Discurso durante a 61ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa de projeto que pretende readequar a Lei de Anistia à Constituição Federal e à Declaração da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FORÇAS ARMADAS, DIREITOS HUMANOS.:
  • Defesa de projeto que pretende readequar a Lei de Anistia à Constituição Federal e à Declaração da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Publicação
Publicação no DSF de 30/04/2014 - Página 123
Assunto
Outros > FORÇAS ARMADAS, DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • DEFESA, PROJETO DE LEI, AUTORIA, RANDOLFE RODRIGUES, SENADOR, REFERENCIA, ALTERAÇÃO, LEI DE ANISTIA, MOTIVO, READAPTAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DECLARAÇÃO, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA).

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Apoio Governo/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, na sexta-feira passada, fomos surpreendidos com a notícia do assassinato do Coronel Paulo Malhães, acontecido em seu sítio, no Rio de Janeiro, em circunstâncias ainda pouco esclarecidas.

            Paulo Malhães é um notório torturador e o único depoente na Comissão da Verdade, até agora, Sr. Presidente, que decidiu falar do que havia feito naquele período. As revelações do Coronel Paulo Malhães são de grande importância para o resgate histórico, para a revelação da verdade dos anos da ditadura civil-militar.

            O Coronel Malhães compareceu à Comissão da Verdade e fez revelações importantes. Entre outras, deu detalhes das torturas a que submetia os presos políticos em suas mãos e também revelou que havia participado da ocultação do cadáver do Deputado Rubens Paiva, desaparecido até os dias de hoje.

            Também fez outra revelação da maior importância: que era do conhecimento da cadeia de comando de então o que acontecia nos porões da ditadura. Havia uma comunicação do Planalto até os locais onde se torturavam presos políticos.

            Todas essas revelações foram de grande importância para a Comissão da Verdade, que, certamente, vai refletir no seu relatório final. E é exatamente esse cidadão o primeiro, porque a prática, antes dele, era de que todos os convidados para prestar depoimentos - os convidados entre aqueles identificados como agentes da ditadura, como torturadores, como assassinos conhecidos - se limitavam a dizer que nada tinham a declarar.

            E o Coronel Malhães foi claro e transparente nas suas declarações, nas suas afirmações. Falou detalhes de como desapareciam com vestígios que pudessem identificar as pessoas assassinadas. Enfim, deu uma grande contribuição para a recuperação da verdade histórica. E é exatamente este cidadão, um mês depois que presta esse depoimento, assassinado.

            A Polícia fala em latrocínio. De fato há um cadáver e há objetos roubados. Só que o Coronel Paulo Malhães não é um qualquer. Ele foi um homem importante, teve participação nas mais diversas ações criminosas da ditadura militar e foi o primeiro a se abrir na Comissão da Verdade e a relatar fatos para elucidar questões fechadas desde então. O Coronel Malhães, como nos informou o Presidente da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, Wadih Damous, já estava intimado a comparecer ao Ministério Público Federal para prestar depoimentos.

            Vejam, há fortes suspeitas que levam a imaginar uma ação de queima de arquivo para calar definitivamente o Coronel Malhães. Mas eu também levanto outra possibilidade, além da queima de arquivo. Já que foi ele quem deu início a esse processo, foi o único a informar, com detalhe e precisão, sobre os crimes da ditadura, acho que esse crime também tem como objetivo intimidar novos depoentes, impedir que outras pessoas envolvidas com os crimes da ditadura possam vir a declarar diante das comissões da verdade.

            Tramita nesta Casa, por iniciativa do Senador Randolfe Rodrigues, um projeto de lei que tem como objetivo adequar a Lei da Anistia, de agosto de 1979, à Constituição Federal, que prevê que não há graça nem perdão para crimes de tortura, para crimes contra os direitos humanos. Então nós precisamos ajustar a Lei da Anistia à Constituição Federal de 1988, além do que o Brasil é signatário das Convenções da OEA e da ONU.

            A Comissão Interamericana de Direitos Humanos declarou a Lei da Anistia do Brasil uma lei que não se aplica, porque ela prevê exatamente o perdão para crimes de lesa-humanidade, para crimes de tortura. Portanto, é a estes dois aspectos que precisamos nos ater: Constituição Federal e Comissão Interamericana de Direitos Humanos. É isso que propõe o Senador Randolfe Rodrigues, e eu espero que esta Casa dê uma resposta.

            O Brasil continua convivendo com violações diárias de direitos humanos, com abusos cometidos pelas forças de segurança: tortura, desaparecimento de cadáver... Nós temos casos emblemáticos, como é o do auxiliar de pedreiro Amarildo, desaparecido até hoje.

            Essa prática de tortura e de desaparecimento de corpo atravessou o tempo e chegou aos nossos dias por uma razão: pela impunidade, Sr. Presidente. A impunidade leva à repetição dos crimes. É importante que esta Casa dê um basta à impunidade e que o projeto tramite com urgência, com a velocidade que a sociedade exige, porque só agora a sociedade brasileira está entendendo a tragédia que foi a ditadura civil militar, a crueldade praticada contra brasileiros e brasileiras e a desumanidade de não permitir que as famílias tenham acesso aos restos mortais de seus entes queridos, para poder se conformar com suas mortes.

            Portanto, Sr. Presidente, solicito a esta Casa que dê prioridade à tramitação do projeto que busca readequar - não é uma revisão da Lei de Anistia, apenas colocar a Lei de Anistia nos dia de hoje, readequando-a à Constituição Federal e também à Declaração da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

            Era isso, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/04/2014 - Página 123