Discurso durante a 164ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca do combate à pobreza no Brasil.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS, POLITICA SOCIAL.:
  • Considerações acerca do combate à pobreza no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 13/11/2014 - Página 166
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS, POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ELOGIO, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, SENADO, MOTIVO, APROVAÇÃO, PARECER FAVORAVEL, REFERENCIA, PROJETO DE LEI, ASSUNTO, DEFINIÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PROPOSTA, OBJETIVO, ERRADICAÇÃO, POBREZA, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, DEFESA, PROGRAMA DE GOVERNO, BOLSA FAMILIA, CONTRIBUIÇÃO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Caro Presidente, Senador Randolfe Rodrigues, do PSOL do Amapá, cumprimento-o pela sua extraordinária atuação no Senado. Embora seja o Senador mais jovem, tem sempre surpreendido a todos nós com a sua contribuição, por sua assertividade e convicção de construir o Brasil e torná-lo uma Nação cada vez melhor.

            Gostaria de registrar a presença na Tribuna de Honra do Senado do Juiz Alcindo dos Santos, do tribunal estadual em Campinas, que está sendo indicado em uma lista tríplice para se tornar desembargador no Tribunal Federal em São Paulo.

            Eu quero dar uma boa nova hoje. Estou muito feliz, pois, tendo em conta o parecer do Senador Anibal Diniz na manhã de hoje, na Comissão de Direitos Humanos, foi aprovado o Projeto de Lei no 66, de 1999, que “institui a linha oficial de pobreza e estabelece que o Governo Federal deverá definir metas de progressiva erradicação da pobreza e diminuição das desigualdades socioeconômicas”. Ele deu um parecer favorável ao substitutivo que veio da Câmara dos Deputados.

            Eu aqui quero recordar que, em 1999, levei em consideração que os números da desigualdade de renda e da pobreza no Brasil eram alarmantes. A redução da pobreza deve ser uma das maiores responsabilidades do Governo. O art. 3o de nossa Constituição - aqui relembro - diz:

Art. 3o Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - [enfatizamos este inciso] erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

            Eu dizia, na minha justificativa, que, apesar de estarmos distantes desses objetivos fundamentais, é necessário estabelecer critérios que deem a noção exata do caminho a ser percorrido e dos objetivos que se almejam alcançar para a erradicação da pobreza. É necessário estabelecer uma meta explícita da redução da pobreza. A construção de uma linha de pobreza fornecerá uma referência na análise da extensão da miséria no Brasil e na consecução e orientação das políticas sociais. O conhecimento da eficiência relativa de políticas sociais depende da formulação de objetivos e restrições sob as quais esses objetivos podem ser alcançados.

A afirmação de que um programa alcançou determinado patamar de eficiência só pode ser interpretado no contexto de uma formulação explícita de objetivos e restrições.

            E aí, Sr. Presidente, recordo as ponderações do professor Anthony B. Atkinson, em seu livro Pobreza na Europa, em que cita a passagem do Prêmio Nobel de Economia James Tobin, em artigo de 1970, sobre o estabelecimento de uma medida oficial de pobreza: “A ‘Guerra Federal contra a Pobreza’, além de tudo o mais que foi realizado, estabeleceu uma medida oficial de prevalência da pobreza nos Estados Unidos”.

            E prossegue James Tobin:

A adoção de uma medida quantitativa específica, apesar de arbitrária e questionável, terá consequências políticas duráveis e de longo alcance. As administrações serão julgadas pelo seu sucesso ou falha na redução da prevalência da pobreza medida oficialmente. Enquanto uma família for encontrada abaixo da linha de pobreza, nenhum político será capaz de anunciar vitória na Guerra contra a Pobreza ou ignorar o conhecimento das obrigações da sociedade para com os seus membros mais pobres.

           E aí ele assinala - e eu também nas minhas justificativas - as diversas experiências de países que adotaram estratégias nacionais contra a pobreza, inclusive cita a Irlanda e outras nações.

           Ora, quero enaltecer o parecer muito benfeito do Senador Anibal Diniz, que concluiu que o substitutivo apresentado na Câmara dos Deputados reduz de modo significativo o campo da proposição, que era mais extenso, e limita-se a definir em seus termos - e vou aqui citar exatamente quais os termos desse projeto de lei que, dada a simplificação com que a Câmara dos Deputados o elaborou, ficou da seguinte maneira:

SUBSTITUTIVO DA CÂMARA AO PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 66, DE 1999

Art. 1º Esta lei dispõe sobre a linha oficial da pobreza.

Art. 2º Para fins desta lei, considera-se linha oficial de pobreza o rendimento anual mínimo necessário para que um grupo familiar ou uma pessoa que viva sozinha possa adquirir os bens e serviços necessários para uma vida digna.

Art. 3º As políticas públicas de erradicação da pobreza deverão conter metas nacionais e regionais de redução do número de famílias e pessoas que estejam vivendo abaixo da linha oficial de pobreza a que se refere o art. 2º.

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

            Eu aqui faço um apelo, Senador Randolfe Rodrigues, para que, aqui no plenário do Senado Federal, antes mesmo do final desta Sessão Legislativa, portanto, até dezembro no máximo, possamos confirmar a decisão tomada hoje pela manhã, por consenso: a aprovação pelos Senadores do parecer do Senador Anibal Diniz, portanto, a forma com que foi aprovado o substitutivo ao meu projeto na Câmara dos Deputados.

            É importante e, obviamente, estamos todos sempre dando muita atenção ao progresso ou à falta de progresso à vida, nestes últimos anos, na questão do combate à pobreza e à diminuição das desigualdades socioeconômicas em nosso País.

            Ao final dos anos 90, nós estávamos com um coeficiente de Gini, de desigualdade, na ordem de 0,61, o que nos colocava dentre os três países, senão o terceiro país, mais desigual do mundo.

            Depois, com a aplicação dos programas de transferência de renda e com a política econômica, inclusive a política de aumento do salário mínimo e tantos outros instrumentos de política econômica e social, de inclusão social, houve uma melhoria significativa. O coeficiente de Gini, de desigualdade, foi diminuindo, desde algo como 0,59 ou 0,588 em 2001 e 2002, diminuindo a cada ano, até chegarmos ao nível de, aproximadamente, 0,49 em 2012.

            Mas sabem as senhoras senadoras e os senhores senadores que, de 2012 a 2013, segundo o IBGE, houve um ligeiro aumento do número de pessoas em condição de pobreza extrema, segundo a definição do Governo brasileiro para pobreza extrema. Então, é algo que deve nos preocupar a todos.

            Ainda não saiu o coeficiente Gini de desigualdade do ano de 2013 e também não saíram os dados relativos a 2014. Mas nós podemos aqui analisar como andam os programas de combate à pobreza, em especial o Programa Bolsa Família.

            E aqui eu quero registrar o artigo de Leandro GPP, Leandro Ferreira, publicado no blogue de Luis Nassif. “Bolsa Família: Quem recebe x quem não recebe”, por Leandro GPP.

Após o resultado da eleição, foram variadas as manifestações de preconceito feitas em relação à população mais pobre do País, em especial a nordestinos e nortistas. Parte das críticas reside no fato de serem dependentes do Programa Bolsa Família (PBF). Um Deputado Estadual paulista chegou ao ponto de sugerir a suspensão do título eleitoral dos beneficiários do programa.

Essas manifestações nos dão uma excelente oportunidade: descartar os absurdos para partir em direção à pauta que entendemos que seja realmente importante para os próximos quatro anos de governo. Dar resposta aos conservadores anti-Bolsa Família deve ser apenas o começo. O que esperamos do Bolsa Família e do contínuo combate à pobreza deve ser uma agenda permanente para o avanço do Governo Dilma II.

Foi muito alardeado que temos no Brasil mais de 47 milhões de pessoas diretamente beneficiárias pelo PBF. Quase um em cada quatro brasileiros efetivamente está inscrito no programa recebido em conjunto pela família. Mas quantos são os brasileiros que poderiam receber o Bolsa Família? Todas as famílias pobres que cumprem as condicionalidades já estão entre os 47 milhões de beneficiários? [Indaga Leandro Ferreira.]

Não! E isso surpreende. Temos 13.982.036 famílias que recebem o Bolsa Família. Entretanto, até junho de 2014, último dado disponível no sistema do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, são 19.163.508 famílias que teriam o direito de receber pelo programa, já que têm uma renda per capita de até R$140,00 por mês. [...]

            Quero aqui atualizar a informação com os últimos dados do Ministério do Desenvolvimento Social. Em verdade, o total de famílias cadastradas com renda per capita mensal de até R$154,00 por mês... Desde junho, pelas regras do Programa Bolsa Família, se a família não alcançar R$154,00 per capita, ela passa a ter o direito de se inscrever e receber os benefícios do Bolsa Família. Pois bem, em agosto de 2014, segundo os dados do Ministério do Desenvolvimento Social, eram 19.436.725 famílias. E o número de famílias beneficiárias pelo Programa Bolsa Família, em outubro de 2014, era de 13.982.036 famílias. Portanto, a cobertura do Programa Bolsa Família é de 71,93%, nos dados mais recentes do MDS, ou algo como 72%. O valor médio do benefício pago a cada uma das famílias é de R$169,67, ou podemos arredondar para R$170,00.

A Presidenta Dilma, desde o início do seu Governo, fez um apelo para que se realize a chamada Busca Ativa. Por esse processo, os governos estaduais, as prefeituras, o próprio Governo Federal, as associações variadas da sociedade civil [sejam as entidades sindicais, sejam as patronais] devem esforçar-se para encontrar as famílias pobres, inseri-las no Cadastro Único de Programas Sociais e trabalhar para que atendam às condições de cada programa oferecido pelos governos.

Como está, então, o balanço da Busca Ativa em cada região do País? A tabela abaixo mostra um ranking de cobertura do Bolsa Família por Estados. Os números absolutos e de famílias estão ao lado, para termos a dimensão do programa, a dimensão da situação. O Ceará é o Estado que melhor alcança suas famílias pobres através do Bolsa Família, com 82,19%.

O que mais me impressiona nessa tabela, contudo, são os Estados que não têm boa cobertura. Os cinco piores são, nesta ordem: Paraná (63,2%); Rio Grande do Sul (61,29), São Paulo (59,02%), Santa Catarina (55,49%) e Distrito Federal (55,35%). São Estados considerados “mais ricos”. Os governos municipais e estaduais dos últimos colocados, em tese, têm melhores condições de encontrar e dar assistência às famílias pobres.

Mesmo em números absolutos, ao se olhar para São Paulo, por exemplo, é importante compreender a situação. As famílias beneficiárias no Estado são 1.270.203 e recebem, em média, R$156,00 por mês cada uma. Resulta numa transferência mensal, feita pelo Governo Federal ao Estado de São Paulo, de R$198 milhões. Caso as 2.152.010 famílias recebessem pelo programa, o potencial de transferência para o Estado seria de mais de R$355 milhões. São Paulo tende a ser um Estado mais rico ao inserir suas famílias que precisam do Bolsa Família, e não mais pobre.

Um bom exemplo de atuação sobre esse tema é o da Prefeitura de São Paulo, no Governo Fernando Haddad. Em janeiro de 2012, ao iniciar o seu governo, eram 227.938 famílias beneficiárias; hoje, a cidade tem 340.877 famílias inseridas no programa, um aumento de quase 50%, graças aos esforços do Prefeito Fernando Haddad e da sua Secretária de Bem-Estar Social, Luciana Temer, que tem se empenhado muito para que se alcance o máximo de Busca Ativa, o que faz com que a cidade de São Paulo tenha uma injeção de R$50 milhões por mês em sua economia, através do Bolsa Família.

São muitos os estudos que comprovam que o Bolsa Família é uma boa aposta como estratégia de movimentação da economia, ainda melhor como estratégia de garantia de autonomia mínima diante das situações de pobreza.

O que cria currais eleitorais é a pobreza em si, que submete, ainda hoje, milhões de famílias à exploração, inclusive política. Mais interessante que nos perguntarmos como votaram os beneficiários do Bolsa Família é nos perguntarmos como votaram as famílias que ainda não recebem o Bolsa Família, mas teriam direito de receber - inclusive as 1.571.606 dos Estados ricos, na lanterna do ranking. Em síntese, o que o Programa Bolsa Família precisa, no próximo Governo de Dilma, não é de portas de saída. Precisamos de mais portas de entrada.

            E eu gostaria, inclusive para bem assinalar os progressos do combate à pobreza pelo Governo Dilma Rousseff, de também trazer aqui um artigo recente, de 4 de novembro, da Ministra Tereza Campello, “Para além do Bolsa Família”:

Perdem a oportunidade de entender a reeleição da Presidenta Dilma os que se limitam a analisar os votos de beneficiários do Bolsa Família

Perdem a oportunidade de entender a reeleição da Presidenta Dilma Rousseff os que se limitam a analisar os votos de beneficiários do programa Bolsa Família, cujas famílias recebem R$170,00 por mês, em média.

Os resultados das políticas sociais no Brasil vão muito além do Bolsa Família, que completou 11 anos no mês passado e retirou 36 milhões de pessoas da miséria em todo o País, inclusive em São Paulo, o segundo Estado brasileiro com o maior número de beneficiários.

A opção nas urnas pela continuidade do projeto de desenvolvimento com inclusão também pode ser identificada nas regiões com maior concentração de brasileiros que tiveram melhoria de renda pelo aumento do salário mínimo ou do emprego. A “coincidência” [entre aspas] também é identificável no mapa do programa Luz para Todos, que levou energia elétrica a 15 milhões de brasileiros, metade deles no Nordeste, entre outros programas.

O objetivo das políticas sociais não se resumiu a transferir renda por meio do Bolsa Família. O grande desafio era fazer com que os mais pobres tivessem também educação, saúde, saneamento, eletricidade e moradia. A partir de 2011, o acesso à renda e a serviços e a inclusão produtiva no campo e nas cidades se intensificaram com o Plano Brasil Sem Miséria.

Hoje, já é possível medir o impacto do conjunto de ações com base no indicador de pobreza multidimensional crônica elaborado pelo Banco Mundial. A pobreza crônica caiu de 8,2% da população, em 2002, para 1,1%, em 2013.

O Banco Mundial considera pobres crônicos as pessoas que, além de baixa renda, sofrem privações em pelo menos três de sete dimensões da pobreza, considerando o perfil educacional dos responsáveis da família, a frequência escolar de crianças e jovens, o acesso a serviços como água e luz e a posse de bens, como geladeira, fogão e telefone.

Os números nos permitem afirmar que a pobreza crônica no Brasil segue o mesmo caminho da fome, considerado um fenômeno praticamente superado.

De forma a confirmar que a estratégia de combate à pobreza alcançou o seu núcleo mais duro, os dados mostram que a redução da pobreza crônica foi maior nas famílias com pelo menos um filho menor de seis anos de idade. O percentual de pobres crônicos nesse grupo passou de 13,8% para 2,1%, entre 2002 e 2013. Entre negros e pardos, o índice caiu de 12,6% para 1,7% no mesmo período.

O Nordeste não registra apenas o maior número de beneficiários do Bolsa Família, mas também a queda mais acentuada da pobreza. Quando o fenômeno é considerado em suas várias dimensões, a queda foi de 19% para 1,9%.

Esses resultados mostram que a ação do Estado brasileiro alcançou os mais pobres e não se limitou a transferir renda; foi além. É importante dizer que parte das ações em curso nem é considerada pelo indicador de pobreza multidimensional, como o aumento do número de alunos que frequenta escolas em tempo integral e creches.

O indicador tampouco registra o aumento do número de famílias pobres que contam com qualificação profissional, como o Pronatec, e crédito para produção. Mas este é um sinal de que estamos no caminho certo. O Bolsa Família, como pretendemos, é a grande porta de acesso a políticas públicas.

Uma população menos pobre, mais educada, mais saudável e com acesso a bens e serviços é pré-requisito para um País mais desenvolvido, mais sustentável e menos desigual. Com a inclusão social e produtiva dos mais pobres, ganha o conjunto da sociedade brasileira.

            Ora, tanto Leandro Ferreira quanto a Ministra Tereza Campello não seguem nas suas conclusões com respeito a para onde vai o Programa Bolsa Família, segundo a lei que nós aprovamos aqui, por consenso de todos os Partidos, tanto no Senado (dez/2002), quanto na Câmara dos Deputados (dez/2003), lei essa que foi para o Presidente Lula sancionar ou não.

            Ele sancionou em 8 de janeiro de 2004. Eu me refiro à Lei nº 10.835, de 2004, que institui a Renda Básica de Cidadania, ainda que por etapas, a critério do Poder Executivo, começando pelos mais necessitados, até o dia em que haverá simplesmente uma renda igual para todos, não importando sua origem, raça, sexo, idade, condição civil ou mesmo socioeconômica. A ninguém será negada.

            Quero aqui cumprimentar e saudar o Jô Soares. Ontem à noite, Presidente Randolfe Rodrigues, a certa altura, estava o Jô Soares comentando com as suas meninas - Meninas do Jô - o fato de que teria havido de 2012 para 2013 uma reversão da diminuição da pobreza. Eis que, então, a nossa Cristiana Lôbo, jornalista da TV Globo e do jornal O Globo, que escreve em muitas publicações brasileiras, mencionou que gostaria do dia em que houvesse simplesmente Bolsa Família para todos, sem quaisquer condicionalidades, para que não ficasse nenhuma pessoa dependente de receber ou não, por qualquer motivo, o benefício do Bolsa Família. Então, Jô Soares disse a ela: “Mas você está defendendo o projeto do Senador Suplicy”. E Cristiana Lôbo disse: “É isso mesmo, e eu concordo que se trata de um bom projeto”. Quisera eu que isso tivesse acontecido antes das eleições de 5 de outubro último, mas, de qualquer forma, quero cumprimentar Jô Soares, Cristiana Lôbo e as meninas que participaram do programa ontem.

            Fiquei muito feliz. Eu não estava assistindo televisão na hora, pois já era mais de meia-noite, mas eis que recebo uma mensagem do meu filho André dizendo que isso havia ocorrido no programa do Jô, no quadro Meninas do Jô.

            Eu fiquei muito contente, feliz mesmo.

            Presidente Randolfe Rodrigues e querido Senador Paulo Paim, se me permitem, eu gostaria de encerrar a minha fala lendo um artigo que é importante para todos nós de partidos progressistas, como o PSOL, mas em especial o Partido dos Trabalhadores, escrito pelo Carlos Alberto Libanio Christo, o Frei Betto, que, na Folha, na última segunda-feira, escreveu “A fábula petista”.

            Permitam-me perguntar: tiveram oportunidade de ler? (Pausa.) Nenhum deles. Então, notem como escreveu um amigo nosso que tanto colaborou para os avanços sociais neste País, que foi conselheiro do Presidente Lula durante a primeira parte de seu governo.

            E leio isto aqui como uma reflexão que nós do Partido dos Trabalhadores devemos fazer.

Com o tempo, o PT deixou de valorizar o trabalho da formiga e passou a entoar o canto da cigarra. O projeto de Brasil deu lugar ao de poder.

A disputa presidencial se resumiu em um verbo predominante na campanha: desconstruir. Em 12 anos de governo, o PT construiu, sim, um Brasil melhor, com índices sociais "nunca vistos antes na história deste país". Porém, como partido, houve progressiva desconstrução.

A história do PT tem seu resumo emblemático na fábula "A cigarra e a formiga", de Ésopo, popularizada por La Fontaine. Nas décadas de 80 e 90, o partido se fortaleceu com filiados e militantes trabalhando como formigas na base social, obtendo expressiva capilaridade nacional graças às Comunidades Eclesiais de Base, ao sindicalismo, aos movimentos sociais, respaldados por remanescentes da esquerda antiditadura e intelectuais renomados.

No fundo dos quintais, havia núcleos de base. Incutia-se na militância formação política, princípios ideológicos e metas programáticas. O PT se destacava como o partido da ética, dos pobres e da opção peio socialismo.

À medida que alcançou funções de poder, o PT deixou de valorizar o trabalho da formiga e passou a entoar o canto presunçoso da cigarra.

O projeto de Brasil cedeu lugar ao projeto de poder. O caixa do partido, antes abastecido por militantes, “profissionalizou-se”. Os núcleos de base desapareceram. E os princípios éticos foram maculados pela minoria de líderes envolvidos em maracutaias.

Agora, a cigarra está assustada. Seu canto já não é afinado nem ecoa com tanta credibilidade. Decresceu o número de sua bancada no Congresso Nacional. A proximidade do inverno é uma ameaça.

Mas onde está a formiga com suas provisões? Em 12 anos, os êxitos de políticas sociais e diplomacia independente não foram consolidados pela proposta originária do PT: “Organizar a classe trabalhadora” e os excluídos.

Os avanços socioeconômicos coincidiram com o retrocesso político. Em 12 anos de governo, o PT despolitizou a nação. Preferiu assegurar governabilidade com alianças partidárias, muitas delas espúrias, em vez de estreitar laços com seu esteio de origem, os movimentos sociais.

Tomara que Dilma cumpra sua promessa de campanha de avançar nesse quesito, sobretudo no que diz respeito ao diálogo permanente com a juventude, os sem-terra e os sem-teto, os povos indígenas e os quilombolas.

O PT até agora robusteceu o mercado financeiro e deu passos tímidos na reforma agrária. Agradou as empreiteiras e pouco fez pelos atingidos por barragens. Respaldou o agronegócio e aprovou um Código Florestal aplaudido por quem desmata e agride o meio ambiente.

É injusto e ingênuo pôr a culpa da apertada e sofrida vitória do PT nas eleições de 2014 no desempenho de Dilma.

Se o PT pretende se refundar tem que abandonar a postura altiva de cigarra e voltar a pisar no chão duro do povo brasileiro, esse imenso formigueiro que, hoje, tem mais acesso a bens materiais, como carro e telefone celular, mas nem tanto a bens espirituais: consciência crítica, organização política e compromisso com a conquista de “outros mundos possíveis”.

            Eu quero agradecer, caro Paulo Paim, meu companheiro no Partido dos Trabalhadores, a reflexão de Frei Betto, porque ela é um chamamento a nós.

            Ainda ontem, estávamos reunidos nós os Senadores do PT, os que estamos hoje e alguns dos que virão no próximo ano. Chegamos a dizer o quanto esperamos que o Senador Randolfe Rodrigues venha a estar conosco em muitas das votações importantes para o Governo, inclusive para o segundo ano do Governo Dilma Rousseff.

            Eu tenho a convicção, Senador Randolfe Rodrigues, de que, nos 24 anos em que eu estive aqui, no Senado Federal, nos anos em que eu estive em oposição aos governos de Fernando Collor de Mello, de Itamar Franco - que falou com todos nós - e de Fernando Henrique Cardoso e nos anos dos governos do Presidente Lula e da Presidenta Dilma Rousseff, eu nunca cheguei a dizer a qualquer pessoa no governo, muito menos ao Presidente da República: “Por favor, nomeie tal e qual pessoa para ministro ou na Administração Pública e libere tais e quais emendas que eu apresentei, quando, então, eu irei votar a favor”.

            O que eu espero, querido Senador Randolfe Rodrigues, é que possa a Presidenta Dilma Rousseff, para V. Exª e para todos no Senado, dizer sempre: “Votem de acordo com a sua consciência, com aquilo que avaliam que seja o interesse público, nunca porque alguém foi designado ou porque foi liberada uma emenda de V. Exª”. Eu, pelo menos, soube proceder assim e tenho a certeza de que esse é o caminho melhor.

            O Senador Paulo Paim sempre assim agiu, mas o Senador Paulo Paim e eu sabemos, e acho que o Senador Randolfe Rodrigues sabe também, que as coisas nem sempre funcionam dessa forma. Nós três aqui podemos nos unir para transmitir a todos os nossos colegas: “Vamos agir com diretrizes mais saudáveis”. E, até 31 de janeiro, enquanto eu estiver aqui, eu continuarei assim a proceder.

            Claro, gostaria, às vezes, de ter maior atenção da Presidenta Dilma Rousseff. Gostaria que ela, por exemplo, viesse a acatar a sugestão que formulei e que todos os 81 senadores assinaram de que ela constitua um grupo de trabalho para estudar as etapas de quando vai chegar a Renda Básica de Cidadania. Isso não poderá acontecer em janeiro de 2015 ou 2016, mas quem sabe a partir de janeiro de 2017?

            Imaginem se a Presidenta Dilma Rousseff disser, em dezembro de 2016, depois de esse grupo de estudos ter realizado as sugestões para o financiamento da Renda Básica de Cidadania: “A partir de janeiro de 2017” - no ano em que o Papa Francisco visitará outra vez o Brasil por ocasião dos 300 anos do aparecimento de Nossa Senhora em Aparecida, tal como ele tanto falou, no ano passado, enaltecendo a batalha do Governo Dilma para erradicar a pobreza absoluta e também para construir uma sociedade fraterna, solidária, com esses valores - “todos os brasileiros, não importando sua origem, raça, sexo, idade, condição civil ou socioeconômica, passarão a receber pelo menos uma renda”.

            Pode-se começar com algo um pouco melhor do que aquilo que paga o Bolsa Família. Se fosse hoje, seriam R$80,00. Quem sabe, em janeiro de 2017, sejam R$100,00? Um dia, serão R$200,00, R$500,00, R$1.000,00, mais e mais com o progresso da Nação. Até para os mais ricos, para o Pelé, para a Xuxa, para o Senador Suplicy, para o mais bem-sucedido empresário brasileiro? Sim. Só que obviamente os que têm mais contribuirão de uma forma que todos vamos concordar para que nós e todos os demais brasileiros e brasileiras venhamos a receber.

            Aí haverá as vantagens maiores, como as apresentadas por Philippe Van Parijs, um dos maiores filósofos e economistas. Ele diz que essa será a maneira de colocarmos em prática os princípios de justiça de John Rawls: os princípios de igual liberdade, de diferença e de igualdade de oportunidades.

            Agradeço-lhe muito, Senador Randolfe Rodrigues, a oportunidade de aqui dialogar dessa maneira com V. Exªs. Agradeço também a atenção do querido Senador Paulo Paim.

            Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/11/2014 - Página 166