso, de acordo com o Prof. Neemias Moretti Prudente em artigo publicado na revista do Ministério Público Militar de novembro de 2011, em geral, na imensa maioria dos presidiários brasileiros estão jovens de sexo masculino, com idade entre 18 e 29 anos e afrodescendentes, com baixa escolaridade, sem profissão definida, baixa renda e com muitos filhos, ou seja, o perfil da população excluída e marginalizada do nosso País. E, para esse lugar, Sr. Presidente, com essas celas imundas, com escolas do crime ali montadas e organizadas sem a menor condição de abrigar ninguém - ninguém - é que alguns levantam a possibilidade de jogarem as crianças. E diz aqui, esse especialista:

(Soa a campainha.)

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - “Será que é essa a solução para reduzir a violência no Brasil?” Claro, ele diz: “Estou convencido de que não.” E ele também diz: “A saída é a educação”.

            Diversos especialistas na matéria apontam que esse não seria o melhor caminho para combater o problema da violência urbana que aflige milhões de brasileiros. E não seria o melhor caminho, até pelas estatísticas: de acordo com a Secretaria Nacional de Segurança Pública, órgão do Ministério da Justiça, os menores de 16 a 18 anos - justamente a faixa etária que mais seria afetada por uma eventual redução da maioridade penal - são responsáveis por apenas 0,9% do total dos crimes praticados no Brasil.

            Fala-se tanto, segundo documento que aqui recebo, da questão dos menores. Ele diz que esses menores são responsáveis por apenas 0,9% do total dos crimes praticados no Brasil. Então, 99,1% dos crimes praticados no Brasil, na verdade, são daqueles que não são crianças. Vejam bem: eles são responsáveis por apenas 0,9% do total de crimes praticados no Brasil. Se considerados somente homicídios e tentativas de homicídio, esse percentual cai para 0,5%.

            Então, vejam, por essa simples e matemática, que não é por aí o caminho de combater a violência. O caminho é outro. Os crimes praticados por esses menores não representam sequer 1% das ocorrências. Ao contrário, os adolescentes, sim, são as maiores vítimas e são os que sofrem a violência. O número de jovens assassinados no Brasil é uma loucura. De cada 10 jovens, 8 são negros assassinados.

            Os homicídios assustam. Os homicídios praticados contra crianças - isto sim - e adolescentes no Brasil cresceram vertiginosamente nas últimas décadas! Cresceram 346%! Ou seja, estão matando as nossas crianças, e há uma campanha nacional muito bem orquestrada de que o culpado é a criança. E vejam que eles não são culpados nem por 1%, mas 0,5%!

            O número de jovens assassinados, por outro lado, aumentou, de 1980 para 2010, 346%. De 1981 a 2010, mais de 176 mil jovens foram mortos, e, apenas em 2010, o número foi de 8.686 crianças e adolescentes assassinados.

            Vejam que dado é assustador: quase nove mil crianças e adolescentes foram assassinados em 2010, ou seja, 24 por dia perderam a vida.

            Só por esses números, senhoras e senhores, já podemos concluir que o que estão tentando fazer é inverter as coisas e culpar os menores pela escalada da violência no País, quando sabemos que esse é um problema muito mais complexo e muito mais estrutural da sociedade brasileira.

            É inegável que, em determinadas situações, não há alternativa a não ser punir com o rigor da lei, com pena de prisão, mas não se pode generalizar e jamais podemos permitir que o Estado seja um instrumento de vingança, de olho por olho, dente por dente, do adulto contra a criança. Lembrando o título de um livro de Simon Wiesenthal, Justiça não é Vingança, podemos, portanto, ir mais fundo nas causas da violência na sociedade e não agir de forma simplista e descompromissada.

            Precisamos aprofundar o debate; precisamos começar analisando as responsabilidades do Estado nessa questão. O Estado, historicamente, tem sido omisso quanto aos direitos mais fundamentais do cidadão, a começar, por exemplo, com a própria abolição da escravatura, um processo longo, ao fim do qual os negros foram libertos e não lhes deram nenhuma condição de sobrevivência: não tinham educação, não podiam comprar terras, não podiam ter ferramentas, não podiam ter trabalho formal, enfim, como agir frente àquela nova realidade? Disseram: “Estão libertos, mas não têm direito a nada”. Só restava a eles desempenhar papéis ditos subalterno.

            Não há dúvidas de que aí encontramos uma das principais origens da desigualdade social em nosso País e uma das grandes razões pelas quais a ampla maioria dos detentos é de afrodescendentes. Ou seja: no Brasil, pode-se confundir a miséria com a cor da pele, isto é, a pobreza tem cor e, no Brasil, é a preta.

            O Estado brasileiro ainda é socialmente injusto, na medida em que não garante igualdade de oportunidades para todos, como manda a Constituição.

            Na educação, por exemplo, Senador, as diferenças são gritantes: enquanto os filhos dos ricos e da classe média têm acesso aos melhores cursos, aos melhores colégios; ao filho do pobre é reservado ensino de menor qualidade. Aos alunos, uma educação pelo menos compatível com aquela que é oferecida pelos ricos, terá que ser assegurada.

            Enfim, o resultado: o filho do pobre não vai conseguir os melhores empregos, não vai conseguir ascensão social, na ampla maioria. Ao contrário, vai continuar repetindo o modo de vida dos seus pais, avós e bisavós, e, se não conseguir emprego, muitas vezes, poderá se encaminhar para a criminalidade.

            E todos sabemos que educar é o caminho; educar é muito melhor do que só pensar em punir, punir, punir e punir. A educação, sim, esta é fundamental para qualquer indivíduo se tornar um cidadão.

            Punir os jovens, as crianças e os adolescentes, com o encarceramento - e muitos defendem, até, tirar-lhes a vida - é privar-lhes da oportunidade de se tornarem cidadãos conscientes de direitos e deveres; é assumir a própria incompetência do Estado sem lhes assegurar o direito básico que é a educação.

            Portanto, Sr. Presidente, entendo que o Estado brasileiro é, sim, responsável no que diz respeito à violência, porque, historicamente - historicamente -, não tem aplicado as políticas necessárias para garantir às crianças, aos adolescentes e aos jovens o pleno exercício de seus direitos, e isso tem ajudado muito a aumentar os índices de criminalidade da juventude.

            Como consequência, o que vemos hoje é um tipo de Estado penal, que administra a panela de pressão de uma sociedade profundamente desigual.

            Mas a responsabilidade não é só do Estado. Um outro componente muito importante nessa escalada de violência é a família. Nos últimos anos, assistimos a uma verdadeira revolução na vida familiar. A dinâmica da vida moderna não permite mais aos membros de uma mesma família, muitas vezes, que almocem juntos, jantem juntos, tomem o café juntos, não permite um diálogo mais próximo, mais carinhoso, com mais amor, com mais solidariedade, inclusive dentro de casa, e, aí, entram as drogas.

            O jovem vive mergulhado na Internet e na televisão. Como resultado, temos uma verdadeira desagregação da família, comprometendo a educação do jovem, que, muitas vezes, fica sem embasamento, sem valores morais e éticos, e passa a ser uma presa fácil para o crime organizado, sobretudo nas famílias de mais baixa renda...

(Soa a campainha.)

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT-RS) - ... onde a droga entra rachando, entra arrebentando.

            Só quem tem alguém na família que tenha se envolvido no mundo das drogas sabe o quanto a dor fere cada um. É uma dor tão doída que, talvez, muitos não podem imaginar.

            Nosso sistema prisional também contribui para a violência, porque lá é uma escola do crime, é uma escola para ensinar a roubar, ensinar a traficar, ensinar a matar.

            Exatamente por isso, de acordo com as estatísticas, 70% dos presos retornam à cadeia, ao cárcere. Por quê? Porque aprenderam lá que o caminho é o roubo, é o assalto, é a morte.

            Sr. Presidente, eu poderia continuar falando por horas e horas sobre este tema. Podemos lembrar aqui o caso, aqui em Brasília - é claro que ficamos chocados, como outros tantos -, da jovem de apenas 14 anos que foi covardemente assassinada pelo seu ex-namorado, que postou a cena do crime na Internet, crime cometido dois dias antes de o rapaz completar 18 anos. É lógico que ficamos chocados com isso. E, muitas vezes, a população fica indignada, querendo uma vingança generalizada, sem atacar a questão de fundo.

            Por ser menor de idade, ele será enquadrado, sim, no Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê medidas socioeducativas. Aos olhos da sociedade quer ver, sim, punição, mas não é dizer que crianças de 12, 13, 14 anos têm que ir para a cadeia e que isso vai fazer com que crimes como esse não aconteçam.

            Por isso, Sr. Presidente, ao terminar meu pronunciamento, peço que V. Exª o considere na íntegra.

            Inúmeros especialistas apontam que o caminho para a recuperação da nossa juventude é a educação, é a educação, é a educação e é a educação.

            Podemos lembrar que, na Alemanha, foi criado um sistema especial, por exemplo, para julgar jovens na faixa de 18 a 21 anos.

            Portanto, Sr. Presidente, esta questão merece um debate transparente, cristalino e equilibrado. Não há nenhum motivo para que façamos um debate emocional em cima de uma situação ou outra.

            Enfim, no fundo, Sr. Presidente, o meu pronunciamento, que encerro agora, chama a atenção, durante todo ele, para a importância de investirmos, cada vez mais, na formação, na educação, no ensino técnico. Eu mesmo passei pelo ensino técnico e, por isso, posso dizer que estou aqui.

            Poderíamos aqui falar de tantos outros casos. Poderíamos também falar de outro caso que chocou o Brasil e o mundo. Em São Paulo, tivemos a notícia da médica Elaine Moreira Munhoz, que se suicidou após matar o filho e a namorada dele, ambos estudantes de medicina, como tudo indica, em decorrência de depressão. E há outro caso em que um casal jogou o filho pela janela.

            Enfim, são tantos os casos da maior gravidade, que merecem a atenção devida.

            Concluo, Sr. Presidente, com a frase do saudoso Nelson Mandela, Prêmio Nobel da Paz, que, como poucos, sentiu na pele o que é uma prisão, o que é a violência. Disse um dia Mandela: “Odiar anuvia a mente, obstrui a estratégia. Líderes não podem se permitir odiar. Quem é líder não odeia”.

            Sigamos o conselho de Nelson Mandela.

            Era isso, Sr. Presidente.

            Peço a V. Exª que considere na íntegra todos os meus pronunciamentos.

 

SEGUEM, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTOS DO SR. SENADOR PAULO PAIM.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Congresso Nacional aprovou, em fevereiro, o Projeto de Lei que define o produto que pode ser vendido como vinho colonial, ou seja, aquele produzido por agricultor familiar ou empreendedor familiar rural.

            O projeto foi sancionado pela presidente Dilma Rousseff originando a Lei 12.959/2014.

            Um verdadeiro avanço de enorme alcance social e político, que promoverá o aumento da renda do homem do campo e abrirá possibilidades de novos postos de trabalho.

            A nova norma estabelece que a bebida seja elaborada com no mínimo 70% de uvas colhidas no imóvel rural, até o limite de 20 mil litros por ano.

            A produção deverá seguir "características culturais, históricas e sociais da vitivinicultura".

            O rótulo da bebida deverá trazer a denominação de "vinho produzido por agricultor familiar ou empreendedor familiar rural", "vinho colonial" ou "produto colonial".

            A norma determina que a comercialização deva ser realizada:

            * diretamente ao consumidor final no local da produção;

            * nos estabelecimentos mantidos por associação ou cooperativa de produtores ou;

            * em feiras de agricultura familiar e

            * mediante emissão de nota do talão de produtor rural, simplificando a negociação.

            Ocorre que esse último dispositivo foi vetado.

            O governo, ouvido o Ministério da Fazenda, resolveu excluir o parágrafo 5o do art. 2o, com finalidade exclusivamente arrecadatória.

            Na justificativa argumenta que a utilização do talão pode ser interpretada como "desobrigação da emissão de nota fiscal" e do recolhimento do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI.

            Esse projeto foi discutido com os produtores e tem o apoio da categoria, da Frente Parlamentar do Cooperativismo, da Organização das Cooperativas do Brasil - OCB e das demais entidades que representam os produtores rurais.

            Justamente o incentivo que iria beneficiar os mais de 5 mil produtores, com uma carga tributária diferenciada foi abolido.

            A utilização do "talão de produtor rural" exige o recolhimento de um imposto de apenas 2,4%.

            Srªs e Srs. Senadores, por esse motivo, não posso apoiar o veto 2/2014.

            Fico ao lado dos produtores, porque o projeto tramitou nas duas Casas Legislativas e teve o nosso apoio, verdadeiros representantes do cidadão brasileiros.

            Era o que tinha a dizer.

 

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Defensoria Pública é uma instituição pública que representa a garantia do cidadão em situação de vulnerabilidade de ter acesso à justiça, por meio de serviços inteiramente gratuitos e de qualidade.

            Elevada à categoria de instituição constitucional em 1988, apenas em 2004 o Congresso Nacional conferiu autonomia administrativa, financeira e orçamentária às Defensorias Públicas dos Estados.

            Passadas mais de duas décadas, a Defensoria Pública ainda não está instalada em todos os Estados da Federação.

            Em alguns casos, sequer o primeiro concurso público para o provimento do cargo de defensor público foi iniciado ou concluído.

            Recentemente, a exata dimensão da falta do serviço público da Defensoria Pública na maior parte das cidades brasileiras foi detectada no estudo denominado "Mapa da Defensoria Publica no Brasil", elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, fundação pública vinculada à Presidência da República, juntamente com a Associação Nacional dos Defensores Públicos - ANADEP e o Ministério da Justiça.

            De acordo com este estudo, no Brasil há 8.479 cargos criados de defensor público dos Estados e do Distrito Federal, dos quais apenas 5.054 estão providos (59%).

            Esses 5.054 defensores públicos se desdobram para cobrir 28% das comarcas brasileiras, ou seja, na grande maioria das comarcas, o Estado acusa e julga, mas não defende os mais pobres.

            Na Defensoria Pública da União, a situação não é diversa: são 1270 cargos criados e, aproximadamente, 500 efetivamente providos, para atender 58 subseções judiciárias de um total de 264, o que corresponde a uma cobertura de 22% da jurisdição federal.

            No Estado do RS, por exemplo, a Defensoria Pública da União está presente somente nos Municípios de Porto Alegre, Canoas, Pelotas, Rio Grande, Santa Maira, Bagé e Uruguaiana.

            A Proposta de Emenda à Constituição n. 4/2014, portanto, tem por escopo fixar uma meta concreta, legítima e plenamente factível de ser alcançada, equilibrando em última análise, o Estado-Defensor com Estado-Acusador e o Estado-Julgador, além de atender à crescente demanda pelos serviços da Defensoria Pública em suas diversas outras áreas de atuação à população carente.

            O projeto agora encontra-se pronto para pauta da Comissão de Constituição e Justiça.

            Falarei com o Presidente da comissão, Senador Vital do Rego, para que inclua na pauta da próxima semana, a matéria, para votarmos o mais rápido possível.

            A matéria tem parecer favorável do nobre Senador Romero Jucá.

            Defensoria Pública é um órgão imprescindível para o fortalecimento da democracia no Brasil.

            Sua atribuição é a de concretizar o direito de acesso à Justiça, que se mostra como o mais fundamental dos direitos.

            No Brasil, onde a desigualdade social é enorme, o fortalecimento da Defensoria Pública significa respeitar a dignidade da população carente, e aprovando este projeto, já estaremos dando um grande passo para este fortalecimento.

            Era o que tinha a dizer.

 

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sei que o tema da redução da maioridade penal não é fácil, nem tampouco simples, de lidar.

            Creio que todos já conhecem minha opinião quanto a isso. Sou contra a redução da idade.

            Eu quero compartilhar neste Plenário, Ofício que recebi do Exmo. Sr. Dr. Roberto Ferreira Filho, Juiz de Direito da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Campo Grande-MS e Juiz Presidente do FONAJUV - Fórum Nacional da Justiça Juvenil.

            Junto ao Ofício veio a "Carta de Vitória em Defesa da Responsabilidade".

            Ambos estão em anexo a este pronunciamento e vou lê-los na íntegra.

            Era o que tinha a dizer.

 

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou acompanhando atentamente a situação dos presídios e o debate da diminuição da idade penal. É um assunto que está em debate na sociedade brasileira.

            O dado do FUNPEM é estarrecedor. No ano passado eles tinham uma verba de R$ 1 bilhão para investimentos. Só foram aplicados R$ 40,7 milhões.

            Segundo o senador Ferraço "entre 1990 e 2012, a quantidade de detentos aumentou 511% no Brasil.

            Já temos a quarta maior população carcerária do mundo, sem falar que existem mais de 162 mil mandados de prisão que ainda não foram cumpridos.

            Ao concluir, Sua Excelência ainda afirmou que "a superlotação e as condições desumanas dos presídios contribuem para que nossos presos se tornem cada dia mais violentos e que o sistema prisional brasileiro possa ser classificado como uma universidade para o crime".

            Srªs e Srs., todos sabemos que o sistema prisional brasileiro não atende aos objetivos de punir e de ressocializar o apenado.

            Segundo o relatório de 2009 da ONG Human Rights Watch, as prisões no Brasil são locais de tortura física e psicológica; de violência; de péssimas condições sanitárias e de ventilação.

            São locais de maus tratos; de proliferação de doenças nas celas; de pouca oferta de trabalho e de analfabetismo.

            Além disso, de acordo com o professor Neemias Moretti Prudente - em artigo publicado na Revista do Ministério Público Militar, de novembro de 2011 - em geral, a imensa maioria dos presidiários brasileiros são jovens do sexo masculino, com idade entre 18 e 29 anos; afrodescendentes; com baixa escolaridade; sem profissão definida; de baixa renda; e com muitos filhos.

            Ou seja: o perfil da população excluída e marginalizada deste País.

            E é para esse lugar, Sr. Presidente, para essas celas imundas e sem a menor condição de abrigar mais um condenado sequer, que aqueles que defendem a redução da maioridade penal querem enviar os adolescentes infratores!

            Querem enviá-los para dentro de um sistema comprovadamente falido, incapaz de punir e de reintegrar o apenado ao convívio social!

            Será que essa é a solução para reduzir a violência no Brasil? Estou convencido de que não.

            Diversos especialistas na matéria apontam que esse não seria o melhor caminho para combater o problema da violência urbana que aflige milhões de brasileiros.

            E não seria o melhor caminho, primeiramente, por uma razão estatística: de acordo com a Secretaria Nacional de Segurança Pública, órgão do Ministério da Justiça, os menores de 16 a 18 anos - justamente a faixa etária que mais seria afetada por uma eventual redução da maioridade penal - são responsáveis por apenas 0,9% do total dos crimes praticados no Brasil.

            Se considerados somente homicídios e tentativas de homicídio, esse percentual cai para 0,5%.

            Então, vejam, por essa simples e matemática razão, não iríamos reduzir a violência no Brasil reduzindo a maioridade penal, já que os crimes praticados por esses menores não representam sequer 1% do total das ocorrências.

            Ao contrário, os adolescentes são as maiores vítimas, e não os principais autores da violência: os homicídios praticados contra crianças e adolescentes no Brasil cresceram vertiginosamente nas últimas décadas -346% entre 1980 e 2010.

            De 1981 a 2010, mais de 176 mil jovens foram mortos e, apenas em 2010, o número foi de 8.686 crianças e adolescentes assassinadas, ou seja, 24 por dia!

            Só por esses números, Senhoras e Senhores Senadores, já podemos concluir que o que estão tentando fazer é inverter as coisas, é culpar esses menores pela escalada da violência em nosso País, quando sabemos que esse é um problema muito mais complexo, muito mais estrutural da sociedade brasileira.

            É inegável que, em determinadas situações, não há alternativas a não ser punir com a pena de prisão.

            Mas jamais podemos permitir que o Estado seja um instrumento de vingança, pois, lembrando o título de um livro de Simon Wiesenthal, Justiça não é vingança.

            Precisamos, portanto, ir mais fundo nas causas da violência em nossa sociedade, e não agir de forma simplista e descompromissada.

            Precisamos começar analisando as responsabilidades do Estado brasileiro nessa questão; Estado esse que, historicamente, tem sido omisso quanto aos direitos mais fundamentais do cidadão. A começar, por exemplo, com a Abolição da Escravatura, um processo longo, ao fim do qual os negros foram libertos sem as mínimas condições de serem inseridos livremente na sociedade branca.

            Não tinham educação, não sabiam como agir naquela nova realidade. A eles só restava desempenhar papel subalterno.

            Não há dúvidas de que aí encontramos uma das principais origens da desigualdade social no nosso País e uma das grandes razões pelas quais a ampla maioria dos detentos é de origem afrodescendente.

            Mas o Estado brasileiro ainda é socialmente injusto, na medida em que não garante igualdade de oportunidades para todos, como manda a Constituição Federal.

            Na educação, por exemplo, as diferenças são gritantes. Enquanto o filho do rico e da classe média tem acesso aos melhores recursos, aos melhores colégios, ao filho do pobre é reservada a escola pública, que enfrenta greves, que remunera mal os professores e que não oferece aos alunos uma educação pelo menos compatível com aquela que é oferecida pela rede privada.

            Como resultado, o filho do pobre não vai conseguir os melhores empregos, não vai conseguir uma ascensão social.

            Ao contrário, vai continuar repetindo o modo de vida de seus pais, de seus avós. E, se não conseguir emprego, muitas vezes poderá se encaminhar para a criminalidade.

            E todos sabemos que educar é melhor do que punir.

            A educação é fundamental para qualquer indivíduo se tornar um cidadão. Punir os jovens, os adolescentes, com o encarceramento é tirar-lhes a chance de se tornarem cidadãos conscientes de direitos e deveres; é assumir a própria incompetência do Estado em lhes assegurar esse direito básico que é a educação.

            Portanto, entendo que o Estado brasileiro é socialmente responsável, no que diz respeito à violência, porque, historicamente, não tem aplicado as políticas necessárias para garantir às crianças, aos adolescentes e aos jovens o pleno exercício de seus direitos, e isso tem ajudado muito a aumentar os índices de criminalidade da juventude.

            Como conseqüência, o que vemos hoje é um tipo de Estado Penal, que administra a panela de pressão de uma sociedade profundamente desigual.

            Mas a responsabilidade não é só do Estado. Um outro componente muito importante nessa escalada da violência é a família.

            Nos últimos anos, assistimos a uma verdadeira revolução na vida familiar. A dinâmica da vida moderna não permite mais que os membros de uma mesma família/ muitas vezes, almocem juntos, por exemplo; não permite que tenham mais diálogo em casa sobre temas importantes, como drogas.

            O jovem hoje vive mergulhado na internet e na televisão. Como resultado, temos uma verdadeira desagregação da família, comprometendo a educação do jovem, que, muitas vezes, fica sem embasamento, sem valores morais e éticos, e passa a ser uma presa fácil para o crime organizado, sobretudo nas famílias de baixa renda.

            Nosso sistema prisional também contribui para o aumento da violência, justamente porque os presídios não oferecem condições para a reeducação e a reinserção social do detento.

            Exatamente por isso, de acordo com as estatísticas, 70% dos presos retornam ao cárcere.

            E retornam porque não conseguiram aprender lá dentro valores e habilidades que lhes permitam viver dignamente aqui fora.

            E quando saem de lá, não encontram amparo na sociedade, que lhes fecha as portas do mercado de trabalho - afinal, quem gostaria de empregar um ex-presidiário?

            Então, esse cidadão, vítima do preconceito, ao não encontrar um emprego, retorna à vida do crime e, uma vez preso, volta ao presídio. E assim o ciclo se repete.

            Como vemos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o fenômeno da violência urbana é muito complexo, possui múltiplas causas, e não será equacionado simplesmente reduzindo a maioridade penal.

            É lógico que nos deixam profundamente chocados casos como o da jovem Yorrally Ferreira, aqui de Brasília, de apenas 14 anos, covardemente assassinada por seu ex-namorado - que postou as cenas do crime na internet, crime esse cometido dois dias antes de o rapaz completar 18 anos.

            E lógico que ficamos chocados com isso. E muitas vezes a população fica indignada, querendo vingança, porque esse rapaz, por ser menor de idade, será enquadrado no Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê medidas socioeducativas.

            Com isso, aos olhos da sociedade, parece que não há punição. Mas a punição existe.

            A partir dos 12 anos, qualquer adolescente é responsabilizado pelo ato cometido contra a lei.

            Essa responsabilização, executada por meio de medidas socioeducativas previstas no ECA, tem o objetivo de ajudá-lo a recomeçar e a prepará-lo para uma vida adulta de acordo com o socialmente estabelecido.

            O ECA prevê seis medidas socioeducativas: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; semiliberdade e internação. O ECA ainda recomenda que a medida seja aplicada de acordo com a capacidade de cumpri-la, as circunstâncias do fato e a gravidade da infração. E mais: o adolescente pode ficar até 9 anos em medidas socioeducativas, sendo três anos interno, três em semiliberdade e três em liberdade assistida, com o Estado acompanhando e ajudando a se reinserir na sociedade.

            O tratamento é diferenciado não porque o adolescente não sabe o que está fazendo, mas pela sua condição especial de pessoa em desenvolvimento.

            Nesse sentido, o objetivo da medida socioeducativa não é fazê-lo sofrer pelos erros que cometeu, e sim prepará-lo para uma vida adulta e ajudá-lo a recomeçar.

            Então, não podemos dizer que não existe punição ao menor infrator. A punição está prevista no ECA, mas o problema é que o ECA não vem sendo cumprido em sua totalidade.

            Acontece que muitos adolescentes que são privados de sua liberdade não ficam em instituições preparadas para sua reeducação.

            Ficam em instituições que reproduzem o ambiente de uma prisão comum, sem as mínimas condições de garantir a sua reinserção na sociedade para que ele não volte a repetir o ato infracional.

            O que não podemos fazer, em hipótese alguma, é confundir impunidade com imputabilidade.

            A imputabilidade, segundo o Código Penal, é a capacidade de a pessoa entender que o fato é ilícito e agir de acordo com esse entendimento, fundamentado em sua maturidade psíquica.

            E, ao que tudo indica, essa maturidade psíquica parece chegar mesmo a partir dos 18 anos.

            São minoria os países que definem o adulto como pessoa menor de 18 anos. Das 57 legislações analisadas pela ONU, apenas 17% adotam idade menor do que 18 anos como critério para a definição legal de adulto.

            Curioso notar que, na Alemanha, foi criado um sistema especial para julgar os jovens na faixa de 18 a 21 anos.

            Portanto, Senhor Presidente, essa questão da redução da maioridade penal é absolutamente cristalina. Não há nenhum motivo para promover uma medida tão drástica quanto essa no nosso ordenamento penal.

            A meu ver, haveria outras soluções mais adequadas não apenas para reduzir a violência urbana, mas também para reeducar e ressocializar o jovem infrator.

            As causas da violência e da desigualdade social não se resolverão com a adoção de leis penais severas. É preciso adotar medidas capazes de romper com a banalização da violência e o seu ciclo vicioso.

            A primeira solução seria cumprir integralmente o ECA. E, por incrível que pareça, as maiores resistências ao cumprimento do ECA partem dos próprios órgãos públicos que atuam na área infantojuvenil, como a polícia, a Justiça, os conselhos tutelares e as organizações não governamentais.

            Também faltam investimentos e pessoal especializado para lidar com a problemática da delinqüência juvenil.

            Agora, é lógico que não podemos querer que o jovem seja reeducado em miniprisões como são hoje os centros de detenção de menores.

            Então, é preciso cumprir o ECA em sua integralidade, uma das legislações mais avançadas do mundo, no que se refere à proteção dos direitos da criança e do adolescente. Esse é, a meu ver, o primeiro ponto.

            A segunda solução seria priorizar a educação de base. Sabemos que ações no campo da educação possuem um efeito positivo na diminuição da vulnerabilidade de centenas de adolescentes ao crime e à violência.

            Talvez a proposta do Senador Cristovam Buarque, de federalizar o ensino fundamental, seja uma saída nesse sentido, para fortalecer e valorizar a educação nos primeiros anos de vida dos nossos jovens.

            O incentivo à prática de esportes também me parece muito saudável. Os jovens estão numa idade em que possuem muita energia, muita criatividade.

            Nada melhor do que direcionar toda essa energia e criatividade para o esporte, para as artes, para a cultura; e o Estado precisa apoiar isso, precisa criar pólos de difusão de cultura e esporte na periferia, com o objetivo de atrair a juventude para essas atividades saudáveis.

            Precisamos também valorizar o papel da família na educação e na formação dos nossos adolescentes.

            Podemos utilizar os veículos de comunicação, uma concessão do Estado brasileiro, para realizar grandes campanhas de massa, conscientizando as famílias da importância que elas desempenham na educação dos nossos jovens, incutindo em suas mentes valores e ideais elevados.

            Nesse sentido, vejo como de grande importância o papel desempenhado pelos meios de comunicação, não apenas para formar o cidadão de amanhã, mas também ao divulgar a prática de delitos.

            Muitas vezes as reportagens chegam a minúcias de detalhes, descrevendo crimes de tal modo, que se torna didático.

            Até quem nunca pensou em cometer certo crime, a partir da reportagem, já saberá como praticá-lo.

            Então precisamos tomar uma providência quanto a isso, para que os meios de comunicação não se convertam em mais um canal de aprendizagem para o crime.

            Além disso, temos também a questão da saúde mental de nossa população.

            Os níveis de depressão, de stress e de ansiedade são alarmantes em nossas cidades.

            Recentemente, em São Paulo, tivemos notícia da médica Elaine Moreira Munhoz, que se suicidou após matar o filho e a namorada dele, ambos estudantes de medicina, ao que tudo indica, em decorrência da depressão que sofria.

            Precisamos, portanto, desenvolver ações que promovam a melhoria da saúde mental dos brasileiros, que combatam o stress, a depressão e a ansiedade, muitas vezes responsáveis por atos tresloucados de violência urbana.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: todas essas medidas, somadas à melhoria do nosso sistema prisional, à reforma do nosso Código Penai e do Código de Processo Penal, certamente serão muito mais eficazes para diminuir os níveis de violência urbana do que simplesmente reduzir a maioridade penal, o que, como já disse, não atingirá o cerne do problema.

            Nós, aqui, como legisladores, como detentores de mandatos que nos foram confiados pelo povo brasileiro, não temos o direito, e não podemos, agir de forma passional, leviana, com desejo de vingança, quando vemos um jovem, um adolescente, cometer um ato de violência.

            Nossa missão aqui é estar acima das circunstâncias, é pensar no futuro, com isenção e imparcialidade, pensando na lei como um instrumento para regular os conflitos sociais, e não como um instrumento de vingança da sociedade contra o delinqüente.

            É esse tipo de pensamento de nos torna civilizados, que nos diferencia da barbárie, que embasa o Estado de Direito e que permite, em última análise, proclamar que vivemos numa sociedade democrática, na qual a força da maioria não oprime a minoria.

            Concluo, Senhor Presidente, com uma frase do saudoso Nelson Mandela, Prêmio Nobel da Paz e que, como poucos, sentiu na pele o que é uma prisão, o que é a violência. Dizia Mandela que: "Odiar anuvia a mente, obstrui a estratégia. Líderes não podem se permitir odiar".

            Sigamos o conselho de Nelson Mandela.

            Era o que tinha a dizer.

 

DOCUMENTO ENCAMINHADO PELO SR. SENADOR PAULO PAIM EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

Matéria referida:

- Ofício nº1/2014-Gab-Jr - FONAJUV.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/03/2014 - Página 276