Discurso durante a 45ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Satisfação com a decisão do STF pela proibição do financiamento privado de campanhas eleitorais no País; e outro assunto.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO, ELEIÇÕES, LEGISLAÇÃO ELEITORAL. CALAMIDADE PUBLICA.:
  • Satisfação com a decisão do STF pela proibição do financiamento privado de campanhas eleitorais no País; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 04/04/2014 - Página 485
Assunto
Outros > JUDICIARIO, ELEIÇÕES, LEGISLAÇÃO ELEITORAL. CALAMIDADE PUBLICA.
Indexação
  • ELOGIO, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), REFERENCIA, PROIBIÇÃO, EMPRESA, FINANCIAMENTO, CAMPANHA ELEITORAL, OBJETIVO, IGUALDADE, DISPUTA, CANDIDATO.
  • REGISTRO, APREENSÃO, RELAÇÃO, AUMENTO, NIVEL, AGUA, RIO JARI, ESTADO DO AMAPA (AP), SOLICITAÇÃO, APOIO, DEFESA CIVIL, CIDADE, VITORIA DO JARI (AP), MOTIVO, SITUAÇÃO, EMERGENCIA.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, antes de tratar do tema que me trouxe a esta tribuna, que é sobre a decisão de ontem do Supremo Tribunal Federal em relação à ação da Ordem dos Advogados do Brasil sobre o financiamento de campanha - e saúdo a decisão do Supremo sobre a DPF da OAB -, quero, antes de me reportar a esse tema, insistir numa questão que, ainda ontem, sob a presidência de V. Exª, inclusive, eu alertei o Plenário.

            Eu fiz um alerta sobre a preocupação que estava tendo em relação à elevação dos níveis dos rios no meu Estado, o Amapá, em especial no sul do Amapá, e sobre a situação da capital do Estado do Amapá, Macapá. Ainda há pouco, recebi do companheiro Duílio, Secretário Municipal da Prefeitura de Vitória do Jari, a informação sobre a elevação do nível das águas do Rio Jari e sobre a situação na cidade de Vitória do Jari. Segundo dados da Defesa Civil, o Rio Jari alcançou, no dia de hoje, o nível mais alto da história.

            O Prefeito de Vitória do Jari foi obrigado a decretar situação de emergência, e o número de famílias atingidas pela enchente já passa de 60.

            Então, quero, Sr. Presidente, novamente, aqui, solicitar apoio ao Ministério da Integração Nacional e solicitar apoio à Defesa Civil Nacional para a região sul do meu Estado, o Estado do Amapá.

            Ontem, nós tínhamos a informação da elevação em um metro do nível das águas do Rio Jarí e de que, na cidade de Laranjal do Jari, já havia cerca de 70 famílias atingidas pela cheia do Rio Jari. Já agora, recebo a notícia de que 60 famílias foram atingidas na cidade de Vitória do Jari, ambas as cidades localizadas no Vale do Jari.

            Esse apoio é fundamental, é necessário. A região sul do Amapá é pobre e necessita do apoio da União, da acolhida do Ministério da Integração Nacional.

            Dito isso, Sr. Presidente, eu venho aqui para saudar a decisão de ontem do Supremo Tribunal Federal. Embora o julgamento de ontem, com os já proclamados seis votos favoráveis e um contra, tenha sido interrompido pelo pedido de vista de S. Exª o Ministro Gilmar Mendes, a decisão me parece irreversível. E, oxalá, essa decisão tenha posto fim, em definitivo, ao financiamento privado de campanhas no ordenamento jurídico brasileiro.

            O SR. PRESIDENTE (Aníbal Diniz. Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Senador Randolfe, V. Exª me permite?

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - Pois não, Presidente.

            O SR. PRESIDENTE (Aníbal Diniz. Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Ontem, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania estava absolutamente em sintonia com o Supremo.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - Sintonizada; sintonizadíssima.

            O SR. PRESIDENTE (Aníbal Diniz. Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Porque ali tivemos a aprovação da PEC, de autoria da Senadora Vanessa Grazziotin, brilhantemente relatada pelo Senador Roberto Requião, que vai exatamente nesse sentido de proibir o financiamento de pessoas jurídicas a candidatos e a partidos. Eu acho que foi um avanço importante e que merece um adendo ao pronunciamento de V. Exª.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - Perfeito, Presidente. Sintonizadíssima!

            Aliás, Presidente, a Comissão de Constituição e Justiça, em tempo, refez-se de um grave erro que cometeu no ano passado, quando ela própria havia rejeitado um projeto do Senador Jorge Viana que buscava o mesmo intuito: acabar com o financiamento privado de campanha.

            Ontem, fiquei surpreso e, ao mesmo tempo, feliz com a votação sintonizada que obtivemos na Comissão de Constituição e Justiça. E espero, Sr. Presidente, que, da parte da Câmara, não seja cometida nenhuma ignomínia, que não haja sublevação com o que ocorreu no Senado e com a decisão do Supremo Tribunal Federal, porque ela irá na contramão.

            Eu sei, Sr. Presidente, que alguns vão argumentar: “No passado, inclusive na ditadura, já era proibido o financiamento privado de campanha, e veja no que deu! No passado, o sistema foi passível de escândalos.” Ora, Sr. Presidente, é muito estúpido alguém adotar um método e nele insistir se o método fracassa. O que ocorre é que, de 1993 até hoje, o ano de 2014, o sistema atual, que possibilita o financiamento privado de campanha, fracassou. Esse sistema trouxe corrupção para o sistema político. Esse sistema fracassou. Esse sistema imiscuiu-se com o sistema político brasileiro, transformou o CPF de parlamentares, de prefeitos, de governadores e até de presidentes em CNPJs. O maior retrato disso foi a CPI Cachoeira e Delta, que mostrou isso concretamente. Cumpliciou agentes públicos com agentes privados. Fracassou esse sistema. Esse sistema, nos últimos 22 anos ou 24 anos, fracassou, não deu certo para o sistema político brasileiro. Então, nós não podemos insistir nele.

            Alguns contrários a isso vão dizer: “Isso vai instituir o caixa dois em definitivo no Brasil.” Ora, se instituído, o caixa dois será contra legem, estará na ilegalidade. O que está na ilegalidade sempre corre o risco de ser pego. É para isso que existem as instituições. Eu não posso fazer a apologia do ilegal. Se nós condenarmos à ilegalidade o financiamento privado, quem insistir no financiamento privado estará contra a norma, será contra legem. Se insistir no financiamento privado, ferirá a norma e, ferindo a norma, será denunciado e responderá, assim, pelo crime.

            Muito bem disse ontem o Ministro Marco Aurélio. Faço questão de repetir as palavras de S. Exª:

As pessoas jurídicas não votam e não podem ser eleitas. Daí por que não há a menor razão em existir participação no processo eleitoral. Elas defendem interesses materiais, incompatível com a aspiração de aprimorar o bem comum que promana do somatório dos votos individuais dos cidadãos.

            Na verdade, quem disse isso foi o Ministro Lewandowski.

            Mais adiante, disse assim o Ministro Marco Aurélio:

O poder financeiro acaba tendo influência negativa nas decisões políticas do País. O valor político é substituído pela riqueza das empresas doadoras, que controlam o processo político. A elite econômica brasileira, por meio de ações puramente pragmáticas, modela as decisões de governo e as políticas públicas prioritárias, além de contribuir para a debilidade ideológica de nosso sistema partidário.

            Ora, mas é claro, Sr. Presidente! Reflitamos: quem é que tem mais chance de conseguir contribuição de campanha? É aquele partido que está na oposição ou aquele partido que está no Governo? Ou melhor, quem é que tem mais chance de conseguir contribuição de campanha? É aquele partido aliado do poder econômico, é aquele partido que agrada o sistema financeiro ou aquele partido que faz oposição ao sistema financeiro? Quem é que tem mais chance de conseguir a contribuição de um banqueiro? É aquele partido que agrada o capital financeiro, o banqueiro, que faz o discurso do capital financeiro, do banqueiro, ou é aquele partido que contraria o interesse do banqueiro e do capital financeiro?

            É lógico que o capital financeiro vai querer contribuir com aquele, e, aí, há disparidade de armas. Digo isso não somente para a disputa simplesmente do cidadão. Em alguns locais, ocorre até a compra da consciência. Lamentavelmente, ainda existe isso no Brasil! Lamentavelmente, ainda há isso no Brasil. Em outros locais, há até diferença quanto ao acesso ao cidadão. Em alguns locais, alguns terão a possibilidade de disputar eleições com helicóptero ou com jatinho; outros não terão sequer um fusquinha modelo 1970 para fazer suas campanhas.

            O poder econômico torna desigual o processo eleitoral. A Constituição é clara. Foi isso o que a Ordem dos Advogados do Brasil muito bem arguiu na sua Ação Direta de Inconstitucionalidade que, em muito boa hora, foi acolhida ontem por parte do Supremo Tribunal Federal. O que a OAB arguiu foram três princípios republicanos que estão na nossa Carta Magna: o princípio da igualdade, o princípio democrático e o princípio da República.

            O princípio democrático se encontra, Sr. Presidente, no parágrafo único do art. 1º: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” Isso é a alma do nosso Texto Constitucional. Esse princípio é a alma da nossa democracia e do nosso Texto Constitucional. O poder, na nossa democracia, é exercido pelo povo, pelo cidadão. O cidadão brasileiro tem RG, carteira de identidade e CPF. O cidadão brasileiro não tem CNPJ. O que ocorre é que, com o financiamento de campanha, está se trocando o cidadão, o povo, pelo CNPJ de empresas, que passam a ser os verdadeiros titulares do poder. As empresas são as doadoras milionárias de campanha, algumas com conta no exterior. Elas passam a ser as verdadeiras doadoras, as titulares do poder político. O poder econômico passa a ser o verdadeiro titular do poder político.

            Isso, Sr. Presidente, além de injusto, passa a ser inaceitável para a órbita e para a ordem política. Isso passa a ser inaceitável! Por isso, a OAB, em boa hora, arguiu que o atual sistema é incompatível com o princípio democrático, consoante o parágrafo único do art. 1º da Constituição.

            Assim também arguiu que o princípio da igualdade, presente no art. 5º da Constituição, que diz que todos são iguais perante a lei, é desrespeitado por esse sistema eleitoral como ele existe. Há de se acreditar, Sr. Presidente, que esse sistema eleitoral permite igualdade para disputar as eleições? É possível que alguém mais pobre dispute as eleições em igualdade de condições com os mais ricos? É possível que, em Estados como os da Amazônia, onde o acesso às regiões mais distantes se faz por barco ou por avião, o mais pobre possa concorrer com o mais rico a eleição? Não! Quem está no poder político vai ter a doação de um grande empresário que está fora do poder. E o grande empresário vai poder contribuir, e ele vai poder contratar um avião para disputar a eleição. O mais pobre, por via de regra, estando na oposição, não vai ter essa vantagem. O princípio da igualdade está aviltado, sonegado, e isso não é democrático, isso não está consoante com a democracia.

            E o terceiro e último princípio é o da república. Eu já disse desta tribuna, várias vezes, que república, ao contrário do que se diz, não é antônimo de monarquia somente. Se assim fosse, então, haveria várias repúblicas no mundo. República é o sacerdócio da coisa pública, é abnegação em função da coisa pública e sacrifício em função da coisa pública. Não é o simples antônimo de monarquia. Portanto, não é republicano fazer o acordo na campanha com o empresário, o empresário apoiar o candidato, e, depois, este empresário ou esta empresa ter de volta os contratos milionários no governo, no exercício dos governos ou no exercício das prefeituras. Esta é que é a realidade: o apoiador da campanha se torna depois o vencedor das licitações. Isso é ofensa à coisa pública. Ou o apoiador do candidato a Senador ou a Deputado é o frequentador dos lobbies no exercício dos mandatos depois. Essa é ofensa à coisa pública.

            Esses princípios constantes da Constituição são os que foram apresentados e arguidos muito bem pela Ordem dos Advogados do Brasil.

            Fico feliz, Sr. Presidente, com o fato de que a nossa Suprema Corte tenha dado, no dia de ontem, o mais importante passo republicano desde a Constituição de 1988 e de que não tenha a nossa Suprema Corte se intimidado com nenhuma pressão e retirado do nosso ordenamento jurídico a possibilidade do financiamento privado de campanha.

            Agora, cabe a nós regulamentar. Vamos limitar o financiamento a pessoas físicas. Limitemos que a pessoa física, o cidadão seja o único financiador de campanha, dentro do limite do possível para a pessoa física. Vamos disciplinar isso. Vamos disciplinar!

            E, por favor, espero que o Congresso, sinceramente, não busque o velho jeitinho, não busque driblar o que a Suprema Corte brasileira fez no dia de ontem. Buscar driblar o que a Suprema Corte brasileira fez no dia de ontem é retroceder. Quero acreditar que, no dia de ontem, foi possível dar um passo republicano, para que, no futuro, possamos fazer eleições em igualdade de condições.

            Nesses 50 anos, lembramos o último momento em que a nossa democracia, lamentavelmente, foi interrompida, mas, felizmente, neste ano, damos um passo, para que a nossa democracia seja, de fato, amadurecida. No dia de ontem, demos o passo mais importante para o amadurecimento da democracia brasileira, tornando-a, de fato, igualitária na disputa de condições e tornando-a, de fato, republicana.

            Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/04/2014 - Página 485