Discurso durante a 64ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre Medida Provisória que estende o Regime Diferenciado de Contratações a toda administração pública.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • Comentários sobre Medida Provisória que estende o Regime Diferenciado de Contratações a toda administração pública.
Publicação
Publicação no DSF de 07/05/2014 - Página 124
Assunto
Outros > IMPRENSA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), OBJETIVO, EXTENSÃO, REGIME ESPECIAL, CONTRATAÇÃO DE OBRAS E SERVIÇOS, RELAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, DEFESA, PRESERVAÇÃO, LEI FEDERAL, REGULAMENTAÇÃO, LICITAÇÃO, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF).

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS. Sem revisão do orador.) - Prezado amigo, Presidente Paim, senhoras e senhores, conheço com razoável nível a mencionada Lei nº 8.666/93, Lei das Licitações, pois fui Relator do substitutivo aprovado sobre aquele projeto.

            O texto foi fruto de criterioso trabalho de uma equipe que o produziu a partir de valiosos subsídios colhidos em audiência e outros mecanismos de consulta, os mais especificados. Uma das virtudes da lei é propiciar ao gestor mecanismos que impeçam contratações a preços superfaturados, basta verificar que a lei já determina que conste do edital o critério de aceitabilidade dos preços que obriga a realização de prévia pesquisa de preços.

            Tanto isso é verdade que, poucos meses após a sanção da referida lei, o então titular do Ministério dos Transportes, foi amplamente noticiado, anunciou a sua intenção de renegociar os preços de boa parte dos contratos então administrados por aquela pasta, sob o argumento de que os preços ofertados nas novas legislações haviam caído quase pela metade.

            Enquanto eu entendo que há de se ter a máxima cautela ao pretender introduzir qualquer alteração substancial na nova lei das licitações, ela contém inegavelmente avanços substanciais se comparada ao antigo decreto de 1986.

            Um desses avanços é a livre concorrência instaurada a partir da sua promulgação, especialmente porque não são mais admissíveis exigências descabidas na fase de habilitação dos licitantes, como ocorria, diga-se de passagem, com as antigas exigências dos famigerados “atestados de capacidade técnica”, objeto de oportuno veto do Presidente Itamar Franco.

            A maioria dos males apontados na lei decorre principalmente dos problemas gerenciais, hoje comuns na administração que, por não investir no aprimoramento, na profissionalização dos recursos humanos necessários, há muito se ressente da falta de bons quadros. Essa carência é notória em funções que imponham razoável conhecimento técnico, como é o caso do procedimento licitatório.

            Preocupa-me a intenção subliminar de diminuir, de simplificar as exigências legais sobre as licitações. É temerário deixar de regular pontos de fundamental importância no trato dessa relevante matéria, como se dá, por exemplo, com as locações de bens pela Administração, que deixam de se submeter à licitação com as chamadas inelegibilidades que, a meu ver, carecem de definições específicas.

            Gostaria de reiterar que o meu entendimento é de que atual Lei de Licitações, embora não seja a lei ideal contém avanços que precisam ser preservados. Assim, caberia, quando muito, aprimorá-la em aspectos pontualmente identificados.

            Em 10 de maio de 2008, o jornal O Globo publicou a seguinte matéria: “Lula diz que Lei de Licitações atrapalha obras.” O jornal trazia ainda como subtítulo: “Presidente critica a legislação, que para ele considera ‘todo mundo ladrão’, e [Tribunal de Contas da União], que ‘quase governa o país’”. Segundo o Presidente Lula, o Tribunal mais atrapalha do que ajuda. A Lei de Licitações, atacou Lula, atrapalha por tornar lento o processo de contratação de obras e serviços públicos. O Tribunal de Contas, criticou Lula, passa a fiscalizar atentamente os termos e a execução do respectivo contrato, causando inúmeras paralisações para inspeção e auditorias das contas.

            Nesse raciocínio tortuoso, o então Presidente da República, que deveria ser o funcionário público mais zeloso no cumprimento da lei, pela hierarquia e pelo exemplo, acaba deseducando o País ao carimbar a Lei das Licitações e a atuação do Tribunal e Contas como um transtorno, um verdadeiro estorvo para quem quer realizar obras.

            Estava dado, então, o lamentável recado das reais intenções, à época, do governo Lula. Transtornos e atrasos, deveria saber e deveria dizer o Presidente Lula, não decorrem da existência de uma rigorosa Lei de Licitações e da dedicada atuação do Tribunal de Contas. Infelicidade maior seria sermos uma democracia geridos pela desídia arrogante e vulgariosa dos governantes e pelo contumaz desprezo que têm às leis e aos recursos públicos.

            Seguindo as diretrizes do ex-Presidente, no final de junho de 2011, com a justificativa de que o País precisaria ter agilidade na contratação das obras e serviços para a realização da Copa do Mundo, o Governo Dilma editou a Medida Provisória nº 527/2011. Numa tramitação relâmpago, em menos de dois meses, o País ganhou a Lei nº 12.462, de agosto de 2011, que institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas. Trata-se de uma norma que flexibiliza e, ao mesmo tempo, fragiliza todo o processo de contratação de obras e serviços públicos até então regulados pela Lei de Licitações. O Regime Diferenciado de Contratações Públicas, alternativa adotada, é, porém, problemática em diversos aspectos.

            Com efeito, depois de analisar a norma pode-se concluir que:

            - No disposto que trata especificamente do orçamento, a lei de diretrizes incorre no mesmo vício indicado no item II, cabendo aduzir que a não revelação do orçamento prévio constitui prática adotada em alguns países, embora possam ser levantadas dúvidas sobre sua eficácia no Brasil, considerada a realidade fática e normativa do País;

            - No caso da contratação integrada, é particularmente preocupante, em face dos princípios reitores das licitações, em especial os da isonomia, do julgamento objetivo e da economicidade, que os certames sejam promovidos a partir de um anteprojeto de engenharia, cujos contornos serão fixados em regulamento, e que, obviamente, não se revestirão do mesmo grau de detalhamento e precisão exigidos no caso dos projetos básicos.

            Se o objetivo do Governo, com a aprovação do RDC, era apenas acelerar os procedimentos de contratação de obras e serviços para a Copa do Mundo e as Olimpíadas, a forma precipitada como se deu a instituição do novo regime, afastando-se o processo legislativo ordinário e descurando-se das normas constitucionais de distribuição de competências, pode, ao contrário do inicialmente previsto, operar em desfavor da celeridade pretendida, dando ensejo a disputas judiciais quanto à própria validade da nova Lei.

            Esta dita lei moderna já sofreu seis alterações por leis e agora está sendo reconfigurada pela Medida Provisória 630/2013, para expandir seu espectro de aplicação para outras obras e outros contratos que vão além das intervenções feitas para atender à Copa do Mundo.

            A Medida Provisória 630 promove alterações pontuais na Lei que instituiu o RDC. A primeira delas amplia o conjunto de contratações passíveis de serem feitas sob esse regime, ao incluir aquelas que tenham como objeto obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo.

            A segunda alteração tem por fim estabelecer, como uma das diretrizes das licitações e contratos do RDC, as condições de garantias contratuais compatíveis com as do setor privado.

            A terceira consiste na fixação de parâmetros para a adoção da contratação integrada.

            Na redação antes vigente, a lei dispunha que a contratação integrada poderia ser utilizada quando o objeto de avença fossem obras e serviços de engenharia, e desde que a escolha desse regime de execução fosse técnica e economicamente justificada.

            Além desses requisitos, a medida provisória previa que o objeto da contratação deve envolver ao menos uma das seguintes condições: 1- inovação tecnológica ou técnica; 2- possibilidade de execução com diferentes tecnologias; 3- possibilidade de execução com tecnologias do domínio recente do mercado.

            Por fim, a medida provisória revoga dispositivos da lei que exigia a adoção de critério de julgamento de técnica e preço nas licitações para contratação integrada. Também se suprime a exigência de adoção do critério de julgamento de técnica e preço nas licitações e contratações.

            Segundo a exposição de motivos que acompanha a medida provisória, a primeira dessas modificações objetiva mitigar gargalos logísticos e procedimentos na realização de investimentos nos estabelecimentos penais e nas unidades de atendimento socioeducativo.

            Sobre a segunda alteração, ressalta a Exposição de Motivos a necessidade de adoção, no âmbito do RDC...

(Soa a campainha.)

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS) - ... de mecanismos expeditos de execução de garantias em licitações em vias de serem publicadas, evitando-se o cenário de paralisação de obras.

            Quanto à inserção de condições para a adoção do Regime de Contratação Integrada, não foram explicitados motivos específicos.

            Com relação à supressão da exigência de julgamento por técnica e preço nas licitações para contratação integrada pelo RDC, a Exposição de Motivos menciona a necessidade de ampliação do rol de critérios de julgamento para permitir a aplicação daquele que se amolde mais adequadamente caso o caso for concreto.

            O substitutivo da Senadora do Paraná, ilustre companheira Gleisi Hoffmann, estende o RDC para todas as licitações e contratos da União, dos Estados e Municípios. É geral e amplo. O que no início...

(Interrupção do som.)

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS) - ... era feito para a Copa do Mundo, depois se estendeu (Fora do microfone.) para entidades de educacionais.

(Soa a campainha.)

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS) - E agora é para todos os contratos firmados pelo Governo Federal.

            O regime prevê prazos mais curtos, procedimentos simplificados para a contratação de obras e serviços de engenharia pela Administração Pública. A versão original previa a ampliação apenas para obras do sistema prisional e socioeducativo.

            Depois de debates, o seguro-garantia para execução das obras deve ser obrigatório, e não facultativo. Com ele, as empresas devem garantir até 30% do valor do contrato, para retornar às obras, quando o administrador deixar de pagá-las. Além disso, será dado um prazo para o Executivo regulamentar o assunto.

            Outro ponto controverso do substitutivo é a exclusão da referência técnica para a escolha da empresa que pode comprometer o andamento da obra, desde que seja mais complexa. Para a construção de grandes obras, como hidrelétricas, estradas, pontes ou usina nuclear, o critério técnico tem de ser imprescindível.

            Conforme o substitutivo, as contratações integradas ficarão dispensadas de usar as tabelas do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil e do Sistema de Custo Rodoviário.

            Atualmente, essas tabelas servem de parâmetro para as licitações de obras e serviços e são usadas como base para que os órgãos de fiscalização possam analisar possível sobrepreço ou superfaturamento.

            Pelo texto, o valor estimado da construção integrada será calculado com base em valores praticados pelo mercado, pago pelo Governo em licitações similares ou na avaliação do custo global da obra, examinada por orçamento sintético ou estimativa.

(Soa a campainha.)

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS) - A ganhadora da licitação por contratação integrada não precisará mais apresentar planilhas com indicação dos quantitativos e dos custos unitários e do detalhamento das Bonificações e Despesas Indiretas e dos encargos sociais adequados ao lance vencedor.

            O parecer também define que a remuneração ao contratado pela economia de gastos se restringirá às despesas do custeio.

            Além do mais, faço agregar que o RDC tem sofrido diversas críticas de especialistas. Algumas delas são mais notáveis:

            - sob o pretexto de encurtar o prazo entre a publicação do edital e a entrega da obra, uma parcela da soberania do Estado seria transferida para a iniciativa privada;

            - o RDC tem tido sua constitucionalidade questionada e será analisado em breve pelo Supremo Tribunal Federal. Agora, está nas mãos do Ministro Luiz Fux decidir se acata ou não as liminares, para suspender a validade do RDC nas ações propostas em conjunto por diversos partidos, e também a ação isolada, ajuizada pelo próprio Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel;

            - preocupação relevante dos gestores é que no RDC a licitação é realizada com base em um anteprojeto de poucas especificações, cujo orçamento é inicialmente sigiloso, o que pode dar margem à suspeita venda de informações, já que saber previamente o quanto o contratante estaria disposto a gastar torna-se um ativo valioso. Destaque-se que o projeto básico da obra efetivamente contratado é posterior à escolha do projeto inicial, o que é, a meu ver, uma imperdoável temeridade.

            (Soa a campainha.)

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS) - A rigor, o que se está construindo, de maneira enviesada e camuflada, por estas alterações e por esta medida provisória, é estender a aplicação do RDC para todas as obras e serviços contratados pelo Governo.

            Na prática, nós estamos extinguindo a Lei de Licitações. Praticamente, ela passa a ser uma lei morta.

            São muitas as manifestações contrárias às alterações nos processos licitatórios pretendidos pelo Governo Federal, e, em especial, por esta medida provisória e seu projeto de lei de conversão. Cito algumas relevantes ponderações de especialistas e autoridades.

            Começo pelo engenheiro civil e de segurança do trabalho José Roberto Senno, presidente da Associação Nacional dos Servidores Públicos Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos do Poder Executivo Federal (ANSEAF). Em mensagem a mim enviada em 30 de abril de 2013, alerta o engenheiro Senno:

Tal modelo de contratação implica deixar a cargo do contratado o chamado projeto básico/executivo do empreendimento, ou seja, as decisões mais gerais quanto ao método construtivo, materiais, planos de ataque da obra etc.

[...]

O Brasil está na contramão da história com o RDC. As autoridades públicas brasileiras não podem roubar o futuro do País e não podem deixar de usar a ciência e as técnicas da Engenharia e da Arquitetura e Urbanismo.

Haveremos de chegar a um momento na sociedade e entre as autoridades públicas deste País em que, de tanto ver maus resultados na aplicação de recursos públicos, sem precisar da população nas ruas, consigamos a reação de todos aqueles que têm algum papel de liderança para fazer, orientar e organizar as coisas na direção correta.

Na aplicação de recursos públicos, em especial, não há nada mais importante do que planejar e pensar antes, com o tempo adequado, sem a tirania das eleições a cada dois anos que levam os programas de governo a serem feitos apressadamente, de "afogadilho", com má qualidade, precários, com dispersão de energia e desperdício de recursos públicos.

            O Engenheiro Civil de Segurança do Trabalho José Roberno Senno, presidente da Associação Nacional dos Serviços Públicos Engenheiros, faz essa afirmativa.

            Quem fez a crítica mais contundente ao RDC foi o ex-Deputado e ex-Ministro Luis Roberto Ponte, autor da atual Lei de Licitações, com a experiência de quem foi presidente da Câmara Brasileira da Indústria e Construção, por longos 15 anos. Segundo ele, o sistema “abre as portas da corrupção”. Numa espécie de carta enviada a Sarney, em que pedia para ser ouvido no Senado, escreveu o ex-Ministro.

            Peço que seja transcrito nos Anais, Sr. Presidente, o que terminei de dizer.

            Outra importante argumentação vem do presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas, Jeferson Salazar. Diz Salazar uma importante argumentação que passo aos Anais, mas é radicalmente contrária, dizendo do absurdo que estamos cometendo nesta Casa:

Se o RDC fosse o paraíso anunciado, a sociedade brasileira estaria desfrutando das melhores promessas que acompanharam os compromissos internacionais para sediar a Copa e as Olimpíadas nas terras tupiniquins. Assistimos ao contrário: aeroportos e estádios inacabados e, vergonhosamente, sendo “maquiados” para “inglês ver”, grande parte das obras prometidas como “legado” à sociedade brasileira paralisadas e por parte do poder público um empenho desenfreado para beneficiar a especulação imobiliária nas cidades brasileiras, em especial no Rio de Janeiro.

            (Soa a campainha.)

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS) - Além de que o preço da obra final é muitas vezes superior ao que foi orçado inicialmente.

            Por último, mas igualmente relevante, cito o artigo de Sérgio Magalhães, professor de pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ):

Nós estamos satisfeitos com as obras dos estádios para a Copa? Estão no prazo? Estão com custos conhecidos? Estamos contentes com as obras de infraestrutura prometidas? Estão bem feitas? E as obras do PAC?

Pois saibamos que foram contratadas por uma lei de exceção - o tal RDC. Agora, quer-se estender a todas as obras públicas, seja municipais, estaduais ou federais, o mesmo regime. O argumento: precisa simplificar a licitação.

O limite da simplificação é o gestor público chamar o empreiteiro seu amigo e lhe dizer: "Faça essa obra. Eu não sei bem o que eu quero, mas você pode começar. Meu povo garante os dinheiros."

Será fantasia?

Nas décadas de inflação era difícil superar a lógica da premência: qualquer coisa agora é melhor do que nada amanhã. Os incipientes sistemas públicos de planejamento e de gerenciamento de obras já foram esvaziados.

[...]

O mundo todo sabe, sobretudo os empreiteiros, que é a indefinição ou a falta de projeto o principal fator de atrasos e de aumento de custos de obras. A indefinição projetual, aliás, é uma aliada poderosa da corrupção e dos malfeitos.

Para superar a indefinição [...] de projetos completos, o governo ...

(Soa a campainha.)

O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS) - ... imaginou um atalho: transfere ao empreiteiro a tarefa de "projetar, construir, fazer os testes e demais operações necessárias e suficientes para a entrega da obra".

Alguém faria isso com seus próprios recursos? Mesmo um construtor, no interesse de fazer sua casa, e sem tempo, contrataria um colega nessas condições?

O interesse público está na adequação da obra às necessidades da coletividade, na boa qualidade dos serviços e no seu preço justo. Isto exige um trabalho continuado, que começa em definir o que se quer (o “Programa de Necessidades”), passa pela elaboração de projetos completos, seus licenciamentos, orçamentos confiáveis e transparentes, por uma licitação de obra que permita a concorrência, o gerenciamento dos projetos e o acompanhamento gerencial da obra.

Se os governos querem pressa, precisam melhorar seus processos de decisão, o que se faz com órgãos técnicos de planejamento estruturados como função de Estado. É o que o mundo desenvolvido aprendeu [em qualquer país do mundo].

As entidades nacionais de arquitetura e urbanismo, em documento histórico intitulado "As Obras Públicas e o Direito à Cidade", entregue ao governo federal e às lideranças do Congresso, são contrárias à extensão do RDC a toda obra pública e pleiteiam que a revisão da Lei de Licitações, em andamento no Senado, seja concluída com a exigência de projetos completos.

O Brasil é um país maduro, importante - não pode continuar aos solavancos. Os problemas urbanos precisam ser enfrentados para promover a democratização de nossas cidades. Esses atalhos levam a cidades com maior desigualdade social, insustentáveis e precárias - e à desmoralização da Política.

O futuro não dará razão a tais atalhos, adverte o Prof. Sérgio Magalhães.

            Além disso, Srªs e Srs. Senadores, existe um absurdo na regulamentação das licitações públicas.

            Com a finalidade de modernizar a Lei 8.666, além do projeto do pregão eletrônico, é oportuno lembrar que, em junho de 2013, foi criada no âmbito do Senado Federal uma comissão temporária com a finalidade específica de modernizar a Lei de Licitações.

            Esse trabalho foi encerrado em meados de dezembro passado, com aprovação do relatório da Senadora Kátia Abreu. A matéria tramita como o Projeto de Lei do Senado nº 559, de 2013.

            Ou seja, há um total atropelo do processo legislativo, com inominável desrespeito ao Congresso Nacional e com grave risco de irreversíveis prejuízos à sociedade. Danos que podem nunca ser restaurados.

            Devemos trabalhar para que isso não aconteça, Sr. Presidente.

            Sr. Presidente, peço a transcrição de um artigo publicado hoje, que vou mandar ao gabinete de todos os Senadores, com o título “Na contramão de junho de 2013”, que é uma especificação clara e precisa do que nós estamos fazendo aqui.

            Eu quero dizer apenas, Sr. Presidente, que concordei mais de uma vez com o Presidente Lula quando eu vi realmente entidades de defesa do meio ambiente, às vezes na contramão da história, impedir praticamente que uma empresa de energia elétrica fosse levada adiante. Eu concordo que a defesa do meio ambiente é absoluta. Eu acho fundamental, mas ela tem que conviver com o crescimento, com o desenvolvimento.

(Soa a campainha.)

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS) - Nós não podemos, por exemplo, não mexer em uma árvore da mata amazônica, e nós, parados. É necessário.

            Quando o Presidente Lula disse que, muitas vezes, chega lá o Tribunal de Contas e para uma obra sem mais nem menos e fica parada por um tempo indeterminado, ele também tem razão. Mas a solução não é ter parado, a solução não é suspender, a solução não é, de repente, abrir a licitação para uma obra, e a obra é aberta, ganha a empresa tal, ela vai fazer, ela vai construir, ela vai desenvolver, ela vai acabar, ela vai fazer as obras de engenharia, ela vai fazer as obras de urbanização, ela vai dar o preço final.

            Se, hoje, nós nunca conseguimos criar uma CPI... Olha, Sr. Presidente, estou saindo do Congresso, estou terminando a minha missão nesta Casa, 32 anos. Desde o meu primeiro ano, eu tenho lutado para criar uma CPI dos corruptores, para criar uma CPI dos empreiteiros. Nunca consegui. Nunca.

(Soa a campainha.)

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS) - Esta Casa conseguiu criar uma CPI para fazer o levantamento de como isso é feito. E, de repente, sem mais nem menos, entregamos as obras aos empreiteiros para eles fazerem como bem entendem. Eles mesmos, as entidades de engenheiros, de arquitetos, as entidades preocupadas com essa questão reconhecem que não pode ser assim. Foram feitas com uma rapidez por causa da Copa do Mundo. E mostrou que está errado, mesmo na Copa do Mundo. Estão aí os estádios construídos com três, quatro, cinco vezes mais.

            Estão aí os estádios todos praticamente inacabados, com as obras necessárias que foram liberadas, mas não foram feitas e, agora, com esse mau resultado, quem estender isso para todas as obras, para todas as licitações do Brasil. Com toda sinceridade, eu digo aqui e falo, neste dia, exatamente neste momento, neste dia 6 de maio de 2014: se esta Casa votar essa matéria, se essa matéria realmente for ao final, triste destino, triste destino para o nosso País - a anarquia generalizada na construção de obras públicas.

            Obrigado, Sr. Presidente.

 

DOCUMENTO ENCAMINHADO PELO SR. SENADOR PEDRO SIMON EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

Matéria referida:

- Na contramão de junho de 2013. 
SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR PEDRO SIMON

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Apoio Governo/PMDB - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) -

            Encaminhamento PLV 1/2014 -MP 630/2013

            RDC e Lei de Licitações

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, conheço, em razoável nível de pormenor, a mencionada Lei n° 8.666/93 - Lei de Licitações, pois fui relator, no Senado Federal, do projeto que lhe deu origem.

            O texto foi fruto de criterioso trabalho de equipe, produzido a partir de valiosos subsídios colhidos em audiências públicas e outros mecanismos de consultas dos meios especializados.

            Uma das virtudes da Lei é propiciar ao gestor mecanismos que impedem contratações a preços superfaturados. Basta verificar que a lei já determina que conste do edital o critério de aceitabilidade dos preços, o que obriga à realização de prévia pesquisa de preços.

            Tanto isso é verdade que, poucos meses após a sanção da referida lei, o então titular do Ministério dos Transportes, segundo foi amplamente noticiado, anunciou a sua intenção de renegociar os preços de boa parte dos contratos então administrados por aquela pasta, sob o argumento de que os preços ofertados nas novas licitações haviam caído quase pela metade!

            Entendo que há que se ter a máxima cautela ao pretender introduzir qualquer alteração substancial na nova Lei de Licitações, pois ela contém, inegavelmente, avanços substanciais, se comparada ao antigo Decreto-lei nº 2.300/86. 

            Um desses avanços é a livre concorrência instaurada a partir de sua promulgação, especialmente porque não são mais admissíveis exigências descabidas na fase de habilitação dos licitantes -- como ocorria com as antigas exigências dos famigerados “atestados de capacidade técnica”, objeto de oportuno veto do Presidente Itamar Franco.

            No momento, encontra-se parado aqui na pauta do Senado, o Projeto de Lei da Câmara nº 32/2007, que visa introduzir uma alteração pontual e substancial na Lei de Licitações, atendendo a uma inevitável necessidade de adequação a instrumentos modernos no processo licitatório. E aqui estamos instituindo, dentre as modalidades de contratação, o tipo pregão eletrônico.

            A maioria dos males apontados da Lei nº 8.666/93 decorrem principalmente dos problemas gerenciais hoje comuns à Administração, que, por não investir no aprimoramento e profissionalização dos recursos humanos necessários, há muito se ressente da falta de bons quadros. Esta carência é notória em funções cujas tarefas impõem razoável conhecimento técnico, como é o caso dos procedimentos licitatórios.

            Preocupa-me a intenção subliminar de diminuir e simplificar as exigências legais sobre licitações. É temerário deixar de regular pontos de fundamental importância no trato dessa relevante matéria, como se dá, por exemplo, com as locações de bens pela Administração, que deixam de se submeter à licitação com as chamadas “Inexigibilidades” que, a meu ver, carecem de definições específicas.

            Gostaria de reiterar que o meu entendimento é de que a atual Lei de Licitações, embora não seja a lei ideal, contém avanços que precisam ser preservados. Assim, caberia, quando muito, aprimorá-la em aspectos pontualmente identificáveis.

            Em 10 de maio de 2008, o jornal O Globo publicou a seguinte matéria: LULA DIZ QUE LEI DE LICITAÇÕES ATRAPALHA OBRAS.

            O jornal trazia ainda este subtítulo: PRESIDENTE CRITICA LEGISLAÇÃO, QUE CONSIDERA “TODO MUNDO LADRÃO”, E O TCU, QUE “QUASE GOVERNA O PAÍS”.

            Segundo o Presidente Lula, a Lei e o Tribunal mais atrapalham do que ajudam.

            A Lei de Licitação, atacou Lula, atrapalha por tornar lento o processo de contratação de obras e serviços públicos.

            O Tribunal de Contas, criticou Lula, passa a fiscalizar atentamente os termos e a execução do respectivo contrato, causando inúmeras paralisações para inspeção, auditorias nas contas.

            Neste raciocínio tortuoso, o então presidente da República, que deveria ser o funcionário público mais zeloso no cumprimento da lei, pela hierarquia e pelo exemplo, acaba deseducando o País, ao carimbar a Lei de Licitações e a atuação do TCU como “um transtorno, um verdadeiro estorvo, para quem quer realizar obras”.

            Estava dado, então, o lamentável recado das reais intenções do Governo Lula.

            Transtornos e atrasos, deveria saber e deveria dizer o Presidente Lula, não decorrem da existência de uma rigoroso Lei de Licitações e da eficaz atuação do TCU. Infelicidade maior seria sermos, numa democracia, geridos pela desídia arrogante e voluntariosa dos governantes e pelo contumaz desprezo que se tem às leis e aos recursos públicos.

            Seguindo as diretrizes do ex-Presidente Lula, no final de junho de 2011, com a justificativa de que o País precisaria de ter mais agilidade na contratação das obras e serviços para a realização da Copa do Mundo deste ano, o Governo Dilma editou a Medida Provisória nº 527/2011. Numa tramitação relâmpago, em menos de dois meses o País ganhou a Lei nº 12.462, de agosto de 2011, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RD).

            Trata-se de norma que flexibiliza - e ao mesmo tempo fragiliza - todo o processo de contratação de obras e serviços públicos, até então regulado pela Lei de Licitações.

            O Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), a alternativa adotada é, porém, problemática em diversos aspectos. Com efeito, depois de analisar a norma pode-se concluir que:

            i) A Lei nº 12.462, de 2011, contraria o disposto no art. 7º, I e II, da Lei Complementar nº 95, de 1998, por dispor sobre diversas matérias que não possuem relação entre si;

            ii) A despeito de veicular algumas importantes e positivas inovações na disciplina das licitações e contratos, a Lei do RDC contraria, em diversos dispositivos, normas gerais fixadas pela Lei Geral de Licitações e, por assim o fazer, padece de inconstitucionalidade formal, a qual não existiria caso as inovações fossem incorporadas à própria Lei Geral, em lugar de se fazer uma lei ad hoc, de âmbitos temporal, espacial, com objetivos limitados;

            iii) No dispositivo que trata especificamente do orçamento sigiloso, a Lei do RDC incorre no mesmo vício indicado no item II, cabendo aduzir que a não revelação do orçamento prévio constitui prática adotada em alguns países, embora possam ser levantadas dúvidas sobre sua eficácia no Brasil, considerada a realidade fática e normativa do País;

            iv) No caso da contratação integrada, é particularmente preocupante, em face dos princípios reitores das licitações, em especial os da isonomia, do julgamento objetivo e da economicidade, que os certames sejam promovidos a partir de um anteprojeto de engenharia, cujos contornos serão fixados em regulamento, e que, obviamente, não se revestirão do mesmo grau de detalhamento e precisão exigidos no caso dos projetos básicos.

            Se o objetivo do Governo, com a aprovação do RDC, era apenas acelerar os procedimentos de contratação de obras e serviços para a Copa do Mundo e as Olimpíadas, a forma precipitada como se deu a instituição do novo regime, afastando-se o processo legislativo ordinário e descurando-se das normas constitucionais de distribuição de competências, pode, ao contrário do inicialmente previsto, operar em desfavor da celeridade pretendida, dando ensejo a disputas judiciais quanto à própria validade da nova Lei.

            Esta dita ‘lei moderna’ já sofreu seis alterações por leis e agora está sendo reconfigurada pela Medida Provisória 630/2013, para expandir seu espectro de aplicação para outras obras e outros contratos que vão além das intervenções feitas para atender à Copa do Mundo.

            A Medida Provisória 630 promove alterações pontuais na Lei que instituiu o RDC. A primeira delas amplia o conjunto de contratações passíveis de serem feitas sob esse regime, ao incluir aquelas que tenham como objeto obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo.

            A segunda alteração tem por fim estabelecer, como uma das diretrizes das licitações e contratos do RDC, as condições de garantias contratuais compatíveis com as do setor privado.

            A terceira consiste na fixação de parâmetros para a adoção da contratação integrada. Na redação antes vigente, a Lei dispunha que a contratação integrada poderia ser utilizada quando o objeto da avença fossem obras e serviços de engenharia, e desde que a escolha desse regime de execução fosse técnica e economicamente justificada.

            Além desses requisitos, a Medida Provisória prevê que o objeto da contratação deve envolver ao menos uma das seguintes condições: (i) inovação tecnológica ou técnica; (ii) possibilidade de execução com diferentes tecnologias; (iii) possibilidade de execução com tecnologias de domínio restrito no mercado.

            Por fim, a Medida Provisória revoga dispositivo da Lei que exigia a adoção do critério de julgamento de técnica e preço nas licitações para contratação integrada.

            Também se suprime a exigência de adoção do critério de julgamento de técnica e preço nas licitações para contratação integrada.

            Segundo a ‘Exposição de Motivos’ que acompanha a Medida Provisória, a primeira dessas modificações objetiva mitigar gargalos logísticos e procedimentais na realização de investimentos nos estabelecimentos penais e nas unidades de atendimento socioeducativo.

            Sobre a segunda alteração, ressalta a Exposição de Motivos a necessidade de adoção, no âmbito do RDC, de mecanismos expeditos de execução de garantias em licitações em vias de serem publicadas, evitando-se o cenário de paralisação de obras.

            Quanto à inserção de condições para a adoção do regime de contratação integrada, não foram explicitados motivos específicos. Com relação à supressão da exigência de julgamento por técnica e preço nas licitações para contratação integrada pelo RDC, a ‘Exposição de Motivos’ menciona a necessidade de ampliação do rol dos critérios de julgamento para permitir a aplicação daquele que se amolde mais adequadamente a cada caso concreto.

            O substitutivo da senadora Gleisi Hoffmann estende o RDC para todas as licitações e contratos da União, Estados e Municípios.

            O regime prevê prazos mais curtos e procedimentos simplificados para a contratação de obras e serviços de engenharia pela administração pública. A versão original previa a ampliação apenas para obras do sistema prisional e socioeducativo.

            Depois de debates, o seguro-garantia para execução das obras deve ser obrigatório, e não facultativo. Com ele, as empresas devem garantir até 30% do valor do contrato para retomar a obra quando a administração deixar de pagá-las. Além disso, será dado um prazo para o Executivo regulamentar o assunto.

            Outro ponto controverso do Substitutivo é a exclusão da referência técnica para escolha da empresa que pode comprometer o andamento de obras mais complexas. Para construção de grandes obras, como hidrelétricas, estradas, pontes ou usina nuclear, o critério técnico tem que ser imprescindível.

            Conforme o substitutivo da Senadora Gleisi, as contratações integradas ficarão dispensadas de usar as tabelas do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi) e do Sistema de Custos Rodoviários (Sicro). Atualmente, essas tabelas servem de parâmetro para as licitações de obras e serviços e são usadas como base para que os órgãos de fiscalização possam analisar possível sobrepreço ou superfaturamento.

            Pelo texto, o valor estimado da contratação integrada será calculado com base em valores praticados pelo mercado, pagos pelo governo em licitações similares ou na avaliação do custo global da obra, examinada por orçamento sintético ou por estimativa.

            A ganhadora da licitação por contratação integrada não precisará mais apresentar planilhas com indicação dos quantitativos e dos custos unitários e do detalhamento das bonificações e despesas indiretas (BDI) e dos encargos sociais adequados ao lance vencedor.

            O parecer também define que a remuneração ao contratado pela economia de gastos se restringirá às despesas de custeio.

            Além do mais, faço agregar que o RDC tem sofrido diversas críticas de especialistas. Algumas delas são mais notáveis:

            Sob o pretexto de encurtar o prazo entre a publicação do edital e a entrega da obra uma parcela da soberania do Estado seria transferida para a iniciativa privada;

            O RDC tem tido sua constitucionalidade questionada e será analisada em breve pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Agora está nas mãos do ministro Luiz Fux decidir se acata ou não as liminares para suspender a validade do RDC nas ações propostas em conjunto por diversos Partidos, e também em ação isolada ajuizada pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel; e

            Preocupação relevante dos gestores é que no RDC a licitação é realizada com base em um anteprojeto de poucas especificações, cujo orçamento é inicialmente sigiloso, o que pode dar margem à suspeita venda de informações, já que saber previamente o quanto o contratante estaria disposto a gastar torna-se um ativo valioso. Destaque-se que o projeto básico da obra efetivamente contratado é posterior à escolha do projeto inicial, o que é a meu ver uma imperdoável temeridade.

            A rigor, o que se está construindo de maneira enviesada e camuflada, por estas alterações e por esta MP 630, é estender a aplicação do RDC para todas as obras e serviços contratados pelo Governo.

            Na prática isso significa a extinção da Lei de Licitações.

            São muitas as manifestações contrárias às alterações nos processos licitatórios pretendidos pelo Governo Federal, e, em especial, por esta MP e seu projeto de lei de conversão. Cito algumas relevantes ponderações de especialistas e autoridades.

            Começo pelo engenheiro civil e de segurança do trabalho José Roberto Senno, presidente da Associação Nacional dos Servidores Públicos Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos do Poder Executivo Federal (ANSEAF). Em mensagem a mim enviada em 30 de abril de 2013, alerta o engenheiro Senno:

“Tal modelo de contratação implica deixar a cargo do contratado o chamado projeto básico/executivo do empreendimento, ou seja, as decisões mais gerais quanto ao método construtivo, materiais, planos de ataque da obra etc., restando à Administração apenas a realização de um sintético anteprojeto de engenharia.

Referido aspecto repercute em dois problemas graves no âmbito da isonomia e da moralidade pública: de um lado subtrai do órgão licitante a condição de realizar o cotejamento de propostas em disputa de forma objetiva, pela ausência de critérios uniformes de julgamento, possibilitando amplas formas de manipulação subjetiva do processo de escolha do contratante privado; de outro entrega à "raposa o cuidado das galinhas", entregando a dimensão da obra como política pública ao particular, soterrando mecanismos de controle estatal inerentes à soberania.

O Brasil está na contramão da história com o RDC. As autoridades públicas brasileiras não podem roubar o futuro do país e não podem deixar de usar a ciência e as técnicas da Engenharia e da Arquitetura Urbanismo.

Haveremos de chegar a um momento na sociedade e entre as autoridades públicas deste País em que, de tanto ver maus resultados na aplicação de recursos públicos, sem precisar da população nas ruas, consigamos a reação de todos aqueles que têm algum papel de liderança para fazer, orientar e organizar as coisas na direção correta.

Na aplicação de recursos públicos, em especial, não há nada mais importante do que planejar e pensar antes, com o tempo adequado, sem a tirania das eleições a cada dois anos que levam os programas de governo a serem feitos apressadamente, de “afogadilho”, com má qualidade, precários, com dispersão de energia e desperdícios de recursos públicos.

O projeto de engenharia é um insumo insubstituível para fazer a aplicação de dinheiro público em obras públicas. Se nós aprendermos a fazer isso pensando antes, planejando e elaborando os projetos de engenharia de maneira adequada, dando prazo e remuneração mínima adequada para que uma atividade intelectual como essa produza, chegaremos a um novo tempo em que possamos ter os recursos públicos aplicados corretamente.

Com o projeto completo de engenharia, este instrumento necessário, extraordinário e insubstituível, não escapa a obra pública do controle. O dinheiro público pode ser muito bem controlado na sua aplicação. A obra pública sairá com qualidade, os prazos serão aqueles previstos e os custos serão aqueles previstos.

Se a gente aprender isso, será um legado extraordinário para a sociedade brasileira.

Engenheiro Civil e de Segurança do Trabalho José Roberto Senno - Presidente da Associação Nacional dos Servidores Públicos Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos do Poder Executivo Federal (ANSEAF).”

            Quem fez a crítica mais contundente ao RDC foi o ex-deputado e ex-ministro Luis Roberto Ponte, autor da atual Lei de Licitações, com a experiência de quem foi presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção por longos 15 anos. Segundo ele, o sistema “abre as portas da corrupção”. Numa espécie de carta enviada a Sarney, em que pedia para ser ouvido no Senado, escreveu o ex-ministro Ponte:

“Disseram-lhe que a divulgação prévia do orçamento da obra facilita a vida dos concorrentes para o conchavo; o quanto, então, deve facilitar a vida do concorrente preferido receber essa informação privilegiada?(…)

Desde quando a ausência de preço impede que haja conchavos? Sem projeto nem orçamentos conhecidos mesmo é que a tendência é que as propostas sejam apresentadas com valores mais altos que o estritamente necessário para a execução da obra.(…)

“Não se pode dar aos governantes os mesmos poderes que têm dirigentes privados para negociar seus contratos porque, diferentemente destes, aqueles devem prestar contas ao povo do dinheiro gasto e assegurar iguais direitos a qualquer um que possa executar a obra, fazer a venda ou prestar o serviço.”

            Outra importante argumentação vem do presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas, Jeferson Salazar. Diz Salazar:

“A Lei 8.666 (de Licitações Públicas) está sendo enterrada. A reforma desta lei é uma grande farsa política, com o Governo apostando todas as fichas na extensão universal do Regime Diferenciado de Contratação - RDC (MP 630/2013). Como sugere o próprio nome, o RDC teria que ser um regime diferenciado, para situação de excepcionalidade que pode ocorrer na gestão da coisa pública e que, em nome da lisura e da transparência, teria que ser caracterizada, limitada e definidos os critérios para sua aplicação.

O gestor público tem a obrigação moral de respeitar diretrizes orçamentárias, tendo por base um bom planejamento. A extensão do RDC para todas as obras públicas será a institucionalização da falta de planejamento como regra geral na administração pública. É a inversão de valores na contramão do caminho da probidade administrativa e financeira que o país necessita, escancarando os recursos públicos para a fanfarra desavergonhada e para a gestão temerária e sem controle destes recursos.

A contratação de obras sem projetos bem elaborados e detalhados, sem especificações e orçamentos e sem cronograma de execução, imporá custos altíssimos ao país e comprometerá a qualidades das obras públicas. Os exemplos se multiplicam com as obras da Copa, Olimpíadas e do PAC, nas quais, invariavelmente, os custos e prazos finais ficaram muito acima do que se anunciou e a qualidade muito abaixo daquilo que se prometeu.

Se o RDC fosse o paraíso anunciado a sociedade brasileira estaria desfrutando das melhores promessas que acompanharam os compromissos internacionais para sediar a Copa e as Olimpíadas nas terras tupiniquins. Assistimos ao contrário: aeroportos e estádios inacabados e, vergonhosamente, sendo “maquiados” para “inglês ver”, grande parte das obras prometidas como “legado” à sociedade brasileira paralisadas e por parte do poder público um empenho desenfreado para beneficiar a especulação imobiliária nas cidades brasileiras, em especial no Rio de Janeiro.

À sociedade brasileira, que custeará o banquete da corrupção, sobrará como herança os elefantes brancos: equipamentos públicos subutilizados e de altíssimo custo de manutenção e obras de mobilidade urbana largadas à deriva, engordando o passivo social e, certamente, algumas contas bancárias.

Há décadas reivindicamos a recuperação da capacidade de planejamento do Estado brasileiro e o Brasil, ao arrepio de qualquer racionalidade, caminhará em sentido oposto com a aprovação do RDC. Só podemos interpretar o RDC como um verdadeiro conluio de inconfessáveis interesses políticos e privados se sobrepondo aos interesses maiores da sociedade brasileira. Será a institucionalização da falta de planejamento na gestão da coisa pública à serviço de interesses escusos”, acusa, com propriedade, o presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas, Jeferson Salazar.

            Por último, mas igualmente relevante, cito o artigo de Sérgio Magalhães, professor de pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil. O texto foi publicado na Folha de S.Paulo de 26/04/14. Escreve o professor Magalhães:

“Nós estamos satisfeitos com as obras dos estádios para a Copa? Estão no prazo? Estão com custos conhecidos? Estamos contentes com as obras de infraestrutura prometidas? Estão bem feitas? E as obras do PAC?

Pois saibamos que foram contratadas por uma lei de exceção - o tal RDC. Agora, quer-se estender a todas as obras públicas, seja municipais, estaduais ou federais, o mesmo regime. O argumento: precisa simplificar a licitação.

O limite da simplificação é o gestor público chamar o empreiteiro seu amigo e lhe dizer: “Faça essa obra. Eu não sei bem o que eu quero, mas você pode começar. Meu povo garante os dinheiros.”

Será fantasia?

Nas décadas de inflação era difícil superar a lógica da premência: qualquer coisa agora é melhor do que nada amanhã. Os incipientes sistemas públicos de planejamento e de gerenciamento de obras foram esvaziados.

Com a estabilidade e o crescimento econômico afloraram as demandas reprimidas e outras tantas se apresentaram. Mas, o serviço público vê-se às voltas com a falta de quadros técnicos de planejamento e de gerenciamento de projetos e obras; e com a abundância de quadros político-partidários, em geral despreparados para as funções.

É verdade que presidentes, governadores e prefeitos são premidos pelo prazo de mandato; é compreensível que tenham pressa. Mas o caminho que parecem querer não é correto; levará ao aumento dos problemas, das obras inacabadas com custo exagerado e desnecessárias. Não é a velocidade com que se licita a obra a chave da questão.

O mundo todo sabe, sobretudo os empreiteiros, que é a indefinição ou falta de projeto o principal fator de atrasos e de aumento de custos de obras. A indefinição projetual, aliás, é uma aliada poderosa da corrupção e dos malfeitos.

Para superar a indefinição e a falta de projetos completos, o governo imaginou um atalho: transfere ao empreiteiro a tarefa de “projetar, construir, fazer os testes e demais operações necessárias e suficientes para a entrega da obra”.

Alguém faria isso com seus próprios recursos? Mesmo um construtor, no interesse de fazer sua casa, e sem tempo, contrataria um colega nessas condições?

O interesse público está na adequação da obra às necessidades da coletividade, na boa qualidade dos serviços e no seu preço justo. Isto exige um trabalho continuado que começa em definir o que se quer (o “Programa de Necessidades”), passa pela elaboração de projetos completos, seus licenciamentos, orçamentos confiáveis e transparentes, por uma licitação de obra que permita a concorrência, o gerenciamento dos projetos e o acompanhamento gerencial da obra .

Se os governos querem pressa precisam melhorar seus processos de decisão, o que se faz com órgãos técnicos de planejamento estruturados como função de Estado. É o que o mundo desenvolvido aprendeu.

As entidades nacionais de arquitetura e urbanismo, em documento intitulado “As obras públicas e o Direito à Cidade”, entregue ao governo federal e às lideranças do Congresso, são contrárias à extensão do RDC a toda obra pública e pleiteiam que a revisão da Lei de Licitações, em andamento no Senado, seja concluída com a exigência de Projetos Completos.

O Brasil é um país maduro, importante - não pode continuar aos solavancos. Os problemas urbanos precisam ser enfrentados para promover a democratização de nossas cidades. Esses atalhos levam a cidades com maior desigualdade social, insustentáveis e precárias - e à desmoralização da Política.

O futuro não dará razão a tais atalhos”, adverte o professor Sérgio Magalhães.

            Além disso, Senhoras e Senhores Senadores, existe um absurdo maior na regulamentação das licitações públicas.

            Com a finalidade de modernizar a Lei 8.666/93 - além do projeto do pregão eletrônico - é oportuno lembrar que em junho de 2013 foi criada no âmbito do Senado Federal uma comissão temporária com a finalidade específica de modernizar a Lei de Licitações.

            Esse trabalho foi encerrado em meados de dezembro passado com a aprovação do relatório da Senadora Kátia Abreu. A matéria tramita agora como o Projeto de Lei do Senado nº 559, de 2013. 

            Ou seja, há um total atropelo no processo legislativo, com inominável desrespeito ao Congresso Nacional, e com grave risco de irreversíveis prejuízos à sociedade.

            Danos que podem nunca ser restaurados.

            Devemos trabalhar para que isso não aconteça e que os interesses supremos do Brasil sejam preservados.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/05/2014 - Página 124