Discurso durante a 137ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Descontentamento com a ausência de temas fundamentais para o futuro do País nos debates presidenciais; e outro assunto.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO, ELEIÇÕES. DROGA.:
  • Descontentamento com a ausência de temas fundamentais para o futuro do País nos debates presidenciais; e outro assunto.
Aparteantes
Fleury.
Publicação
Publicação no DSF de 24/09/2014 - Página 71
Assunto
Outros > SENADO, ELEIÇÕES. DROGA.
Indexação
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, SENADOR, PERIODO, CAMPANHA ELEITORAL, REGISTRO, FUNCIONAMENTO, SENADO, CRITICA, CANDIDATO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, MOTIVO, AUSENCIA, DISCURSO, DEBATE, ASSUNTO, IMPORTANCIA, FUTURO, BRASIL, ENFASE, REFERENCIA, FALTA, AGUA, PROMOÇÃO, AGRICULTURA, VIOLENCIA, ZONA URBANA, POPULAÇÃO, IDOSO, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, SISTEMA, SAUDE, PREVIDENCIA SOCIAL, SEGURANÇA, EDUCAÇÃO.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, DISCUSSÃO, PROPOSTA, REGULAMENTAÇÃO, UTILIZAÇÃO, DROGA, REGISTRO, NECESSIDADE, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA, OPINIÃO PUBLICA, DIFERENÇA, CONSUMO, SUBSTANCIA MEDICINAL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, ao mesmo tempo em que agradeço a gentileza do Senador Fleury, que me cedeu sua vez, tendo em vista que a esta hora da tarde a gente começa a querer almoçar. Ele me cedeu a vez e eu quero aproveitar este momento, tão raro hoje em dia, diante da presença dos nossos colegas em campanha.

            Alguns falam que os Senadores estão ausentes; eles não estão ausentes, eles estão presentíssimos nas diferentes campanhas. Estou aqui porque não sou candidato, como os senhores também. A gente pode se dar ao direito e à obrigação também nossa de estar aqui, mas os outros são candidatos, eles têm que estar realmente nos seus Estados. O Senado está funcionando plenamente, cada Senador no seu Estado: essa é a maneira de o Senado funcionar no período de eleição.

            Mas como não estou disputando eleição, eu creio que me posso dar ao luxo, Senador Fleury, de manifestar o descontentamento com os nossos candidatos pela ausência de certos temas fundamentais para o futuro do País nos debates presidenciais.

            O que vemos são candidatos prisioneiros do presente, sem sonhos para o futuro, sem propostas para longo prazo. Imagine se Juscelino tivesse sido candidato, Senador Antonio Aureliano - e o senhor como mineiro percebe isso -, pensando apenas no preço do café, pensando apenas no preço do leite, pensando apenas na melhoria que tinha que fazer no Porto de Santos. Tudo local. Não. Durante a sua campanha, ele propôs ser o Presidente da industrialização, disse que faria uma reorientação no futuro do País em direção ao mundo moderno, da indústria, da urbanização, no lugar da economia agrícola e da sociedade rural.

            A gente não está vendo isso hoje. A gente não está vendo um Juscelino pensando os próximos 50 anos. São candidatos que pensam no máximo as próximas 50 semanas do primeiro ano de governo. E aí a gente não vê temas fundamentais.

            Por exemplo, apenas para citar alguns, sem uma reflexão maior: nós temos a crise profunda por que atravessa o Estado de São Paulo, o Nordeste e outras áreas da escassez de água. Qual é o candidato que está dizendo como o Brasil vai enfrentar a escassez de água nas próximas décadas? E o pior é que nem só o Brasil, o mundo inteiro. Nós vamos entrar no período de escassez de água doce. Como a gente vai enfrentar isso? Reduzindo o consumo? Até quanto dá para reduzir o consumo? Investindo em novas tecnologias de dessalinização e em transporte da água dessalinizada para o interior é uma alternativa. Fazendo novas represas que possam segurar a água que ainda existe no sistema desorganizado do clima nos dias de hoje. Qual é a maneira? A gente não vê. É como se tudo tivesse tranquilo e, daqui a pouco, São Pedro resolve esse problema que não é do Presidente da República.

            É do Presidente da República, é do Senado, é dos líderes brasileiros saberem como os nossos netos e bisnetos vão ter água para beber; como é que eles vão ter água para a energia; como é que eles vão ter água para promover a agricultura, senão eles vão passar fome. A gente não vê o tema da água no debate. É grave isso!

            O Juscelino traria o tema da água para o debate. Nós não vemos como fazer o Brasil um país pacífico. A gente até houve, de vez em quando, um candidato falando em um ministério da segurança. Tudo bem! Mas isso é para hoje. Para o futuro, é não precisar de um ministério da segurança por termos um país pacífico. Não está na alma do brasileiro ser violento. Não faz parte do DNA do brasileiro ser violento. A violência vem de um produto da sociedade. Aqui e ali, há um que tem as suas deformações pessoais e é uma pessoa violenta. Mas, no conjunto, quando a violência se espalha num país, é porque existem causas da violência fora dos indivíduos; logo, causas políticas e sociais.

            E a gente não vê os presidentes dizendo como é que vamos construir, nos próximos 20, 30 anos, uma sociedade brasileira pacífica, como é a maior parte das sociedades do mundo inteiro. Essa violência que a gente vê aqui não é regra no mundo. Existem violências de guerra, existem violências de guerras civis, mas a violência urbana que caracteriza o Brasil é uma especificidade do Brasil, do México e de alguns outros países no mundo. Não é um fenômeno geral. É uma deformação brasileira. E nenhum candidato a Presidente está sabendo ou falando, defendendo como resolver essa nossa deformação. Por quê? Por que no debate está ausente o tema de uma sociedade que seja pacífica, obviamente, além, no imediato, de uma sociedade com segurança? Eu não estou querendo que deixem de falar da segurança para hoje. Eu estou querendo é que falem da paz para o futuro. Mas a gente não vê isso.

            Um outro problema: a sociedade brasileira, como a sociedade no mundo inteiro, está envelhecendo. Dentro de alguns anos, a população velha será maior do que a população jovem. Isso vai exigir uma mudança radical na estrutura social, no sistema de saúde, no sistema de previdência, no sistema de segurança, na educação. Tudo vai mudar quando este País passar a ser, felizmente, um país de velhos, porque esse é um dos problemas que nós desejamos. Este é um dos problemas desejados: todos ficarem velhos. E, ao mesmo tempo, é um país desejado se as famílias não tiverem um número muito grande de filhos. Senão, vamos ter um problema demográfico. Então, não queremos o problema demográfico de uma superpopulação e queremos uma população que viva mais tempo. Logo, queremos uma população de velhos.

            Tudo bem que se queira isso, mas o que fazer? Como vai ser o sistema de saúde com uma população com boa parte da população com mais de 60 ou 70 anos? Como? Vai ser diferente, não vai ser igual à de hoje. E a previdência? Como vai ser a previdência quando a maioria da população começar a viver até os 80 anos ou mais e a base da pirâmide, os nossos jovens, diminuir, porque a taxa de natalidade vai diminuir? Cadê o debate dos candidatos a Presidente sobre como ajustar a política social brasileira para um país que, pela primeira vez na história, em vez de ter uma base robusta de jovens e um topo pequeno de velhos, vai ter um topo grande e uma base pequena? Não se vê. É como se o mundo terminasse, no máximo, depois dos quatro anos de seus mandatos. Cada candidato a Presidente ganha a eleição para governar por quatro anos, mas olhando para os quarenta ou mais anos que vêm depois. Onde está o discurso dos nossos candidatos sobre como o Brasil será capaz de ter um modelo de desenvolvimento que permita o crescimento econômico, mas mantendo o equilíbrio ecológico? A gente até vê candidata que fala mais que outra em conservar os recursos. Mas não é só conservar os recursos, é como equilibrar a natureza com a produção, é como ter uma sociedade harmônica entre elas pela paz - do que já falei - e harmônica com a natureza pela sustentabilidade ecológica. Onde está esse discurso?

            E vou mais longe. Onde está o discurso que diga que o Brasil tem de entrar num tempo em que o bem-estar social deve ser mais importante até mesmo do que o crescimento da produção? Quem está falando que o crescimento econômico, o aumento da produção e o PIB maior são um propósito, mas que o verdadeiro propósito é ter pessoas mais felizes, com maior bem-estar? Não falam nisso. Falam em crescimento, não falam em bem-estar. Não falam em mais felicidade para o povo brasileiro; fala-se em mais automóvel.

            Onde está o debate para os próximos anos?

            Aí entra um ponto fundamental: ontem, pela manhã, a Presidenta Dilma falou, no Bom Dia Brasil, que é preciso uma política industrial. Mas a política industrial de que ela fala é a política industrial para a mesma indústria. Ela não falou numa política industrial para mudar a indústria.

            Imagine se Juscelino, grande mineiro, Senador Antonio Aureliano, tivesse se preocupado só com a indústria daquele tempo, a indústria de alimentos que se fazia, a indústria de sapatos, a indústria de tecidos? Não! Ele veio com a indústria metalmecânica, ele veio com a indústria do automóvel.

            Está na hora de um Presidente que saia da indústria do automóvel e que diga que, daqui para frente, o Brasil vai ter de ser um país da indústria baseada na alta tecnologia, de uma indústria que não vai só produzir, mas que vai inventar coisas novas.

            Cadê o candidato a Presidente que está falando num novo perfil do produto, e não só no tamanho maior do produto, que é o PIB grande? A gente não vê. Eles estão discutindo o tamanho do PIB, não estão discutindo a beleza do PIB. Existem PIB bonito e PIB feio. O PIB feio, em primeiro lugar, é aquele que depreda a natureza. A gente tem de ter um PIB bonito, que não deprede. O PIB feio é aquele que, para crescer, tem de concentrar a renda; o PIB bonito é aquele que distribui e que, ao mesmo tempo, melhora o bem-estar, e não, necessariamente, a produção.

            Fabricar metrôs gera mais bem-estar hoje do que fabricar carros. Na época de Juscelino, não! Na época do Juscelino, era o carro que elevava o bem-estar. Hoje não é mais!

            Cadê o candidato a Presidente propondo um novo modelo de desenvolvimento industrial, e não políticas para o velho modelo industrial?

            Para a Presidenta Dilma, a política industrial é mais subsídios à indústria automobilística, à indústria da chamada “linha branca”, de fogão e televisão, ou seja, é o apoio ao mesmo setor tradicional da indústria metalmecânica.

            Onde está o candidato que diga que o BNDES vai concentrar os seus financiamentos nas indústrias de alta tecnologia, e não mais nas indústrias tradicionais? Foi isto que fez a Coréia do Sul.

            O banco de desenvolvimento da Coréia do Sul se negava a financiar indústrias tradicionais, a não ser que elas se reciclassem para produzir novos bens. É por isso que hoje a gente compra as coisas coreanas na televisão, nos equipamentos, porque o BNDES deles financiou bens novos.

            Cadê o discurso? Cadê? Cadê o discurso claro de que o Brasil, em 20 anos, não precisará mais do Bolsa Família? O discurso é se ele deve ser mantido ou não. É uma grande mentira da chapa da Presidenta Dilma a afirmação de que qualquer dos candidatos vai acabar com o Bolsa Família. Isto é uma mentira! Esta é uma mentira que não deveria ser tolerada numa campanha política séria.

            Agora, a crítica que a Presidenta Dilma deveria fazer aos outros candidatos e que os outros candidatos deveriam fazer à Presidenta Dilma é que ninguém está dizendo, Senador Fleury, como é que, no Brasil, a gente deixará de ter necessidade do Bolsa Família? Porque o Bolsa Família é um abrigo, e abrigo não é para ser permanente, mas para ser um abrigo daqueles que são refugiados do crescimento econômico excludente. Eles, os pobres, não cabem dentro do modelo econômico, ficaram de fora. Aí, a gente criou para eles uma tenda, o Bolsa Família, que, felizmente, existe e que tem que continuar. Mas a verdadeira solução para os próximos anos não é esse abrigo para as famílias pobres, mas trazer as famílias pobres para dentro do modelo. Cadê o discurso deles? Não vejo.

            Assisto àquele horário eleitoral, que acho que é uma grande invenção ainda do Regime Militar, se não me engano, porque ele faz com que a gente ouça, assista, debata, mas assisto frustrado, pelos limites dos candidatos apenas ao imediato, ao curto prazo. Há um ajuste, mas não há mudança, não há transformação, não há, vamos dizer mesmo, a revolução de que este País precisa.

            Cadê o debate sobre como vai ser a sociedade lá em 2034 ou em 2040, quando toda família vai estar tão bem que não vai precisar de Bolsa Família? Tinha que haver esse discurso, tinha que haver um candidato a Presidente que dissesse “enquanto uma família precisar de Bolsa Família, ela vai recebê-la, mas eu não descansarei até que essa família não precise mais dela”. E, provavelmente, não são os velhos dessas famílias, mas as crianças. Cadê o candidato dizendo, com clareza, que vai abolir a necessidade do Bolsa Família através da educação de qualidade para seus filhos? Não tem. Tem candidato dizendo que vai implantar horário integral. Não diz como.

            No Brasil, a educação é municipalizada. Nenhum Presidente vai ter condição de implantar horário integral num sistema municipalizado. Mas cadê o candidato que diga “eu vou adotar as escolas das cidades cujas prefeituras, de tão pobres, não podem dar uma boa educação às crianças da sua cidade”? Não tem. Cadê o candidato que diga “vou criar uma carreira nacional do magistério muito bem remunerada que será implantada ao longo de duas décadas para que nossas crianças tenham escola de qualidade e que, quando adultas, não precisem mais do abrigo do Bolsa Família”? Não tem. O debate está extremamente frágil, imediatista e frustrante. É por isto que as pessoas não estão entusiasmadas com a eleição.

            Senador Aureliano, Brasília, assim como, creio, outras cidades, nesta época de eleição, era colorida, com bandeiras dos candidatos nos carros, com adesivos dos candidatos nos vidros, era colorida no rosto, nos olhos das pessoas falando com orgulho em quem iriam votar. Hoje, há um silêncio, às vezes até um constrangimento quando dizem em quem vão votar, dizendo bem baixinho, sem o orgulho de antes. E os carros têm os vidros limpinhos, quase todos sem bandeira. Onde estão as bandeiras, Senador? Onde estão as bandeiras dos candidatos, que a gente via em profusão nas eleições passadas? Essas bandeiras estão escondidas por falta de sedução nos discursos dos candidatos de hoje.

            Claro que também houve uma desmoralização da política, pela corrupção, pela degradação do processo, pelas formas coniventes como se faz política, pela promiscuidade do setor público com o privado e até com o Executivo, com o Judiciário e com o Legislativo. Houve uma degradação. Mas acho que o que realmente está abatendo o eleitor é a falta de sonhos, de propostas para o futuro, de projetos consistentes, como os que Juscelino trouxe, sobre como este País pode mudar, como ele pode reorientar-se para um novo tempo. Nós estamos fazendo uma eleição como se ela fosse influir apenas nos próximos quatro anos. Um país que faz eleição pensando apenas nos próximos quatro anos é um país sem futuro, porque o futuro de um país não se esgota em quatro anos. Se quatro anos não bastam nem para a gente, imagine para um país!

            Nós estamos prisioneiros do presente e da ausência de sonhos, de propósitos novos. E nunca, talvez desde os anos 1930 ou 1950, isso foi tão necessário, porque, nessas últimas duas ou três décadas, a gente precisou apenas do sonho da democracia, de acabar com a tortura, acabar com o exílio. Fora isso, o resto estava indo, baseado no modelo econômico dos anos 1930 e 1950, com Juscelino.

            Hoje, não! Está na hora de mudar! É uma nova economia que surge, é um novo perfil demográfico que aparece, é uma nova relação com a natureza que nos desafia. E parece que os candidatos a Presidente não querem saber de desafios, em parte porque trabalham, falam, propõem baseados nas pesquisas de opinião, e as pesquisas de opinião não gostam desses assuntos, querem a coisa nítida, nítida e simples.

            Os candidatos, Senador Aureliano, não apenas não estão olhando lá longe, quando o Brasil não precisar de Bolsa Família; a verdade é que eles têm medo de perder votos dizendo que vão lutar para que um dia não se precise mais de Bolsa Família, porque podem dizer que eles são contra o Bolsa Família. Veja a que ponto nós estamos prisioneiros do presente! Dizer que queremos, um dia, um país sem necessidade de Bolsa Família parece que estamos dizendo que queremos acabar com o Bolsa Família, porque não conseguimos imaginar longe, distante, o futuro, apenas o presente, e hoje o Bolsa Família, sim, é necessário. Hoje não dá para pensar em um pacífico país, temos que pensar em segurança. Aí a gente fica prisioneiro das palavras de hoje, e nossos candidatos ficam como nós, e nós ficamos como eles. Isto deixa uma frustração e até mesmo uma indignação. Digo, com toda a franqueza, que acho até bom não ser candidato hoje, pois posso vir aqui fazer esta crítica, esta análise, desabafar, sem me preocupar se isso vai dar voto ou não.

            Mas garanto que o que estou dizendo é necessário para que nossos candidatos tragam, primeiro, um Brasil melhor para o futuro e, segundo, um clima melhor para as eleições dos tempos de hoje.

            Era isso, Senador, o que tinha para falar...

            O Sr. Fleury (Bloco Minoria/DEM - GO) - Peço um aparte.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - ...mas vejo que o Senador Fleury me honra com o pedido de aparte.

            O Sr. Fleury (Bloco Minoria/DEM - GO) - Eu queria registrar à Mesa, Sr. Presidente, minha indignação com o que vi ontem na CDH, Comissão que estava sendo presidida pelo nosso mestre e professor Cristovam Buarque: a agressividade de algumas pessoas que lá estavam não para discutir o problema que estava em pauta, mas para bagunçar, atrapalhar e aproveitar o momento para se promoverem, pois eram candidatos. Agrediram com palavras, durante muito tempo, o nosso mestre, o Senador Cristovam Buarque, que, com toda a sua diplomacia, levou a reunião até o fim. Inclusive, tentaram tirá-lo do sério. Não saiu do sério o nosso Presidente da CDH porque é um mestre em educação. Quero aqui deixar minha indignação e pedir aos Pares, aos Senadores, que à reunião da CDH compareçam não para defendê-lo - isso ele sabe fazer sozinho -, mas para dar força àquela Comissão, para mostrar aos que vêm aqui para bagunçar e aproveitar o momento para se promoverem eleitoralmente que esta Casa não se presta a isso. Fiquei indignado, fiquei ali até o fim, assistindo às duas Comissões. Quero, inclusive, agradecer ao Senador Cristovam Buarque, que me colocou como Presidente na Comissão de Deficientes Físicos. Mas, na segunda reunião, fiquei indignado! Fiquei ali até o fim. Tentaram de todo jeito desmoralizá-lo, mas essa palavra não cabe no dicionário do nosso Senador Cristovam Buarque. Era esse o aparte que eu gostaria de fazer.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Senador Fleury, eu lhe agradeço muito pelo que o senhor aqui trouxe. Aliás, agradeço muito sua presença lá e o momento em que o senhor tomou a defesa, pela maneira como as coisas estavam acontecendo. Agora, eu lhe agradeço, sobretudo, porque o que o senhor traz tem a ver com o que eu falo.

            Tomemos esse problema. Não está aparecendo, no discurso dos candidatos, um dos mais graves problemas do Brasil de hoje e dos próximos anos, o chamado consumo de drogas neste País. Este País, Senador Aureliano, virou um botequim de sexta a domingo. É um botequim com 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Onde mora nossa juventude? Mora nos botecos, bebendo e fazendo uso de outras drogas. A gente tem de enfrentar esse problema.

            Graças a um grupo de jovens, deu-se entrada no Senado a uma proposta de regulamentação do uso da maconha. A Presidenta Ana Rita, sem me consultar, colocou-me como relator, e eu não recusei, porque eu tinha esse direito. Não estou criticando a Senadora Ana Rita. Aliás, fui presidente de comissão e eu indicava relator sem consultar também, e ele dizia: “Não quero.” Eu disse: “Eu quero fazer!” Só que, em vez de discutir a regulamentação, decidi discutir o problema em si da droga. São dois problemas, na verdade: o problema do consumo e da dependência e o problema do tráfico. São dois os problemas que estão envolvidos e que não são a mesma coisa.

            Pois bem, o fato de querer debater o problema maior e lá distante gera esse conflito nas audiências entre os que são a favor e os que são contra a regulamentação, entre, eu até diria, os que são a favor e os que são contra o próprio consumo. Aí tomei um caminho que pode não ter sido o mais inteligente, mas que acho que é o melhor para o Brasil: o de fazer audiências públicas para discutir o assunto. Eu poderia ter me reunido com três ou quatro pessoas e escrito meu parecer, dizendo que se arquivasse a proposta de debate da regulamentação ou que se encaminhasse à Consultoria o estudo de um projeto de lei para regulamentação. Eu poderia tê-lo feito, pois, com isso, eu já estaria tranquilo há quatro meses. Mas eu disse: “Não, vou fazer audiências.” E ainda faltam duas. Felizmente, depois das eleições, não vai haver o que tem havido agora: candidatos querendo se aproveitar da transmissão pela TV Senado para aparecer, burlando a lei eleitoral.

            Eu vou continuar, Senador Fleury - espero contar com sua presença -, querendo discutir o tema geral: o tema do consumo e o tema do tráfico. Droga não é coisa boa! É coisa, às vezes, necessária, como o remédio, mas é muito melhor não precisar de remédio! E, às vezes, ela é usada para dar alegria, como beber, como fumar. Mas é muito melhor não precisar beber nem fumar para ser feliz. Isso é muito melhor! Algo está errado na sociedade, pois, para ser feliz, a gente tem de beber, a gente tem de fumar, a gente tem de tomar drogas, ou até a gente tem de trocar de carro uma vez por ano ou a cada dois anos. Por que ter de trocar de carro a cada ano para ser feliz?

            Algo está errado na sociedade que fez o homem químico, como somos todos nós hoje, seja por remédio; seja por cafeína no café; seja por droga também, na qual caem tantos jovens; seja por álcool, no qual cai muita gente.

            O debate é para discutir, para regulamentar. Em vez de proibir o consumo... Vai piorar ou não o consumo? Vai piorar ou não o tráfico? São dois problemas que, às vezes, se opõem. Você, resolvendo um, agrava o outro. Se você libera a droga, por exemplo, não há mais tráfico, mas aumenta o consumo. Então, você criou um problema em função da solução.

            Ao mesmo tempo, manter o proibitismo que está aí aumenta o número de jovens na cadeia por que fumaram um cigarro de maconha. Isso também é exagero. Isso não vai trazer solução para o problema, porque não reduz o consumo. Com isso, agrava-se o problema, pois não só há jovens presos, como também há jovens que, na prisão, se perdem.

            Quando a gente quer discutir o longo prazo e quer discutir com certa isenção, aí vem o que o senhor mesmo disse: a violência nas palavras de alguns presentes e a manipulação que fazem depois pela rede social. Agora, uma coisa que me surpreende, Senador Aureliano, é que os mais pacíficos têm sido os defensores da regulamentação e que os mais violentos têm sido os que são contra a regulamentação. Eu até imaginava que era o contrário, porque muitos que defendem a regulamentação são chamados de maconheiros, e eles são pacíficos. Os que são contra a regulamentação, que defendem que tudo continue como está, que tudo seja proibido, têm sido violentos, como o senhor viu.

            Mas a gente vai continuar e realizar as duas audiências que faltam. Depois, eu vou fazer o meu parecer. Só que eu dividi. A proposta que aqui chegou trazia a discussão em torno do uso para fins recreativos e para fins medicinais. Com o debate feito até aqui, eu já tenho argumentos suficientes para ver que é preciso, sim, aproveitar o poder medicinal que essa erva tem. Não dá para deixar tanta gente sofrendo por causa de um preconceito sobre o uso de uma droga, embora tenha de se perguntar como é que ela vai ser produzida. Vai ser produzida em uma farmácia, como o remédio que se toma para dor, que veio do ópio, que é proibido como droga, mas que é usado como matéria-prima? E aqueles que usam maconha para se proteger durante os tratamentos de quimioterapia, que têm de tomar o chá? A gente vai deixá-los produzir ou não? Mas, se deixá-los produzir, como é que vai limitar o tamanho? Aí vem a confusão, aí vem a complexidade que o Uruguai está vivendo, que o Colorado, nos Estados Unidos, está vivendo.

            Tudo isso exige reflexão, e vou levar adiante. Eu, hoje, não tenho posição sobre se a regulamentação é um caminho melhor ou pior do que o proibitismo de hoje. Mas tenho uma conclusão, sim: o proibitismo não está funcionando. Ele não está funcionando porque o consumo continua aumentando, não está funcionando porque o tráfico continua aumentando. Então, ele está trazendo os dois lados negativos. A gente tem de quebrar ou os dois, de preferência, ou um desses dois. Vamos escolher qual, levando em conta se aumenta ou não o consumo; se maconha é ou não uma droga que coloca outras, como o álcool parece que coloca; se diminui o tráfico ou se o tráfico que hoje vende maconha vai vender outras coisas; e, em quarto lugar - e muitos não o querem -, se está de acordo com o imaginário, com o sentimento e com a moral brasileira tomar uma decisão radical como a regulamentação, porque isso pode ferir a moral do País. Aí a gente tem de pensar.

            Algum tempo atrás, era o divórcio. O divórcio feria a moral brasileira. Foi uma luta de muitos e muitos anos. Hoje, as pessoas ficam espantadas quando alguns, como eu, dizem que são casados há mais de 40 anos. Isso espanta. Em vez de espantar o divórcio, hoje espantam os casamentos duradouros. Houve uma mutação na maneira como as pessoas veem os problemas da moral.

            Por um lado, lamento o esforço que estou fazendo, as incompreensões que recebo, o preço político que estou pagando por coordenar e fazer esse relatório. Por outro lado, eu agradeço muito à Senadora Ana Rita, porque ela me deu a chance de enfrentar um problema difícil em um momento difícil que o Brasil vive em relação à droga. Eu queria que os outros candidatos a Presidente também tivessem essa coragem de enfrentar os problemas difíceis sem ficarem prisioneiros da simplificação do imediato, que eles não olhassem o horizonte de tempo do País limitado à data da eleição e à data do fim do seu mandato, mas, sim, às datas das futuras gerações que o nosso País vai ter.

            Era isso, Sr. Presidente. Muito obrigado pela tolerância.

            Muito obrigado pelo aparte, Senador Fleury, pois me deu a oportunidade de falar de um assunto que eu nem estava pensando em falar. Obrigado, Senador Fleury.

            O SR. PRESIDENTE (Antonio Aureliano. Bloco Minoria/PSDB - MG) - Meu caro Senador Cristovam Buarque, V. Exª foi de uma felicidade enorme em seu pronunciamento, porque abordou temas da maior importância, como não poderia deixar de ser, pois V. Exª já foi Governador do Distrito Federal, foi candidato à Presidência da República e prestou enormes serviços a este País e a este Congresso Nacional.

            V. Exª foi muito feliz quando colocou a necessidade da discussão de quatro problemas de extrema importância, e entre eles está exatamente a mobilidade urbana e o problema do aumento ou da diminuição populacional. No meu modo de ver, eu diria que, dos países continentais, o Brasil ainda precisa de gente. Quando falo isso, as pessoas costumam estranhar, mas, como V. Exª colocou muito bem, a base da pirâmide está cada vez menor, aumentando o topo. Na verdade, só se consegue cálculo atuarial e, inclusive, social se houver condições de a base ser pelo menos três vezes maior que o topo da pirâmide. Então, tenho a certeza de que o Brasil está precisando distribuir melhor e aumentar a sua população. Comparado com os países continentais, podemos dizer que nosso País está com um crescimento vegetativo menor e com um problema sério de sustentar a evolução e os nossos mais velhos. V. Exª colocou isso de forma muito clara.

            V. Exª fala da parte das drogas. Tenho acompanhado pari passu o trabalho extraordinário, diligente, dialético e convincente que V. Exª vem fazendo na Comissão de Direitos Humanos. Como disse Juscelino, a vida pública tem de deixar de lado o medo. Juscelino falou que foi isento do sentimento de medo, e V. Exª tem dado uma demonstração clara de que, ao enfrentar esse problema gravíssimo para a juventude brasileira e para todos nós, está deixando a sociedade discutir de forma aberta e clara, como é dever do Congresso Nacional.

            Quero dizer ao senhor que é uma honra muito grande compartilhar do Senado com V. Exª, homem que, permanentemente, está dando uma contribuição não só com sua orientação de palavra, mas com sua ação no Congresso Nacional. Parabenizo-o!

            Quero dizer que nós temos de dar, cada vez mais, uma demonstração de que, antes de tudo, não devemos ter medo de perder cargos ou de perder eleição, mas de que devemos ter a coragem de sempre falar ao povo brasileiro o que é necessário se ouvir para melhorar este País.

            Meus parabéns, Senador Cristovam!

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Muito obrigado, Senador.

            Eu me lembro de alguém que foi assim, além de Juscelino: seu pai, o Vice-Presidente Aureliano Chaves. Em muitos momentos, ele enfrentou com a coragem de quem ia ficar mal na história ou bem na história, mas cumprindo aquilo que ele achava que, naquele momento, era o certo. Alguns até poderiam achar que não era, mas ele achava, e ele enfrentou. E não por oportunismo, não por interesse próprio, mas por patriotismo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/09/2014 - Página 71